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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
85/1989, de 23.11.1989
Data do Parecer: 
23-11-1989
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
PRINCÍPIO DO PEDIDO
REVISÃO DE PROCESSO
RISCO AGRAVADO
MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
PREC
Conclusões: 
1 - O acidente de helicóptero sofrido em 8 de Junho de 1976, pelas 14 horas, em (...) - (...), por um membro do Conselho da Revolução, que regressava de uma reunião deste orgão de soberania a Região Militar do (...), decorrendo a viagem até então com toda a normalidade e em boas condições de visibilidade, não é qualificável como acidente ocorrido na "manutenção da ordem publica", nos termos do segundo "item" do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - O transporte em helicóptero da Força Aérea, de dia, decorrido em condições de visibilidade normal, ainda que tenha surgido em dada altura uma zona de nevoeiro e envolva o risco de avaria mecânica, não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76;
3 - A revisão do processo para qualificação como deficiente das forças armadas depende de pedido do interessado, mediante requerimento.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETARIO DE ESTADO ADJUNTO DO MINISTRO DA DEFESA NACIONAL,
EXCELÊNCIA:

Dignou-se Vossa Excelência submeter a parecer deste Conselho Consultivo, nos termos do artigo 34º, alínea a) da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, o processo relativo ao Brigadeiro Gradua do (...), com vista a uma eventual qualificação como deficiente das forças armadas.

Cumpre emiti-lo.

2

2.1. Em 6 de Novembro de 1986, (...), "sentindo de algum tempo a esta parte, os efeitos de múltiplas fracturas e outras lesões, consequência da queda de helicóptero em que viajava em Junho de 1976, quando desempenhava as funções de Comandante da Região Militar do (...), desejando ser submetido a uma Junta Médica para efeitos de atribuição de percentagem de deficiência" solicitou ao Chefe do Estado Maior do Exército (CEME) a reabertura do seu processo por acidente em serviço.

Presente em 19 de Maio de 1989 à JHI/HMR1, foi julgado incapaz do serviço activo com uma desvalorização global de 87,2% por sequelas de traumatismo crânio-encefálico e medular, fracturas, luxação e lesões ligamentares graves ao nível dos membros e tórax (homologação a 7/7/89).

A CPIP/DSS foi de parecer que "os motivos pelos quais a JHI julgou este oficial incapaz do serviço activo com uma desvalorização de 87,2%, resultou das lesões sofri das no acidente ocorrido em serviço, a 8JUN76, conforme está descrito" (parecer nº 341/89, de 7/7/89, homologado a 4/9/89).

2.2. Seguidamente, o Consultor Jurídico do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal considerou que "importa dilucidar na petição apresentada duas situações possíveis, assentando a primeira na desvalorização atribuída em consequência do acidente considerado em serviço, e aquela outra que poderá ser a almejada pelo requerente se atentarmos no termo "deficiência" e que passa pela caracterização do acidente em termos do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 de 20 de Janeiro, conjugado com o nº 4 do artigo 2º do mesmo diploma que, por sua vez, remete a qualificação de DFA para a esfera de competência do Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República" (parecer nº 300/89, de 31/8/89 - sublinhados nossos).

Sobre este parecer recaiu despacho de 4/9/89 do Director do Serviço de Pessoal interino (por subdelegação do General Ajudante-General após delegação recebida por este do General Chefe do Estado Maior do Exército), segundo o qual "deverá ser elaborada informação para ser submetida à consideração superior a fim de ser atribuída ou não a qualificação de DFA".

2.3. Foi, assim, elaborada a Informação nº 312/89, de 8/9/89, pelo Chefe do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal, onde se pondera;

"2. Contudo tal acidente já havia sido considerado como ocorrido em serviço por despacho do CEME datado de 22.3.78, pelo que se presume que o requerente pretende a caracterização do acidente como ocorrido nos termos do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, ou seja a sua qualificação como DFA.

3. Nos termos do nº 4 do artigo 2º do mesmo Decreto-Lei, conjugado com o artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/88, de 8 de Fevereiro, a competência para apreciar e decidir dos processos instruídos com fundamento em qualquer dos factos previstos no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 compete ao Ministro da Defesa Nacional, entidade a quem se julga dever ser submetido o processo".

Sobre esta informação, que obteve, a 11/9/89, concordância do Director do Serviço interino, recaiu parecer de 12/9/89 do Ajudante-General, segundo o qual:

"Tenho dúvidas sobre se o acidente em serviço (...) se enquadra no referido no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 ) ..."risco agravado equiparável ao definido nas situações anteriores...”). Julgo de enviar ao MDN. A consideração do Exmº CEME".

0 CEME despacharia, em 18/9/89, nos seguintes termos;

"0 assunto é da exclusiva competência de Sua Exa. o Ministro da Defesa Nacional.

0 CEME é de parecer que a situação exposta se enquadra perfeitamente no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.

À alta consideração de Sua Exa. o Ministro da Defesa Nacional".

2.4. Remetido o processo ao Ministério da Defesa Nacional, viria a ser produzida a informação nº 606, de 20/10/89, aqui se considerando:

“1. É do conhecimento público o relevante papel desempenhado pelo Brigadeiro (...) no conturbado período de PREC, bem como das alterações da ordem pública a nível nacional ocorridas nesse período.

2. 0 acidente sofrido pelo Brigadeiro (...) em 8JUN76, no regresso de uma reunião do Conselho da Revolução, poderá ser subentendido como decorrente da acção deste Oficial na normalização da ordem pública nacional.

3. Constata-se, assim, que o correcto enquadra mento das circunstâncias referidas no número anterior, poderá ser decisivo para a qualificação do DFA.

4. Saber se os factos, naquela ocasião e circunstâncias, correspondem a algum dos conceitos contidos no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, é questão que se nos afigura poder melhor ser apreciada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, nos termos da alínea a) do artigo 34º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, para onde se sugere o envio do processo, a fim de ser submetido a parecer".

Concordando, Vossa Excelência solicitou o parecer deste corpo consultivo.

3

Uma das razões por que entendemos dar a conhecer em pormenor a situação que está na génese da consulta, prende-se com o princípio do pedido (1) .

3.1. Como se sabe, a qualificação como deficiente das forças armadas depende de revisão do processo, expressão que significa: "elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das forças armadas (DFA) constantes dos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro" (nº 1 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março).

E, nos termos do nº 3 da mesma Portaria, fia revisão do processo efectuar-se-á sempre a pedido do interessado, mediante requerimento dirigido ao Chefe do Estado-Maior do ramo respectivo" (redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março).

3.2. Conhecidos os termos do requerimento (supra 2.l.), importará indagar se o mesmo consubstancia, para os efeitos legais, o pedido de revisão do processo.

3.2.1. A questão não passou despercebida, e desde logo o Consultor Jurídico do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal apontou a necessidade de, na petição, dilucidar duas situações possíveis, uma das quais "poderá ser a almejada pelo requerente se atentarmos no termo deficiência" e que se traduz na qualificação como deficiente das forças armadas (supra 2.2).

Neste mesmo sentido se pronunciaria o Chefe do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal, ao ponderar que, tendo c acidente sido já considerado como ocorrido em serviço, "se presume que o requerente pretende a caracterização do acidente como ocorrido nos termos do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, ou seja, a sua qualificação como DFA" (supra 2.3).

3.2.2. Não se nos afigura assim tão líquido que esteja satisfeito o princípio do pedido.

Na verdade, o requerimento apresentado não contém a mínima alusão ao Decreto-Lei nº 43/76, sendo igualmente omisso no tocante ao pedido de atribuição de um qualquer benefício do regime dos DFA, nomeadamente a concessão de uma pensão.

Em sentido contrário, dir-se-á, porém, que o interessado pediu a reabertura do seu processo por desastre em serviço, com a expressa finalidade de ser submetido a uma Junta Médica para atribuição de uma percentagem de deficiência - e a incapacidade é um dos pressupostos da qualificação como DFA -, sem esquecer que o requerimento foi dirigido à entidade militar competente para determinar a revisão do processo (o Chefe do Estado-Maior do Exército).

Não obstante a dúvida que deixamos aflorada, entendemos prosseguir na análise do processo (2) .

4

4.1. Foi oportunamente instaurado processo por desastre em serviço, havendo interesse em conhecer na íntegra o respectivo relatório, do seguinte teor;

"Do auto de notícia a folhas número um é comunicado que pelas 14 horas do dia 8 de Junho de 1976, se dera um acidente com um helicóptero da Força Aérea Portuguesa que caiu na povoação de (...), do concelho de (...), e no qual era transportado o Excelentíssimo Brigadeiro número (...)- (...) que ficou ferido e foi transportado ao Hospital (...), desta cidade do (...), onde ficou internado.

Na investigação apurou-se:

1º - Que o sinistrado regressava de Lisboa onde tinha ido tomar parte numa reunião do Conselho da Revolução e para onde tinha marchado em 7 de Junho de 1976, por via aérea, conforme documento a folhas 4;

2º - Que no dia 8 de Junho de 1976, por volta das 14 horas, o helicóptero, em que o sinistrado era transportado, sobrevoava a localidade de (...), no concelho de (...), perdeu o controle e despenhou-se no solo, tendo deste facto resultado alguns mortos e dois feridos entre os quais, destes últimos, se contava o Excelentíssimo Brigadeiro (...);

3º - Que o sinistrado foi transportado ao Hospital (...) onde ficou internado por ter ficado politraumatizado e em estado de choque hemorrágico, conforme relatório médico a folhas 7 e 8;

4º - Que em 21 de Junho de 1976, o sinistrado foi transferido para o Hospital Militar Regional número (...), onde continuou em tratamento;

5º - Que em 28 de Julho de 1977 o sinistrado foi submetido a exame de sanidade tendo-se verificado que se encontra curado das lesões sofridas e descritas no relatório médico de folhas 7, 8 e 9;

6º - Que não foi efectivado o exame de reconstituição do acidente nem qualquer outro tipo de peritagem técnica por tal não ser das atribuições do M.E. nem existirem dúvidas de que o acidente resultou de facto ou de factos cuja responsabilidade não pode ser, imputada ao sinistrado;

7º - Do que me foi dado ver e ouvir e ficou consignado no processo sou levado às seguintes

CONCLUSÕES

1ª - Que se encontra demonstrado o nexo de causalidade - acidente/serviço - por o sinistrado se encontrar, aquando da produção do evento, no desempenho duma missão de serviço; vinha de Lisboa, por via aérea, após ter tomado parte numa reunião do Conselho da Revolução;

2ª - Que o sinistrado sofreu um politraumatismo e choque hemorrágico pelo que foi internado no Hospital (...), donde, posteriormente foi transferido para o Hospital Militar Regional número (...);

3ª - Que o sinistrado se encontra curado das lesões sofridas em 8 de Junho de 1976, das quais, conforme relatório médico de exame de sanidade a folhas 21, resultou uma sequela de claudicação do membro inferior esquerdo que se prevê venha a normalizar com o decorrer do tempo;

4ª - Que o prazo de tempo decorrido desde o dia do acidente até aquele que foi dado como curado foi de 416 dias;

5ª - Que o presente processo foi, nos termos das determinações vigentes, submetido a despacho provisório, em 16 de Abril de 1977, tendo merecido o parecer de que o acidente sofrido em 8 de Junho de 1976 deve ser considerado ocorrido por motivo de serviço".

4.2. Acrescente-se que, embora o processo instrutor não contenha conclusões sobre as causas do acidente, dele resulta que a viagem decorria normalmente, em boas condições de visibilidade, surgindo a dada altura uma zona de nevoeiro, vindo então o helicóptero a descontrolar-se, despenhando-se no solo.

Na sequência do requerimento de 6/11/86, o interessado - como já vimos - veio a ser julgado incapaz do serviço activo com uma desvalorização global de 87,2%, sendo a CPIF/ /DSS de parecer que "os motivos pelos quais a JHI julgou este oficial incapaz do serviço activo com uma desvalorização de 87,2% resultou das lesões sofridas no acidente ocorrido em serviço, a 8JUN76" (parecer nº 341/89, homologado a 4/9/89).

0 nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, considera deficiente das forças armadas o cidadão que:

"No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas noz itens anteriores:

Vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença adquirida ou agravada, consistindo em:

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

Por seu lado, o nº 4 do artigo 2º estabelece:

"0 exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, "seja identificável com o espírito da lei" (cfr. rectificação publicada no Diário da República de 26 de Junho de 1976, 2º Suplemento).

6

Na vertente que, de momento, estamos analisando, importa recordar que este corpo consultivo (3) .

"tem vindo a entender, em sucessivos pareceres, que, na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro (...] para além das situações expressamente previstas na lei, o regime jurídico dos deficientes das forças armadas só é aplicável aos casos em que haja um risco agravado necessário implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha ou equivalente.

"Salienta-se que o privilégio do regime dos deficientes das Forças Armadas tem, ínsita, a ideia de recompensar os que se sacrifiquem pela Pátria.

"Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça semelhante equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três "itens" do nº 2 do artigo 1º.

"Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis".

7

Face ao exposto, há que ponderar se a matéria de facto relatada pode ser valorada como consubstanciando uma actividade a que é inerente um risco agravado, idónea para a equiparação a qualquer das situações contempladas no nº 4 do artigo 2º.

7.1. Nunca este corpo consultivo se viu confrontado com a necessidade de apreciar um acidente de helicóptero.

Teve, porém, já a oportunidade de se debruçar, por várias vezes, sobre acidentes ocorridos com diversos tipos de aviões, pelo que interessará recordar a doutrina a propósito formulada.

Assim, no parecer nº 44/76 (4) onde se pôs o problema de saber se um voo militar de instrução envolve ou não risco agravado, considerou-se muito duvidosa uma resposta afirmativa, que poderia conduzir a um quase esvaziamento do requisito "identificável com o espírito desta lei".

Depois, no parecer nº 23/77, de 3 de Março de 1977 (5) em coincidência com a qualificada informação do Presidente da Comissão Militar de Reabilitação e Assistência, considerou-se que "a instrução de voo alto em avião de instrução vulgar não é uma actividade militar com riscos que se possam equiparar à actividade de campanha ou às outras actividades previstas nos primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76".

A mesma orientação foi seguida nos pareceres nºs 26/77 e 259/77, de 24 de Fevereiro e 7 de Dezembro de 1977, respectivamente, tendo-se ponderado neste último: "ser conduzido num avião, importa um risco, como o importa ser conduzido num automóvel ou em barco. 0 que não se alcança é em que medida esse risco é superior ao que decorre normalmente da actividade militar, sendo seguro que a instrução se destina a colocar o instruendo perante situações em que pode vir a achar-se mais tarde e trazer ao de cima as suas qualidades de coragem e de iniciativa, a treinar os reflexos e o sangue frio perante situações difíceis".

Também no parecer nº 272/77, homologado por despacho de 16 de Janeiro de 1978, se concluiu que "um voo de instrução e treino em avião da Força Aérea, em condições normais que envolvem designadamente o risco de acidente por avaria mecânica, não constituem actividade militar enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro".

Esta mesma conclusão foi firmada no referido parecer nº 104/79, e no parecer nº 137/81, de 8/10/81, concluiu-se que "uma missão fotográfica em si, executada em 1945 num Avião JV-86 da Força Aérea", não constitui uma actividade militar com risco agravado.

7.2. Pensa-se não ser de perfilhar entendimento diferente para o caso em apreço.

Dir-se-á, paralelamente ao que se disse nos pareceres nºs 202/77 e 104/79, que ser conduzido num helicóptero importa um risco - que envolve designadamente o risco de acidente Dor avaria mecânica -, como também o importa ser conduzido num avião, num automóvel ou num barco.

Daqui, porém, não resulta que essa medida de risco seja superior à que decorre normalmente da actividade militar, não podendo, pois, afirmar-se que o interessado tenha incorrido em situação de risco agravado em termos de equiparação às situações de campanha ou que por lei lhe equivalem para o efeito.

Sendo assim, mesmo entendendo ter havido pedido de revisão do processo, haveria, nesta vertente do problema, de concluir-se pela improcedência da qualificação como DFA.

8

Já atrás fizemos notar que uma das razões que nos determinou que dessemos a conhecer em pormenor o quadro factual que determinou a audição da Procuradoria-Geral da República se prendia com o princípio do pedido.

Mas não só.

A essa determinação presidiram razões de outra ordem.

8.1. Na verdade, até à entrada do processo no Ministério da Defesa Nacional, todos os elementos apontavam para uma situação enquadrável no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 e, portanto, de parecer obrigatório da Procuradoria-Geral da República.

Assim, no parecer do Consultor Jurídico do Gabinete de Apoio da Direcção do Serviço de Pessoal refere-se a "caracterização do acidente em termos do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, conjugado com o nº 4 do artigo 2º do mesmo diploma".

Do mesmo modo, na Informação do Chefe do referido Gabinete de Apoio invoca-se expressamente o citado nº 4 do artigo 2º.

E no parecer de 12/9/89 do Ajudante-General fala-se explicitamente em "risco agravado equiparável ao definido nas situações anteriores".

8.2. Porém, remetido o processo ao Ministério da Defesa Nacional, foi aqui produzida a informação nº 606, de 20/10/ /89 (que oportunamente transcrevemos - supra 2.4.), na qual se conclui que a questão poderá ser apreciada por este Conselho Consultivo, nos termos da alínea a) do artigo 34º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.

Embora a invocação desta alínea a)não se revele decisiva para o ponto ora em causa (6) não poderemos deixar de atentar nas seguintes "reflexões" alinhadas na informação em apreço:

- alterações da ordem pública a nível nacional ocorridas no período do PREC (nº 1);

- o acidente sofrido no regresso de uma reunião do Conselho da Revolução poderá ser entendido como decorrente da acção do sinistrado na normalização da ordem pública nacional (nº 2) (7) .

Estas reflexões conjugadas com o facto de o pedido de parecer invocar a alínea a) do artigo 34º da Lei nº 47/86 - diversamente do que sucede nos casos de consulta obrigatória previstos no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, em que é esta a norma invocada -, permitem entender que se terá pretendido uma apreciação da situação sob outra vertente, ou seja, saber se o acidente é quantificável como ocorri do "na manutenção da ordem pública" (segundo item" do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 (8) .

9

9.1. Como se sabe, o conceito de deficiente das forças armadas encontra-se estabelecido basicamente nos artigos 1º e 2º do Decreto-Lei n2 43/76, dele fazendo parte, nomeadamente:

a) um certo quadro genérico de serviço - "cumpri mento de serviço militar e defesa dos interesses da Pátria" - como causa (nº 2 do artigo – 1º);

b) um certo resultado - diminuição da capacidade geral de ganho - como efeito genérico daquela causa geral particularizada em um certo acidente ocorrido (nº 2 do artigo 1º):

em serviço de campanha ou em circunstâncias idênticas relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra;

na manutenção da ordem pública;

na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou (...).

9.2. Em causa, estará o segundo "item" do nº 2 do artigo 1º: "Manutenção da ordem pública".

Em dois recentes pareceres, este corpo consultivo dedicou a sua atenção à definição do referido "item" (9) .

Após considerar que o Decreto-Lei nº 43/76 não define "manutenção da ordem pública" e de fazer apelo à doutrina nacional, espanhola, francesa e italiana, escreveu-se no aludido parecer nº 79/86:

"Do que até agora se recolheu parece lícito retirar uma conclusão: a Polícia de Segurança Pública actua na manutenção da ordem pública quando reage àquela tríade: tranquilidade, segurança e salubridade.

Por isso encontra-se na manutenção da ordem pública o guarda da P.S.P. que percorre as ruas da cidade, no seu giro habitual, pois a sua simples presença ou passagem é factor dissuasor da desordem, da intranquilidade e da insegurança.

Actua ainda na manutenção de ordem pública, o guarda da PSP que põe termo a uma agressão física, que conduz à prisão um delinquente ou persegue um autor de um furto

8 - Mas serão então subsumíveis à previsão do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 os acidentes que os membros da PSP venham a sofrer no exercício da função de manutenção da ordem pública?

A resposta não pode ser abrangente, desde que se recorde a razão de ser do diploma: recompensar os que se sacrificaram pela Pátria. Os que suportam um risco de tal modo agravado e anormal no exercício das suas funções merecem um regime de privilégio, como o que está contemplado no Decreto-Lei nº 43/76.

Só que esta agravação de risco não pode ser apenas pensada para aqueles casos-limite, em que a tranquilidade e a segurança dificilmente podem ser contidas pelas forças policiais e militares.

Tão pouco se pensa ser de exigir as clássicas situações tumultosas, de manifestação de rua, de aglomeração de pessoas contestatárias, etc., para invocar a aplicação do item "manutenção da ordem pública" previsto no diploma.

Difícil será teorizar e a casuística pode revelar-se perigosamente discricionária; pensa-se, no entanto, que a prudência máxima se contentará, pelo menos, com a inserção no conceito de "manutenção da ordem pública" previsto no Decreto-Lei n9 43/76 das situações em que o agente da PSP actua correndo potencialmente o risco da própria vida, revelando abnegação e coragem, motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade".

9.3. Será este o momento adequado para recordar ter sido sublinhado no parecer nº 18/89, invocando precisamente estes pareceres nºs 79/86 e 37/88, que o específico agrava mento de risco, tal como em geral deixámos delineado (supra, ponto 6.), tem vindo a ser afirmado como elemento indispensável à qualificação como deficiente das forças armadas não só a propósito das situações genericamente enquadráveis no quarto "item" do nº 2 do artigo 1º, como, designadamente, a propósito do "item" segundo, a situação de manutenção da ordem pública (10)

10

10.1. Como se disse, a Informação elaborada no âmbito do MDN terá pretendido suscitar a apreciação por este Conselho Consultivo do segundo "item", do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, com vista a apurar se a situação em apreço lhe é ou não subsumível.

Todavia, nada de concreto se aponta, unicamente se referenciando que o acidente sofrido no regresso de uma reunião do Conselho da Revolução, poderá ser entendido como decorrente da acção do "requerente" na normalização da ordem pública nacional.

Não se especificando qualquer conduta ou facto concreto imputável ao requerente susceptível de integrar o conceito "manutenção da ordem pública" - consideração feita, tendo em conta não caber a esta instância consultiva a fixação de matéria de facto -, o aludido passo da informação em apreço (que parece sugerir a caracterização da actividade "genérica" do "requerente" enquanto membro do Conselho da Revolução) permitir-nos avançar com considerações de outra ordem.

As funções do Conselho da Revolução estavam defini das, em geral, no artigo 142º da Constituição da República (11) , enunciando o artigo 145º a sua competência como Conselho do Presidente da República e como garante do regular funcionamento das instituições democráticas, o artigo 146º, como garante do cumprimento da Constituição, o artigo 147º, como garante da fidelidade ao espírito da Revolução de 25 de Abril e, finalmente, o artigo 148º, a sua competência em matéria militar.

10.2 0 acidente sofrido pelo requerente ocorreu quando regressava de uma reunião do Conselho da Revolução.

Estávamos, então, a 8 de Junho de 1976.

Mas sendo assim, para a economia do presente parecer importará (tão-só) atentar nos seguintes pontos:

- a Assembleia Constituinte chegara ao termo da sua missão, tendo aprovado a nova Constituição em 2 de Abril de 1976;

- a Constituição da República Portuguesa entrara em vigor no dia 25 de Abril de 1976 (artigo 312º, nº 3);

- nesta mesma data realizaram-se as eleições para a Assembleia da República;

- a eleição do Presidente da República teve lugar a 27 de Junho de 1976, e a posse a 14 do mês seguinte (Decreto do Conselho da Revolução nº 321-A/76, de 4 de Maio);

- conforme o disposto no nº 1 do artigo 294º da Constituição, o sistema dos órgãos de soberania entrou em funcionamento com a posse do Presidente da República.

10.3. Para trás ficaram o "11 de Março de 1975" e o "25 de Novembro" do mesmo ano, passando pelo chamado "Verão quente de 75".

Significativamente, ANTÓNIO REIS, ao analisar a Revolução do 25 de Abril de 1974, distingue dois períodos: do 11 de Março de *1975 ao 25 de Novembro de 1975 e do 25 de Novembro de 1975 à eleição do Presidente da República e formação do I Governo Constitucional , escrevendo:

"A derrota dos sublevados do 25 de Novembro e do COPCON encerra um ciclo, decerto o mais agitado e contraditório, do processo de democratização encetado a 25 de Abril. 0 Conselho da Revolução é novamente reestruturado num sentido mais favorável

ainda ao sector moderado do M.F.A., que passa igualmente a controlar a cadeia hierárquica de comando. (...). Em consequência destas modificações no aparelho militar, o clima político altera-se radicalmente. É o início de uma nova fase no processo de democratização" (12).

10.4. Nestes termos, afigura-se poder afirmar-se que à data da reunião do Conselho da Revolução, no regresso da qual se verificou o acidente, Portugal não vivia um clima de “alteração da ordem publica", devendo antes concluir-se que o País se encontrava já numa fase de normalização institucional (13) .

Assim sendo, não pode deixar de concluir-se que ("genericamente" - já que nenhum facto concreto é fornecido -), a actividade do "requerente", enquanto membro do Conselho da Revolução, não é subsumível à previsão do segundo "item" (manutenção da ordem pública) do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 (14).

Mais concretamente, o acidente sofrido pelo requerente não é qualificável como acidente ocorrido na "manutenção da ordem pública", para efeitos do disposto no segundo "item" do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.

11

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª 0 acidente de helicóptero sofrido em 8 de Junho de 1976, pelas 14 horas, em (...) – (...), por um membro do Conselho da Revolução, que regressava de uma reunião deste órgão de soberania à Região Militar do Norte, decorrendo a viagem até então com toda a normalidade e em boas condições de visibilidade, não é qualificável como acidente ocorrido na "manutenção da ordem pública", nos termos do segundo "item" do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª - 0 transporte em helicóptero da Força Aérea, de dia, decorrem em condições de visibilidade normal, ainda que tenha surgido em dada altura uma zona de nevoeiro e envolva o risco de avaria mecânica, não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76.

3ª - A revisão do processo para qualificação como deficiente das forças armadas depende de pedido do interessado, mediante requerimento;



NOTAS:

(1) Sobre o princípio do pedido, vejam-se os pareceres no 145/79, no Diário da República, II Série, nº 254, de 3/11/80 e no BMJ, nº 301, pág. 187, e nºs 56/79, 104/79 e 18/89, respectivamente de 17/5/79, 28/6/79 e 29/3/89, todos homologados (por despachos de 31/5/79, 12/7/79 e 2/5/89) mas não publicados.

(2) Mesmo no respeitante à questão de saber se o acidente de helicóptero sofrido pelo requerente se pode caracterizar como um tipo de actividade com risco agravado equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, hipótese em que é obrigatório o parecer da Procuradoria-Geral da República (cfr. artigo 2º, nº 4, in fine).

(3) Cfr., entre outros, os pareceres nºs 18/82, 109/82, 51/85, 79/86 e 18/89, homologados por despachos de 26/4/85, 17/8/82, 10/7/85, 18/7/88 e 3/5/89.

(4) Publicado no B.M.J., nº 257, pág. 18.

(5) Não publicado, mas homologado por despacho do Senhor Ministro da Defesa Nacional, de 14/3/77.

(6) Na verdade, a referida alínea a) prevê a emissão de parecer "nos casos de consulta obrigatória previstos na lei e naqueles em que o Governo solicite".

(7) Sublinhe-se que o nº 3 da Informação, ao falar da qualificação como DFA, referencia apenas as "circunstâncias referidas no número anterior".

(8) Tratar-se-á, então, de um caso de consulta não obrigatória, para o qual Vossa Excelência é competente nos termos da parte final da referida alínea a) do artigo 34º da Lei nº 47/86.

(9) Pareceres nºs 79/86 de 4/12/86, não publicado, e 37/88, de 9/2/89, homologado por despacho de 22/3/89.

(10) Cfr., também, o acórdão do S.T.A., Pleno, de 27 de Junho de 1984, in Acórdãos Doutrinais, ano XXIV, nº 279, págs. 328 e segs..

(11) Versão originária. A 1ª Revisão Constitucional suprimiu o título III da parte III da Constituição, abrangendo os artigos 142º a 149º (cfr. artigo 117º, nº 1, da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro).

(12) História de Portugal dirigida por JOSÉ HERMANO SARAIVA, Publicações Alfa, volume 6, págs. 368-373.

(13) Terá interesse recordar que no parecer nº 13/89, de 9/3/89 - emitido em sentido desfavorável à concessão da pensão por serviços excepcionais e relevantes, requerida pelo Coronel (...) -, se ponderou o seguinte: "São também conhecidos os circunstancialismos políticos e sociais delicados que animaram a vida nacional no período de descolonização - sem esquecer que esta teve o seu epílogo político em São Tome e Príncipe sendo o requerente a autoridade máxima da República Portuguesa no território - e, bem assim, na fase de normalização em que o mesmo, no elevado cargo militar que então desempenhou na Região Militar do Norte, alcançou notoriedade nacional".
Segundo revela o respectivo processo instrutor, o requerente exerceu funções como Comandante da Região Militar (...), entre 1975 e 1977.

(14) A qualificação como DFA sempre exigiria o estabelecimento de um nexo de causalidade adequada entre o acidente e essa actividade “de manutenção da ordem pública”.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N1.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
LOMP86 ART34 A.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFICC FFAA.
Divulgação
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