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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
47/1994, de 24.11.1994
Data do Parecer: 
24-11-1994
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
1 - O exercício de instrução de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado anquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas, para além de exigir, no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa relação de causalidade com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado, importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes ocorridos em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;
4 - O acidente de que foi vítima o soldado pára-quedista NIM (...), integra-se no que se refere na conclusão 1ª mas porque resultou uma incapacidade de 20% tal impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado
da Defesa Nacional,
Excelência:


1.

(...), ex-Soldado Pára-quedista NIM (...), requereu a revisão do processo por acidente de que foi vítima, alegando agravamento das lesões sofridas.
Vêm os autos à Procuradoria-Geral da República para emissão do parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Cumpre emiti-lo.

2.

2.1. Da consulta do auto de averiguações oportunamente instaurado (1) extraem-se, com interesse, os seguintes factos:
- em Agosto de 1967 (2) na Z.L. do Arripiado, o ora requerente participou numa sessão programada de lançamento nocturno de salto de pára-quedas;
- na expressão do requerente "ao fazer a aterragem
(deu) uma forte pancada com o joelho (esquerdo) no solo sentindo fortes dores";
- curado das lesões sofridas, após intervenção cirúrgica, delas lhe resultou deformidade pouco notável e doença durante 886 dias;
- o acidente foi considerado em serviço.

Em 15.10.92, o ex-Soldado pára-quedista (...), requereu a revisão do seu processo invocando o agravamento das lesões cujas sequelas lhe teriam provocado uma diminuição da capacidade geral de ganho (3).

Instruído o processo foi submetido a exame de sanidade em 17.06.93, tendo-lhe sido atribuído um coeficiente de desvalorização de 20%, confirmado em 7.10.93 pela Junta de Saúde da Força Aérea, que o considerou incapaz de todo o serviço mas apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência, parecer homologado superiormente em 12 de Outubro seguinte (4).

Posto que se afirme no processo a relação entre as lesões sofridas e o acidente, o Serviço de Justiça e Disciplina da Força Aérea entende não se encontrarem reunidos os requisitos de qualificação como deficiente das Forças Armadas por virtude de a incapacidade não atingir 30%.

3

Importa conhecer o direito aplicável.

Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:

"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta o artigo 2º, nº 1, alínea b):
"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) (...) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:
"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

4

O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das Forças Armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

Nem sempre assim aconteceu, porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.

Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando- os em dificuldades profissionais e sociais". E observou- se que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma" (5). Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática - artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76 - o que não é o caso em análise.

Confirmando tal interpretação, no nº 4 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, afirma-se expressamente que nos casos de revisão do processo "a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro", salientando-se, em concreto, a "verificação da capacidade de percentagem atribuída".

Deste modo, o grau de incapacidade de 20% atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.

Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, sempre se abordará, ainda que sumariamente, a questão da qualificação do acidente que se encontra na base da pretensão.

5

Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos,
àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (6).

Como se tem referido, com alguma insistência, a este Conselho não cabe apreciar a prova colhida e emitir um juízo de causalidade entre o salto em pára-quedas concretamente realizado e o acidente sofrido pelo requerente, nem tão-pouco com as lesões determinantes da incapacidade ou do agravamento desta.

Sem embargo de se reconhecer que o risco inerente ao salto em pára-quedas de uma aeronave surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei (7).

Na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes rajadas de vento, dificuldades na abertura do pára-quedas ou "enganche" noutros). Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais (8).

No caso em apreço, o acidente deu-se sem culpa do sinistrado ou de outrem, tendo sido observadas as regras técnicas e de segurança. Mau grado o circunstancialismo concreto do acidente, nomeadamente no que toca ao motivo do embate no solo se apresentar pouco esclarecedor, a sua ocorrência durante um exercício, que decorria à noite, com naturais dificuldades é bastante para considerar verificada a situação de risco agravado, nos termos que este Conselho tem aceite (9).

5

Do exposto se conclui:

1º- O exercício de instrução de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2º- A qualificação como deficiente das Forças Armadas, para além de exigir, no domínio da matéria de facto - estranho à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado, importa a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3º- A percentagem mínima de incapacidade referida na conclusão precedente é aplicável aos acidentes ocorridos em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, a menos que se trate de qualificação automática;

4º- O acidente de foi vítima o soldado pára-quedista NIM (...), integra-se no que se refere na conclusão 1ª mas porque resultou uma incapacidade de 20% tal impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.



1) Processo nº 33/70, do Regimento de Caçadores Pára- quedistas.

2) Provavelmente no dia 21, tendo em conta a "Ordem de missão aérea" junta a fl. 30.

3) Supreendentemente, localiza o acidente na cidade da
Beira (Moçambique) "num salto de paraquedas em exercício de treino", onde, na verdade, também prestou serviço.

4) Nos autos alude-se ainda a fortes dores sentidas pelo ora requerente numa sessão de ginástica programada e ainda ao facto de ter escorregado ao atravessar um rio, tendo batido com o mesmo joelho (esquerdo) no leito do mesmo. Todavia, não se autonomizaram tais lesões e as suas consequências.

5) Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, II Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6414, cujos termos foram retomados, mais recentemente, nos pareceres nºs 113/87, de 28.04.88, não publicado, e nº 153/88, de 2.02.89, publicado no Diário da República, II Série, nº 224, de 28.9.89, pág. 9808.
Cfr. ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77, e 51/87, de 17.06.87, homologados e o último publicado no Diário da República, II Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11559, nos quais se versou a matéria deste limite mínimo de incapacidade. Mais recentemente - cfr, os pareceres nºs 44/89, de 11.05.89, 25/90, de 12.07.90, 89/91, de 30.01.92, 24/92, de 7.09.92 e 40/93, de 1.07.93, todos homologados mas não publicados.

6) Dos pareceres nº 55/87, de 29.07.87, e nº 80/87, de 19.11.87, homologados mas não publicados, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12.04.89.

7) Cfr. Parecer nº 33/86, de 29.07.87, homologado, e outros aí citados, v.g., pareceres nºs 4/80, de 7.02.80, 86/81, de 11.06.81, 147/81, de 22.10.81, 219/81, de 4.03.82, 42/82, de 1.04.82, e 6/86, de 27.02.86, não publicados.

8) Cfr. Pareceres nº 5/88, de 11.03.88 e 44/89, citado.

9) Os testemunhos recolhidos no processo de averiguações não elucidam. O oficial instrutor não se lembra de ter havido algum acidente com instruendos do seu pelotão, posto que "vários elementos ficaram dependurados nas árvores" (fls 12). As duas outras testemunhas apenas repararam que o seu companheiro, ao chegar ao solo, ficou a queixar-se de fortes dores no joelho esquerdo, tendo uma delas feito a "dobragem sumária" do pára-quedas ao requerente que "não se tinha de pé" (fls. 20 e 21).
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N1 N3.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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