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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
18/1989, de 29.03.1989
Data do Parecer: 
29-03-1989
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
OLIVEIRA BRANQUINHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
ONUS DA PROVA
Conclusões: 
1 - Constitui actividade militar com risco agravado nos termos do n 4 do artigo 2 do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro, o exercicio de tiro reduzido sobre um alvo por uma equipa de recrutas na carreira do quartel utilizando um canhão anti-carro avariado, consistindo a avaria no disparo automatico dessa arma a menos que, municiado, e contrariamente a armas identicas em normal estado de funcionamento, se tomem particulares precauções contra o movimento proprio da culatra;
2 - Pode, em abstracto, constituir facto impeditivo da qualificação como deficiente das forças armadas, visto o disposto no n 3 do artigo 1 do Decreto-Lei n 43/76, dada a perigosidade da arma, nos termos da conclusão anterior, a saida do marcador de tiro do seu abrigo e sua presença junto ao alvo, independentemente de lhe ser "dada voz" para tal, conforme norma de segurança prescrita pelo oficial comandante do exercicio;
3 - A falta de prova ou a duvida sobre o facto impeditivo constante da conclusão anterior não obsta a qualificação como deficiente, por força do que em termos de onus probatorio se prescreve no artigo 342, n 2, do Codigo Civil;
4 - E requisito indispensavel a qualificação como deficiente das forças armadas uma incapacidade geral de ganho minima de 30%, nos termos da alinea b) do n 1 do artigo 2 do Decreto-Lei n 43/76, minimo que no caso presente não se verifica;
5 - A percentagem minima de incapacidade referida na conclusão precedente aplica-se aos acidentes a entrada em vigor do Decreto-Lei n 43/76, a menos que se trate de qualificação automatica nos termos do artigo 18, n 1, do mesmo diploma.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional
Excelência:

1

1.1 - (...), soldado NM(...), julgando-se abrangido pelo Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, requereu em 7.4.86 que lhe fosse atribuído um grau de desvalorização e uma pensão nos termos deste diploma relativamente a um acidente de que foi vítima em 1946.

1.2 - Vem o processo a esta instância consultiva para os efeitos do nº4 do artigo 2º do mencionado decreto-lei, pelo que cumpre emitir parecer.

2

2.1 - Com interesse, colhe-se dos elementos enviados para a consulta.(1):

a) - Em 21 de Janeiro de 1946 o requerente foi atingido pelo projéctí1 de um canhão anti-carro durante um exercício de tiro reduzido na carreira de tiro do então Quartel das Carvalheiras, em Braga;

b) - Tal canhão encontrava-se avariado, o que era do conhecimento tanto do comandante do pelotão como dos instruendos recrutas, dos quais fazia parte o requerente, consistindo a avaria no facto de tal arma disparar por si sem accionamento do gatilho a menos que, em contrário do procedimento normal de carregamento, introduzido o projéctil, se impedisse o curso rápido da culatra;

c) - Quando foi atingido, o requerente encontrava-se junto ao alvo aonde, nas suas funções de "marcador", se devia deslocar depois dos tiros para assinalar à guarnição da peça o local do impacto colando aí uma marca de papel;

d) - Em consequência do tiro que o atingiu, o requerente sofreu lesões pelas quais foi declarado incapaz para todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho com desvalorização de 10%, por deliberação da Junta Especial de Recurso, de 8 de Outubro de 1987, homologada por despacho de 5 de Agosto de 1988 do Sub-Director do Serviço de Pessoal, por subdelegação do respectivo Director;

e) - 0 acidente foi considerado em serviço e por motivo do seu desempenho, por despacho do Brigadeiro Director do Serviço de Pessoal, por sub-delegação do General Ajudante General do Exército;

f) - Existem várias opiniões das autoridades militares quanto as circunstâncias concretas em que o acidente se verificou, do ponto de vista das normas de segurança e comportamento do requerente. Assim:

1) O oficial participante do acidente, comandante do pelotão de instrução, afirmou na averiguação coetânea que o acidente se deveu à circunstância de o requerente ter voltado ao alvo depois de aí já ter marcado um tiro, saindo do abrigo sem voz do comandante, como era de uso e insistentemente recomendado por este para evitar o risco do disparo uma vez carregado o canhão.

O disparo que atingiu o requerente aconteceu apesar do municiador ter cumprido as normas de carregamento acima indicadas, impedindo o curso rápido da culatra e tendo municiado a peça depois de o requerente haver saído do alvo, conforme por segurança se ordenara se fizesse durante os exercícios com aquela peça(2).

2) O oficial averiguante concluiu, face à prova então colhida que:

“- o municiador, como ficou relatado e provado, procedeu sempre e em tudo de harmonia com as normas estabelecidas. Da sua parte não houve qualquer descuido, negligência ou imperícia (...).

“- o comandante do pelotão, tomando as providências que tomou, viu possibilidade de continuar eficazmente a instrução e certificou-se da segurança do seu pessoal. É evidente que nunca o desastre se poderia ter dado se o marcador, irreflectidamente, não viesse uma segunda vez à frente, contrariando assim o que taxativamente estava determinado (...).

“- o marcador, o homem que ficou ferido com o tiro não acatou como lhe cumpria as instruções existentes pois que saiu do abrigo sem qualquer advertência de que o podia fazer, pagando, assim, por alto preço a sua imprudência”(3).

3) O oficial instrutor do processo instaurado na sequência do requerimento de 7.4.86, depois de ouvir de novo o requerente, no relatório final, colocou em dúvida a culpabilidade única e exclusiva deste, por análise do conteúdo do auto de averiguações coevo, e veio a opinar que "mesmo admitindo ter havido "imprudência", "negligência", ou descuido por parte do sinistrado, não de se cometer um erro, que o acidente ocorreu ocasionalmente". poderemos admitir que ele tenha agido intencionalmente para provocar o acidente (...). Deve, isso sim, ter havido um certo descuido, lapso ou falta de cuidado, não intencional e talvez até devido ao facto de serem de recrutas e, vamos lá, não só da parte do sinistrado. Admitamos, pois, sem receio

E depois de considerar que "mesmo o anteriormente apurado não colide com o disposto no nº3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/761” concluiu que o acidente e as sequelas dele resultantes deveriam ser considerados em serviço (4)

4) O Serviço de Justiça e Disciplina do Comando General da Região Norte fez a seguinte apreciação do processo de averiguação instaurado em 1946:

"03. Da análise desse processo resulta o seguinte:

a. No dia 2lJAN46, pelas 15H30, no decorrer de uma instrução de canhão de tiro reduzido, realizada na Carreira de Tiro do Quartel das Carvalheiras, em Braga, o soldado (...), tendo sido nomeado como marcador dos impactos produzidos no alvo, foi atingido por um projéctil, quando se encontrava junto do seu alvo a colocar as pastilhas (fls 5).

b. O disparo foi dado automaticamente pela arma, sem que o municiador ou outrem o tivesse provocado. (fls 5).

c. A arma tinha uma deficiência que, exactamente consistia em, por vezes, disparar por si só, automaticamente, quando carregada, sem que alguém premisse o gatilho. (fls 5).

d. Em consequência o soldado teve: "Ferida penetrante na região lombar, de forma circular e de bordos nítidos...” e que “... o projéctil atingira a região lombar e, percorrendo um trajecto póstero-anterior, foi alojar-se na parte anterior da coluna vertebral, à altura da quarta vértebra lombar (fls. 7v, 8).

e. Baseando-se nas inquirições das várias testemunhas, o oficial averiguante imputou a responsabilidade da produção do acidente ao sinistrado, por considerar que este violou culposamente as regras de segurança determinadas pelo oficial da instrução de tiro (fls. 22 a 24).

f. Essa "violação culposa" traduziu-se no facto de o marcador - soldado (...) - ter saído do seu abrigo e voltado pela segunda vez ao alvo, quando nesse momento, o municiador tinha já carregado novamente a arma.

"04. Da análise agora feita ao processo, considera-se não ser de aceitar o juízo de imputabilidade feito pelo Oficial averiguante de então, pelo qual atribui toda a responsabilidade do acidente ao soldado (...). Por um lado porque, em relação à eventual responsabilidade de alguém pela verificação do acidente, colocam-se certas dúvidas que não encontram respostas no processo, nem tão pouco o tempo já decorrido, cerca de 40 anos, permite agora esclarecê-las.

Por outro porque, mesmo que se admita um comportamento culposo por parte do sinistrado, considera-se, porém, que tal conduta não poderá ser-lhe imputada a título de culpa grave e indesculpável, mas antes a título de mera culpa ou negligência, na medida em que ela terá resultado de um acto irreflectido e precipitado do sinistrado, de um acto em que este agiu sem consciência do perigo que com ele poderia causar e no qual deverá ter pesado a própria inexperiência do sinistrado.

“05.Assim sendo, da prova produzida concluí-se que, o acidente ocorrido com o requerente, foi em serviço e durante o desempenho do mesmo.

No mesmo sentido se pronunciou o Chefe do DRM de Braga, no seu despacho concludente" (5).

2.2- Refira-se que vem no processo sustentado que o acidente não ocorreu em situação que possa ser incluída nas 4 condições previstas no nº2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, nem o grau de incapacidade requerido atinge o valor previsto na alínea b) do nº1 do artigo 2º do mesmo diploma (6), o que sem dúvida respeita à questão de fundo, relativamente à qual versa o nº4 do artigo 2º do diploma ao prever a emissão de pareceres da Procuradoria-Geral da República.

Mas também vem posto em causa o princípio do pedido, opinando-se que o requerente não quereria ser qualificado como D.F.A. , pelo que não haveria sequer que emitir pronúncia quanto a essa qualificação (7).

Sendo assim, há que tratar das seguintes questões:

1 - Da suficiência do requerimento para assegurar o princípio do pedido estabelecido no nº2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, conjugado com o nº1 da Portaria 162/76, de 24.3 (infra 3).

2 - Da qualificação como deficiente das Forças Armadas face à matéria de facto pertinente e às regras de direito aplicáveis (infra 4).

3

3.1 - São os seguintes os termos do requerimento de 7.4.86 que o requerente fez ao CEME:

“... tendo sofrido um acidente no decorrer da instrução de recruta, e sendo atingido por um tiro numa perna e coluna vertebral e que ainda hoje tem sofrimentos, desejando ser presente a uma Junta Médica Militar, para assim lhe ser atribuído um grau de desvalorização, nos termos do Decreto-Lei 43/76, de 20 de Janeiro, por se sentir fisicamente diminuído, com poucas possibilidades para ganhos, para assim poder fazer face à vida, respeitosamente ... pede deferimento (8).

A Junta Médica a que foi mandado apresentar, julgou-o incapaz para todo o serviço militar mas apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência sem desvalorização, em 11.8.87.

Contra isso reagiu o requerente pedindo em 17.8.87 ao CEME nos seguintes termos:

... desejando ser submetido a uma Junta Extraordinária de Recurso, por se julgar abrangido pelo Decreto-Lei nº 43/76, e se sentir fisicamente diminuído, sem possibilidades para ganhar, respeitosamente pede para que lhe seja atribuído um grau de desvalorização e uma pensão de invalidez, nos termos do citado Decreto" (9).

3.2 - Face à insistência do requerente na referência ao Decreto-Lei nº 43/76, e sem embargo da mera alusão ao efeito prático - obtenção de uma pensão de invalidez -,não pode concluir-se que o requerente não tenha visado beneficiar do regime daquele diploma, o que supõe a qualificação como deficiente das forças armadas.

Os termos de que usa não são incompatíveis com as finalidades do pedido, indispensável, de qualificação por factos anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76.

Esclarece a Portaria nº 162/76, de 24 de Março, que a expressão "revisão do processo" - indispensável à qualificação nos termos do nº2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76 significa "elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta de processos, conduzida por forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das forças armadas (DFA) constante nos artigos 1ºe 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro".

E, nos termos do nº3, "a revisão do processo far-se-á sempre a pedido do interessado, mediante requerimento dirigido ao Chefe do Estado-Maior do ramo respectivo, "na redacção dada pela Portaria nº 114/79, de 12-3.

Ora, atento que o requerente se dirige à entidade militar competente para determinar a revisão do processo, que o fez para o efeito expresso, de reconhecimento de um dos pressupostos da qualificação - a incapacidade -,que alude até a um dos benefícios do regime que é a obtenção de uma pensão de invalidez (cfr. artigo 7º parte final do Decreto-Lei nº 43/76) e invoca repetidamente o Decreto-Lei que disciplina o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, não há razão bastante para duvidar, e muito menos para concluir, que o requerente não quis essa qualificação e o pedido que formulou teve outro significado.

Os termos dos dois requerimentos, que mutuamente se complementam, face às normas de interpretação das declarações negociais dos artigos 236º, nº1 , e 238º, nº1 do Código Civil, aplicáveis em geral aos actos jurídicos, por força do artigo 295º do mesmo Código, como são os citados requerimentos, permitem, a nosso ver, o entendimento de que o requerente pretende ser qualificado como D.F.A. , ou também pretende isso, por nos parecer que é esse o sentido que um declaratário normal pode deduzir da própria expressão do declarante, revestida, aliás de um mínimo de correspondência verbal.

Está pois satisfeito o princípio do pedido (10)

4

4.1 - Entre as condições indispensáveis à qualificação como deficiente das forças armadas encontra-se um certo grau de incapacidade geral de ganho mínimo, 30%, como prescreve a alínea b) do nº1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76.

Nem sempre assim foi porquanto na vigência dos diplomas anteriores a este não se encontrava estabelecido qual o limite mínimo em regimes que também visavam medidas reparadoras de situações ora abrangidas no diploma de 1976.

Como já em anteriores pareceres se afirmou, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais". E observou-se também que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma"(11).

O grau mínimo não seria exigível se se tratasse que qualificação automática.

O caso, porém, não é manifestamente um caso de automática qualificação estabelecida nos termos do artigo 18º,nº1 do Decreto-Lei nº 43/76, caso em que o limite mínimo de incapacidade não tem lugar.

Na verdade, o requerente não é inválido da 1ª Guerra Mundial de 1914-1918 nem das campanhas ultramarinas anteriores (nº1, alínea a)) (12), nem também é militar que coubesse nas categorias de "militar no activo contemplado pelo Decreto-Lei nº 44 995, de 24.4.63, considerado abrangido pelo Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio (nº1, alínea b)) ou considerado deficiente ao abrigo do disposto neste último Decreto-Lei (nº1, alínea c)), pela mera circunstância, sem curar de outras razões, de que o acidente que sofreu não cabe manifestamente no âmbito dos conceitos de serviço de campanha, de manutenção de ordem pública, de acto humanitário Ou de dedicação à causa pública que definem o campo de aplicabilidade daqueles diplomas de 1963 (artigo 1º) e de 1973 (artigo 2º).

Sendo assim, o grau de incapacidade - 10% - atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.

Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará a questão relativa à qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão do requerente.

4.2- 0 regime do Decreto-Lei nº 43/76 destina-se, como flui do preâmbulo deste diploma, a exprimir "o reconhecimento ao direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situação de perigo ou perigosidade” ou, noutro passo, "a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuiram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas sociais e familiares".

O conceito de deficiente das forças armadas encontra-se estabelecido basicamente nos artigos 1º e 2º deste diploma dele fazendo parte:

1) um certo quadro genérico de serviço - "cumprimento de serviço militar e defesa dos interesses da Pátria" - como causa (nº2 do artigo 1º)

2) um certo resultado - diminuição da capacidade geral de ganho como efeito genérico daquela causa geral particularizada em um certo acidente ocorrido (nº2 do artigo 1º)

- em serviço de campanha ou em circunstâncias idênticas relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra;

- na manutenção da ordem pública;

- na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

- no exercício da função e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas no itens anteriores.

3) a declaração concreta da incapacitação, que há-de referir-se à área de actividade castrense a que se reporte: aptidão apenas para desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; incapacidade para o exercício activo ou incapacidade para todo o serviço militar, se atingir um grau mínimo - 30% (nº2 do artigo 1º e alínea b) do nº1 do artigo 2º);

4) O conceito é negativamente delimitado por um elemento descaracterizador: uma conduta da própria vítima do acidente inserta no processo causal.

Essa conduta que obsta à qualificação da vítima como deficiente das forças armadas há-de ser-lhe imputada como intencionalmente produtora do acidente ou dos efeitos nosológicos incapacitantes, ou, quer se trate de acções quer de omissões, como contrária a ordens expressas superiores ou desrespeitadora das condições de segurança, determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas (nº3 do artigo 1º)(14)

O diploma contém disposições delimitativas de alguns termos de que usa na definição de deficiente das forças armadas (artigo 2º), designadamente o que sejam "serviço de campanha ou campanha" (nº2), "circunstâncias relacionadas com o serviço de campanha" (nº3) e "exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho...” (nº4) (15).

Toda a estrutura do conceito de deficiente das forças armadas assenta, entre outros elementos", no grau incomum dos riscos corridos e sofridos, como de há longos anos se vem sustentando neste corpo consultivo. 0 que é sugerido, por um lado, pelo conteúdo das medidas de reparação, e, por outro, pelo expresso apelo, como motivação desse regime, ao sacrifício pela Pátria de quem, servindo no quadro geral, e específico traçado no diploma, sofreu lesões ou doença de gravidade com 30% ou mais de incapacidade para trabalhar ou angariar meios de subsistência.

Como recentemente se recordou (16)

“... Este corpo consultivo tem vindo a entender, uniformemente, em sucessivos pareceres (x), que, na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº2, e 2º, nº4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para além das situações expressamente previstas na lei, o regime jurídico dos deficientes das forças armadas só é aplicável aos casos em que haja um risco agravado necessário implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha ou equivalente.

"Salienta-se que o privilégio do regime dos deficientes das Forças Armadas tem, ínsita, a ideia de recompensar os que se sacrifiquem pela Pátria.

"Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça semelhante equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três primeiros "itens" do nº2 do artigo 1º.

“Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis".

Esse específico agravamento de risco tem vindo a ser afirmado como elemento indispensável à qualificação como deficiente das forças armadas não só a propósito das situações genericamente enquadráveis no quarto item do nº2 do artigo 1º, como, designadamente, a propósito do item segundo, a situação de "manutenção da ordem pública" (17).

Advirta-se, por último, que há-de interceder um nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o serviço tipicizado nos diversos itens do nº2 do artigo 1º e a lesão ou doença incapacitante (18).

4.3- Em face deste regime, os pontos de direito sobre que a este Conselho cumpre responder, já que a fixação da matéria de facto é alheia à sua competência, são os de saber se a actividade do requerente - de participação como "marcador" em exercício de tiro reduzido de canhão, avariado, anticarro em carreira de tiro - é abstractamente subsumível as situações de risco agravado equiparável, nos termos do nº4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 (infra 4.3.1); se, sendo a resposta afirmativa, não se terá verificado conduta descaracterizadora nos termos do nº3 do artigo 1º do mesmo diploma (infra 4.3.2) e, por último, se, a final subsistir dúvida quanto à descaracterização, como se há-de resolver (infra 4.3.3).

4.3.1- Entendemos que as circunstâncias em que o acidente ocorreu - emprego de uma arma de fogo de apreciável poder de destruição (canhão anti-carro), avariada no mecanismo do disparo, exigindo anormais cuidados para evitar o disparo automático e suas consequências num exercício de tiro em carreira sendo os instruendos simples recrutas - são de molde a enquadrá-lo em situação de risco necessário agravado equiparável, nos termos do nº4 do artigo 2º.

8

É o aspecto global das circunstâncias do acidente - perigo objectivo da arma avariada e natural impreparação dos instruendos - que colocam esse exercício fora do comum dos riscos das actividades castrenses em geral e do tiro em carreira, em particular.

O perigo em tais circunstâncias não é um qualquer evento ocasional estranho ao comum de uma actividade do género.

O que é comum é o funcionamento normal das armas, inclusive do seu municiamento e disparo, e ocasional uma avaria.

Aqui, porém, o que, é comum é a avaria e excepcional o disparo não automático, dependente como estava de especiais cuidados e perícia, de eficiência problemática, por parte de uma guarnição de recrutas, naturalmente aprendizes.

O perigo aqui só era esconjurável pela conjugação perfeita de cuidados vários de múltiplos intervenientes, a aferir pelos elementos do processo de averiguações:

- especiais cuidados do municiador - atenção à posição do marcador, só podendo municiar-se a arma se este não se encontrasse no alvo, isto é, na linha de tiro: acompanhamento manual da culatra de molde a evitar que a vibração normal provocasse o disparo sem accionamento do mecanismo próprio;

- especiais cuidados do marcador, que só deveria sair do abrigo e ir ao alvo com voz adequada;

- especiais cuidados do instrutor de tiro, que deveria, pelo menos, assegurar-se da oportunidade da "voz" dirigida ao marcador e deveria estar atento ao municiamento da peça.

Por todas estas razões, e em contrário do que, em geral, se tem sustentado quanto ao exercício de tiro em carreira, isto é, no sentido de um tal tipo de actividades não envolver, como regra, risco agravado, se entende que exercícios desse tipo nas circunstâncias verificadas no caso presente são actividades de risco agravado necessário, nos termos do nº4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 (19)


4.3.2- Está indubitavelmente afastado que o requerente se quisesse acidentar. Resta saber se infringiu normas de segurança do exercício, sem justificação.

Para ele, como marcador, a norma de segurança seria a de se dirigir ao alvo apenas "à voz" que o comandante do exercício lhe desse.

Mas é neste ponto - isto é, na recolha das circunstâncias em que se verificou a estada do requerente junto ao alvo quando a arma se disparou - que divergem as posições dos intervenientes na averiguação consequente do acidente.

Fosse indubitável que não lhe fora dada "voz" e que ele sabia que a devia aguardar para ir ao alvo, ou que lá voltara segunda vez sem repetição de tal voz, poderia discutir-se se não deveria descaracterizar-se o acidente por desrespeito de norma de segurança.


O certo, porém, é que há divergências das autoridades militares quanto a apreciação das circunstâncias de facto que rodearam o tiro.

Não é possível face a essa divergência e enquanto ela subsistir afirmar que o requerente violou o dever de acatar normas de segurança superiormente determinadas em termos tais que o acidente se descaracterize.

4.3.4- É ao Ministro da Defesa Nacional que compete, em última análise, aferir da prova e fixar os factos que tenha como provados, e que constituem a base factual indispensável a determinar se o acidente em causa integra ou não o conceito de situações de risco equiparáveis nos termos do nº4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 (20).

O nº3 do artigo 1º, enquanto se refere a factos descaracterizadores, contém como elemento da sua previsão factos impeditivos dos direitos atribuídos aos deficientes das forças armadas, obstando à qualificação como tais dos acidentados.

Sendo assim, por força do que dispõe em matéria de ónus da prova o artigo 342º,nº2, do Código Civil, volve-se contra a Administração a consequência da falta de prova ou da dúvida sobre ela no tocante a facto impeditivo. Isto é, provados os factos constitutivos da qualificação como deficiente das forças armadas, se faltar a prova ou resultar dúvida sobre se o acidentado se comportou, nos termos do nº3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de molde a não poder ser considerado como deficiente, não pode deixar de ser como tal qualificado (21).


5

Nestes termos e em conclusão:

1º- Constitui actividade militar com risco agravado nos termos do nº4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o exercício de tiro reduzido sobre um alvo por uma equipa de recrutas na carreira do quartel utilizando um canhão anti-carro avariado, consistindo a avaria no disparo automático dessa arma a menos que, municiada, e contrariamente a armas idênticas em normal. estado de funcionamento, se tomem particulares precauções contra o movimento próprio da culatra;

2º- Pode, em abstracto, constituir facto impeditivo da qualificação como deficiente das forças armadas, visto o disposto no nº3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, dada a perigosidade da arma, nos termos da conclusão anterior, a saída do marcador de tiro do seu abrigo e sua presença junto ao alvo, independentemente de lhe ser "dada voz" para tal, conforme norma de segurança prescrita pelo oficial comandante do exercício;

3º- A falta de prova ou a dúvida sobre o facto impeditivo constante da conclusão anterior não obsta à qualificação como deficiente, por força do que em termos de ónus probatório se prescreve no artigo 342º, nº2, do Código Civil;

4º- É requisito indispensável à qualificação como deficiente das forças armadas uma incapacidade geral de ganho mínima de 30%, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, mínimo que no caso presente não se verifica;

5º- A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente aplica-se aos acidentes anteriores à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática nos termos do artigo 18º, nº1,do mesmo diploma.



(1) Processo de Averiguações nº 10/86 da Região Militar Norte que tem incorporado o "Auto de averiguações nº4, do Regimento de Infantaria 8 por desastre na instrução de tiro reduzido de canhão; Proc. da J.E.R. , nº2 707, do H.M.P; Parecer nº 261/88, de 2.8.88, da D. Serviço de Saúde - Repartição de Medicina - Comissão Permanente para Informação e Pareceres; Parecer nº 187/88, de 9.11.88, do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal, do Ministério da Defesa Nacional, e Informação nº 197/88, de 15.11.88, do mesmo Gabinete.

(2) Participação e declarações, a fls. 5 e 19 v. e segs. do Procº nº 10/86.
(3) Conclusões do relatório de 29.1.46, fls. 24 e 24v. do Proc. 10/86.
(4) Relatório de 30.4.86. 0 Chefe da D.R.M. da Região Norte concordou com a conclusão, por despacho de 9.5.86.
Vejam-se as formulações de dúvidas daquele oficial na pág. 2 do dito relatório.

(5) 0 parecer mereceu despacho de concordância em 27.6.86 do Comando da R.M.N..

(6) Informação 197/88 do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal do M.D.N., de 15.11.88 (nº4).

(7) Parecer nº 187/88 do mesmo Gabinete de Apoio, de 9.11.88 (nº III).

(8) Fls. 1 do Proc. 10/86, com sublinhados nossos.

(9) Requerimento constante do Proc. da J.E.R. nº2 707, também com sublinhados nossos.

(10) Sobre o princípio do pedido, vejam-se os Pareceres nºs 145/79, de 7.2.80, nos Diário da República, I Série, nº 246, de 23.10.80, pág. 6843,e B.M.J. nº 301, pág. 187, e 85/85, de 13.3.86, homologado por despacho de 2.6.86, não publicado.

(11) Parecer nº 115/78, de 6.7.78, publicado no Diário da República, I Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6 414, cujos termos foram retomados, mais recentemente nos pareceres nº 113/87, de 28.4.88, não publicado, e nº 154/88, de 2.2.89, aguardando homologação.
Assinalem-se ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77, 208/77, de 3.11.77 e 51/87, de 17.6.87, todos homologados e o último publicado no Diário da República, I Série, nº 219, de 23.4.87, pág. 11 559, nos quais se versou a matéria deste limite mínimo de incapacidade.
Note-se a possibilidade de revisão dos processos quanto a alteração de incapacidade, nos termos do nº3 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/76, pressupondo-se, todavia, a qualificação Como D.F.A. do requerente da revisão.

(12) Sobre essas campanhas veja-se A. H. OLIVEIRA MARQUES, "História de Portugal", III volume, Palas Editores, Lisboa, págs. 534 e segs..

(13) Sobre a qualificação automática ao abrigo do regime anterior ao Decreto-Lei nº 43/76, onde se não exigia grau mínimo de incapacidade, veja-se o já citado parecer nº 113/87.
Sobre a inexistência de grau mínimo de incapacidade no regime do Decreto-Lei nº 210/73, vejam-se os pareceres citados na nota 11 .
(14) Esta norma, com algumas diferenças de redacção vem do regime estabelecido pelo Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, cujo artigo 1º assim dispunha:
“2. Ficam exceptuados do âmbito definido no nº1 deste artigo os acidentes ou doenças intencionalmente provocados pelo próprio deficiente ou provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas Por autoridades competentes, desde que não justificadas pelo estado de necessidade".
Antes já dispusera o artigo 1º do Decreto-Lei nº 44 995, de 24.4.63:
“§2º. Ficam exceptuados do âmbito definido no corpo do artigo os ferimentos ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio mutilado ou provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridade competente".
Tem interesse aproximá-lo também da Base VI da Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965, conjugada com o artigo 13º do Decreto nº 360/71, de 21 de Agosto, relativa à descaracterização dos acidentes de trabalho.
A Lei nº 1942,precedente,de 27 de Julho de 1936, descaracterizava o acidente de trabalho no artigo 2º por factos imputáveis à vítima em termos que parcialmente se reflectem no regime actual.

(15) Na redacção rectificada no Diário da República, I Série, de 26.7.76.

(16) Parecer nº 37/88, de 9.2.89, ainda não homologado.

(x) "Cfr., entre outros, os pareceres nºs 109/82, homologado por despacho de 17 de Agosto de 1982, 18/82, homologado por despacho de 26 de Abril de 1985, 51/85, homologado por despacho de 10 de Julho de 1985, e 79/86, de 4 de Dezembro de 1986, homologado parcialmente por despacho de 18 de Julho de 1988".

(17) Cfr. Pareceres nºs 79/86, de 4.12.86, e 37/88, já citados.

(18) Cfr., entre outros, os Pareceres nº 95/81, de 22.10.81, publicado no Diário da República, II Série, nº 147, de 29.6.82, pág. 5092, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 315, e pág. 55, nº 42/82, de 1.4.82, não publicado.

(19) Vejam-se, negando a qualificação em acidentes de tiro em carreira, por exemplo, Pareceres nºs 207/76 (imprevisto mau funcionamento da arma); 153/78, de 20.7.78 (reparação de avaria numa arma com súbito rebentamento de um cartucho); 151/80, de 23.10.80 (rebentamento do invólucro durante o exercício).

(20) No sentido de que é à entidade competente para proceder à qualificação que cumpre fixar os factos apreciando a prova, veja-se Parecer nº 85/85, de 13.3.86, homologado por despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Defesa Nacional, de 2.6.86 e não publicado (conclusões 4ª, 5ª e 13ª), e antes, no âmbito das pensões de preço de sangue, o Parecer nº 125/85, de 30.1.86).
(21) Sobre o ónus da prova dos factos constitutivos veja-se o parecer já citado nº 85/85 (nº 4.4 e segs.) e sobre o ónus da prova dos factos impeditivos veja-se o também já citado parecer nº 125/85 (nº 2.2.d.1), que, embora respeitante a acidente em serviço, base de pensão de preço de sangue, vale para a mesma questão no caso dos deficientes das forças armadas.
Claro que antes de decidir a entidade competente pode ordenar diligências complementares de prova, se as julgar necessárias, úteis e possíveis (v. nota 79 do parecer nº 85/85). As dificuldades no caso concreto a 42 anos de distância, foram sublinhadas no relatório citado na nota 4, e na apreciação, parcialmente transcrita, do S.J.D. do Comandante-Geral da Região Norte (supra, 2.1, f), 4)).
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 N3 ART2 N1 N4 ART18 N2 ART2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24.
CCIV66 ART342 N2.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
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