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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
66/1995, de 20.03.1996
Data do Parecer: 
20-03-1996
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ASSOCIAÇÃO DO PATRONATO DAS PRISÕES
FUNDO DE FOMENTO E PATRONATO PRISIONAL
FUNDO DE FOMENTO E ASSISTÊNCIA PRISIONAL
DIRECÇÃO-GERAL DOS SERVIÇOS PRISIONAIS
RECEITA PRÓPRIA
CONSIGNAÇÃO DE RECEITAS
DESPESA
AUTONOMIA
AUTONOMIA ADMINISTRATIVA
AUTONOMIA FINANCEIRA
ORÇAMENTO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Conclusões: 
Os danos causados a terceiros pelos funcionários da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, no exercício das suas funções, e que sejam imputados à responsabilidade do Estado, devem ser ressarcidos por da força da verba inscrita no capítulo "despesas comuns" do Orçamento do Ministério das Finanças, nos termos do artigo 1, n 1 D, do Decreto-Lei n 74/70, de 2 de Março (redacção do Decreto-Lei n 793/76, de 5 de Novembro).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhores Ministros das Finanças e da Justiça,

Excelências:







1 - Perante divergências sentidas entre a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e determinados órgãos do Ministério das Finanças, nomeadamente a sua Secretaria-Geral, sobre a entidade responsável pelas indemnizações devidas a terceiros por actos praticados em serviço por funcionários daquela Direcção-Geral, foi solicitado, por Vossas Excelências, parecer a este corpo consultivo.


Cumpre, por isso, emiti-lo.




2 - Para a rápida compreensão daquela divergência, diga-se, sinteticamente, que, de acordo com o disposto no artigo 1º do Decreto--Lei nº 74/70, de 2 de Março, o pagamento das indemnizações para a compensação daqueles danos compete à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças; contudo, segundo o artigo 4º deste diploma, este regime é inaplicável aos serviços com autonomia administrativa e financeira ou que tenham receitas próprias.


Para a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais estaria coberta por este regime excepcional, dado possuir receitas próprias, as do Fundo de Fomento e Assistência Prisional (que se passa a designar por FFAP).


Por seu turno, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais sustenta que as receitas próprias do referido Fundo estão taxativamente consignadas a certas despesas, onde não se incluem as relativas às indemnizações por danos causados em serviço pelos seus funcionários.




3 - O Decreto-Lei nº 74/70 veio definir um novo regime destinado a assegurar a cobertura dos riscos por prejuízos causados no património do Estado, provenientes de circunstâncias acidentais ou fortuitas, onerando os réditos do Tesouro ao qual cabe também, como se pode ler no preâmbulo, a responsabilidade pelos danos derivados de quaisquer acidentes de trabalho, resultantes do exercício normal das funções dos serviços do Estado ou de quaisquer indivíduos que lhe prestem serviço.


Constituiu-se, assim, uma reserva pecuniária específica a todo o tempo realizável para ocorrer a essas despesas imprevistas, prevenindo-se o que já tinha acontecido: «porque se não tomaram disposições que permitissem a constituição das reservas apropriadas, ........., os encargos reais a suportar, atingindo montantes consideráveis, obrigam à alteração do plano financeiro estudado para o respectivo ano económico, o que nem sempre se mostra de fácil execução» - do preâmbulo.


Dispõe o artigo 1º do Decreto-Lei nº 74/70 (1):


«1. No orçamento do Ministério das Finanças, no capítulo consignado à Secretaria-Geral, é anualmente inscrita uma verba destinada ao pagamento das despesas:


a) Com a reconstituição de bens afectos ao património do Estado, perdidos ou destruídos por causas imprevistas ou acidentais, como incêndio, inundação ou outra semelhante;


b) Com as derivadas de acidentes em serviço, nos termos da Lei nº 1942, de 27 de Julho de 1936, do Decreto-Lei nº 38523, de 23 de Novembro de 1951, e legislação complementar;


c) Com as que o Estado seja compelido a pagar, por sentença dos tribunais com trânsito em julgado;


d) Com indemnizações para compensação de danos causados a terceiros;


e) Com tratamentos e outras despesas com sinistrados;


f) Com indemnizações resultantes da responsabilidade em que o Estado Português possa vir a constituir-se, nos termos do direito internacional público.


2. O montante da verba a inscrever será determinado pelo Ministro das Finanças, atentos os encargos previstos no artigo anterior, e obedecerá às possibilidades do Tesouro verificadas em cada ano».


Estabelece o artigo 3º:


«1. Os processos das correspondentes despesas continuarão a ser organizados nos serviços que derem lugar ao respectivo encargo até à fase de se ordenar o pagamento, altura em que transitarão para a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças.


2.......................................................................................».


E, no artigo 4º, essencial para a economia do Parecer:


«1. As disposições deste decreto-lei não se aplicam aos serviços com autonomia administrativa e financeira e àqueles que tenham receitas próprias.


2. É revogado o artigo 28º do Decreto-Lei nº 38523, de 23 de Novembro de 1951, mantendo-se em vigor o seu § único, para aplicação aos serviços que menciona» (2).


Por conseguinte, em todos os departamentos do Estado não incluídos nesta ressalva, a cobertura das despesas indicadas nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 1º é efectuada por meio de dotação para o efeito inscrita no orçamento do Ministério das Finanças; os serviços excepcionados, os que tenham ou autonomia administrativa e financeira ou receitas próprias, devem eles suportar tais despesas pelas forças dos respectivos orçamentos privativos.


Como as despesas em causa são das referidas no nº 1 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 74/70 (3), importa averiguar se as relativas à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais se incluem no regime geral ou na excepção.




4 - A orgânica dos serviços prisionais encontra-se hoje inserida no Decreto-Lei nº 268/81, de 16 de Setembro, que dispõe no seu artigo 1º:

«À Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, neste diploma abreviadamente designada por DGSP, incumbe orientar os serviços de detenção e execução das penas e medidas de segurança, superintender na sua organização e funcionamento e efectuar estudos e investigações referentes ao tratamento dos delinquentes».


E, no seu artigo 2º, sob a epígrafe «autonomia administrativa»:


«A DGSP goza de autonomia administrativa quanto às verbas destinadas à realização de obras da sua competência, bem como quanto à administração do Fundo de Fomento e Assistência Prisional».


Abra-se um parêntese para adquirir algumas noções breves sobre autonomia administrativa e financeira e sobre receitas próprias.




4.1- «A doutrina emprega o conceito de autonomia administrativa, definindo esta como o poder atribuído a entidades públicas, de praticar actos definitivos e executórios, em princípio, só impugnáveis por via de recurso contencioso-administrativo.


«Na doutrina juspublicista, tem igualmente fortes tradições o conceito de autonomia financeira. Diz-se que gozam desta aquelas entidades que dispõem de receitas próprias, as quais podem livremente aplicar, segundo um orçamento privativo, à cobertura das despesas, cujo pagamento essas mesmas entidades autorizem» (4).


A Lei nº 8/90, de 20 de Fevereiro, estabeleceu as bases da contabilidade pública, dispondo sobre o regime financeiro dos serviços e organismos da Administração Central e dos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos (artigo 1º, nº 1) (5).


Estabelece como regime regra a autonomia administrativa, e como regime excepcional a autonomia administrativa e financeira.


Este regime regra constitui uma inovação; «anteriormente, o regime-regra era o dos serviços simples, isto é, serviços cuja autorização orçamental se continha exclusivamente no Orçamento do Estado, cujo poder de praticar actos financeiros orçamentais (i.e., os actos jurídicos de «administração» ou execução orçamental) ou de tesouraria, e por maioria de razão os outros tipos de actos financeiros, executivos, infra ou extra orçamentais, se integrava na contabilidade pública estadual e cujos resultados de execução constavam da Conta Geral do Estado. Este era o regime geral dos serviços públicos. Tanto a mera autonomia administrativa como autonomia administrativa e financeira eram regimes especiais, carecidos de expressa atribuição por lei e, assim, com título e conteúdo caracterizados por um princípio da tipicidade específica - embora, em rigor, se não possam qualificar de excepcionais, dada a sua relativa abundância» (6).


Os serviços e organismos da Administração Central dispõem, em regra, de autonomia administrativa nos actos de gestão corrente, a qual se traduz na competência dos seus dirigentes para autorizar a realização de despesas e o respectivo pagamento e para praticar, nesse âmbito, actos administrativos definitivos e executórios (artigo 2º, nº 1) (7).


São actos de gestão corrente os que integram a actividade normalmente desenvolvida pelos serviços e organismos para a prossecução das suas atribuições, salvo os que envolvem opções fundamentais de enquadramento de actividade, designadamente os que consistam na aprovação dos planos e programas de actividades e respectivos relatórios de execução ou na autorização para a realização de despesas cujo montante ou natureza ultrapassem a normal execução dos planos e programas aprovados (artigo 2º, nºs 2 e 3).


A atribuição de autonomia administrativa e financeira aos serviços e organismos da Administração Central, que não resulte da Constituição, depende da sua justificação para a gestão adequada e de as suas receitas próprias atingirem, pelo menos, dois terços das despesas totais, excluídas as despesas co-financiadas pelo orçamento das Comunidades Europeias (artigo 6º, nºs 1 e 3).


A realização das despesas relativas aos serviços e organismos dotados de autonomia administrativa e financeira e o seu pagamento serão autorizados pelos respectivos dirigentes (artigo 8º, nº1).


Os serviços e organismos com autonomia administrativa e financeira têm personalidade jurídica e património próprio (artigo 9º).


Estes princípios foram desenvolvidos pelo Decreto-Lei nº 155/92, de 28 de Julho.


Segundo o seu artigo 2º, «o regime jurídico financeiro dos serviços e organismos da Administração Pública é, em regra, o da autonomia administrativa».


Sob a epígrafe «definição do regime de autonomia administrativa», estabelece o artigo 3º deste diploma:


«Os serviços e organismos dispõem de créditos inscritos no Orçamento do Estado e os seus dirigentes são competentes para, com carácter definitivo e executório, praticarem actos necessários à autorização de despesas e seu pagamento, no âmbito da gestão corrente».


Escreve António L. Sousa Franco:


«a) O pressuposto do regime e da disciplina legal é a existência de um «serviço ou organismo», i.e., uma unidade operativa do aparelho do Estado, e baseada na sua personalidade ou na de outra pessoa colectiva da administração central, pré-definida por lei (embora se possa admitir uma caracterização específica concomitante à simples atribuição da autonomia administrativa, ou mesmo decorrente, então considerando serviço e organismo em termos meramente formais, da atribuição parcial, para certos fins e com determinada âmbito, da autonomia administrativa: é o caso dos serviços que utilizem fundos comunitários).


«b) Estes serviços têm uma capacidade financeira, integrante do referido regime de autonomia administrativa, que se define pelas seguintes características:


«1. Os serviços simples dispõem de verbas repartidas por dotações e créditos inscritos no O.E.: i.e., os serviços podem utilizar as dotações de despesas do O.E., não têm orçamento próprio ou privativo, mas subordinam-se exclusivamente ao O.E., na medida em que são serviços com autonomia administrativa; a autonomia define-se fundamentalmente no domínio dos créditos ou dotações de despesas, e só depois, na atribuição de receita ou de qualquer outro meio ou poder financeiro (embora também nestes domínios só disponham dos recursos do O.E.» (8).


À sombra do regime excepcional de autonomia administrativa e financeira vivem, de acordo com o nº 1 do artigo 43º deste diploma, os institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos a que se refere especialmente o artigo 1º da Lei nº 8/90 .


Segundo o nº 2 daquele artigo, «os institutos públicos, referidos no número anterior e designados nesta divisão por organismos autónomos, abrangem todos os organismos da Administração Pública, dotados de autonomia administrativa e financeira, que não tenham natureza, forma e designação de empresa pública».


«Apesar da remissão para o art. 1º nº 1 da L. nº 8/90, de 20 de Fevereiro, o sentido deste preceito é claramente diferente do daquela Lei - e, não havendo reserva de lei e tratando-se de duas formas legislativas equivalentes, parece vir ele substituir o citado art. 1º, apesar de formalmente remeter para este. Na verdade, na L nº 8/90, falava-se dos serviços e organismos da Administração Central e institutos públicos; neste art. 43º fala-se nos institutos públicos que revistam a forma de serviços personalizados do Estado e de fundos públicos, e parece claro que esta designação abrange todos os organismos da Administração Pública (com excepção das empresas públicas,........). A expressão organismos autónomos, que tradicionalmente passa a definir a moldura da capacidade financeira destes institutos, nos termos do art. 43º, nº 2, identifica-se pois com os institutos públicos que tenham uma de duas características:


a) revestirem a forma de serviços personalizados do Estado;


b) serem fundos públicos (i.e., serviços públicos de carácter essencialmente financeiro: fundos, cofres, etc.)» (9).


Segundo o artigo 44º, «os organismos autónomos dispõem de personalidade jurídica e autonomia administrativa, financeira e patrimonial».


«Este artigo é inovador e não simplesmente de continuidade. Na verdade, ele atribui sempre personalidade jurídica aos organismos autónomos, sendo certo que antes estes podiam ter personalidade própria ou integrar a mera capacidade de órgãos específicos de pessoas colectivas distintas (o Estado ou outra pessoa colectiva). Relativamente aos serviços personalizados do Estado, por definição, eles já tinham personalidade jurídica; mas nem todos os fundos públicos a teriam, e agora passam a tê-la por força deste art. 44» (10).


Ainda é cedo para ensaiar a qualificação do FFAP, de que se desconhece, por enquanto, o seu perfil jurídico.


A experiência recomenda que não se atribua grande relevo à sua designação como um «Fundo»; aliás, se assim fosse, a questão estaria resolvida dado que os «Fundos» são organismos autónomos, dispõem de personalidade e autonomia administrativa, financeira e patrimonial, pelo que só seriam responsáveis pelas suas despesas e já não pelas que poderiam ser imputadas à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.


Recorde-se, no entanto, a possibilidade de uma caracterização específica, como previne Sousa Franco a propósito da utilização de fundos comunitários, e como, porventura, sucederá quando se pretenda afectar determinadas receitas à cobertura de certas dívidas.


Recordando Marcello Caetano (11), «pode acontecer (admite-o o nosso sistema jurídico) que a esfera jurídica patrimonial da pessoa colectiva seja constituída pelo seu património geral e, além dele, por patrimónios especiais, isto é, por complexos de relações jurídico-privadas sujeitas especialmente por lei à responsabilidade de certas dívidas, geralmente denominados fundos».


Antes de aprofundar esta questão, registe-se, apenas, que a autonomia administrativa que o Decreto-Lei nº 268/81, de 16 de Setembro, conferiu à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, nomeadamente para administrar o FFAP, é agora considerada como regime regra para os serviços e organismos da Administração Pública.




4. 2 - Apontam-se como regras orçamentais, a anualidade, a plenitude (unidade e universalidade), a discriminação orçamental (especificidade, não compensação e não consignação), a publicidade e o equilíbrio (12).


Para a economia do Parecer, recortem-se as regras da plenitude e da discriminação orçamental.


A regra da plenitude orçamental, abrangente das vertentes da unidade e da universalidade, consubstancia-se nos princípios de que deve haver um único orçamento para toda a Administração Central e nele devem ser incluídas todas as suas receitas e despesas, e visa o seu controlo efectivo pelo Parlamento (13).


O texto constitucional impõe a discriminação no Orçamento do Estado das receitas e das despesas - artigo 108º, nº 1, alínea a), isto é, deve especificar-se ou individualizar-se suficientemente cada receita e cada despesa.


Por outro lado, outra das importantes regras nesta área é a da não consignação: todas as receitas devem servir para cobrir todas as despesas; no Orçamento do Estado não pode afectar-se qualquer receita à cobertura de determinada despesa (14).


Escreve Sousa Franco: «a regra da não consignação surgiu como reacção ao tipo de Administração Pública tradicional, em que cada serviço ou Ministério constituía um mundo à parte, com receitas e despesas próprias. Isto estava longe de permitir grande eficácia, não garantia qualquer controlo da regularidade das receitas e das despesas e não sujeitava a uma mesma gestão e a uma só política global» (15).


Mas esta regra comporta várias excepções, de que são exemplos notórios os organismos dotados de autonomia financeira.


Mas não só; existem situações de receitas afectadas à cobertura de determinadas despesas, e até despesas condicionadas à obtenção de determinadas receitas.


A consignação explica-se ou porque se pretende que certas despesas tenham garantida a sua cobertura todos os anos, ou então para que determinadas despesas só sejam cobertas até onde o permitirem certas receitas, geralmente receitas cobradas aos que dão causa às despesas (16).


Os serviços que têm receitas consignadas continuam a poder ou não gozar de autonomia financeira.


Esclarece Teixeira Ribeiro: « ....temos serviços com autonomia administrativa e serviços com autonomia administrativa e financeira, sendo aqueles a regra e estes a excepção. Todavia, não se apresentam como perfeitamente típicos: por um lado, os serviços com autonomia administrativa podem ter, em casos excepcionais, receitas consignadas; por outro lado, os serviços com autonomia administrativa e financeira (organismos autónomos) podem não ter receitas próprias, bastando, em princípio, para eles serem classificados tais, que estas receitas cubram dois terços das suas despesas.


«Conclui-se, portanto, que cá no País pode haver ou não consignação de receitas no caso dos serviços com autonomia administrativa, embora em regra a não haja; mas que há necessariamente consignação de receitas (as receitas próprias) no caso dos serviços com autonomia administrativa e financeira» (17).




4. 3 - Não obstante esta «autonomia», desde há muito, praticamente desde o Decreto-Lei nº 742/74, de 27 de Dezembro, que se vem pugnando por um regime de uniformização dos serviços e fundos autónomos, com controlo pelos mecanismos próprios do Ministério das Finanças (18).


No preâmbulo do Decreto-Lei nº 459/82, de 26 de Novembro, reconhece-se a necessidade de reformular e reunir num diploma único a legislação geral aplicável à movimentação e utilização de receitas próprias, à organização e publicação dos orçamentos privativos e à protecção e publicidade das contas de gerência dos fundos e organismos autónomos, e de estender esse regime aos serviços com autonomia administrativa na parte em que elaborassem orçamentos privativos para aplicação de receitas próprias e aos organismos de coordenação económica cuja natureza o justificasse (a razão do sublinhado oportunamente será apreendida).


E, assim, se estabelece, no artigo 1º:


«1 - A actividade financeira dos fundos autónomos e dos organismos dotados de autonomia administrativa e financeira, incluindo os institutos públicos financiados pelo Orçamento Geral do Estado em mais de 50%, fica sujeita ao regime estabelecido no presente diploma, relativamente à movimentação e utilização das suas receitas próprias e de outras fontes de financiamento que, eventualmente, lhes sejam atribuídas no Orçamento Geral do Estado, à organização e publicação dos seus orçamentos privativos, à prestação e publicidade das contas de gerência e à análise das informações daí resultantes.


«2 - Ficam também sujeitos ao mesmo regime os organismos dotados apenas de autonomia administrativa, na parte em que são obrigados a elaborar orçamentos privativos para aplicação de receitas próprias.


«3 - .........................................................................................».


Os referidos fundos e organismos com orçamentos privativos com um valor total de receitas igual ou superior a 10000 contos eram incluídos em "contas à ordem" do Orçamento Geral do Estado (artigo 2º, nº 1).


Segundo o nº 2 do mesmo artigo, as entidades autónomas não abrangidas pelo número antecedente, cuja inserção em "Contas de ordem" já tivesse sido efectuada, mantinham o mesmo regime, independentemente do montante das suas receitas próprias.


Os orçamentos privativos, depois de aprovados pela unidade competente, constavam do OE sob a forma de mapas-resumos, apensos ao orçamento do respectivo ministério, a elaborar pela Direcção dos Serviços Gerais do Orçamento da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, de harmonia com o modelo constante do anexo do diploma (artigo 10º).


Antes de abordar o FFAP, sublinhe-se a possibilidade de um organismo apenas com autonomia administrativa, para além das receitas e despesas gerais incluídas no Orçamento do Estado, poder vir a administrar um orçamento privativo onde aplica receitas afectadas a determinadas despesas.




5. - Para compreender o regime jurídico-financeiro do FFAP, remonte-se ao Decreto nº 21175, de 28 de Abril de 1932, que aprovou o estatuto da Associação de Patronato das Prisões.




5. 1 - No preâmbulo deste diploma, salientava-se que «não basta que a Sociedade segregue os elementos perturbadores que surgem no seu seio e os encarcere, inactivos, ou os sujeite ao trabalho, nas próprias prisões ou em colónias.


«É preciso muito mais, para se empreender a sério a obra da reeducação dos delinquentes; é preciso prestar-lhes, com espírito de continuidade e método, assistência material e moral - sobretudo moral».


Segundo o artigo 4º deste diploma, «os fins da Associação são, de um modo geral, colaborar com o regime prisional na obra de regeneração dos delinquentes, assistir-lhes moral e materialmente durante a prisão, trabalhar para a sua reintegração na vida social, ampará-los, quando livres, em ordem a evitar a reincidência, e proteger as vítimas imediatas dos delitos, quando seja necessário».


«A acção de patronato exercer-se-á pela assistência moral e material aos reclusos, durante ou após a prisão, e às suas famílias, quando delas careçam» - artigo 19º.


Sobre os recursos da Associação, dispunham os artigos 33º e segs, que convirá transcrever:


«Art. 33º. Os recursos da A.P.P. são oficiais ou extra-oficiais. Consideram-se oficiais os provenientes do Estado, dos corpos e corporações administrativas, da Federação Nacional das Instituições de Protecção à Infância e de quaisquer serviços públicos. São extra-oficiais os que provenham de qualquer outra origem.


«Art. 34º. Pertencem à primeira espécie e deverão ser-lhe entregues:


1º. A taxa paga pelas visitas extraordinárias aos reclusos e aos estabelecimentos, que será fixada pelo Ministro da Justiça e dos Cultos, sob proposta da Administração Geral das Prisões, com informação do respectivo director;


2º. A cota do salário dos reclusos devida à família quando esta seja subsidiada pela A.P.P. e a devida à vítima do delito quando não seja reclamada no prazo de dois anos;


3º. A parte que em cada ano vier a ser atribuída a este fim do fundo da Assistência Pública;


4º. Os subsídios que lhe forem destinados por qualquer futura dotação orçamental pelos corpos e corporações administrativas, pela Federação Nacional das Instituições de Protecção à Infância e pela administração de serviços públicos autónomos;


5º A taxa de 2$50 paga por cada pedido de indulto, liquidada a título de emolumento;


6º. A taxa de 10$, paga por cada proposta de alimentação de presos, liquidada do mesmo modo.


Art. 35º Constituem recursos extra-oficiais:


.......................................................................................».


Na reorganização dos serviços prisionais promulgada pelo Decreto-Lei nº 26643, de 28 de Maio de 1936, continuava-se a apostar na Associação do Patronato no «auxílio aos reclusos durante o internamento e depois de postos em liberdade» - artigo 408º.


Mantêm-se as receitas oficiais da Associação previstas em 1932 - Cfr. os artigos 425º a 428º.




5. 2 - Por uma nova luz foi concebida a assistência prisional e pós-prisional, com o Decreto-Lei nº 40878 de 24 de Novembro de 1956.


No preâmbulo deste diploma, salientava-se que «a necessidade da assistência prisional e pós-prisional é cada vez mais premente nos Estados modernos, à medida que - até certo ponto fundadamente - se avolumam na ciência penitenciária e na própria opinião pública em geral as críticas contra as consequências nocivas das penas privativas de liberdade e se vai fortalecendo a apologia dos métodos construtivos de tratamento em cura livre;


.......................................................................................................

«A reintegração do recluso no meio livre donde foi compulsivamente afastado exige, porém, uma acção persistente, metódica e esclarecida, muitas vezes difícil de levar a bom termo».


Mas, reconhecia-se que toda esta acção não podia ser confiada exclusivamente à iniciativa dos particulares ou das associações privadas, porquanto, - continua o preâmbulo, «a experiência da Associação do Patronato das Prisões, criada pelo Decreto nº 21175, de 22 de Abril de 1932, é sobre esse ponto suficientemente elucidativa.


«É que a execução de semelhantes tarefas não se contenta com a posse de predicados naturais como o sentimento de altruísmo, o espírito de iniciativa, ou a capacidade de sacrifício, aliás indispensáveis para as levar a bom termo; exige também um mínimo de formação ou de preparação técnica, que as simples qualidades naturais não suprem e só as escolas públicas conseguem dar em termos satisfatórios».


Procede-se, por isso, a uma concentração da assistência prisional e pós-prisional na Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, ainda que se não dispense a colaboração privada.


O artigo 1º deste Decreto-Lei coloca na subordinação da Direcção-Geral «o serviço de assistência social das prisões», surgindo então o Fundo de Fomento e Patronato Prisional.


Segundo o artigo 5º, nº 9, competia ao Ministro da Justiça aprovar os orçamentos das receitas próprias deste Fundo.


A Direcção-Geral gozava de autonomia administrativa relativamente às verbas do referido Fundo - artigo 8º.


O artigo 16º ocupa-se das receitas e das finalidades deste Fundo:


«O Fundo de Fomento e Patronato Prisional, cujos rendimentos consistem nas receitas privativas do patronato prisional e na percentagem sobre a remuneração dos reclusos, fixada pelo Ministro da Justiça e paga pelos dadores de trabalho, destinar--se-á a subsidiar os fins próprios da assistência social, a custear as indemnizações por acidentes de trabalho e a promover e estimular o trabalho prisional» (sublinhado agora).


Por seu turno, no capítulo das disposições transitórias, estabelecia o artigo 39º:


«Incumbe aos serviços de assistência social, directamente ou por intermédio de associações particulares, a realização dos fins que à Associação do Patronato das Prisões foram atribuídos pelo Decreto nº 21175, de 28 de Abril de 1932 e pelos artigos 408º e seguintes do Decreto-Lei nº 26643, de 28 de Maio de 1936.


§ único. As receitas atribuídas à Associação do Patronato das Prisões pelos artigos 425º a 428º do Decreto-Lei nº 26643, de 28 de Maio de 1936, reverterão para o Fundo de Fomento e Patronato Prisional».


Anote-se a passagem de testemunho e das receitas da Associação do Patronato das Prisões.


No que importa, as receitas transitaram para o Fundo de Fomento e Patronato Prisional.


Este Fundo tinha receitas próprias e um orçamento privativo administrado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.


As suas receitas destinavam-se à cobertura de despesas com a assistência social prisional e pós-prisional, com os acidentes de trabalho dos reclusos e com a promoção e o estímulo do trabalho prisional.




5. 3 - O Decreto-Lei nº 46422, de 6 de Julho de 1965, veio, aparentemente, desvirtuar os objectivos visados no artigo 16º do Decreto-Lei nº 40876, ao alargar, no seu artigo 2º, os encargos deste Fundo:


a) Às despesas com a realização dos fins próprios do Gabinete de Estudos da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, designadamente as relativas a trabalhos científicos, reuniões, estágios, frequência de cursos, congressos, visitas de entidades estrangeiras e representações nacionais ou internacionais:


b) Às despesas com a educação física ministrada nos estabelecimentos prisionais.


O desvio é, segundo parece, apenas aparente; é-o seguramente quando abarca as despesas com a educação física dos reclusos, elemento indissociável de uma correcta assistência a prestar aos reclusos.


Quanto às despesas com o Gabinete de Estudos, interessa lembrar que a este gabinete cumpre assegurar as relações com as associações científicas, nacionais ou estrangeiras, de direito penal e penitenciário, promover o aperfeiçoamento profissional dos serviços prisionais e estimular o interesse pelos problemas da ciência penitenciária - artigo 7º do Decreto-Lei nº 40876.


Do aperfeiçoamento profissional dos que prestam serviço junto dos reclusos só poderá advir melhoria na assistência prisional e pós-prisional.




5. 4 - Na evolução legislativa, importa anotar a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, aprovada pelo Decreto-Lei nº 523/72, de 19 de Dezembro.


Ao referir-se, no capítulo V, à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, precisa-se que ela compreende serviços centrais e serviços externos e dispõe do Fundo de Fomento e Patronato Prisional - artigo 17º, nº 1, Fundo cujos interesses seriam zelados por um conselho administrativo - artigo 22º.


No artigo 25º estabelece-se:


«O Fundo de Fomento e Patronato Prisional destina-se a arrecadar as receitas e a satisfazer os encargos, relacionados com os serviços prisionais, estabelecidos em regulamento».


O Decreto nº 199/73, de 3 de Maio, continha o Regulamento da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.


Depois de reproduzir, no artigo 4º, que a Direcção-Geral dispõe do Fundo de Fomento e Patronato Prisional, o referido diploma, nos seus artigos 20º e 21º, ocupava-se dos encargos e das receitas deste Fundo, em moldes que revelam harmonia com o desenho anterior (19).




6 - O Decreto-Lei nº 268/81 veio reestruturar a orgânica dos serviços prisionais, constituindo a moldura jurídica a ponderar actualmente para a economia do Parecer (20).


O diploma consagra, no seu preâmbulo, largas referências à assistência prisional e pós-prisional:


«A assistência prisional é uma ideia que já vem de longe, ora dentro de uma perspectiva religiosa, ora sob um ponto de vista laico. Afloramentos desta entrada de ar fresco da sociedade livre na vida dos estabelecimentos prisionais podem ver-se entre nós e, por exemplo, nos compromissos das Misericórdias em instituições como as Conferências de São Vicente de Paulo.


«Mesmo na época em que a punição se compreendia como puro pagamento de uma dívida do delinquente ao Estado não deixou de ser considerado o problema da assistência prisional e pós-prisional. A este propósito, podem citar-se o Decreto de 20 de Novembro de 1884, a Lei de Julho de 1893 e o Regulamento das Cadeias Civis, de 28 de Setembro de 1901. Já no século presente se enveredou por outro caminho, mas privilegiando a iniciativa particular, para mais tarde se entender a assistência em referência, predominantemente, como função pública,....».
Depois de no já transcrito artigo 2º, se afirmar a autonomia administrativa da Direcção-Geral quanto à administração do FFAP (21), aponta-se o órgão "conselho administrativo como o competente para propor à aprovação superior o orçamento do FFAP e administrar as respectivas verbas" - alínea a) do artigo 11º (22).


A Direcção-Geral integra serviços centrais - artigo 14º, e serviços externos - artigo 43º.


Os serviços centrais compreendem serviços operacionais e serviços de apoio - nº 1 do artigo 14º.


De entre os serviços operativos, destaque-se a Direcção de Serviços de Educação, Ensino e Serviço Social.


Compete a esta Direcção estudar e desenvolver técnicas de acompanhamento e ocupação dos tempos livres dos reclusos, bem como fomentar a instrução dos mesmos e orientar tecnicamente o serviço social - artigo 23º; esta Direcção engloba duas Divisões: de Educação e Ensino e de Serviço Social - artigo 24º.


Compete à Divisão de Serviço Social, entre outros, dar assistência técnica e financeira aos serviços dos estabelecimentos prisionais, tendo em vista assegurar a ligação dos reclusos com o meio social, especialmente com as famílias de forma a facilitar a sua reinserção, prestar apoio psicológico, moral e material às famílias dos reclusos, directamente ou por intermédio das instituições de solidariedade social, políticas ou privadas, e prestar apoio pós-prisional aos libertados, diligenciando principalmente pela criação de residências para acolhimento temporário e pela obtenção de postos de trabalho, enquanto não forem criados serviços próprios para o efeito - artigo 26º, alíneas b), e) e f).


Dispõe o artigo 37º:


«O Fundo de Fomento e Assistência Prisional funciona no âmbito da DGSP e destina-se a arrecadar as receitas e a satisfazer os encargos relacionados com os serviços prisionais, de harmonia com o disposto nos artigos seguintes».


Sobre as receitas, estabelece o artigo 38º:


«Constituem receitas do Fundo de Fomento e Assistência Prisional:


a) A percentagem fixada pelo Ministro da Justiça sobre remunerações dos reclusos, a pagar pelos dadores de trabalho;


b) A parte das receitas próprias determinada pelo Ministro da Justiça, sob proposta da Direcção-Geral;


c) O aluguer de veículos e outros maquinismos a ele pertencentes;


d) O produto da venda de objectos apreendidos em processo penal;


e) Os salários e os espólios dos reclusos não reclamados nos prazos legais;


f) Quaisquer outras importâncias que venham a ser-lhe atribuídas» (23).


Para os encargos dispõe o artigo 39º:


«O Fundo de Fomento e Assistência Prisional custeia, entre outros:


a) Os encargos com a assistência social dos serviços prisionais;


b) As despesas da Associação do Patronato das Prisões relativas à execução de contratos celebrados anteriormente à publicação do Decreto-Lei nº 40878, de 24 de Novembro de 1956;


c) Os encargos necessários para estimular o trabalho prisional, incluindo a aquisição de veículos, máquinas e outro material necessário à sua utilização;


d) As indemnizações e demais encargos derivados de acidentes de trabalho dos reclusos que não devam ser suportados por outras verbas;


e) As despesas com a formação moral, física, literária e profissional dos reclusos que não possam ser custeadas por outra forma;


f) Os encargos resultantes das actividades referidas no nº 3 do artigo 33º que não devam ser pagos por outras verbas (24);


g) Os encargos com a organização e participação em reuniões nacionais e internacionais, bem como as despesas com as visitas de personalidades estranhas aos serviços» (sublinhado agora).


O FFAP pode ainda subsidiar as associações legalmente constituídas, destinadas a prosseguir fins de ajuda prisional - artigo 41º, nº 2, e eventualmente suportar encargos decorrentes de obras públicas efectuadas com trabalho prisional - nº 4 do artigo 42º.




7 - Será que a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais tem receitas próprias, no sentido a que alude o nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 74/70?


E, será que, dada a amplitude da expressão "entre outros" inserta no artigo 39º do Decreto-Lei nº 268/81, as receitas do FFAP podem cobrir encargos da Direcção-Geral, e nomeadamente os decorrentes de indemnizações por danos causados a terceiros?


A questão é de pura interpretação destas disposições.




7. 1 - Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos (25) ; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (26).


Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (27).


O artigo 9º do Código Civil afirma expressamente que a reconstituição do pensamento legislativo há-de fazer-se tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas de tempo em que é aplicada.


Resumindo, Pires de Lima e Antunes Varela dizem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei (28).


A letra ou texto da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala Baptista Machado (29), uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei: "pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a forma verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente, uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado de interpretação. Afasta-se, assim, o exagero de um subjectivismo extremo, que propende a abstrair por completo do texto legal, quando através de quaisquer elemento exteriores ao texto, descobre ou julgue descobrir a vontade do legislador" (30).


Ou como diz Oliveira Ascensão, "a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito" (31).


Escreveu-se no citado Parecer nº 61/91:


"..................................................................................................


"Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.


"O elemento sistemático "compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico" (32).


"O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.


"O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.


" Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.


"Por outras palavras: "o intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo", se chegar "à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer" (33), "o intérprete limita a norma aparente, por entender que o texto vai além do sentido" (34).




7. 2 - Dir-se-á que, se a letra do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 74/70 parece inculcar para o funcionamento da ressalva ao regime geral quando um serviço tenha receitas próprias, independentemente do valor destas e da sua afectação, logo o elemento racional ou teleológico impõe que se atente no fim visado pelo legislador ao editar aquele diploma.


Pretendeu-se centralizar na Secretaria-Geral do Ministério das Finanças o pagamento de determinadas verbas, nomeadamente as relativas às indemnizações por danos causados a terceiros.


Além de um procedimento uniforme, evita-se a inscrição de diversas dotações que normalmente se mostrariam insuficientes para cumprir as responsabilidades nesta área dos diversos serviços, obrigando à alteração do plano económico.


Se se impusesse à Direcção-Geral o regime excepcional, ou esta tinha "receitas próprias" para cobrir aquelas despesas, ou então teria que vir a ser para tanto dotada, regressando-se a um regime que o Decreto-Lei nº 70/74 pretendeu abolir.


Tudo indica, assim, que a ressalva do nº 1 do artigo 4º deste diploma se aplicará aos serviços que se bastem a si com receitas próprias.


A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais não tem receitas próprias, vivendo à custa das dotações do Orçamento Geral do Estado.


Sujeita ao regime geral da autonomia administrativa na gestão das suas receitas, tem, é certo, algumas das suas receitas que recebe daquele Orçamento Geral consignadas ao FFAP, Fundo que beneficia também de outras fontes de financiamento.




7. 3 - Perante uma pura interpretação literal do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 74/70, diga-se, então, que as receitas do FFAP estão, por seu turno, afectadas a determinadas despesas que não as relativas ao pagamento de indemnizações a terceiros pelos actos praticados por funcionários daquela Direcção-Geral.


São receitas próprias de um Fundo e não da Direcção-Geral.


É certo, como argumentam os serviços do Ministério das Finanças, que o artigo 39º do Decreto-Lei nº 268/81, ao enumerar os encargos a custear pelo FFAP não é taxativo pois consagra a expressão "entre outros".


Note-se, desde logo, que o diploma prevê, nos seus artigos 41º, nº 2, e 42º, nº 4, outros eventuais encargos para o FFAP, pelo que o artigo 39º sempre teria de deixar entreaberta uma porta para outros encargos.


Só que por essa porta não pode entrar toda e qualquer despesa da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sob pena de se deixar sem sentido a razão de ser da consignação da receita e a própria existência do Fundo.


Sabe-se que a razão da consignação das receitas que constituem o FFAP (35), - toda a sua evolução histórica é inequívoca -, se orienta primacialmente para a assistência prisional e pós-prisional, pelo que os seus encargos devem estar, directa ou indirectamente, ligados à vida dos reclusos, ao seu bem estar físico e moral, durante e após o período de reclusão.


E, mesmo para aqueles encargos que se afiguram mais distantes, como os relativos à formação e enriquecimento profissional dos funcionários - alíneas f) e g) do artigo 39º -, ainda é possível detectar ali afinidades com aquele objectivo: funcionários bem apetrechados, científica e culturalmente, não deixarão de fazer reflectir essas qualidades na assistência que prestem.




7. 4 - Se tudo isto fosse insuficiente, e se se persistisse em chamar as receitas do FFAP para cobrir as indemnizações pelos danos causados a terceiros por funcionários da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, seria de ponderar a equidade de um sistema que admite a afectação de receitas do trabalho prisional para essa finalidade.


Sabe-se que entre as receitas consignadas ao FFAP estão uma percentagem sobre as remunerações dos reclusos, a pagar pelos dadores de trabalho, e os salários dos reclusos não reclamados nos prazos legais - alíneas a) e e) do artigo 38º do Decreto-Lei nº 268/81.


Ora, todas as receitas do FFAP servem para cobrir todos os seus encargos; não há dentro da gestão financeira do FFAP qualquer consignação de receitas.


Conclusão:


8 - Pelo exposto, formula-se a seguinte conclusão:


Os danos causados a terceiros pelos funcionários da Direcção--Geral dos Serviços Prisionais, no exercício das suas funções, e que sejam imputados à responsabilidade do Estado, devem ser ressarcidos por força da verba inscrita no capítulo «Despesas comuns» do Orçamento do Ministério das Finanças, nos termos do artigo 1º, nº 1, alínea d), do Decreto-Lei nº 74/70, de 2 de Março (redacção do Decreto-Lei nº 793/76, de 5 de Novembro).




_______________________________________




1) Redacção do Decreto-Lei nº 793/76, de 5 de Novembro.
2) Dispõe o § único do artigo 28 do Decreto-Lei nº 38523: «Os serviços com autonomia administrativa e financeira e aqueles que, dispondo de receitas próprias, com elas paguem vencimentos ou salários ao pessoal inscreverão nos orçamentos as verbas necessárias à satisfação dos encargos a que este artigo se refere».
O artigo 28 do Decreto-Lei nº 38523, revogado pelo nº 2 do artigo 4 do Decreto-Lei nº 74/70, determinava que certas despesas ocasionadas pela assistência prestada a funcionários vítimas de acidentes em serviço fossem pagas de conta da verba especialmente inscrita no orçamento do Ministério de que o servidor dependesse.
Cfr., sobre esta matéria, os Pareceres nºs 120/80 e 31/81, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Setembro de 1981 e no Boletim do Ministério da Justiça nº 308, págs. 47 e segs., e no Diário da República, II Série, de 24 de Setembro de 1981 e no Boletim do Ministério da Justiça nº 312, págs. 129 e segs., respectivamente, que se acompanham de perto neste número.
3) Tratando-se de despesas que o Estado seja compelido a pagar por sentença dos tribunais com trânsito em julgado, - (alínea c)-, previne o artigo 12º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho:
«1. No orçamento das pessoas colectivas de direito público será inscrita obrigatoriamente dotação destinada ao pagamento de encargos resultantes de sentenças de quaisquer tribunais.
2. As dotações a que se refere o número anterior ficam à ordem do Conselho Superior da Magistratura, que emitirá a favor dos respectivos credores as ordens de pagamento que lhe forem requisitadas pelos tribunais, observando-se, no caso de insuficiência de verba, e enquanto não for devidamente reforçada, a ordem do trânsito em julgado das sentenças».
4) MÁRIO EMÍLIO BIGOTTE CHORÃO, entrada «Autonomia», in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol I, Coimbra, 1965, pág. 611.
5) Cfr., ANTÓNIO L. SOUSA FRANCO, "Finanças Públicas e Direito Financeiro", vol I, 4ª edição, Coimbra, 1993, págs 167 e segs.; ver, também, do mesmo autor, e obra, vol II, 4ª edição, Coimbra, 1993, págs 323 e segs..
6) ANTÓNIO L. SOUSA FRANCO, ob. cit, vol II, pág 328.
7) Cfr. o Parecer nº 5/93, de 1 de Julho de 1993, que se acompanha de perto.
8) Ob. cit., vol II, págs. 328 e 329.
9) ANTÓNIO L. SOUSA FRANCO, Ob. cit., vol II, págs. 368 e 369.
10) ANTÓNIO L. SOUSA FRANCO, Ob, cit,, vol II, págs 369.
11) Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10ª edição, (reimpressão), pág. 220.
12) ANTÓNIO L. SOUSA FRANCO, Ob. cit., vol I, págs 347 e segs.; cfr. o Parecer nº 5/93, que se acompanha de perto.
13) GUILHERME D´OLIVEIRA MARTINS, "Lições sobre a Constituição Económica Portuguesa", vol II, "A Constituição Financeira", edição da Associação Académica da Faculdade de Direito, Lisboa, 1984/1985, págs 281 a 283.
14) JOSÉ JOAQUIM TEIXEIRA RIBEIRO, "Lições de Finanças Públicas", 5ª edição, Coimbra, 1995, pág. 65.
15) Ob. cit., vol I, pág. 354.
16) JOSÉ JOAQUIM TEIXEIRA RIBEIRO, Ob. cit, pág 68.
17) Ob. cit., págs. 69 e 70.
18) Para esta evolução, cfr. o Parecer nº 5/93.
19) Neste contexto, o Decreto-Lei nº 318/74, de 9 de Julho, autorizou o Ministro da Justiça a inscrever no Orçamento então em vigor a dotação de 2.000.000$00 destinada a subsidiar o Fundo de Fomento e Patronato Prisional, para contrapartida dos encargos com o auxílio pós-prisional aos reclusos abrangidos pelas amnistias concedidas pelos Decretos-Leis nºs 259/74, de 15 de Junho, e 271/74, de 21 de Junho.
Ver, também, o Decreto-Lei nº 700/75, de 17 de Dezembro, que veio autorizar o Ministério da Justiça a inscrever no Orçamento Geral do Estado, sempre que necessário, dotação destinada a subsidiar o Fundo de Fomento e Patronato Prisional, «para contrapartida dos encargos com o auxílio pós-prisional e demais aplicações previstas no artigo 20º do Decreto nº 199/73, de 3 de Maio» - artigo único.
Cfr., ainda, o artigo 7º do Decreto-Lei nº 234/77, de 2 de Junho, ao permitir ao Ministro da Justiça conceder subsídios ao referido Fundo, pelo Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça.
20) O artigo 115º deste diploma revogou, entre outros, as disposições da Lei Orgânica do Ministério da Justiça que se referiam à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, o Decreto nº 199/73 e o Decreto-Lei nº 234/77.
21) Não há qualquer explicação, no preâmbulo do diploma, para o facto de o Fundo deixar de se chamar de "Fomento e Patronato Prisional" para passar a ser cognominado de "Fomento e Assistência Prisional".
22) «O conselho administrativo é composto pelo Director-Geral, que preside, pelo director de Serviços de Administração Geral e por um representante da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, a designar pelo Ministro das Finanças e do Plano» - nº 1 do artigo 10º.
23) Para outras receitas, ver os artigos 40º - subsídios eventuais vindos do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça, e 42º nº 4.
24) O nº 3 do artigo 33º refere-se aos estudos e documentação da Divisão de Estudos e Planeamento.
25) A matéria da "interpretação" tem ocupado com frequência a actividade do Conselho Consultivo.
No desenvolvimento deste número, acompanham-se, de perto, por vezes, ipsis verbis, os Pareceres nºs. 12/81, publicado no BMJ nº 307, págs. 52 e segs. e Diário da República, II Série, Setembro de 1981, 92/81, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Abril de 1982, e no BMJ nº 315, págs. 33 e segs., 103/87, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Junho de 1989, e os Pareceres nº 61/91, de 14 de Maio de 1992, e 30/92, de 25 de Junho de 1992.
26) MANUEL DE ANDRADE, "Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis", págs. 21 e 26.
27) PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, "Noções Fundamentais do Direito Civil", vol. 2º, 5ª edição, pág. 130.
28) "Código Civil Anotado", vol. I, pág. 16.
29) "Introdução ao direito e ao discurso legitimador", 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, págs. 182.
30) Ob. cit., pág. 189.
31) Ob. cit. pág. 350.
32) BAPTISTA MACHADO, ibidem, (Introdução ao direito e ao discurso legitimador), 4ª reimpressão, Coimbra, 1990, pág. 183.
33) BAPTISTA MACHADO, ibidem, pág. 186.
34) JOÃO DE CASTRO MENDES, "Introdução do Estudo do Direito", Lisboa, 1984, pág. 254.
35) O Parecer dispensa uma rigorosa conceitualização jurídica do FFAP.
É seguro que não tem personalidade jurídica, não realiza por si actos jurídicos.
O FFAP pode ser considerado, pragmaticamente, uma "Conta" da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, administrada pelo seu conselho administrativo, órgão também competente para elaborar e submeter à aprovação o respectivo orçamento privativo.
"Conta" com determinadas receitas consignadas e com a qual se suportam determinadas despesas, nomeadamente com a assistência prisional e pós-prisional.
Como se viu, o Decreto-Lei nº 459/82 descreve esta realidade: «os organismos dotados apenas de autonomia administrativa, na parte em que são obrigados a elaborar orçamentos privativos para a aplicação de receitas próprias» - nº 2 do artigo 1º.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART108 N1 A. DL 74/70 DE 1970/03/02 ART1 ART3 ART4.
L 8/90 DE 1990/02/20 ART1 N1 ART2 N1 N2 N3 ART6 N1 N3 ART8 N1 ART9.
DL 523/72 DE 1972/12/19 ART17 N1 ART22 ART25.
DL 318/74 DE 1974/07/09. DL 742/74 DE 1974/12/27.
DL 199/73 DE 1973/05/03 ART4 ART20 ART21.
DL 700/75 DE 1975/12/17 ARTÚNICO. DL 793/76 DE 1977/06/02
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART12. DL 46422 DE 1965/07/06 ART2.
DL 268/81 DE 1981/09/16 ART1 ART2 ART10 N1 ART11 A ART14 ART23 ART24 ART 26. DL 38523 DE 1951/11/23 ART28 PARÚNICO.
BEF ART33 N3 ART37 ART38 ART39 ART 40 ART41 N2 ART42 N4 ART43.
DL 459/82 DE 1982/11/26 ART2 ART2 N1 N2 ART10.
DL 155/92 DE 1992/07/28 ART2 ART3 ART43 N1 N2 ART44.
DL 40878 DE 1956/11/24 ART1 ART5 N9 ART7 ART8 ART16 ART39.
D 21175 DE 1932/04/28 ART4 ART19 ART33 ART34. * CONT REF/COMP
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR FINANC / DIR PENIT / DIR CIV * TEORIA GERAL*****
* CONT REFLEG
DL 26643 DE 1936/05/28 ART408 ART425 ART428.
Divulgação
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