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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
22/1990, de 29.05.1991
Data do Parecer: 
29-05-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA
EMPREGO PUBLICO
FUNÇÃO PUBLICA
FUNÇÕES PUBLICAS DE CARACTER PREDOMINANTEMENTE TECNICO
ESTRANGEIROS
CIDADÃO COMUNITARIO
LIVRE CIRCULAÇÃO DE TRABALHADORES
COMUNIDADES EUROPEIAS
Conclusões: 
1 - Nos termos do n 4 do artigo 48 do Tratado CEE, e consoante a jurisprudencia do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, o principio fundamental comunitario da livre circulação de trabalhadores, tendo como corolario axial a não discriminação em razão da nacionalidade, "não e aplicavel aos empregos na administração publica", no sentido de actividades especificas desta administração enquanto investida no exercicio de poder e autoridade publica e na responsabilidade pela salvaguarda dos interesses gerais do Estado;
2 - De harmonia com os ns 1 e 2 do artigo 15 da Constituição da Republica Portuguesa, os estrangeiros gozam, em principio, dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses, com excepção, entre outros, do "exercicio das funções publicas que não tenham caracter predominantemente tecnico", ou sejam, as funções em que predomina o exercicio da autoridade publica;
3 - Não ha conflito entre a restrição aludida na anterior conclusão 2 relativa ao acesso de estrangeiros a funções publicas, e o principio comunitario da livre circulação de trabalhadores plasmado no artigo 48 do Tratado CEE, na delimitação resultante da excepção vertida no n 4 deste ultimo preceito, entendida nos termos da conclusão 1, pelo que, nessa optica, inexiste incompatibilidade entre o preceito comunitario e o dispositivo constitucional portugues;
4 - O acesso de estrangeiros a sectores, nomeadamente como os enunciados pela Comissão das Comunidades Europeias na declaração de 5 de Janeiro de 1988 - "Jornal Oficial das Comunidades Europeias", n C 72/3, de 18 de Março de 1988, sob a epigrafe "Actividades afectadas pela acção no sector dos serviços publicos" -, deve ser apreciado a luz da doutrina sintetizada nas anteriores conclusões 1 e 2.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR MINISTRO DA JUSTIÇA,
EXCELÊNCIA:


I


O Senhor Director do Gabinete de Direito Europeu propôs a Vossa Excelência a audição deste corpo consultivo sobre a possibilidade de exercício de funções públicas por cidadãos comunitários à luz do artigo 15º, nº 2, da nossa Constituição, equacionando a problemática pela forma seguinte:
"ASSUNTO: Interpretação do artº 15º, nº 2 da Constituição da República. Exercício de funções públicas por cidadãos comunitários, não portugueses.
"1 - A Comissão das Comunidades Europeias pretende saber se há entraves legislativos no direito português que impeçam o exercício da função pública por parte de trabalhadores nacionais de outros Estados membros, nas seguintes áreas de administração:
- organismos encarregados de gerir um serviço comercial (por exemplo: transportes públicos, distribuição de electricidade ou de gás, companhias de navegação aérea ou marítima, correios e telecomunicações, organismos de rádio-teledifusão),
- serviços operacionais de saúde pública,
- ensino nos estabelecimentos públicos,
- investigação para fins civis nos estabelecimentos públicos.
"2 - Com efeito, e citando a comunicação publicada no J.O.C. C/72, de 18 de Março de 1988, em relação a cada uma destas actividades verifica-se, ou que existe igualmente no sector privado, caso a que o nº 4 do artº 48º do Tratado de Roma, se não aplica, ou que pode ser exercida no sector público fora das condições de nacionalidade.
"3 - Dos seus acórdãos de 17/12/80 e 26/5/82 (processo 149/79) o Tribunal de Justiça (1 precisou que esta derrogação, como toda e qualquer derrogação a um direito fundamental estabelecido pelo Tratado, deve receber por parte dos Estados membros uma interpretação restritiva. Precisou assim o Tribunal que os empregos a que a derrogação faz referência são os que têm relação com actividades específicas na Administração Pública enquanto investida no exercício do poder público e na responsabilidade da salvaguarda dos interesses gerais do Estado, aos quais devem ser assimilados os interesses próprios das colectividades públicas, como são as administrações municipais.
A partir daqui, a Comissão entende promover uma acção sistemática no sector público dos mercados de trabalho dos Estados membros a fim de assegurar a correcta aplicação das normas de Livre Circulação dos trabalhadores.
"4 - Torna-se, pois, necessário precisar, até onde for possível, o alcance ou âmbito de aplicação com que a Administração portuguesa considera compatível com o exposto, o preceituado no artigo 15º, nº 2, da Constituição da República, quando veda a estrangeiros (e apátridas) o exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico.
"5 - Assim, venho propor a V. Ex.a. se digne mandar submeter a matéria ao parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em conformidade com o artº 34º, alínea a), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro."
Vossa Excelência dignou-se concordar com a proposta, pelo que cumpre emitir parecer.

II


1 A conflitualidade entre o artigo 15º, nº 2, da Constituição e o artigo 48º do Tratado CEE, hipotizada na consulta, não nos exige, supondo-a mais ou menos existente, que demandemos estabelecer qual dos normativos sobreleva ao outro.

Problemática esta, delicada e importante, a das relações entre direito comunitário e direito constitucional dos Estados membros, o presente parecer não a tem especificamente por objecto, uma vez que apenas se pretende saber se, do ponto de vista do direito constitucional plasmado no artigo 15º da Constituição - numa óptica, como é óbvio, estritamente jurídica, que outra não é a vocação deste Conselho -, se levantam obstáculos à aplicação do artigo 48º do Tratado.
2. Assim delimitado o tema da indagação, recordemos para já os citados normativos.
Dispõe o artigo 15º da Constituição na parte com interesse:
"Artigo 15º
(Estrangeiros e apátridas)
1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
3. (...)
4. (...) (2 .

O artigo 48º do Tratado CEE é, por sua vez, do seguinte teor:
"Artigo 48º
1. A livre circulação dos trabalhadores deve ficar assegurada, na Comunidade, o mais tardar no termo do período de transição.
2. A livre circulação dos trabalhadores implica a abolição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, entre os trabalhadores dos Estados membros, no que diz respeito ao emprego, à remuneração e demais condições de trabalho.
3. A livre circulação dos trabalhadores compreende, sem prejuízo das limitações justificadas por razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública, o direito de:
a) Responder a ofertas de emprego efectivamente feitas;
b) Deslocar-se livremente, para o efeito, no território dos Estados membros;
c) Residir num dos Estados membros a fim de nele exercer uma actividade laboral, em conformidade com as disposições legislativas, regulamentares e administrativas que regem o emprego dos trabalhadores nacionais;
d) Permanecer no território de um Estado--membro depois de nele ter exercido uma actividade laboral, nas condições que serão objecto de regulamentos de execução a estabelecer pela Comissão.
4. O disposto no presente artigo não é aplicável aos empregos na administração pública."

3. Importa aprofundar o significado do último artigo transcrito, dentro de limites, naturalmente, proporcionados à economia do parecer e à urgência na sua emissão, há pouco informalmente manifestada.

3.1. Esbocemos de imediato uma panorâmica geral.
O artigo 3º, alínea c), do Tratado CEE enuncia, tendo em vista a consecução do escopo básico da Comunidade no sentido do estabelecimento de um mercado comum e da identificação progressiva das políticas económicas dos Estados--membros (artigo 2º), o princípio geral da abolição, entre estes Estados, dos obstáculos à livre circulação de pessoas - e de serviços, bem como de capitais, aspectos relativamente despiciendos no âmbito da consulta (3 .
O princípio compreende duas realidades distintas, normativamente diferenciadas: a livre circulação dos trabalhadores dependentes (artigos 48º a 51º); a livre circulação dos profissionais independentes, englobando, por sua vez, o chamado "direito de estabelecimento" (artigos 52º a 58º) e a "livre prestação de serviços" (artigos 59º a 66º (4.
Interessa-nos aqui fundamentalmente a livre circulação de trabalhadores, no tocante à qual se formula no artigo 48º, nº 2, em sequência já da programática do artigo 7º, parágrafo primeiro (5 , o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade em sede de emprego, remuneração e demais condições de trabalho (6 .
O princípio foi retomado e desenvolvido pelo Conselho mediante o "Regulamento nº 1612/68/CEE, de 15 de Outubro de 1968" (7 , onde uma diferente disciplina para trabalhadores nacionais do Estado membro de acolhimento e nacionais de outros Estados membros se previne, apenas nos casos em que a discriminação se revela necessária (8 .
O nº 3 do artigo 48º define, por sua vez, como vimos, os direitos que a livre circulação compreende.
Em primeiro lugar, o "direito de livre deslocação" no território dos Estados membros para responder a ofertas de emprego efectivamente feitas (alíneas a) e b)), direito que a "Directiva do Conselho nº 68/360/CEE, de 15 de Outubro de 1968" (9 , regulou nas suas principais implicações (10.
Em segundo lugar, o "direito de residência" tendente ao exercício de uma actividade "assalariada", previsto na alínea c) do nº 3 do citado artigo 48º do Tratado, e regulado também pela "Directiva nº 68/360 no concernente a diversos pontos, com destaque para o denominado "título de residência nacional de um Estado membro da CEE" (artigos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da aludida Directiva).
Em terceiro lugar, o "direito de permanência" no território de um Estado membro após a cessação da actividade profissional, consignado na alínea d) do nº 3 do artigo 48º, normativo cuja execução determinou a Comissão a adoptar o "Regulamento nº 1251/70/CEE, de 29 de Junho de 1970" (11 (12 .
Para além dos direitos indicados, na enumeração do artigo 48º, nº 3, do Tratado CEE, outros há, porém, a considerar, tais os direitos sindicais (13 e os direitos dos membros da família do trabalhador (14 , obtendo, aliás, adequado complemento em "acções de política social" (15 .
No tocante ao âmbito de aplicação do regime descrito pode reter-se, prescindindo de particularidades despiciendas na satisfação da consulta, que os beneficiários da "livre circulação de trabalhadores" são, grosso modo, os nacionais dos Estados membros, valendo a disciplina respectiva, em princípio, no território desses Estados (16 .
Estão, todavia, excluídos do domínio de incidência dessa liberdade comunitária fundamental os "empregos na administração pública". O disposto no artigo 48º "não é aplicável aos empregos na administração pública", dispõe o nº 4, daquele artigo, norma não isenta de escolhos que esforços de vários lados - com relevo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça - têm procurado clarificar.

3.2. Atente-se em passos significativos dessa elaboração.
3.2.1 . Procurando captar o sentido do artigo 48º, nº 4 o Tribunal de Justiça afirmou, em acórdão de 12 de Fevereiro de 1974 (17 , ponderado o "carácter fundamental, no sistema do tratado, dos princípios da livre circulação e da igualdade de tratamento dos trabalhadores no seio da Comunidade", que as derrogações admitidas por aquela norma não podem ter "um alcance tal que vá além do objectivo visado com a inserção de semelhante cláusula de excepção".
Ora, "os interesses que esta permite aos Estados membros proteger - lê-se seguidamente no aresto - ficam satisfeitos pela possibilidade de restringir a admissão de estrangeiros ao exercício de certas actividades na administração pública".
No caso era porventura desnecessário ir mais longe, até à caracterização desse círculo de actividades, talvez porque não estivesse em causa o acesso, propriamente dito, do trabalhador ao Deutsche Bundespost, mas tão-só uma certa discriminação relativa a determinadas condições de trabalho.
Debalde observara, pois, a Comissão, no sentido dessa caracterização pelo Tribunal, parafraseando uma Resolução do Parlamento europeu, de 17 de Janeiro de 1972 ("Jornal Oficial", nº C 10/4 e ss., de 5 de Fevereiro de 1972), que o nº 4 do artigo 48º visa essencialmente permitir aos Estados membros reservar aos seus nacionais o exercício efectivo da "autoridade pública", devendo, assim, ser interpretado restritivamente no sentido de abranger apenas os empregos da administração pública que comportem o exercício dessa autoridade. Seria o caso das funções de administração pública exigidas pelos interesses do Estado propriamente ditos, tais "incontestavelmente, as funções que habilitam ao exercício de uma actividade de soberania face aos particulares, tornando assim possível, em determinadas circunstâncias, violações de direitos" em suma, "as funções públicas no sentido clássico do termo". E seria ainda o caso, segundo a Comissão, das actividades relacionadas com o segredo de Estado e a segurança nacional (18 (19 (20 .
Contudo, o Tribunal precisaria ainda que o alcance da excepção aludida não depende da "qualificação da relação jurídica entre o trabalhador e a administração empregadora", sendo indiferente nomeadamente, que o "seu vínculo de emprego releve do direito público ou do direito privado" (21.
3.2.2 . Mais longe na hermenêutica do artigo 48º, nº 4, iria, porém, o acórdão de 17 de Dezembro de 1980 (22 .

O Tribunal propende agora claramente para um "conceito funcional" de "administração pública", na asserção lapidar de que a "disposição coloca fora do campo de aplicação dos três primeiros parágrafos desse mesmo artigo um conjunto de empregos que comportam uma participação, directa ou indirecta, no exercício do poder público e nas funções que têm por objecto a salvaguarda dos interesses gerais do Estado ou de outras colectividades públicas", supondo, "de parte dos respectivos titulares, a existência de uma particular relação de solidariedade para com o Estado, bem como a reciprocidade de direitos e deveres que constituem o fundamento do vínculo da nacionalidade".

Em função, precisamente, deste escopo prosseguido pelo artigo 48º, nº 4, é que deverá "determinar-se o alcance da derrogação por ele introduzida nos princípios da livre circulação e de igualdade de tratamento consagrados nos três primeiros parágrafos do aludido artigo".

Todavia, o Tribunal pondera as particulares dificuldades suscitadas na determinação do campo de apreciação do inciso, mercê da assunção, pelo poder público, nos diferentes Estados membros, de "responsabilidades de carácter económico e social" e da participação em "actividades não assimiláveis às funções típicas da administração pública, mas que, pela sua natureza, relevam do domínio de aplicação do tratado".

Ora a extensão da excepção a similares tarefas "teria por consequência subtrair à aplicação dos princípios do tratado um número considerável de empregos e criar desigualdades entre os Estados membros em função das disparidades que caracterizam a organização do Estado e a de certos sectores da vida económica", sendo certo que a noção de administração pública na acepção do artigo 48º, nº 4 "deve comportar uma interpretação e aplicação uniformes no conjunto da Comunidade".

Reconhecendo, de todo o modo, que a aplicação dos critérios de distinção indicados coloca "problemas de apreciação e delimitação nos casos concretos", o Tribunal de Justiça concluiu que a qualificação dependerá nuclearmente de saber "se os empregos em causa são, ou não, característicos das actividades específicas da administração pública enquanto investida no exercício de poder público e na responsabilidade pela salvaguarda dos interesses gerais do Estado".

Eram, no fundo, os pontos de vista da Comissão, em reedição das teses apresentadas já no caso Sotgiu, condimentadas agora de tópicos emprestados às conclusões do Advogado Geral nesse mesmo processo (23 .

O Tribunal não se deixava, ademais, impressionar pela dialéctica do Reino da Bélgica e, bem assim, da Alemanha Federal, França e Reino Unido, Estados igualmente intervenientes no processo como seus associados.

Aluda-se, pela sua possível conexão com o tema da consulta, a uma questão do plano constitucional debatida na lide.

Segundo a Bélgica - e a França desenvolvera um argumento de alcance similar - os textos constitucionais de certos Estados comunitários - desde logo a própria Constituição do Reino - referem-se explicitamente ao problema do emprego na administração pública, formulando o princípio da exclusão dos não nacionais, salvo eventual derrogação. Ora, semelhante convergência deveria servir de elemento interpretativo no contexto do nº 4 do artigo 48º, de modo a afastar o entendimento conferido a esta norma pela Comissão e os conflitos com aqueles ordenamentos daí decorrentes.

O Tribunal recordou, porém, a regra, primordial para a existência da Comunidade, constantemente reiterada na sua jurisprudência, segundo a qual o recurso a dispositivos da ordem jurídica interna no sentido de limitar o alcance de normas comunitárias atenta contra a unidade e eficácia deste direito, sendo por isso inadmissível. Se é de reconhecer que o artigo 48º, nº 4 respeita o legítimo interesse de os Estados membros reservarem aos seus próprios nacionais um conjunto de empregos relacionados com o exercício de poder público e a salvaguarda dos interesses gerais, não é menos de evitar, do mesmo passo, que o efeito útil e o alcance das normas do Tratado concernentes à livre circulação dos trabalhadores e à igualdade de tratamento de todos os nacionais dos Estados membros deparem com limitações derivadas de noções de administração exclusivamente congeminadas nos quadros do direito nacional que colocariam em cheque a aplicação das regras comunitárias.

Argumentavam ainda os contraditores da Comissão que a exclusão de trabalhadores estrangeiros de empregos originariamente não partícipes do exercício do poder público viria a revelar-se necessária em caso de recrutamento na base de regimes estatutários, dotados de carreiras comportando, nos graus superiores, funções e responsabilidades próprias desse poder, ou na sequência da assunção destas mercê de alterações supervenientemente operadas nos serviços.

O Tribunal obtemperou, de seu lado, que o artigo 48º, nº 4 permitia, precisamente, aos Estados reservar aos nacionais o acesso também a empregos implicando semelhante exercício de autoridade pública no seio de uma mesma carreira ou serviço.

E, atendo-se a carências factuais que impediam apurar a natureza efectiva dos empregos questionados, e, portanto, a aplicação da noção de "administração pública" segundo os critérios funcionais aludidos, limitou-se a proferir uma decisão interlocutória convidando a Comissão e o Reino da Bélgica a reexaminarem entre si a matéria litigiosa à luz das considerações jurídicas constantes do arresto, cujo relato habilitaria o Tribunal, decorrido certo prazo, a julgar definitivamente (24 .

As duas partes não chegaram, contudo, a entendimento acerca dos empregos litigiosos a que, na doutrina do Tribunal de Justiça, se aplicava a reserva do artigo 48º, nº 4, embora deixassem de subsistir dúvidas quanto à natureza das tarefas e responsabilidades neles implicadas.

Assim, o Tribunal, aplicando a certos desses empregos a construção a que chegara no acórdão interlocutório - relembre-se, em síntese: empregos na administração pública para efeitos do citado preceito são aqueles que têm relação com actividades específicas da administração pública enquanto no exercício do poder público e na responsabilidade pela salvaguarda dos interesses gerais do Estado, aos quais devem ser assimilados os interesses próprios das colectividades públicas, tais as administrações municipais - veio a constatar que o Reino da Bélgica faltara às obrigações que, no domínio da livre circulação de trabalhadores lhe incumbiam em virtude do Tratado CEE (25 .
3.2.3. Um passo decisivo na interpretação do artigo 48º, nº 4, do Tratado de Roma, pesem iniludíveis limitações no tocante à transposição dos critérios para os casos da vida, foi, como quer que seja, ensaiado pelo acórdão de 17 de Dezembro de 1980.

Resta anotar que, na jurisprudência subsequente, o Tribunal de Justiça se manteria fiel aos parâmetros então firmados, deles naturalmente fazendo aplicação nos sectores diversificados do mundo do trabalho assalariado submetidos à sua ponderação.

Citem-se brevemente, a título elucidativo, alguns dos arrestos na temática recenseados.

No acórdão de 3 de Junho de 1986 (26 , reafirmando-se a mesma ideia-chave no recorte do conceito "administração pública" vertido no artigo 48º, nº 4, julgou-se, atendendo à natureza das suas funções e responsabilidades, que os empregos no quadro de enfermeiros dos hospitais públicos não são abrangidos por aquela disposição, constando-se uma correspondente falta da República Francesa às obrigações que em virtude do artigo 48º lhe incumbiam.

Partindo de idêntica base interpretativa, também o acórdão de 3 de Julho de 1986 (27 entendeu não ser aplicável a aludida excepção a um estágio de formação preparatória para a profissão de professor do liceu.

O mesmo se diga ainda do acórdão de 16 de Junho de 1987 (28 , pelo qual se consideraram os empregos de investigador no seio do "Consiglio nazionale delle ricerche" do Estado italiano estranhos ao conceito de "administração pública" no sentido do artigo 48º, nº 4 do Tratado, constatando-se uma correspectiva violação por aquele Estado das obrigações que pelo artigo 48º lhe competiam (29 (30.

Na sequência da jurisprudência referida se compreende melhor a declaração da Comissão da Comunidade aludida introdutoriamente e sumariada a traços largos na comunicação endereçada a Vossa Excelência pelo Gabinete de Direito Europeu, cuja análise detalhada se torna, porém, verdadeiramente dispensável na estrita satisfação do objectivo da consulta (31 : a compatibilidade ou não, recordemos, entre o artigo 48º do Tratado CEE, tal como é compreendido nas instituições comunitárias, e o artigo 15º, nº 2, da nossa Constituição.

4. Debrucemo-nos então sobre este segundo preceito.

Relembre-se que, formulado preliminarmente no artigo 15º, nº 1 o princípio geral da igualdade de direitos e deveres entre cidadãos nacionais e estrangeiros (32, o nº 2 introduz à regra importantes restrições (33 , dispondo:
"2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses".
No âmbito da função pública não vale, assim, em toda a plenitude, o princípio geral da equiparação, porque, declaradamente, "o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico" é constitucionalmente inacessível a estrangeiros, ficando reservado aos cidadãos portugueses.
Será que a restrição conflitua com o direito comunitário plasmado no artigo 48º, nº 4, do Tratado CEE, na interpretação que este tem recebido no seio das Comunidades?
É preciso ver o que deve entender-se por "funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico".
4.1. "A ideia constitucional - já se escreveu, ponderando-se dificuldades na determinação da inteligência do segmento (34 - deve, todavia, pretender excluir o exercício por estrangeiros de funções públicas que incluam o exercício de poderes públicos, quer no âmbito interno da administração (funções de direcção e chefia), quer no respeitante a terceiros (actos de autoridade). Este critério não resolverá todos os problemas (v.g., um professor universitário exerce funções técnicas quando pratica actos de autoridade, como os exames?), mas parece apto a resolver a generalidade deles" (35 .

As aporias suscitadas na compreensão daquele inciso são, de resto, partilhadas por outros constitucionalistas. Vejamos, a este respeito, um extracto elucidativo (36 :
"Há quem tome funções com carácter predominantemente técnico como funções dependentes de requisitos muito exigentes de preparação e especialização e chegue mesmo a afirmar que os estrangeiros só as poderão exercer, desde que não existam, em princípio, portugueses com aptidões semelhantes (x . Contudo, há quem entenda que tais funções não correspondem a um grau maior ou menor de tecnicidade ou de especialização, mas sim ao predomínio de um quantum técnico por oposição a outro, de natureza diferente, que é na teleologia da norma, um quantum de autoridade pública, ligado aos direitos políticos (x1 .
"Por nós, chamamos a atenção, antes de mais, para a circunstância de a referência a funções públicas com carácter predominantemente técnico ter de ser compreendida quer no plano desse preceito, quer no das suas relações com o nº 1 do mesmo artigo 15º. Por um lado,as funções públicas em geral encontram-se vedadas aos estrangeiros - não propriamente por causa da sua ligação aos direitos políticos, mas por causa da sua imediata e necessária relevância para a organização administrativa ou para a autoridade do Estado (daí, os arts. 21º, 269º, 270º e 168º, nº 1, alínea u)). Por outro lado, a abertura das que tenham carácter predominantemente técnico a estrangeiros é consoante com o princípio da equiparação de portugueses e estrangeiros.
"Funções públicas com carácter predominantemente técnico são - numa interpretação declarativa - as funções em que o factor técnico avulta sobre qualquer outro, seja este a prestação de serviços materiais, auxiliares ou administrativos, seja este o exercício de autoridade ou de chefia (não técnica). O único critério para as definir é o da prevalência desse factor e apoia-se tanto na letra como na vantagem (e não apenas necessidade) de em tais funções poder haver estrangeiros (e até em concorrência emulativa com os portugueses). Essa vantagem não existe quanto a funções com reduzida componente técnica e quanto a funções de direcção afins das funções de autoridade."
Na teorização da função pública advoga-se também a necessidade de interpretar o normativo "em termos hábeis".
A intenção do legislador - salienta-se em primeiro lugar - seria a de "permitir que as pessoas colectivas de direito público possam utilizar, na qualidade de titulares de relações jurídicas de emprego público, estrangeiros ou apátridas de elevado nível científico (tanto no domínio da técnica propriamente dita como em domínios da cultura) quando não haja cidadãos portugueses à altura do desempenho das funções em causa", doutrina resultante "designadamente dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, proferidos nos processos nºs 258/77 e 260/77, constantes do Livro nº 61" (37 .
"Quanto ao sentido da expressão constitucional - prossegue-se - "exercício das funções públicas que não tenham carácter eminentemente técnico" (...), conclui-se dos Pareceres nº 23/81 e 152/81, constantes do Livro 62, que tal deverá ser interpretado não à luz do seu grau de tecnicidade mas, sim, de harmonia com o critério da prevalência dos componentes de autoridade ou de tecnicidade do cargo" (38 .
4.2. É um facto - já se deixou entrever - que as dificuldades interpretativas bateram também à porta deste Conselho, chamado, aliás, inúmeras vezes a pronunciar-se sobre questões mais ou menos directamente relacionadas com o questionado passo do artigo 15º, nº 2, da Constituição.

Tais dificuldades podem dizer-se neste momento superadas, mas a evolução verificada permite claramente concluir, nos seus momentos mais significativos, não ter sido percorrendo um caminho fácil que se atingiu na temática posição estável.

Vejamos.

Do anteriormente exposto ressaltaram as divergências de entendimento na votação do parecer nº 258/77, de 16 de Fevereiro de 1978.

A doutrina que prevaleceu - importada de anterior parecer nº 260/77, votado por unanimidade em 21 de Dezembro de 1977 (39 - foi no sentido de que os estrangeiros só podem exercer em Portugal funções públicas de carácter predominantemente técnico, entendendo-se por estas, conforme a síntese da conclusão 3., "funções que exijam habilitação muito especial, desde que não existam, em princípio, portugueses com semelhantes aptidões" (40 , com base nesta concepção se concluindo, ademais, que as "funções docentes no ensino básico ou secundário, não sendo, em princípio, de carácter predominantemente técnico, não podem nessa medida ser exercidas por estrangeiros".

Uma corrente minoritária sustentou, porém, diverso ponto de vista.

Ponderava-se, com recurso aos elementos histórico, racional, gramatical e sistemático, que a locução em causa, como vimos acima, "não exprime uma ideia de maior ou menor tecnicidade ou de especialização das funções, mas a de nelas predominar um quantum técnico por oposição a outro de natureza diferente que é, na teleologia da norma, um quantum de autoridade pública".

Por tais razões se qualificando as funções de docência aludidas na consulta "como predominantemente técnicas", posto que "no seu exercício não sobreleva o factor autoridade pública".

A posição referida permanece ainda minoritária no parecer inédito nº 31/79, votado em 15 de Março de 1979 (41 , mas torna-se já largamente maioritária no parecer nº 23/81, votado em 14 de Janeiro de 1982 (42 .
A sua conclusão 2ª., que se transcreve, reflecte com nitidez a mudança operada:
"2º. A expressão "exercício de funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico", utilizada no artigo 15º, nº 2, da Constituição da República, deve ser interpretada não à luz do seu grau de tecnicidade mas sim segundo o critério de prevalência das componentes da autoridade ou de tecnicidade do cargo".

Considerou-se, consequentemente, ter "carácter" predominantemente técnico", nessa acepção, a função exercida por uma professora do ensino secundário que, por ser de nacionalidade espanhola, vira recusada a inscrição na Caixa Geral de Aposentações, gerando o conflito que originou o parecer.

O parecer nº 152/81, de 4 de Março de 1982 (43 veio confirmar, por sua vez, a viragem verificada, anotando-se, aliás, que a única voz discordante aparece temperada já em termos de proximidade com a doutrina prevalecente (44 .

Finalmente, com o parecer nº 77/86, de 13 de Maio de 1985 (45 , vem a mesma interpretação a colher pela primeira vez sufrágio unânime, concluindo-se, na sua transposição para o objecto da consulta, terem "carácter predominantemente técnico as funções exercidas por um professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, pelo que um estrangeiro pode ser provido num lugar do quadro de docentes dessa Faculdade".

5. Temos, pois, que, na posição teórica do Conselho, as funções públicas vedadas aos estrangeiros em geral, por força do nº 2 do artigo 15º da Constituição, são aquelas em que predomina o exercício da autoridade pública, concepção que averba a seu favor, como demos conta, representatividade doutrinária (GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, JORGE MIRANDA).
Sendo assim, observa-se uma notável semelhança - a componente da autoridade ou poder público - entre este critério e os critérios desenvolvidos pelas Instituições comunitárias e, nomeadamente, pelo Tribunal de Justiça, na determinação do sentido do conceito "empregos na administração pública" usado no artigo 48º, nº 4, do Tratado CEE.

Não pode, portanto, afirmar-se, assim propendemos a pensar, que exista incompatibilidade entre o preceito comunitário e o preceito constitucional português .

Neste sentido já, a inclinação incidentalmente manifestada no parecer nº 77/86 (cfr. ponto 7. in fine).

Há-de, todavia, ter-se presente, por exemplo, a polissemia ínsita no conceito "autoridade pública", variando de Estado para Estado, carente de uniformidade no âmbito das Comunidades. Donde, obviamente, possíveis divergências entre direito comunitário e direito nacional, cuja superação extravasa os objectivos da consulta (46 .

O mesmo se diga da concreta qualificação de uma ou outra actividade como partícipe ou não do atributo da autoridade pública.

Nos termos expostos deverá, consequentemente, ser apreciado o acesso de estrangeiros a sectores, nomeadamente, como os enunciados pela Comissão das Comunidades na declaração de 5 de Janeiro de 1988 - "Jornal Oficial das Comunidades Europeias", nº C 72/3, de 18 de Março de 1988, sob a epígrafe "Actividades afectadas pela acção no sector dos serviços públicos" (cfr. supra, ponto I, 1 e nota 31).



Conclusões:


III

Termos em que se conclui:
1ª. Nos termos do nº 4 do artigo 48º do Tratado CEE, e consoante a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, o princípio fundamental comunitário da livre circulação de trabalhadores, tendo como corolário axial a não discriminação em razão da nacionalidade, "não é aplicável aos empregos na administração pública", no sentido de actividades específicas desta administração enquanto investida no exercício de poder e autoridade pública e na responsabilidade pela salvaguarda dos interesses gerais do Estado;
2ª. De harmonia com os nºs 1 e 2 do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa, os estrangeiros gozam, em princípio, dos direitos e estão sujeitos aos deveres dos cidadãos portugueses, com excepção, entre outros, do "exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico", ou sejam, as funções em que predomina o exercício da autoridade pública;
3ª. Não há conflito entre a restrição aludida na anterior conclusão 2ª., relativa ao acesso de estrangeiros a funções públicas, e o princípio comunitário da livre circulação de trabalhadores plasmado no artigo 48º do Tratado CEE, na delimitação resultante da excepção vertida no nº 4 deste último preceito, entendida nos termos da conclusão 1ª., pelo que, nessa óptica, inexiste incompatibilidade entre o preceito comunitário e o dispositivo constitucional português;
4ª. O acesso de estrangeiros a sectores, nomeadamente como os enunciados pela Comissão das Comunidades Europeias na declaração de 5 de Janeiro de 1988 - "Jornal Oficial das Comunidades Europeias", nº C 72/3, de 18 de Março de 1988, sob a epígrafe "Actividades afectadas pela acção no sector dos serviços públicos" -, deve ser apreciado à luz da doutrina sintetizada nas anteriores conclusões 1ª. e 2ª.






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(1 O primeiro comentado na Revue Trimestrielle de Droit Européen, Ano de 1981, 17º, A, pág. 285 e segs."
(2 A redacção dos nºs 1 e 2, actualmente em vigor, corresponde, sem alterações, aos idênticos números do mesmo artigo, tanto na versão original da Constituição (1976), como na versão da primeira revisão (1982).
(3 Informação-parecer nº 157/88, de 3 de Abril de 1990, ponto 5.1., que vamos por instantes acompanhar muito de perto, não raro quase textualmente.
(4 MOITINHO DE ALMEIDA, Direito Comunitário. A ordem Jurídica Comunitária. As Liberdades Fundamentais na C.E.E., Lisboa, 1985, págs. 397 e s., com a justificação dos critérios e classificação aludidos; GEORG RESS, La libre circulation des personnes, des services e des capitaux, "Trente ans de droit communautaire", "Perspectives Européennes", Luxemburgo, 1982, págs. 303 e ss.
(5 Artigo 7º: No âmbito de aplicação do presente Tratado, e sem prejuízo das suas disposições especiais, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade. (...)".
(6 Sobre o alcance do princípio e suas incidências, na tónica do artigo 7º, M. ISABEL JALLES, Os Direitos da Pessoa na Comunidade Europeia, separata de "Documentação e Direito Comparado", nº 2, Lisboa, 1981, págs. 45 e ss.
(7 "Jornal Oficial das Comunidades Europeias", nº L 257, de 19 de Outubro de 1968, pág. 2. O Conselho havia precedentemente editado outros diplomas assegurando uma liberdade de circulação, dir-se-ia, em termos mais limitados. Sobre essa evolução cfr. RESS, op. cit., págs. 307 e s.
(8 MOITINHO DE ALMEIDA, op. cit., págs. 402 e ss., explicitando o regime do Regulamento, com alusão à jurisprudência do Tribunal de Justiça a que as disposições do Tratado e do mesmo instrumento de direito derivado têm dado lugar, elementos que mais tarde serão ainda ponderados; RESS, op. cit., págs. 308 e s.
Sobre a temática da livre circulação de trabalhadores cfr. também MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, vol. I, 3ª edição, Lisboa, 1984, págs. 469 e s.; VICTORIA ABELLÁN HONRUBIA, La Liberdad de Circulation de Trabajadores, "Tratado de Derecho Comunitario Europeo", tomo II, dirigido, entre outros, por García de Enterria, Madrid, 1986, págs. 99 e ss., onde se pondera a temática da livre circulação também no plano da adesão da Espanha à Comunidade.
(9 Jornal Oficial", nº L 257, de 19 de Outubro de 1968, pág. 13.
(10 Assim, quanto a diversos aspectos relacionados com o direito de sair do território do Estado membro de que o trabalhador é nacional (v.g., extensão aos familiares do trabalhador - artigo 2º, nº 1; exigência de bilhete de identidade ou passaporte e seus requisitos - nºs 2 e 3; interdição de vistos de saída ou equivalentes - nº 4) e de entrar no território de um Estado membro com vista a aí procurar um emprego ou exercer uma actividade profissional (apresentação de bilhete de identidade ou passaporte - artigo 3º, nº 1; inexigibilidade de visto ou semelhante, salvo quanto a familiares que não sejam nacionais dos Estados membros em causa - nº 2).
Adverte-se, aliás (MOITINHO DE ALMEIDA, op. cit., págs. 405 e ss.), ser este entendimento lato do "direito de entrada", e não o que restritamente pretendesse coligar-se à mera literalidade do artigo 48º, nº 3, alínea a) - o fim de exercer um emprego já efectivamente oferecido -, o que melhor corresponde à jurisprudência do Tribunal de Justiça (caso "Royer", acórdão de 8 de Abril de 1976, "Colectânea de Jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias", 1976, págs. 497 e ss.) e à declaração interpretativa adoptada pelos Estados membros na reunião do Conselho em que foram emitidos o Regulamento nº 1612/68 e a Directiva nº 68/360.
(11 Jornal Oficial", nº L 142, de 30 de Junho de 1970, pág. 24. Cfr. ainda, sobre a matéria, a "Directiva do Conselho nº 72/194/CEE, de 18 de Maio de 1972", "Jornal Oficial", nº L 121, de 26 de Maio de 1972, pág. 32, completada pela "Directiva nº 75/34/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1974", "Jornal Oficial", nº L 14, de 20 de Setembro de 1975, pág. 10.
(12 Este Regulamento previne no artigo 2º um regime diferenciado para quatro categorias de trabalhadores (os que atingiram o limite de idade; vítimas de incapacidade permanente; trabalhadores fronteiriços; trabalhadores casados com nacional do Estado membro de acolhimento), disciplinando ainda outros aspectos (v.g., ausências, desemprego involuntário, prazo de exercício do direito de permanência, títulos de residência - artigos 4º a 6º). Cfr. MOITINHO DE ALMEIDA, op.cit., págs. 410 a 412; RESS, op. cit., págs. 309 e s.
(13 No domínio dos quais vigora o princípio da igualdade de tratamento estabelecido no artigo 8º do "Regulamento nº 1612/68", alterado pelo "Regulamento nº 312/76/CEE, de 9 de Fevereiro de 1976" ("Jornal Oficial", nº L 39, de 14 de Fevereiro de 1976, pág. 2; RESS, op. cit., pág. 312), em termos de os trabalhadores nacionais de outros Estados membros apenas poderem ser excluídos de participar na gestão de organismos de direito público e de funções de direito público.
(14 Acerca destes providenciam os artigos 10º a 12º do Regulamento nº 1612/68, desenvolvidos por outros actos comunitários: direito de instalação juntamente com o trabalhador (artigo 10º, nºs 1 e 2); direito de permanência no território do Estado membro de acolhimento no caso de cessação da actividade laboral ou de falecimento do trabalhador (artigo 10º do Regulamento nº 1612/68 e artigo 3º do Regulamento nº 1251/70; direito de habitação (artigo 10º, nº 3, do Regulamento nº 1612/68); direito de exercer uma actividade assalariada (artigo 11º); direito ao ensino e formação profissional (artigo 12º do Regulamento citado e artigo 2º da "Directiva do Conselho nº 77/486/CEE, de 25 de Julho de 1977" - "Jornal Oficial", nº L 199, de 6 de Agosto de 1977, pág. 32 -, sobre a escolarização dos filhos de trabalhadores emigrantes). Cfr., sobre todo o exposto, MOITINHO DE ALMEIDA, op. cit., págs. 412 a 416.
(15 O artigo 118º do Tratado CEE atribui, com efeito, à Comissão a incumbência de promover estreita colaboração entre os Estados membros no domínio social, nomeadamente em matérias como emprego, direito ao trabalho e às condições de trabalho, à formação e ao aperfeiçoamento profissionais, segurança social, protecção contra acidentes e doenças profissionais, e outras exemplificadas no mesmo preceito.
Cedo se verificara nestes sectores a exigência de acções tendentes à harmonização das legislações nacionais. Por isso que se tenha assistido à adopção de instrumentos com relevo social e económico, tais como: a Directiva nº 75/129/CEE, de 17 de Fevereiro de 1975 (despedimentos colectivos), Directiva nº 77/187/CEE, de 14 de Fevereiro de 1977 (protecção dos trabalhadores em caso de falência); Directivas nº 76/579/Euratom, de 1 de Junho de 1976 (com várias modificações), nº 77/312/CEE, de 29 de Março de 1977, nº 78/610/CEE, de 29 de Junho de 1978, nº 80/1107/CEE, de 27 de Novembro de 1980, nº 77/576/CEE, de 25 de Julho de 1977 (todas versando sobre a protecção da saúde e integridade física contra certas emanações e riscos derivados de agentes químicos, tendo a citada em último lugar por objecto a sinalização dos locais de trabalho) - cfr. MOITINHO DE ALMEIDA, op. cit., pág. 425, em cujas notas 63 a 66 vêm identificados os lugares de publicação.
Não se esqueçam, ademais, as medidas do domínio da segurança social necessárias ao funcionamento da livre circulação de trabalhadores adoptadas pelo Conselho mediante o "Regulamento nº 3, de 16 de Dezembro de 1958", "Jornal Oficial", nº 30, da mesma data", completado pelo "Regulamento nº 4, de idêntica data", no mesmo "Jornal Oficial", pág. 597, e substituído pelo "Regulamento nº 1408/71, de 14 de Junho de 1971", "Jornal Oficial", nº L 149, de 5 de Julho de 1971 - cfr., para maiores detalhes, RESS, op. cit., págs. 312 e ss.
(16 Cfr. outros desenvolvimentos em MOITINHO DE ALMEIDA, op. cit., págs. 420 a 425.
(17 Processo nº 152/73 no caso Sotgiu-Deutsche Bundespost (decisão prejudicial nos termos do artigo 177º do Tratado CEE a solicitação do bundesarbeitsgericht), "Recueil de la Jurisprudence de la Cour", 1974, 1ª parte, Luxemburgo, págs. 153 e ss, aqui oferecido em tradução livre da nossa responsabilidade. Acerca de aspectos dessa decisão cfr., entre tantos, G. LYON CAEN/A. LYON CAEN, Droit Social International et Européen, 5ª edição, Paris, 1980, págs. 217 e s.
(18 A Comissão partia, esclareça-se, de uma "noção de direito comunitário" na interpretação do nº 4 do artigo 48º. Embora aceitando que o conceito de "emploi dans l'administration publique" "não poderia , indubitavelmente, em larga medida, ser delimitado senão por referência à situação jurídica nacional", tratar-se-ia, em todo o caso, de uma "definição autónoma, criada pelo tratado, cujo conteúdo deverá ser determinado essencialmente em função das exigências do direito comunitário, apenas acessoriamente se fundando em critérios nacionais". E isto porque, do ponto de vista da mesma Instituição comunitária, "abandonar aos Estados membros o direito de delimitar soberanamente o domínio da administração pública teria como consequência conferir às obrigações para eles decorrentes do princípio da livre circulação, isto é, de uma das liberdades fundamentais previstas no tratado, um alcance muito diferente de um Estado para outro". Daí que, para a Comissão da Comunidade Europeia, "a noção de "emprego na administração pública" não possa ser elaborada nem compreendida senão de modo unitário e na óptica do direito comunitário" - conducente à concepção sintetizada no texto.
(19 Na citada Resolução de 17 de Janeiro de 1972, o Parlamento, ponderando as noções de administração pública e de autoridade pública nos Estados membros a propósito dos artigos 48º, nº 4, e 55º do Tratado CEE, concluiu que aquele primeiro preceito "pode ser aplicado a qualquer emprego considerado por um Estado membro como relevando (relevant de) da sua administração pública, qualquer que seja o conteúdo das actividades realizadas no campo deste emprego", embora formulando o voto de que, na medida do possível, os Estados membros cinjam a aplicação da excepção aos empregos que comportem o exercício da autoridade pública.
Vimos como este augúrio foi interpretado pela Comissão.
A República Federal da Alemanha, Estado principalmente implicado no litígio, extraía, porém, da Resolução, em observações produzidas perante o Tribunal, conclusões diametralmente opostas. O Tratado não define o que deva entender-se por administração pública, e o artigo 48º, nº 4 privilegiaria, pois, uma interpretação fundada sobre a noção e concepção nacionais dessa realidade. Disposição justificada pela necessidade de ponderação da lealdade dos trabalhadores nacionais recrutados na administração pública, a limitação "rationae personae" do campo de aplicação da norma deverá tomar em conta as diferentes estruturas de administração pública dos Estados membros. Tais os limites dos objectivos prosseguidos pelo artigo 48º, nº 4, ao qual não poderia imputar-se o escopo de harmonização das estruturas administrativas nacionais, nem, por conseguinte, o de uniformizar a excepção nele prevista ao princípio da livre circulação de trabalhadores, concepção assim partilhada, pois, pelo Parlamento na aludida Resolução.
Segundo o ponto de vista germânico, a livre circulação de trabalhadores constitui, decerto, um dos fundamentos da Comunidade. Exceptuando, porém, dessa liberdade, o sector da administração pública, o artigo 48º, nº 4 apenas teria constatado que a Comunidade não constitui uma organização estadual unitária, antes repousando nas organizações estaduais dos Estados membros.
A Resolução parlamentar de Janeiro de 1972 originou, nos termos expostos, posições antagónicas. A evolução subsequente encarregar-se-ia, porém, de introduzir na controvérsia alguma clarificação, como veremos.
(20 A atitude, dir-se-ia prudencial, do Tribunal mostra-se em sintonia com as "conclusões" do Advogado Geral HENRI MAYRAS, apresentadas em 5 de Dezembro de 1973, op. cit. supra, nota 17, págs. 167 e ss.
Aderindo à posição da Comissão em favor de uma noção de "emprego na administração pública" de plano comunitário, autónoma e "indiferente a critérios nacionais variáveis", vai detectar nas "intenções dos autores do tratado" o fim de permitir aos Estados, com a excepção do nº 4 do artigo 48º, "reservar aos seus nacionais aqueles de entre os empregos públicos que colocam os seus titulares em situação de participar directamente no exercício da autoridade pública ou de fazer uso de prerrogativas de poder público frente aos administrados". A excepção apenas seria, pois, oponível, para o Advogado Geral, quando o titular "detém um poder de decisão face aos particulares ou se a sua actividade põe em causa interesses nacionais e, antes de mais, os relacionados com a segurança interna ou externa do Estado".
A posição sustentada pela Alemanha Federal - "conception éminemment respectueuse de la souveraineté de l'État" -, insusceptível de objecções no plano das "relações clássicas do direito internacional inter-estadual", já suscitaria sérias reservas no confronto com os objectivos e o espírito da Comunidade. Sem esquecer que cada um dos Estados membros é, em princípio, "senhor de organizar a sua administração ou a das respectivas colectividades descentralizadas", sublinha o Advogado Geral que "nos domínios em que competências próprias foram transferidas para os órgãos comunitários, o primado, o efeito directo e a necessidade de uma aplicação uniforme das regras editadas por estes órgãos não podem acomodar-se a critérios de interpretação que permitiriam a cada Estado membro moldar à sua vontade, isto é, ampliar ou restringir, o alcance dessas normas comunitárias".
Nesta ordem de ideias, "a implementação do princípio da livre circulação de trabalhadores pertence indubitavelmente ao domínio das competências comunitárias, haja em vista o poder conferido pelo artigo 49º ao Conselho de adoptar, mediante directivas ou regulamentos, as medidas necessárias tendentes a realizar a aplicação efectiva do princípio". Por outro lado, tratando-se de uma das liberdades fundamentais garantidas pelo Tratado aos trabalhadores dos Estados membros, a excepção deverá ser "interpretada estritamente e, do mesmo passo, de maneira uniforme em cada um daqueles Estados, o que exclui a possibilidade de referência a critérios nacionais". Todo o Estado tem, decerto, "o poder de delimitar o campo de acção da sua administração", mas, "como membro da Comunidade, não pode depender dele restringir, por esse modo, o alcance real do princípio da livre circulação de trabalhadores".
Por todo o exposto chegou o Advogado geral ao ponto de sugerir à instância comunitária "uma interpretação fundada na ideia de participação na autoridade pública", não deixando, todavia, de alertar para as insuficiências de um critério de "administração pública" assim estreitamente limitado, sabido como no Estado moderno um sem número de "funções não comportam o uso directo de prerrogativas que exorbitem do direito comum e nem por isso devem menos, por motivos de segurança interna ou de defesa por exemplo, quedar reservados aos nacionais".
Tais dificuldades na construção de uma noção "precisa e limitativa" aconselhariam, justamente, a "caminhar por aproximações sucessivas" e a "evitar estabelecer de uma vez por todas uma interpretação demasiado rígida". É preciso ao mesmo tempo - salienta-se nas "conclusões" - "échapper aux divergences et aux contradictions que recèlerait une interpretation fondée sur des critères tirés du droit interne, mais aussi s'efforcer de ne point figer la notion dans une définition trop étroite qui se révèlerait d'application malaisée à des situations fort diverses".
(21 Em breve referência ao acórdão Sotgiu, MOITINHO DE ALMEIDA, op. cit., págs. 416 e s., frisando, precisamente, não ter sido tomada posição acerca da noção de "administração pública" para efeitos do nº 4 do artigo 48º, revela-nos que as opções debatidas se reduziam a um "conceito institucional" - abrangendo todos os cargos do Estado, da administração local, das pessoas colectivas de direito público - ou "funcional" - cingindo-se a administração pública nesta hipótese àqueles cargos que suponham o exercício de certas actividades características da administração, como a autoridade pública e a realização de interesses nacionais.
(22 Processo nº 149/79 no caso Comissão contra o Reino da Bélgica, "Recueil", 1980-8, págs. 3881 e ss. ("recours en manquement" nos termos do artigo 169º do Tratado CEE, com fundamento em violação das obrigações resultantes do artigo 48º e do Regulamento nº 1612/68, por exigência da nacionalidade belga, relevando da Constituição deste País, como condição de recrutamento para empregos na sociedade nacional de caminhos de ferro, entre outros, não visados no nº 4 daquele artigo).
(23 HENRI MAYRAS, recorde-se (supra, nota 20), cujas "conclusões", apresentadas na qualidade de Advogado Geral também no presente processo em 24 de Setembro de 1980 ("Recueil" citado na nota anterior, págs. 3906 e ss.), dispensam análise pelo seu essencial fundo doutrinário comum às de 1973, descontados, evidentemente, os maiores desenvolvimentos impostos neste caso e o mais amplo apelo ao instrumental dogmático-jurisprudencial.
(24 Para uma análise do caso assim apreciado em 17 de Dezembro de 1980, com recensão de dificuldades práticas que pode suscitar o conceito de "administração pública" perfilhado pelo Tribunal de Justiça, cfr. DERRICK WYATT, Article 48(4) EEC: scope of the public service proviso, "European Law Review", Dezembro de 1981, págs. 459 e ss.; na mesma linha, o comentário aprofundado de GÉRARD DRUESNE, La liberté de circulation des personnes dans la CEE et les "emplois dans l'administration publique" (sur un arrêt du 17 décembre 1980 de la Cour de justice des Communautés européennes), "Revue Trimestrielle de Droit Européen", 17º ano (1981), nº 2, págs. 286 e ss.; cfr. ainda ROSY BACLET-HAINQUE, L'Europe des emplois dans l'administration publique, "L'Actualité Juridique", número especial, 4, 1990, págs. 224 e ss.
(25 Acórdão de 26 de Maio de 1982, no mesmo Processo nº 149/79, "Recueil", 1982-5, págs. 1845 e ss. Sobre os dois acórdãos cfr., por exemplo, F. BURROWS, Free Movement in European Community Law, Oxford, 1987, págs. 152 e ss.
(26 Processo nº 307/84, no caso Comissão contra a República Francesa, “Recueil”, 1986-6, págs. 1725 e ss. (“recours en manquement” nos termos do artigo 169º); cfr. BACLET-HAINQUE, op. cit., págs. 226 e s.
(27 Processo nº 66/85, no caso Lawrie-Blum/Land Baden-Württemberg (decisão prejudicial nos termos do artigo 177º a pedido do Bundesverwalungsgerichr), “Recueil”, 1986-7, págs. 2121 e ss.
(28 Processo nº 225/85, no caso Comissão contra a República Italiana, “Recueil”, 1987-6, págs. 2625 e ss. (procedimento nos termos do artigo 169º do Tratado CEE), comentada, v.g., por ROBIN WHITE, Employment in the public service, “European Law Review”, Outubro de 1988, págs. 345 e ss.
(29 Significativo também o acórdão de 15 de Março de 1988, Processo nº 147/96, no caso Comissão contra a República Hekénica, “Recueil”, 1988-3, págs. 1637 e ss. (“recours en manquement” nos termos do artigo 169º), embora com mais incidência na liberdade de estabelecimento, oferecendo, aliás, a particularidade do “estado de graça” temporário daquele País, resultante do respectivo acto de adesão, circunstância obviamente tomada em conta quer pela Comissão quer pelo Tribunal.
(30 Uma abordagem da problemática versada nos cinco casos decididos pelo Tribunal de Justiça, nas suas cambiantes e ramificações, sem esquecer uma panorâmica do direito britânico concernente, e tocando as implicações políticas da corrente jurisprudencial desenhada, pode ver-se em JOHN HANDOLL, Article 48(4) EEC and Non-National Access to Public Employment, “European Law Review”, Agosto de 1988, pág. 223 e ss. – “para o Tribunal de Justiça, escreve topicamente, o trabalhador é mais do que simplesmente um trabalhador; é um cidadão embrionário da Comunidade”.
(31 A declaração, apresentada em 5 de Janeiro de 1988 com o nº 88/C72/02, está publicada no “Jornal Oficial das Comunidades Europeias”, nº C72/2 e seguintes, de 18 de Março de 1988.
A análise crítica do texto em conjugação com o papel da Comissão no “processus” descrito, pode ver-se em JOHN HAMDOll, op. cit., págs. 238 e ss.; BACLET HAINQUE, op. cit., págs. 227 e ss.; também, numa dialéctica direito comunitário versus direito nacional, JULIAN CURRALL, La Communauté et les Fonctions Publiques Nationales (l’article 48, §4 du traité CEE), “Revue Française d’Administration Publique”, nº 48, 1988, pág. 63 e ss.; por todos na doutrina comunitária, aceitando implicitamente desde cedo a interpretação do nº 4 do artigo 48º que prevaleceu, J. MÉGRET/J.-VICTOR LOUIS/D.VIGNES/M. WAELBROECK/ J. DOUSSENT/M. SARMET, Le Droit la Communauté Économique Européenne, vol. 3, pág. 6.
(32 Este princípio, fundamental em matéria do direito de estrangeiros português, encontra-se igualmente positivado, em sede de direitos civis, no artigo 14º, nº 1, do Código Civil: "Os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos civis, salvo disposição legal em contrário". Acerca desta norma veja-se FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, Coimbra, 1967, págs. 205 e ss.
No tocante à condição dos estrangeiros, a "estrangeira", no plano do direito internacional geral, cfr. JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo III, 2ª edição revista (reimpressão), Coimbra, 1988, págs. 127 e ss.; R.M. MOURA RAMOS, Estrangeiro, "Polis, Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado", vol. 2, Lisboa, págs. 1216 e ss.
(33 As quais, em certa opinião, encontram a sua ratio "na defesa de interesses nacionais que imponham reserva de funções em ordem a assegurar a defesa nacional ou outros valores do Estado" - ISALTINO MORAIS/J.M. FERREIRA DE ALMEIDA/RICARDO L. LEITE PINTO, Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada, Lisboa, 1983, pág. 40.
Para uma panorâmica histórico-evolutiva do nosso direito constitucional a respeito da condição dos estrangeiros em relação à dos portugueses, JORGE MIRANDA, op. cit., págs. 132 e ss.; parecer deste Conselho nº 65/82, de 22 de Julho de 1982 (ponto 5), "Diário da República", II Série, nº 146, de 28 de Junho de 1983, págs. 5410 e ss. e "Boletim do Ministério da Justiça", nº 325, págs. 294 e ss. Na óptica da actual expressão constitucional do princípio da equiparação, observa aquele Autor (pág. 136), ponderando eventuais restrições, que "estas não podem ser tais (ou tantas) que invertam o princípio". Essas exclusões de direitos dos estrangeiros "(ou as reservas de direitos aos portugueses) só podem dar-se por via da Constituição ou da lei" e, "quando não seja a Constituição a estipulá-las, tem de ser a lei; e lei formal; não pode ser a Administração - donde, uma verdadeira reserva de lei, que é também uma reserva de competência da Assembleia da República quando se trate de direitos, liberdades e garantias". Por outro lado, faz notar, citando VIEIRA DE ANDRADE, Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pág. 184, que "as excepções estabelecidas por lei ordinária àquele princípio não são livres, pelo menos no que respeita aos direitos, liberdades e garantias, devendo as leis que reservam direitos deste tipo para cidadãos portugueses ser consideradas verdadeiras leis restritivas para efeito do artº. 18º".
(34 GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1º volume, 2ª edição revista e ampliada, Coimbra, 1984, pág. 157.
Vê-se em JORGE MIRANDA, op. cit., págs. 133 e s., ter sido a revisão constitucional de 1971, da Constituição de 1933, que introduziu no artigo 7º, §2º a autorização no sentido de o legislador ordinário permitir a estrangeiros "o exercício de funções públicas de carácter predominantemente técnico. Neste domínio normativo, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu - acórdão de 30 de Junho de 1977, "Colectânea de Jurisprudência", Ano II (1977), tomo IV, págs. 990 e ss. -, nos postulados de que a permissão de desempenho de cargo com carácter predominantemente técnico não se concilia com o exercício de autoridade pública, e de que implica o exercício desta autoridade o desempenho de lugares de direcção e chefia, que o lugar de secretário-geral do então Ministério da Comunicação Social, importando, como lugar de direcção e chefia, o exercício da autoridade público, não se integrava na previsão do citado §2º do artigo 7º da Constituição de 33 a título de lugar de carácter predominantemente técnico.
(35 Como se frisou supra, nota 2, os nºs 1 e 2 do artigo 15º não sofreram alteração desde a versão originária de 1976. Por outro lado, nesta versão constituinte, semelhantes incisos tiveram por fonte, como informa JORGE MIRANDA, op. cit., pág. 135, nota 1, "o artigo 9º, nº 2, do projecto de constituição do Partido Popular Democrático e foram aprovados pela Assembleia Constituinte sem discussão e apenas com uma abstenção", o que, aliás, pode ver-se documentado no "Diário da Assembleia Constituinte", nº 35, de 22 de Agosto de 1975, págs. 940 e 941.
O valor dos trabalhos parlamentares é, assim, escasso, na dilucidação do problema que nos ocupa. Veja-se, no entanto, a recensão desses elementos quanto ao artigo 15º na sua globalidade, quer na Constituinte, quer nas revisões de 1982 e 1989, em J.L. PEREIRA/COUTINHO/J.M. MEIRIM/M. LOBO ANTUNES, Constituição da República Portuguesa, 2ª Revisão, Lisboa, 1989, págs. 33 e s.
(36 Da pena de JORGE MIRANDA, op. cit., págs. 138 e ss.
(x" Assim, Parecer nº 258/77, de 16 de Fevereiro de 1978, da Procuradoria-Geral da República, in Boletim do Ministério da Justiça, nº 291, Dezembro de 1979, págs. 195 e segs," - cfr. também o "Diário da República", II Série, nº 80, de 5 de Fevereiro de 1980, págs. 697 e ss.
(x1 "Declaração de voto de vencido de J. N. Cunha Rodrigues anexa ao parecer citado da Procuradoria-Geral da República, ibidem, pág. 202".
(37 JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, 1º volume, Coimbra, 1985, págs. 153 e s.
(38 Critério que o Autor, aliás, recusa perfilhar.
(39 "Diário da República", II Série, nº 239, de 17 de Outubro de 1978, págs. 6291 e ss., e "Boletim do Ministério da Justiça", nº 281, págs. 35 e ss.
(40 Desta doutrina é dada notícia, em termos não compromissórios, ao que se afigura, na nota 2 do parecer inédito nº 107/78, votado em 20 de Julho de 1978.
(41 Perfilhando por maioria a interpretação que prevalecera no parecer nº 258/77 (cfr. a sua conclusão 2ª), este corpo consultivo entendeu no caso que a "função médica é de carácter predominantemente técnico podendo nessa medida ser exercida por estrangeiros a nível de funções públicas, desde que não existam, em princípio, portugueses com as mesmas aptidões" (conclusão 3ª.) e cumpridos ainda determinados requisitos (conclusão 4ª.).
(42 Não publicado.
(43 Não publicado.
(44 Reafirmando-se, assim, que o controverso segmento da lei fundamental há-de ser interpretado "não à luz do seu grau de tecnicidade mas sim segundo o critério de prevalência das componentes de autoridade ou de tecnicidade do cargo "(conclusão 1ª.), tal permitiu concluir, no caso em apreciação, que os médicos estrangeiros ou apátridas dos internatos de policlínica devem, visto nestes predominar a componente de tecnicidade, ser obrigatoriamente inscritos na Caixa Geral de Aposentações.
(45"Diário da República", II Série, nº 214, de 15 de Setembro de 1988, págs. 8481 e ss.
(46 Cfr. sobre o tema, J.J. FERREIRA ALVES, Lições de Direito Comunitário, I volume, Coimbra, 1989, págs. 295 e ss.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART15 N2.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR COMUN.*****
T CEE ART48.
REG COM CEE 1612/68/CEE DE 1968/10/15.
DIR CONS CEE 68/360/CEE DE 1968/10/15.
REG COM CEE 1251/70/CEE DE 1970/06/29.
Divulgação
Número: 
DR070
Data: 
14-03-1992
Página: 
2879
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