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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
151/2002, de 16.01.2003
Data do Parecer: 
16-01-2003
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
JOÃO MIGUEL
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
REVISÃO DE PROCESSO
DOENÇA ADQUIRIDA EM SERVIÇO
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
GRAU DE INCAPACIDADE
Conclusões: 
Não é enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, a contracção de doença - afecção neurológica (bilharziose) -, algures em Moçambique, em 1965, pelo ex-1.º Cabo, NIM (...), (...), aquando da sua prestação de serviço militar.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa e
Antigos Combatentes,
Excelência:




I.

Dignou-se Vossa Excelência remeter à Procuradoria-Geral da República o processo relativo ao ex-1.º Cabo, NIM (...), (...), para emissão do parecer a que alude o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, por subsistirem “dúvidas se o serviço prestado (...) foi desempenhado em termos de risco superior à normal actividade castrense, ou seja em situação de risco agravado equiparável a campanha”.

Cumpre emiti-lo.


II.

1. Da análise do processo de averiguações oportunamente instaurado, na sequência de pedido para qualificação como deficiente das forças armadas, formulado pelo interessado, em 13 de Novembro de 1998, extraem-se, com interesse, os seguintes factos:
a) O requerente foi incorporado no RAP2, em 27 de Julho de 1963, como recrutado, tendo cumprido comissão de serviço militar na ex-PU de Moçambique, de 21 de Abril de 1964 a 4 de Março de 1966, integrado na C. Caç. 515 do B. Caç. 10, com a especialidade de radiotelegrafista e de condutor auto;
b) Em 2 de Janeiro de 1965, baixou à enfermaria de infecto-
-contagiosas do HM n.º 125, por apresentar bilharziose intestinal e paralisia dos membros superior direito e inferior esquerdo;
c) Foi transferido em 14 de Abril de 1965 para o serviço de Neuro-Psiquiatria do Hospital Central Miguel Bombarda de Lourenço Marques por apresentar complicações da doença detectada, e em 12 de Julho seguinte deu entrada no HMP, onde foi observado por diversos especialistas, sendo presente à JHI em 4 de Março de 1966, que o julgou “Pronto para todo o serviço”;
d) Depoimentos prestados por três testemunhas, entre elas o comandante da Companhia e o comandante do Batalhão de C. Caç. 615, esclareceram que a zona em que se encontrava sediada a Companhia, perto do rio Moboqué, era propícia à propagação da doença “bilharziose”, que foi contraída por grande parte dos militares, a qual era causada por um vírus que penetrava pela planta dos pés, alojando-se nos intestinos, e manifestava-se pelo aparecimento de sangue na urina e nas fezes, sendo o requerente o caso mais grave, com problemas ao nível do cérebro, tendo chegado a ficar em estado de coma;
e) Observado pelo Serviço de Neurologia do HMR n.º 1, o médico que o observou concluiu, no relatório elaborado em 17 de Julho de 1999, que “Existe um nexo causal entre algumas das queixas actuais e a afecção neurológica (bilharziose) de que padeceu em Moçambique no ano de 1965”;
f) O Comandante da Região Militar do Norte, por despacho de 1 de Fevereiro de 2000, pronunciou-se no sentido de que “as actuais queixas do requerente têm relação com o serviço”;
g) Presente à JHI/HMR n.º 1, esta emitiu parecer em 19 de Janeiro de 2001, considerando o requerente “incapaz de todo o serviço militar, apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência com 40% IPP/TNI”, por sequelas de mielite transversal cervical, parecer que foi homologado por despacho do Chefe da Repartição do Pessoal Militar não Permanente, de 19 de Fevereiro de 2001;
h) Em 14 de Setembro de 2001, a Comissão Permanente Para informações e Pareceres da Direcção dos Serviços de Saúde (CPIP/DSS) emitiu parecer considerando que “os motivos pelos quais a JHI julgou este 1.º Cabo incapaz de todo o serviço militar com a desvalorização de 40%, resultaram da doença contraída em serviço em finais de 1964, algures em Moçambique, conforme se encontra descrito no processo”;
i) Este parecer da CPIP/DSS foi homologado por despacho de 3 de Outubro de 2001, do Director de Justiça e Disciplina, por subdelegação do General Comandante do Pessoal, delegação recebida por este do General Chefe do Estado Maior do Exército.

2. No Departamento de Assuntos Jurídicos (De Jur) ponderou-se o seguinte, tendo em vista a emissão de parecer pela Procuradoria-Geral da República:
“A entidade médica competente – CPIP/DSS – estabeleceu o indispensável nexo causal entre a doença de que actualmente padece o requerente e a prestação do serviço militar;
“Com efeito, entendeu a CPIP o seguinte[1]:
“(...) 8.1 A mielite cervical (transversa) é um quadro neurológico, resultante de alterações sofridas ao nível do sistema nervoso, que no caso deste militar se revelaram quase simultaneamente com o quadro de Schistosomíase, diagnosticada em finais de DEZ64. (...). 8.4 A Schistosomíase que foi diagnosticada em Moçambique a este militar em finais de 1964 é uma doença própria de climas tropicais, sendo endémica naquela região de África e portanto está directamente relacionada com a prestação do SM em Moçambique, assim como as sequelas de que actualmente sofre o requerente e que surgiram poucos dias depois do início da doença”;
“Apesar de se considerar esta doença como adquirida em serviço, a verdade é que resulta do processo, designadamente dos depoimentos testemunhais que a mesma não foi adquirida “em serviço de campanha” ou “em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha”, não tendo igualmente ocorrido “na manutenção da ordem pública” ou “na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública”;
“Todavia restam-nos dúvidas se o serviço prestado nas condições concretas acima descritas foi desempenhado em termos de risco superior à normal actividade castrense, ou seja em situação de risco agravado equiparável a campanha;
“Relativamente ao conceito “risco agravado”, dispõe o n.º 4 do artigo 2.º do DL n.º 43/76, de 20 de Janeiro, que a qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.
“(...).”

III.

1. Face à matéria de facto enunciada, é manifesto que o caso em apreço não configura qualquer das situações de qualificação automática como DFA contempladas no n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro [inválidos da 1.ª Guerra Mundial e das campanhas ultramarinas anteriores - alínea a); militares no activo, nas condições previstas na alínea b), e os considerados deficientes ao abrigo do Decreto-
-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio - alínea c)][2].
2. Apesar do evento ter ocorrido em 1965, é admissível a revisão do processo, nos termos dos n.ºs 1, 3 e 5 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, na redacção da Portaria n.º 114/79, de 12 de Março.
É, assim, aplicável o Decreto-Lei n.º 43/76, cujo artigo 18.º, n.º 2, preconiza a sua aplicabilidade aos “Cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do n.º 2 do artigo 1.º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo.”[3]
3. O Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das Forças Armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.
O diploma consagra o “reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade», e parte do princípio de que a integração social dos que nessas condições se deficientaram constitui um imperativo e um dever nacionais.
Neste quadro valorativo, consta daquele decreto-lei «a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuíram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas familiares e sociais” [4].
Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei n.º 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:
“Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas
1. O Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social.[5]
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3. Para efeitos do número anterior é considerado deficiente das forças armadas o cidadão português que, sendo militar ou ex-militar, seja portador de perturbação psicológica crónica resultante da exposição a factores traumáticos de stress durante a vida militar. [6]
4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.”

“Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º
1. Para efeitos de definição constante no n.º 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. (...)
3. (...)
4. ‘O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.” [7]


IV.
1. Com exclusão, como se assinalou, dos casos de aplicação directa do n.º 2 do artigo 1.º do mencionado Decreto-Lei n.º 43/76, importa considerar se a factualidade fixada pode ser valorada como concretizando uma actividade a que é intrínseco um risco agravado, conducente à sua equiparação a qualquer uma das situações previstas no n.º 4 do artigo 2.º.
O Conselho Consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1.°, n.° 2, e 2.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.º 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, “pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas.”
“Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas.”[8]
2. Para além do juízo afirmativo sobre o condicionalismo de risco agravado em que o evento se produziu, a qualificação como deficiente das Forças Armadas exige ainda a verificação de dois pressupostos, conforme sublinhou o parecer n.º 242/00 [9]:
a) Em primeiro lugar, requer-se a existência de uma relação de causalidade adequada entre a actividade em cuja prática se produziu o acidente e a incapacidade sofrida, exigência decorrente do Decreto-Lei n.º 43/76 e dos princípios jurídicos gerais em matéria de causalidade. Ou seja: «entre o acto (acontecimento, situação) e o acidente (lesão ou doença), e entre este e a incapacidade, deve existir um duplo nexo causal”.
Por outro lado, como indispensável à determinação da aludida relação, o Conselho tem salientado a necessidade de apurar, «no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado», se encontra nessa dupla relação de causalidade.
b) Em segundo lugar, a verificação de um grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui requisito imprescindível para o efeito da definição de deficiente das Forças Armadas, como preceitua a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76 – ressalvadas, porém, as situações de qualificação automática atrás referidas.
Constatando que na vigência de anteriores diplomas com idênticos objectivos não se encontrava estabelecido tal limite mínimo, o Conselho tem considerado que essa fixação visou equiparar os deficientes das Forças Armadas aos acidentados do trabalho, “terminando com a inconsequência do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma.”
Trata-se de “permitir o enquadramento como deficientes das Forças Armadas apenas aos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição de capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais.” [10]
Coerentemente, o n.º 4 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, dispõe que, «Nos casos de revisão do processo, a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1.º e complementado no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro», salientando, em concreto, a «verificação da percentagem da incapacidade atribuída».
3. Os três mencionados requisitos têm sido, cada um, objecto de tratamento jurídico separado pelo Conselho Consultivo, como frisou o citado parecer n.º 242/00, onde, nomeadamente, se disse:
“Com efeito, crê-se não serem legítimas dúvidas de que o juízo sobre o risco agravado deve manter-se independente da avaliação, nomeadamente, sobre a existência do duplo nexo causal entre o acidente e a actividade que o gera, por um lado, e a incapacidade originada, por outro.
“Elementares razões metódicas radicando na recíproca autonomia dos dois requisitos e na intencionalidade finalística, inclusive, de possibilitar a apreciação da sua convergência na prática fundamentada do acto administrativo de qualificação como DFA pela entidade competente, tudo isso exige a sua caracterização e elaboração jurídica separada.
“Daí que os pareceres se pronunciem em tais hipóteses sobre a agravação do risco, deixando em aberto a questão da causalidade (-).
“O juízo acerca do risco agravado equiparável às situações de campanha e similares enunciadas na lei é, por conseguinte, independente da questão do nexo causal.”
No caso vertente, perante a factualidade descrita, verifica-se por um lado, o duplo nexo de causalidade adequada, e, por outro lado, um coeficiente de desvalorização de 40%, superior, portanto, ao mínimo legal, restando apenas indagar, com vista à qualificação do requerente como deficiente das forças armadas, se a doença por si adquirida ocorreu em situação de risco agravado, na acepção do n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-
-Lei n.º 43/76.
V.
Como se referiu, este corpo consultivo vem considerando de modo uniforme que só hão-de considerar-se abrangidos pelo n.º 4 do artigo 2.º aqueles casos em que haja um risco agravado necessário de grau semelhante, tendo implicada uma actividade arriscada por sua própria natureza e não por efeito de circunstâncias imprevistas ou ocasionais, de tal sorte que, pela sua própria índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha e equivalentes.
O espírito da lei, como se refere no parecer n.º 35/77[11], “aponta para a especial consideração devida aos que têm de enfrentar situações que põem em causa a própria vida ou integridade física para além dos limites de risco inerentes ao exercício normal da função”, ou, como se mencionou no parecer n.º 56/76[12], para “o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria”, mas “a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei n.º 43/76”.
No caso em apreço, trata-se de doença contraída em serviço e por motivo do seu desempenho, quando o requerente cumpria serviço militar obrigatório, algures em Moçambique, interessando recordar a posição tomada por este corpo consultivo em situações de doença adquirida em serviço.
Assim, e entre outros, no parecer n.º 209/77[13] concluiu-se:
“Não é enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doenças adquiridas ou agravadas por virtude da prestação de serviço nos submarinos, em condições normais.”
No parecer n.º 64/78 formulou-se a seguinte conclusão:
“A instrução de ‘gases e fumos’ e o trabalho em gabinete com mostruário de filtros e máscaras anti-gás saturados iniciado em 1944, determinante de intoxicação lenta e do ‘leucopenia crónica’, não configura uma actividade de risco agravado necessário (...).”
Também no parecer n.º 70/79[14] se assentou:
“A produção e o agravamento de doença por efeito de desempenho de serviço militar em más condições climatéricas ou devido a intempéries não preenche os requisitos de que depende a qualificação como deficiente das forças armadas (...).”
Noutra situação, apreciada no parecer n.º 29/89[15], com algum paralelismo com a aqui em apreciação, caracterizada por um militar ter sido mordido por sanguessugas, “quando se tentava dessedentar, chupando água de um local pantanoso”, tendo sofrido ferimentos na vista esquerda e na face do mesmo lado, foi entendido que, esse evento não se caracterizava como em serviço de campanha ou de circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, nem numa situação de risco agravado a elas equiparável.
Escreveu-se então que mesmo considerando o acidente ocorrido “numa missão de combate, no norte de Angola, em 1962, num contexto físico possível de ser qualificado como teatro de operações o certo é que o mesmo não pode ser enquadrado em qualquer dos apontados conceitos [de serviço de campanha ou de circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha]. Com efeito, o mesmo foi resultado de um acto de todo alheio à acção (directa ou indirecta) do inimigo ou a qualquer actividade de natureza operacional. Não se tratou, por outro lado, de um evento directamente relacionado com a actividade operacional que, pelas suas características, pudesse implicar perigosidade. (...)”.
E, analisando o evento no quadro do risco agravado, ponderou-se: “(...) não basta o mero exercício de funções militares para que se estabeleça semelhante equiparação [às situações de campanha ou equivalentes], tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja às previstas nos três primeiros ‘itens’ do n.º 2 do artigo 1.º.
“Assim sendo, não pode o evento descrito, verificado quando o requerente se tentava dessedentar num local pantanoso, ser caracterizado como um acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares nas condições de risco agravado (...).”
E no parecer n.º 18/92[16] igualmente se considerou:
“Não é enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, o caso de doença adquirida ou agravada em serviço por virtude da prestação de serviço como oficial de tiro, expondo o militar a permanências frequentes e prolongadas em carreiras de tiro.”

VI.
Tendo em conta a matéria de facto apurada e descrita no ponto II.1, bem como o regime legal da qualificação de deficientes das forças armadas e as considerações antes assinaladas, quanto a situações de doença contraída em serviço, importa determinar se a situação descrita é ou não subsumível à previsão do disposto no n.º 4 do artigo 2.º citado, ou seja se a doença sofrida pelo requerente, em serviço, o foi em condições de risco agravado, equiparável ao das situações de campanha ou equivalentes.
A doença do requerente, apesar da sua gravidade e das consequências, resultou não do exercício da sua própria actividade militar, mas antes de circunstâncias, porventura exteriores àquela actividade castrense normal, decorrentes do meio envolvente, habitat do vírus causador da doença.
A situação em apreço não diverge daquela em que a doença foi contraída por virtude de desempenho de serviço militar em más condições climatéricas ou de picada de sanguessuga, em relação às quais este Conselho Consultivo considerou não se verificar risco agravado, equiparável ao das situações de campanha ou equivalentes.
Como se ponderou no parecer n.º 122/76[17]:
"Toda a actividade militar comporta, pelos fins que prossegue e pelos meios que emprega, um risco específico que pode ir, por vezes, até ao sacrifício da própria vida. Mas esse é um risco próprio da função militar, inerente ao desenvolvimento do respectivo serviço.
“Excede, naturalmente, os limites dos riscos comuns aos demais cidadãos ou de outras actividades profissionais, mas para os militares não deixa de, em princípio, considerar-se um risco generalizado dentro da instituição.
“Mas a qualificação de deficiente exige um risco agravado, isto é, um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da actividade militar normal.
“Esse acréscimo de risco deve ser avaliado face ao condicionalismo de cada caso, pelas circunstâncias determinantes e envolventes de natureza excepcionalmente perigosa mesmo no âmbito da vida militar, de grau equivalente ao das actividades operacionais expressamente contempladas no aludido preceito".
E acrescentou-se mais adiante:
"Aliás, a importância e o carácter excepcional dos benefícios que acompanham a qualificação de deficiente exigem correspondentemente uma conduta também relevante e de risco excepcional, não se compadecendo com os perigos normais e próprios do exercício do dever funcional simples. Para estes prevê a lei outras reparações e remédios, tais como a reforma extraordinária ou a pensão por invalidez... "
Considerações que se têm sucessivamente reiterado, recuperando-
-se, do já aludido parecer n.º 70/79, o seguinte:
"Com efeito, o tratamento privilegiado de que beneficiam os deficientes das forças armadas tem como pressuposto situações de serviço caracterizadas por uma perigosidade anormal e superior, em grau, à que decorre do comum da actividade militar, que não se compadece com a ponderação de factores de índole subjectiva, específicos e de valoração sempre incerta, pois é sabido que o risco, a ser avaliado em função destes factores, sempre seria fonte de eventuais injustiças e disparidades de valoração, dada a impossibilidade de estabelecer um critério válido para medir ou ponderar, uniformemente, os efeitos agravativos das diferentes condições de serviço decorrentes das particulares características pessoais do militar chamado a desempenhar as funções próprias das actividades que lhe competem estatutariamente."
Em síntese, a doença do requerente, que lhe determinou a incapacidade para o serviço militar, não é consequência de especiais condições de agravação do risco a que foi exposto no exercício das suas actividades militares, consideradas em sentido objectivo, com o alcance de serem caracterizadas por um conjunto de circunstâncias que excederam sensivelmente o risco normal de actividade militar.
VII.
Do exposto se conclui:
Não é enquadrável no n.º 4 do artigo 2.º, referido ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, a contracção de doença - afecção neurológica (bilharziose) -, algures em Moçambique, em 1965, pelo ex-1.º Cabo, NIM (...), (...), aquando da sua prestação de serviço militar.



[1] Os itálicos seguintes são como no original.
[2] Sobre qualificação automática, cfr., v. g., os pareceres n.ºs 18/89, de 29 de Março de 1989, 38/89, de 25 de Janeiro de 1990, 93/90, de 25 de Outubro de 1990, 166/01, de 14 de Março de 2002 e 28/2002, de 10 de Outubro de 2002.
A norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 43/76 só é aplicável aos cidadãos que, à data da entrada em vigor deste diploma, tenham sido considerados deficientes ao abrigo do Decreto-Lei n.º 210/73, de 9 de Maio (neste sentido, cfr. v. g., os pareceres n.ºs 42/90, de 27 de Setembro de 1990, 71/98, de 14 de Janeiro de 1999, e 93/90 e 166/01, acima citados).
[3] Nos termos do n.º 1 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, a expressão revisão do processo ou similar significa “elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das forças armadas (DFA) constante nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.”
[4] Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76.
[5] Pelo Acórdão n.º 423/2001, de 9 de Outubro de 2001, Diário da República, I-A Série, de 7 de Novembro de 2001, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante deste n.º 1, «na medida em que reserva a cidadãos portugueses, excluindo cidadãos estrangeiros residentes, o gozo dos direitos a que se referem os artigos 4.º, 5.º, 9.º, 10.º, 12.º, 13.º, 14.º (salvo no que se refere à preferência no provimento em funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico), 15.º e 16.º do mesmo diploma, por violação do princípio constante do artigo 15.º, n.º 1, da Constituição.
[6] O actual n.º 3 foi introduzido pela Lei n.º 46/99, de 16 de Junho, visando o apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra. Nos termos do artigo 1.º desta Lei, os n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76 permaneceram inalterados. O n.º 4 corresponde ao anterior n.º 3. A Lei n.º 46/99 foi regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 50/2000, de 7 de Abril.
[7] A redacção do n.º 4 resulta de rectificação publicada no Diário da República, I Série, n.º 148 (2º Suplemento), de 26 de Junho de 1976.
[8] Orientação, há muito, uniforme, reiterada, v. g., nos pareceres n.ºs 71/00, de 5 de Maio de 2000, 242/00, de 17 de Maio de 2001, e 9/01, de 29 de Março de 2001, 99/01, de 11 de Outubro de 2001, 166/2001, de 14 de Março de 2002, e 28/2002, de 10 de Outubro de 2002, com remissão para pareceres anteriores.
[9] De 17 de Maio de 2001, seguido noutros pareceres, nomeadamente no parecer n.º 28/2002, e que, nesta parte, se acompanha.
[10] Do parecer n.º 115/78, de 6 de Julho de 1978, em termos uniformemente retomados, v. g., nos pareceres n.ºs 71/00, 242/00, 9/01 e 28/2002.
[11] De 17 de Março de 1977, citado noutros pareceres, designadamente no parecer n.º 18/92, de 28 de Maio de 1992.
[12] De 9 de Dezembro de 1976, diversas vezes citado.
[13] De 17 de Novembro de 1977.
[14] De 17 de Maio de 1979.
[15] De 27 de Abril de 1989.
[16] De 28 de Maio de 1992.
[17] E se retomou no parecer n.º 18/82, já aludido.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 20/01 ART1 ART2 N1 B) N4 ART18 N1 A) B) C) N2; DL 210/73 DE 09/05; P 162/76 DE 24/03 N1 N2 N4 N5; P 114/79 DE 12/03; L 46/99 DE 16/06 ART1; DL 50/2000 DE 07/04; RECT DE 26/06/1976
Jurisprudência: 
AC TC N433/2001 DE 09/10/2001
Referências Complementares: 
DIR ADM*DEFIC FFAA
Divulgação
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