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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
63/2003, de 26.06.2003
Data do Parecer: 
26-06-2003
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
MANUEL MATOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
ACIDENTE EM SERVIÇO
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
RISCO AGRAVADO
SERVIÇO DE CAMPANHA
Conclusões: 
1ª - O exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, desde que as condições do caso permitam concluir que se verificou um circunstancialismo gerador de perigo concreto que ultrapasse claramente o risco geral que é próprio das actividades militares;
2ª - O acidente de que foi vítima o SCH NIM (...) (...) não ocorreu no condicionalismo referido na conclusão anterior.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa
e Antigos Combatentes,
Excelência:



I

Para emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, determinou Vossa Excelência o envio à Procuradoria-Geral da República do processo relativo ao SCH NIM (...) (...).

Cumpre, pois, emiti-lo.


II

Da análise do processo de averiguações oportunamente instaurado, extraem-se, com interesse, os seguintes elementos fácticos:

- No dia 21 de Janeiro de 1981, na Base Escola de Tropas Paraquedistas de Tancos, o Requerente participou numa sessão de saltos de pára-quedas;

- Durante um exercício, ao tomar contacto com o solo, ficou a queixar-se de fortes dores na região lombar;

- Assistido nos serviços de saúde da Unidade, foi evacuado para o Hospital Militar da Força Aérea onde lhe foi diagnosticada uma fractura somática de L1;

- Presente à Junta de Saúde da Força Aérea em 13 de Agosto de 1981, foi considerado «incapaz para o Serviço Aéreo (Pára); apto para o Serviço Terra»;

- Foi presente à Junta Hospitalar de Inspecção (JHI/HMP) em 11 de Dezembro de 2001 que o considerou «Incapaz de todo o serviço militar, com 0,15 (quinze por cento) de desvalorização» por «Sequelas de fractura de L1»;

- No Parecer nº 366/2002, de 21 de Novembro de 2002, a Comissão Permanente para Informações e Pareceres concluiu que «o motivo pelo qual a JHI/HMP julgou este militar incapaz de todo o serviço militar com 15% de desvalorização, resultou da lesão sofrida no acidente ocorrido em 21JAN81...»;

- Por despacho do Director de Administração e Mobilização do Pessoal datado de 11 de Dezembro de 2002, aquele parecer foi homologado e o acidente considerado como tendo ocorrido em serviço;

- Quanto às circunstâncias em que ocorreu este acidente, o Requerente alegou que «(...) ao executar um salto em Pára-quedas, devido às fortes rajadas de vento que se faziam sentir na altura, fez contacto com o solo com certa violência ...»;

- Foram inquiridas duas testemunhas:
Uma delas confirma que o Requerente, após o salto em pára-quedas, ao tomar contacto com o solo, «ficou a queixar-se de fortes dores na região lombar»;
A outra testemunha informa que saltou na mesma patrulha do Requerente e que, «(...) após verificar que a sua descida corria normalmente e de repente quando já se preparava para a aterragem verificou que o PSarg. (...) se encontrava por cima do seu pára-quedas, já com os pés assentes em cima deste, posição que manteve por algum tempo (...)». Refere ainda não ter conseguido mudar a sua direcção de descida «para sair debaixo dos pés daquele (...) até porque já se encontrava muito próximo do solo e não tinha outra solução senão tomar as devidas precauções para a aterragem. Quase simultaneamente sucedeu-se a aterragem do PSarg. (...) a uma velocidade que lhe pareceu fora do normal. Julga, neste caso, que essa velocidade teria sido originada em face do ora declarante ao tomar contacto com o solo, o seu pára-quedas ter perdido a sustentação deixando assim de dar apoio ao outro pára-quedista que por cima dele e com os pés assentes no seu pára-quedas descia.»;

- No Relatório do Director de Lançamento e ficha aí contida, consta o registo de uma intensidade do vento de 06 Kt.



III

O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro ([1]) consagra «o reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade», considerando que a integração social dos que nessas condições se deficientaram constitui um imperativo e um dever nacional.

Assim, proclama o nº 1 do seu artigo 1º:

«O Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social».

Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o nº 2 deste preceito estabelece o seguinte:

«2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

Quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

Vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.»

Prescrevendo o nº 4:

«4. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»

Por seu lado, o artigo 2º deste diploma, visando interpretar os conceitos contidos no artigo anterior, estabelece o seguinte:

«1. Para efeitos de definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) (...)
b) É fixada em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O «serviço de campanha ou campanha» tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contra-guerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha» têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contra-guerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. «O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores», engloba aqueles casos especiais, não previsíveis, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»


IV

Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito – de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, «pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas».

«Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas» ([2]).

Neste enquadramento, o Conselho Consultivo considerava «constituir o salto em pára-quedas de uma aeronave em voo, não obstante todas as condições de segurança de que possa ser rodeado e a perícia, por mais apurada que seja, de quem o executa, um verdadeiro salto no desconhecido porque sujeito aos mais diversos imponderáveis que escapam ao controlo humano o que, objectivamente, configura uma situação de risco tal que, pela sua gravidade, o deixa identificar naturalmente com o das situações de campanha».

E acrescentava-se: «na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes rajadas de vento, dificuldades na abertura do pára-quedas ou enganche noutros). Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevisíveis ou ocasionais».

Nesta perspectiva, o Conselho Consultivo vinha entendendo que, em geral, o risco inerente ao salto em pára-quedas de uma aeronave surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei ([3]).

Mais recentemente, porém, o Conselho afastou-se da doutrina exposta, passando – também maioritariamente -, a adoptar a tese de que a qualificação do exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo como actividade de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, «requer que da ponderação das circunstâncias do caso concreto resulte que o salto em pára-quedas ocorreu num circunstancialismo gerador de um perigo concreto que ultrapasse claramente o risco geral que é próprio do comum das actividades militares» ([4]).

E justifica-se ([5]):

«4.4. Da afirmação de que o salto em pára-quedas constitui uma actividade que envolve um risco superior ao que é comum ao das actividades correntes do serviço militar, permitindo, em princípio, considerá-la de risco agravado, não se pode extrair, sem mais, a conclusão de que todo e qualquer acidente que se verifique na sequência de salto em pára-quedas ocorre num condicionalismo de risco agravado, equiparável ao dos casos previstos nos primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

4.4.1. O “serviço de campanha ou campanha”, como decorre da interpretação do conceito contido no artigo 2º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, engloba situações tipicamente perigosas, abstractamente idóneas à produção de um risco para a integridade física e, até, para a vida dos cidadãos nelas envolvidos, no cumprimento do serviço militar.
Nos termos do nº 4 do acima citado artigo, “o exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores”, engloba casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito da lei e, por isso, justificando o alargamento do regime jurídico dos DFA aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, mereçam, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação.
O apelo à índole dos casos, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, afasta uma presunção de perigo, requerendo que no caso concreto se tenha produzido um perigo real, um perigo concreto, no sentido de um risco adequado de lesão.
Na apreciação de situações específicas, os casos concretos têm de ser analisados e ponderados e só pela consideração de circunstâncias em que os acidentes ocorreram, se poderá proceder à sua qualificação como envolvendo risco agravado equiparável ao risco do serviço de campanha.
Na verdade, “toda a actividade militar comporta, pelos fins que prossegue e pelos meios que emprega, um risco específico que pode ir, por vezes, até ao sacrifício da própria vida. Mas esse é um risco próprio da função militar, inerente ao desenvolvimento do respectivo serviço.
Excede, naturalmente, os limites dos riscos comuns aos demais cidadãos ou de outras actividades profissionais, mas para os militares não deixa de, em princípio, considerar-se um risco generalizado dentro da instituição.
Mas a qualificação de deficiente exige um risco agravado, isto é, um risco que em alguma medida se possa acrescentar àquele que decorre da actividade militar normal.
Esse acréscimo de risco deve ser avaliado face ao condicionalismo de cada caso, pelas circunstâncias determinadas e envolventes de natureza excepcionalmente perigosa mesmo no âmbito da vida militar, de grau equivalente ao das actividades operacionais expressamente contempladas no aludido preceito” (´).
As exigências legais apontam para este entendimento. Na verdade, o alargamento do regime jurídico dos deficientes das forças armadas aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justifiquem, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação, supõe o exercício de funções militares “que, pela sua índole, considerado o grau de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito” do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro. E, como já se referiu, o espírito da lei é o de compensar os que se sacrifiquem pela Pátria, concedendo um estatuto especial àqueles que tiveram de enfrentar situações de particular risco para a sua segurança pessoal e mesmo para a sua vida.

4.4.2. O salto em pára-quedas de uma aeronave em voo é inquestionavelmente uma actividade sujeita a perigos no seu exercício, uma actividade a cujo exercício se prende um risco, até geralmente superior ao que é comum às actividades correntes do serviço militar.
No entanto, o risco de um salto em pára-quedas realizado em condições de treino normais – quer atmosféricas, quer de funcionamento de equipamentos – não envolve necessariamente risco agravado equiparável ao das situações de campanha ou equivalente.
Por isso, a equiparação não pode ser feita com carácter geral e abstracto.
A equiparação requer que da ponderação das circunstâncias do caso concreto resulte que o salto em pára-quedas ocorreu num circunstancialismo gerador de um perigo concreto – a manifestar-se no curso causal e a concorrer na produção do acidente – que ultrapasse claramente o risco geral que é próprio do comum das actividades militares.»


V

Importa apreciar a questão da qualificação do acidente, à luz do posicionamento actual do Conselho e de acordo com os elementos constantes do processo.

De acordo com a matéria de facto descrita, o acidente que vitimou o Requerente ocorreu em serviço e dele resultaram lesões corporais que lhe determinaram uma incapacidade de 15%.

Uma vez que o acidente não se verificou em serviço de campanha, nem nas demais situações tipificadas no transcrito nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, vejamos se ele poderá ser enquadrado enquanto resultante do exercício de funções e deveres militares, em condições que impliquem um risco agravado equiparável a essas outras situações.

No caso em apreço, o exercício do salto em pára-quedas foi uma condição do acidente. No entanto, os elementos disponíveis no processo não revelam circunstancialismo de especial perigosidade que permitam considerar uma agravação do risco.

Embora o Requerente tenha aludido “às fortes rajadas de vento que se faziam sentir na altura”, as testemunhas ouvidas não as referem.

Uma das testemunhas afirmou “que lhe pareceu fora do normal” a velocidade de aterragem do sinistrado. Aponta para a possibilidade de essa velocidade se ter ficado a dever ao facto de o sinistrado, que, a partir de certa altura, vinha a descer com os pés assentes no seu (da testemunha) pára-quedas, ter ficado sem apoio no preciso momento em que a testemunha tomou contacto com o solo.

Mesmo admitindo que a fase final da descida do Requerente se tenha processado da forma apontada por aquela testemunha, ignoram-se por completo as circunstâncias que a originaram, os motivos que a terão determinado.

Não é possível, por conseguinte, considerar que o acidente ocorreu numa situação de risco agravado.


VI

Para além do juízo positivo sobre o condicionalismo do risco agravado em que ocorreu o acidente, a qualificação como deficiente das Forças Armadas exige ainda a verificação dos seguintes dois requisitos:

Em primeiro lugar, a diminuição da capacidade geral de ganho deverá resultar de acidente ocorrido nessas circunstâncias de risco, o que implica uma relação de causalidade adequada entre essa situação de risco agravado e o acidente e entre este e as lesões determinantes daquela incapacidade ([6]).

Em segundo lugar, a lei – artigo 2º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 43/76 - fixa em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo.

O Conselho tem procedido ao tratamento jurídico separado de cada um dos três apontados requisitos exigidos para a qualificação como deficiente das Forças Armadas.

Como se frisa no parecer nº 242/00, de 17 de Maio de 2001:

«Com efeito, crê-se não serem legítimas as dúvidas de que o juízo sobre o risco agravado deve manter-se independente da avaliação, nomeadamente, sobre a existência do duplo nexo causal entre o acidente e a actividade que o gera, por um lado, e a incapacidade originada, por outro.»

«Elementares razões metódicas radicando na recíproca autonomia dos dois requisitos e na intencionalidade finalística, inclusive, de possibilitar a apreciação da sua convergência na prática fundamentada do acto administrativo de qualificação como DFA pela entidade competente, tudo isso exige a sua caracterização e elaboração jurídica separada.»

De igual modo, nos casos em que o coeficiente de incapacidade é inferior ao mínimo legal, também aí o Conselho não tem deixado de caracterizar a actividade causadora do acidente como portadora ou não de risco agravado, independentemente de vir a ser emitido parecer desfavorável à qualificação como deficiente das Forças Armadas por insuficiência daquele elemento ([7]).

No caso em apreço, foi reconhecida ao Requerente uma incapacidade de 15%, portanto, inferior a 30%. Também por este motivo não poderia ser considerado deficiente das Forças Armadas.

VII

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:



1ª - O exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a uma actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, desde que as condições do caso permitam concluir que se verificou um circunstancialismo gerador de perigo concreto que ultrapasse claramente o risco geral que é próprio das actividades militares;

2ª - O acidente de que foi vítima o SCH NIM (...) (...) não ocorreu no condicionalismo referido na conclusão anterior.


VOTOS

(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) - Mantenho a posição assumida em anteriores pareceres.

(António Manuel dos Santos Soares) – Votei vencido, quanto à conclusão 1ª, relativamente as segmento da mesma em que refere que o exercício de salto em pára-quedas, de uma aeronave em voo, corresponde a uma actividade com o risco agravado, enquadrável no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro, desde que as condições do caso permitam concluir que se verificou um circunstancialismo gerador de perigo concreto que ultrapasse claramente o risco geral que é próprio das actividades militares.
Ora, diferentemente da menção restritiva contida no último segmento da conclusão primeira, entendo que o salto em pára-quedas, de uma aeronave em voo, pela sua própria natureza, pela sua índole – como refere o nº 4 do art. 2º do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro – corresponde a uma actividade militar com risco agravado, enquadrável no normativo acabado de citar, com referência ao art. 1º, nº 2 do mesmo diploma legal[1].
Para tanto, importa dizer que entre 1976 e 2 de Dezembro de 1998, data em que foi emitido o Parecer nº 92/98, sempre este Conselho se pronunciou no sentido de que o risco agravado é um risco superior ao risco comum que é inerente às actividades militares, e que o salto em páraquedas, sendo uma actividade que envolve um específico grau de perigosidade, no contexto das normais actividades castrenses, é qualificado como uma actividade com risco agravado.
A partir da data da emissão do referido Parecer nº 92/98, este Conselho abandonou, (por maioria), este entendimento, e passou a considerar que o salto em pára-quedas, de uma aeronave em voo, só corresponde a uma actividade militar com risco agravado, enquadrável no nº 4, do art.º 2º, com referência ao nº 2, do art.º 1º, todos do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro, desde que as circunstâncias do caso permitam concluir que se verificou um circunstancialismo gerador de perigo concreto que ultrapasse claramente o risco geral que é próprio das actividades militares.
Ora, salvo o devido respeito, não se me afigura correcto este posicionamento, nem me parece haver razões para alterar a doutrina produzida, a este respeito, ao longo de vários anos, e com tradução em múltiplos pareceres deste Órgão Consultivo ([2]).

Bem ao invés, parece-me mais correcta, do ponto de vista jurídico, a posição anterior:

a) Por um lado, e desde logo, não se verificou qualquer alteração de legislação reguladora da matéria, à luz da qual sempre este Conselho apreciou – e continua a apreciar – esta problemática.

b) Por outro lado, o salto em pára-quedas é uma actividade militar em que, mesmo que se verifique a observância de todas as regras técnicas e de segurança, e se mostre afastada qualquer culpabilidade do sinistrado, ou de outrém, está sujeita a factores imponderáveis, absolutamente aleatórios e fora do controlo humano, (pense-se nos riscos do próprio voo, na possibilidade de súbita avaria dos mecanismos de abertura do pára-quedas, na possibilidade de “enganchamento” do pára-quedas na aeronave, nas súbitas e imprevisíveis alterações meteorológicas – designadamente ventos e nebulosidades –, imprevisíveis e incontroláveis locais e condições de aterragem, etc.).
Trata-se, pois, de uma actividade militar que, por sua própria natureza, pela sua índole, é dotada de uma periculosidade objectiva e intrínseca .
Tal actividade ultrapassa em muito o risco e o desgaste que, em circunstâncias normais, cumpre à generalidade dos militares e ao comum das actividades castrenses.
Isto mesmo resulta do nº 4 do art.º 2º do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro, quando refere “... o exercício de funções e deveres militares de que resulta, necessariamente, risco agravado, engloba aqueles casos especiais não previstos nas disposições anteriores que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrolam, seja identificável com o espírito dessa lei.

c) Por outro lado ainda, a adicionalmente, não se pode deixar de dizer que o próprio legislador, no preâmbulo do DL nº 180/94, de 29 de Junho, ao regular o suplemento de serviço aerotransportado, veio, com clareza, referir que “...No âmbito das tropas aerotransportadas, a qualificação de aerotransportado reveste-se das mesmas características do anterior serviço pára-quedista, estando, pois, o pessoal com aquela qualificação sujeito a um especial risco e desgaste, o qual ultrapassa em muito aquele que, em circunstâncias normais, cumpre a cada militar ...” e ainda “... estas condições de periculosidade e desgaste inerente ao salto de pára-quedas são hoje compensadas pela atribuição de uma gratificação de serviço pára-quedista...”.

Tendo em conta, pois, as razões expostas, e, designadamente, este entendimento do legislador, em matéria que releva no âmbito da actividade das tropas aerotransportadas e da defesa nacional, e em que, expressamente se reconhece ter o serviço pára-quedista um risco superior ao comum das actividades militares, ao ponto de lhe ser atribuído um suplemento decorrente desse risco acrescido, não me é possível acompanhar a tese que fez vencimento, quanto ao entendimento expresso no segundo segmento da conclusão 1ª.

Aliás, em reforço da posição que deixo expressa, dou aqui por reproduzidos os argumentos que, desenvolvidamente, constam do voto de vencido produzido pelo meu Exmº Colega Lucas Coelho, no citado Parecer nº 92/98, de 2 de Dezembro de 1998, com os quais concordo em pleno e que, com a devida vénia, me permito invocar.

2. Todavia, porque é inferior a 30% o grau de incapacidades geral de ganho que, do acidente, resultou para o militar ora em causa, tal circunstância é impeditiva da qualificação do mesmo deficiente das Forças Armadas, dado o disposto no art. 2º, nº 1, al. b), do DL nº 43/76, de 20 de Janeiro, como se refere na conclusão 3ª do parecer.
[1]) Idêntica posição tomei nos Pareceres deste Corpo Consultivo nºs 71/2000 e 24/99, ambos de 5-5-2000, 167/2001, de 6-12-2001, 116/2001, de 20-12-2001, 170/2001, de 31-1-2002, 185/2001, de 14-2-2002, 5/2002, de 28-2-2002, 117/2002, de 26-9-2002 e 89/2002, de 21-11-2002.
[2]) A título de exemplo, confiram-se, neste sentido, os Pareceres nºs. 4/80, de 7-2-80; 86/81, de 11-6-81, 147/81, de 22-10-81, 219/81, de 4-3-82, 42/82, de 1-4-82, 6/86, de 27-2-86, 33/86, 29-7-87, 5/88, de 11-3-88, 44/89, de 11-5-89, 89/89, de 7-12-89, 15/90, de 5-4-90, 55/90, de 6-12-90, 89/90, de 6-12-90, 7/91, de 25-1-91, 89/91, de 30-1-92, 44/92, de 8-10-92, 12/93, de 1-4-93, 26/93, de 6-5-93, 49/94, de 27-10-94, 65/94, de 24-11-94, 5/95, de 9-2-95, 71/95, de 29-3-95, 74/95, de 7-2-96, 72/96, de 19-2-97, 17/96, de 9-7-98 e 25/98, de 28-5-98.


_______________________________________________
[1] O artigo 1º deste Decreto-Lei foi alterado, sem implicações para o presente parecer, pela Lei nº 46/99, de 16 de Junho, visando o apoio às vítimas de stress pós-traumático de guerra. Nos termos do artigo 1º desta Lei, os nºs 1 e 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 permaneceram inalterados, tendo sido introduzido um novo nº 3 passando o anterior nº 3 a constituir o nº 4.

[2] Dos pareceres nº 55/87, de 29 de Julho de 1987 e nº 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr também os pareceres nºs 10/89, de 12 de Abril de 1989, 33/91, de 24 de Abril de 1991, 47/94, de 24 de Novembro de 1994, 46/95, de 12 de Outubro de 1995, 71/96, de 23 de Janeiro de 1997, 4/97, de 6 de Março de 1997, 39/98, de 15 de Junho de 1998, 19/99, de 29 de Abril de 1999, 393/00, de 25 de Janeiro de 2001, 172/01, de 28 de Fevereiro de 2002.
[3] Seguimos os pareceres nºs 3/95, de 9 de Fevereiro de 1995, e 4/97, de 6 de Março de 1997, que exprimem com clareza aquela que, sedimentada ao longo de vários anos, vinha sendo a posição maioritária do Conselho, e os pareceres nºs 11/2002, de 10 de Abril de 2002 e 85/2002, de 13 de Fevereiro de 2003.
[4] Do parecer nº 92/98, de 2 de Dezembro de 1998. No mesmo sentido, vejam-se, por exemplo, os pareceres nºs 170/01, de 31 de Janeiro de 2002, 29/99, de 8 de Julho de 1999, 5/02, de 28 de Fevereiro de 2002, 11/02, de 10 de Abril de 2002 e 85/02, de 13 de Fevereiro de 2003.
[5] Do mesmo parecer nº 92/98.
«´ Parecer nº 122/76, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 267, pág. 40.»
[6] Do parecer nº 22/97, de 27 de Outubro de 1997.
[7] Referindo esta metodologia, entre outros, os citados pareceres nºs 240/00 e 170/01.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 ART1 N1 N2 N3 N4 ART2 N1 A) B) N2 N3 DE 20/01; L 46/99 ART1 DE 16/06
Referências Complementares: 
DIR ADM*DEFIC FFAA
Divulgação
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