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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
39/1998, de 15.06.1998
Data do Parecer: 
15-06-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERNANDES CADILHA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1. O exercício de instrução militar, com o emprego de granadas de morteiro, caracteriza uma situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2. O acidente de que foi vítima o soldado NIM (...) (...) verificou-se em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão anterior.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:




1. Para ser submetido a parecer do Conselho Consultivo, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência mandar enviar à Procuradoria-Geral da República o processo relativo ao soldado NIM. (...)(...)
Cumpre emitir esse parecer.

2. Dos elementos do processo adrede organizado, que incluem os autos de processo disciplinar instaurado por ocasião do acidente que envolveu o requerente, extraem-se os seguintes factos relevantes:

a) o soldado (...) foi incorporado em 14 de Abril de 1958, tendo-lhe sido atribuída em instrução de recruta a especialidade de atirador;

b) No dia 1 de Julho de 1958, o oficial de dia do Regimento de Infantaria Nº 1 noticiou a ocorrência de um acidente com a explosão de uma granada, durante uma aula de instrução de manuseamento de um lança-granadas, de que resultaram ferimentos em diversos militares, entre os quais se incluía o requerente (...);

c) O Soldado (...) baixou de urgência ao Hospital Militar Principal com fractura do úmero esquerdo e, também, lesões na vista direita que vieram a determinar a extracção do globo ocular;

d) No termo do processo disciplinar, após a realização de diligências probatórias, concluiu-se que “o acidente foi em serviço, não havendo que imputar responsabilidades a qualquer pessoa, incluindo o sinistrado”, e que dele resultou para o soldado (...) “incapacidade para o serviço militar e incapacidade parcial permanente para o trabalho de 53% (30% da lesão ocular e 20% de fractura);

e) A Junta Médica, por deliberação de 24 de Fevereiro de 1959, declarou o requerente incapaz para todo o serviço militar e confirmou o índice de desvalorização funcional anteriormente mencionado;

f) No âmbito do processo de revisão, o oficial instrutor elaborou um relatório em que formulou as seguintes conclusões:

“- face à prova carreada para os autos, somos levados a concluir que o incidente de instrução em causa deve ser considerado como ocorrido em situação análoga à de campanha, enquadrando-se nos termos do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, com vista ao disposto no nº 4 do artigo 2º do mesmo diploma;

- assim, e por lhe ter correspondido uma desvalorização de 53% deverá, em conformidade, ser desde logo considerado deficiente das Forças Armadas;

- o requerente deverá ser presente a nova JHI que aquilatará o seu actual grau de incapacidade geral de ganho “.

g) A Junta Médica de Recurso do Exército, em reunião de 25 de Novembro de 1996, considerando a existência de sequelas de fractura do úmero esquerdo e a anoftalmia do olho direito, decidiu julgar o militar “incapaz de todo o serviço militar e apto parcialmente para o trabalho com uma desvalorização de 56,95%”;

h) A Comissão Permanente para Informações e Pareceres, da Direcção dos Serviços de Saúde do Exército, emitiu o seguinte parecer, com data de 28 de Novembro de 1997:

“Nestas condições, esta Comissão é de parecer que o motivo pelo qual a JMRE reunida em 25 de Novembro de 1996 julgou este militar incapaz de todo o serviço militar com 56,95% de desvalorização resulta das sequelas das lesões ocorridas no acidente ocorrido em 1 de Julho de 1958 conforme descrito no processo e tem relação com o cumprimento de serviço militar”;

i) Este parecer mereceu despacho de concordância do Director de Serviço de Saúde, em 9 de Janeiro de 1998;

j) Por despacho do Director da Administração e Mobilização do Pessoal, de 11 de Fevereiro de 1998, que recaiu sobre o parecer nº 49/98 dos serviços jurídicos, foi igualmente considerado que “o acidente ocorreu em serviço e por motivo do seu desempenho”.


3. Interessa agora averiguar se a situação descrita é enquadrável na norma do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para efeito da pretendida qualificação como deficiente das Forças Armadas.

Deverá referir-se, antes de mais, que a circunstância de o acidente ter ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, não constitui obstáculo à aplicação do regime jurídico definido neste diploma, tendo em consideração o que dispõe o nº 2 do seu artigo 18º:

“O presente diploma é aplicável aos:
(...)
2. Cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo.
(...)

Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei nº 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:

«Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas

(...).
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.

3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»


«Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º

1. Para efeitos de definição constante no nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O 'serviço de campanha ou campanha' tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As 'circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha' têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. 'O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»

4. Como resulta do respectivo preâmbulo, uma das inovações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 43/76 reporta-se ao alargamento do regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justificam pelo seu circunstancialismo o mesmo critério de qualificação.

Entre essas situações encontram-se aquelas que são definidas nas referidas disposições do artigo 1º, nº 2, e 2º, nº 4, como resultantes de acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares, e por causa desse exercício, em circunstâncias que envolvam um risco agravado equiparável ao que é inerente às restantes actividades expressamente mencionadas na lei: serviço de campanha, prisioneiro de guerra, manutenção da ordem pública, prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública.

O Conselho Consultivo tem interpretado a norma do nº 2 do artigo 1º, no estrito campo de aplicação a que se refere o nº 4 do artigo 2º, como abrangendo os casos que “pelo seu circunstancionalismo justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas" ([1]).

Neste enquadramento, o Conselho tem concretamente qualificado como actividade militar com risco agravado, equiparável nomeadamente às situações de campanha tipificada no primeiro item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, a realização de instrução ou de exercícios militares que impliquem o uso de fogos reais, de minas, armadilhas, granadas de mão, granadas de morteiro ou outros engenhos explosivos ([2]).


5. Não basta, todavia, estabelecer-se a equiparação do risco. Desenvolvendo-se esta ideia, afirma-se no parecer nº 22/97, do Conselho Consultivo ([3]):

(...) a lei (nº 2 do artigo 1º) aponta ainda, entre os requisitos de qualificação como deficiente das Forças Armadas, que a diminuição de capacidade geral de ganho resulte de acidente ocorrido nessas circunstâncias de risco, o que implica uma relação de causalidade adequada entre essa situação de risco agravado e o acidente e entre este e as lesões determinantes daquela incapacidade.
Quer dizer: nem todos os acidentes ocorridos no decurso de actividades desenvolvidas em circunstâncias de risco agravado são merecedores do regime de privilégio previsto no diploma em causa.
Consoante já se ponderou em anteriores pareceres (x ) é ainda exigível, para a qualificação como deficiente das Forças Armadas, apurar-se no domínio da matéria de facto - estranha à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado.»


No mesmo sentido, afirmara-se já no parecer nº 154/88 ([4]):

«Para que se possa qualificar como deficiente das Forças Armadas o militar autor de actos subsumíveis nos diversos itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 é necessário que exista um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o acto (situação) e o acidente e entre este último e a incapacidade.»


6. Por último, cabe referir, para completar a caracterização legal do direito à reparação por acidentes ocorridos no desempenho do serviço militar, que o alcance do artigo 1º do citado diploma se encontra limitado pelo comando contido na alínea b) do nº 1 do artigo 2º, que fixa em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para efeito de definição de deficiente das Forças Armadas.

Como tem sido entendido no Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, e constitui também jurisprudência pacífica, uma diminuição de capacidade geral de ganho igual ou superior a 30% é uma condição indispensável para que possa ser reconhecido o direito à reparação prevista no Decreto–Lei nº 43/76, não bastando, como tal, para esse efeito, que o militar tenha sofrido um acidente susceptível de preencher todo o restante condicionalismo definido no artigo 1º ([5]) ([6]).

Trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das Forças Armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais" ([7]).


7. No caso em apreço, as lesões sofridas pelo requerente resultaram do rebentamento de uma granada, no decurso de um exercício de instrução militar que implicou o manuseamento de um lança-granadas.

O acidente ocorreu em circunstâncias típicas de risco agravado que correspondem à previsão da norma do artigo 1º, nº 2, do Decreto-Lei nº 43/76, por referência ao nº 4 do artigo 2º.

O grau de incapacidade geral de ganho decorrente das lesões foi fixado em 53% e reavaliado ulteriormente em 56,95%, pelo que preenche o requisito mínimo na alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 para efeito de qualificação como deficiente das Forças Armadas.

As diversas instâncias militares são unânimes em afirmar a existência de uma dupla relação causal entre as situações de risco agravado e o acidente e entre este último e as lesões determinantes daquela incapacidade.


8 - Em face do exposto extraem-se as seguintes conclusões:

1. O exercício de instrução militar, com o emprego de granadas de morteiro, caracteriza uma situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2. O acidente de que foi vítima o soldado NIM (...) (...) verificou-se em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão anterior.



[1]) Dos pareceres nºs. 55/87, de 29 de Julho de 1987, e 80/87, de 19 de Novembro de .1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva, apud parecer nº 40/93, de 1 de Julho de 1993.
[2]) Cfr., entre os mais recentes, os pareceres nºs 19/90, de 5 de Abril de 1990, 67/90, de 11 de Outubro de 1990, 94/90, de 25 de Outubro de 1990, 114/90, de 6 de Dezembro de 1990, 18/91, de 21 de Fevereiro de 1991, 29/91, de 11 de Abril de 1991, 3/92, de 28 de Maio de 1992, 76/92, de 28 de Janeiro de 1993, 57/93, de 22 de Outubro de 1993, e 71/96, de 23 de Janeiro.
[3]) Votado na sessão de 27 de Outubro de 1997.
x) Cfr., por ex., os pareceres nº 42/82, de 1 de Abril de 1982, nº 160/82, de 24 de Fevereiro de 1983, nº 7/83, de 10 de Fevereiro de 1983 e nº 47/84, de 25 de Julho de 1984.
[4]) Votado na sessão de 9 de Fevereiro de 1989.
[5]) Cfr. Pareceres nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, de 23 de Outubro de 1978, e 77/89, de 7 de Dezembro de 1989, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Maio de 1990, e, mais recentemente, 24/92, de 9 de Julho de 1992, 44/92, de 14 de Julho de 1993, 84/92, de 11 de Fevereiro de 1993, 24/93, de 20 de Abril de 1993, 28/93, de 14 de Julho de 1993, 30/93, de 20 de Maio de 1993, 48/93, de 11 de Julho de 1993, e ainda, 4/97, de 6 de Março de 1997.
[6]) Cfr. acórdão do STA de 4.03.86 in AP-DR de 16 de Novembro de 1989, pág. 1002, de 29 de Setembro de 1988, in AP-DR. de 30 de Outubro de 1993, pág. 4481, (também in BJM nº 379, pág. 496), de 18 de Janeiro de 1990, in AP-DR, de 12 de Janeiro de 1995, pág. 312, e de 19 de Dezembro de 1991, in AP-DR de 31 de Outubro de 1995, pág. 7420.
[7]) Parecer nº 115/78, de 6 de Julho de 1978, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Outubro de 1978, cujos termos foram retomados nos pareceres, nº 113/87, de 28 de Abril de 1988, não publicado, e nº 153/88, de 2 de Fevereiro de 1989, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Setembro de 1989.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
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