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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
71/1989, de 23.11.1989
Data do Parecer: 
23-11-1989
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
AGENTE DA PSP
ACTO DE DEDICAÇÃO À CAUSA PÚBLICA
Conclusões: 
1 - O conceito de "manutenção da ordem publica" - 2º item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro - implica que o agente da autoridade, em defesa da tranquilidade, segurança e salubridade publicas, actue correndo potencialmente o risco da própria vida, revelando abnegação e coragem motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade;
2 - O conceito de "dedicação à causa publica" - 3º item daquela disposição legal - implica que, na salvaguarda dos bens e valores da comunidade, se ultrapasse manifestamente os padrões normais de comportamento, se actua fora ou além dos limites do dever funcional, por forma a motivar o reconhecimento nacional;
3 - O 4º item da referida disposição legal, clarificado pelo nº 4 do artigo 2º do mesmo diploma, implica uma actividade arriscada por sua própria natureza, um risco agravado superior ao risco agravado superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, incompativel com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis;
4 - Não configura uma situação enquadrável em qualquer dos itens do referido nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 - aplicável a PSP ex vi do Decreto-Lei nº 351/76, de 13 de Maio - o acidente sofrido por um agente da PSP que, ao perseguir um carteirista, presumivelmente não armado, na avenida Infante Santo, em Lisboa, foi atingido por um projectil da sua própria arma de fogo que, empunhada para atirar para o ar, se disparou, por ele ter tropeçado durante a perseguição.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO
DO MINISTRO DA DEFESA NACIONAL,

EXCELÊNCIA:

1

A fim de ser colhido o parecer do Conselho Consultivo, nos termos do artigo 19 do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, foi enviado o processo respeitante ao guarda de 1º classe nº (...), (...), com vista a uma eventual qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Cumpre, pois, emitir parecer.

2

Como se diz, em conformidade com os autos, na informação nº 154/DFA/87, Pº P.I. 102, de 31 de Agosto de 1987, do Gabinete de Apoio aos DFA, do Comando-Geral da P.S.P.:

0 guarda de 1º classe nº (...), (...) na situação de aposentação extraordinária, requereu a qualificação de deficiente das Forcas Armadas nos termos do Decreto-Lei nº 43/76, com base no acidente em serviço de que foi vítima em 19ABR76.

2. Compulsado o respectivo processo, verifica-se que, em 19ABR76, pelas 20H30, na Avenida Infante Santo, em Lisboa, o guarda (...), quando perseguia um indivíduo, para o deter, que vira a tentar furtar a carteira de uma senhora que se encontrava numa paragem de eléctrico no local, foi atingido no abdómen por- um projéctil da sua arma de fogo que lhe estava distribuída, que se disparou por ter tropeçado, e que empunhava para fazer alguns disparos para o ar, em virtude do fugitivo não obedecer à sua ordem de parar.

3.0 acidente foi considerado como ocorrido em serviço, por despacho de 01AG077, de Sua Excelência o Comandante-Geral.

4. Em consequência do ferimento sofrido no acidente foi o guarda (...) julgado incapaz para todo o serviço da P.S.P., em 31JAN79, com a desvalorização de 83%.

5. Submetido o interessado àJ.S.S., nos termos do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 351/76, foi-lhe atribuída em 16JUL87 a incapacidade geral de ganho de 83% (oitenta e três por cento) e considerado incapaz de todo o serviço da P.S.P.".

E concluiu-se nessa informação:

Em face do exposto, julga este Gabinete de Apoio aos DFA ser duvidoso que o acidente de que foi vítima o guarda (...), em 19ABR76, seja identificável com o espírito do Decreto-Lei nº 43/76".

O Senhor Brigadeiro Comandante-Geral, Intº, emitiu igualmente parecer no sentido de ser "duvidoso" o enquadramento do acidente nas disposições do Decreto-Lei nº 43/76, determinando o envio do processo ao MAI para apreciação de Sua Excelência o Ministro (despacho de 31AGO87).

0 Gabinete do MAI enviou o processo ao Gabinete do SEAMDN (oficio de 13MAI88), onde uma consultora jurídica emitiu parecer-informação no sentido de que:

“2. 0 acidente não se enquadra manifestamente nos itens 1 e 4 do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, não sendo, portanto, de parecer obrigatório do Conselho Consultivo da P.G.R..

3. Parece-nos, porém, que o mesmo poderá, eventual mente, ser enquadrado nos itens 2 ou 3 da mesma disposição, questão que se nos afigura poder ser melhor apreciada por aquele Conselho Consultivo, para onde se sugere o envio do processo, a fim de ser submetido a parecer".

Tal sugestão mereceu a concordância de Vossa Excelência.

3

Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro:

"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na ,prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

tendo sido, em consequência, declarado, nos termo ria legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E o artigo 2º:

“1. Para efeitos de definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:

a) (...)

b) E fixado em 30%o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da
definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.

2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determina dos no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

3. As circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro operações onde ocorram operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

4."0 exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, ai não previstos que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável como espírito desta lei.

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

0 Decreto-Lei nº 351/76, de 13 de Maio, tornou extensíveis à P.S.P. as disposições do Decreto-Lei nº 43/76.

E, mais recentemente, o Decreto-Lei nº 43/88, de 8 de Fevereiro, atribuiu competência ao Ministro da Defesa Nacional, com faculdade de delegação, para "apreciação e decisão dos processos instruídos com fundamento em qualquer dos factos previstos no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76" (artigo 2º).

4

4.1. Até ao parecer nº 79/86 (1) o Conselho Consultivo tinha excluído a aplicação directa dos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 as situações como a descrita, admitindo, nó entanto, que elas podiam consubstancia ruma actividade a que é inerente um risco agravado idóneo para a equiparar a qualquer das referidas situações. Para aí chegar, o Conselho Consultivo partia da análise das funções policiais.

Verificou-se, porém, uma redonderação desta problemática com o parecer nº 79/86, de 4 de Dezembro do mesmo ano, que, debruçando-se sobre uma situação de facto próxima da que está na génese desta consulta, constitui uma abordagem, de certo modo inovadora, que passaremos a acompanhar de perto (2)

4.2. Escreveu-se o seguinte no referido parecer nº 79/86:

“Releve-se, porém, que se prossiga o discurso, não no sentido de rever ou inverter a conclusão que os
pareceres anteriores chegaram, pois se afigura correcto que situações como as descritas devam ser tratadas no quadro do Decreto-Lei nº 43/76, ou seja, os que as sofreram devem ser considerados deficientes das Forças Armadas, desde que reunidos os demais pressupostos, mas antes e tão só para ponderar se o enquadramento adequado dessas situações, ou pelo menos de algumas delas, não deve procurar-se antes nalgum dos itens anteriores, concretamente na “manutenção da ordem pública”.

"Trata-se não de um puro exercício intelectual de estilo, e, por isso dispensável numa perspectiva utilitária, mas de um esforço clarificador com importantes reflexos práticos".

4.2.1.A primeira consequência prática que se desenhava com caracter inovador dizia respeito à entidade competente para qualificar como deficiente das Forças Armadas um elemento da P.S.P. que sofresse um acidente na "manutenção da ordem pública".

A entidade competente para decidir deveria ser, em face da legislação então em vigor, o Ministro da Administração Interna e não o Ministro da Defesa Nacional.

No entanto, como atrás se referiu, o regime legal foi modificado pelo Decreto-Lei nº 43/88, de 8 de Fevereiro, cujo artigo 2º atribuiu competência ao Ministro da Defesa Nacional, com faculdade de delegação, para apreciação e decisão de todos os processos instruídos com fundamento em qualquer dos factos previstos no nº 2 do artigo do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro. Note-se que, nestes casos - de "manutenção da ordem pública – não se impõe a obtenção de parecer prévio da Procuradoria-Geral da República. Contudo, tendo-se considerado "duvidoso" o enquadramento da situação em causa em qualquer dos fundamentos (itens) do nº 2 do artigo 1º Do Decreto-Lei nº 43/76, deve entender-se o pedido do parecer extensível todos os itens previstos naquela disposição legal.

4.2.2. Mas, como se reconhece no parecer nQ 79/86, que vínhamos acompanhando, um segundo motivo persiste.

Aí se pondera sobre a conveniência de interpretação e de possível (tendencial) harmonização do conceito "manutenção da ordem pública" e, muito em especial, acerca da necessidade de definição do "item” traduzido naquela expressão, que o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 contempla para a P.S.P. por força do referido Decreto-Lei nº 351/76, com o objectivo de averiguar, por fim, se a hipótese concreta lhe é subsumível. E só no caso negativo é que seria justificável encarar a possibilidade de a situação s6 ser enquadrável no quarto "item" do nº 2 (do referido artigo 1º), sabido como é que uma das missões da P.S.P. consiste em assegurar o respeito pela legalidade, garantindo a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas" - alínea c) do nº 2 do artigo 1º do Estatuto da Policia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151/85, de 9 de Maio explicitando o artigo 5º do que "compete - à P.S.P., para a realização dos objectivos referidos na lei: a) Manter ou repor- a ordem e tranquilidade públicas".

4.2.3. Não vamos aqui desenvolver a temática relativa ao conceito de "manutenção da ordem pública" (2º item), largamente tratada no parecer nº 79/86 (3), onde se ponderou actuar a Polícia de Segurança Pública na manutenção da ordem pública quando reage no âmbito do trinómio tranquilidade, segurança e salubridade.

Por isso – diz-se nesse parecer -, "encontrar-se na manutenção da ordem pública o guarda da P.S.P. que percorre as ruas da cidade, no seu giro habitual, pois a sua simples presença ou passagem é factor dissuasor da desordem, da intranquilidade e da insegurança. Actua ainda na manutenção da ordem pública o guarda da P.S.P. que põe termo a uma agressão tísica, que conduz a prisão um delinquente ou persegue um autor de um furto...”.

Serão, então, subsumíveis à previsão do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 todos os acidentes que os membros da P.S.P. venham a sofrer no exercício da função de manutenção ala ordem pública?

4.2.4. Como se escreve no referido parecer nº 79/86, "a resposta não pode ser abrangente, desde que se recorde razão de ser do diploma: recompensar os que se sacrificaram pela Pátria. Os que suportam um risco de tal modo agravado e anormal no exercício das suas funções merecem um regime de privilégio, como o que está contemplado no Decreto-Lei nº 43/76.

“Só que esta agravação de risco não pode ser apenas pensada para aqueles casos-limite, em que a tranquilidade e a segurança dificilmente podem ser contidas pelas forças policiais e militares.

"Tão pouco se pensa ser de exigir as clássicas situações tumultuosas, de manifestação de rua, de aglomeração de pessoas contestatárias, etc., para invocar a aplicação do item "manutenção da ordem pública" previsto no diploma.

"Difícil será teorizar e a casuística pode revelar-se perigosamente discricionária; pensa-se, no entanto, que a prudência máxima se contentará, pelo menos, com a inserção no conceito de "manutenção da ordem pública" previsto no Decreto-Lei nº 43/76 das situações em que o agente da P.S.P. actua correndo potencialmente o risco da própria vida, revelando abnegação e coragem, motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade".

Para o efeito, as regras de experiência são balizas e parâmetros que permitem julgar as realidades da vida.

Ora, segundo elas, não se pode concluir que actua correndo potencialmente o risco da própria vida o guarda da P.S.P. que, ao anoitecer, na Avenida (...), em (...), persegue um carteirista que não da mostras de estar armado, e é atingido pela sua própria arma, que se disparou por ter tropeçado.

Para além de que não se vê nessa conduta, aquele grau de abnegação ou coragem que deve integrar o conceito de "manutenção da ordem pública".

Dai que tal conduta não corresponda a um tipo de actividade previsto no 2º item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.

4.3. É manifesto que a actividade em causa não integra o 1º item - "em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra" -, nem a primeira parte do 3º item - "na prática de acto humanitário".

Verificar-se-á a 2ª parte do 3ª item - "dedicação à causa pública"?

Escreveu-se no recente parecer nº 48/88, de 7 de Julho de 1988 (4):

"Acto de d e d i c o à causa pública consistirá na actuação, comportamento, toda a acção ou omissão que, pela coragem que demonstra e pelos fins relevantes tidos em conta, transcende os padrões normais de comportamento, envolvendo perigo ou risco para o seu autor. Mas, por transcender os padrões normais de comportamento, há-de revelar-se excepcional, fora ou além dos limites do dever funcional, ainda que escrupulosamente cumprido".

Já anteriormente, no parecer nº 95/81, de 22 de Outubro de 1981 (5), se escrevera:

"Para efeitos de aposentação extraordinária e para a classificação como deficiente das forças armadas, "acto de dedicação à causa pública" será assim o que, tendo como objectivo a salvaguarda dos bens e valores da Comunidade e ultrapassando manifestamente o comportamento exigível ao cidadão médio, motiva o reconhecimento nacional" (-).

n, pois, evidente, face às definições adoptadas, que a actuação do guarda (...) não integra o item "dedicação à causa pública", visto a sua actuação não ter excedido manifestamente os padrões normais do comportamento que lhe era exigível, como agente da P.S.P..

4.4.A não se entender que o caso em apreço integra uma situação de "manutenção da ordem pública", importa apreciar o seu possível enquadramento no 4º item.

4.4.1. Este corpo consultivo tem vindo a entender, uniformemente, em sucessivos pareceres (6) ,que, na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para além das situações expressamente previstas na lei, o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas só é aplicável aos casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha ou equivalente.

Salienta-se que o privilégio do regime dos deficientes das Forças Armadas tem, insíta, a ideia de recompensar os que se sacrifiquem pela Pátria.

Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça semelhante equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três primeiros "itens" do nº 2 do artigo 1º.

Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.

4.4.2. Para o efeito, e no tocante ao pessoal da P.S.P., como já se disse (cfr. o ponto 4.l.), o Conselho Consultivo partia da análise das funções policiais.

De facto, um dos objectivos e missões da Polícia de Segurança Pública é "garantir a segurança das pessoas e dos seus bens", competindo-lhe, nomeadamente, "prestar pronto auxílio a todos aqueles que dele careçam" (artigo 1º, nº 2, alínea c), e 6º, nº 5, do Decreto-Lei nº 151/85, de 9 de Maio) (7) .

(7) A data dos factos vigorava o Decreto-Lei nº 49 497, de 31 de Dezembro de 1953, que, no seu artigo 3º, nº 4, atribuía à P.S.P. "impedir a prática de crimes e transgressões (...)", depois de, no artigo 2º, dispor que a P.S.P. tinha por fim "assegurar, de um modo geral, a ordem e a tranquilidade públicas e a prevenção e a repressão da criminalidade".

Como se ponderou no parecer nº 109/82 (8) sobre a actividade policial:

" ... Trata-se de uma actividade que, como qualquer outra, envolve um risco especifico que, relativa mente ao de outras actividades profissionais, normalmente o excede mas que é o risco próprio da função policial. Não obstante esse excesso, trata-se, porém, de um risco que, em condições normais do exercício da função, não ameaça directa e imediatamente a vida ou a integridade física dos agentes que a suportam, dados os concretos meios de defesa de que dispõem e a normal evolução da vida em sociedade".

Pode, porém, suceder que a rotina da função policial e o específico risco que lhe é próprio sofram alteração em termos objectivos que importem uma relevante agravação desse risco, como se entendeu verificar no caso analisado no referido parecer: "actividade de um guarda da P.S.P. que, encontrando-se em serviço de patrulha, enfrenta, para o deter, um indivíduo em fuga como ladrão, munido de arma de fogo e dela fazendo uso, o persegue e consegue alcançá-lo e agarrá-lo, só não o dominando por ter sido por ele atingido por tiro da arma que empunhava".

Ao invés, no parecer nº 27/83 (9) concluiu-se não comportar essa agravação de risco a "actividade de um guarda da P.S.P. que, encontrando-se em, serviço de patrulha nocturna no centro da cidade de Lisboa, conduz esquadra para identificação uma mulher, sendo, no percurso, abordado e fisicamente agredido por terceiro".

Para além da situação tratada no parecer nº 109/ /82, outras foram equiparadas aos casos paradigmáticos dos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76. Recordemos algumas das que têm maior similitude com a ora em apreço:

- "a actividade de um guarda da P.S.P. que, em serviço num carro de patrulha, às 4 horas da manhã, avista junto de um automóvel três indivíduos relativamente aos quais não é de excluir que empreguem meios violentos para se subtraírem à acção policial e, suspeitando tratar-se de uma quadrilha dedicada ao furto de automóveis, para eles se dirigiu, pondo-se estes imediatamente em fuga, ao mesmo tempo que disparavam as suas armas" (Parecer nº 114/83, homologado por despacho de 13.9.83);

- “a actividade de um guarda da P.S.P. que enfrenta, para (7) deter, um perigoso cadastrado evadido de uma Colónia Penal, munido de arma de fogo e ameaçando dela fazer uso, o que veio a acontecer, mas não impediu a sua captura pelo guarda, atingido pelos tiros" (Parecer nº 18/85).

Diferentemente, os pareceres nºs 122/76 e 3/84 concluíram pela inexistência de risco agravado, tratando-se, respectivamente, de “perseguição (tentativa de recaptura) de um detido em fuga, desarmado., seguida de luta corpo a corpo", o que provocou o disparo involuntário da arma de que era portador o captor (um 1º, cabo paraquedista, encarregado de conduzir um detido), e da "actividade de um guarda da P.S.P. que, quando fazia o serviço de sinaleiro, em local bem movimentado, e ao tentar deter, a pedido de populares, um marinheiro desarmado, que fugia, foi por este agredido a soco e a pontapé".

4.4.3. Cremos que a situação em apreço tem certa semelhança com as tratadas nos referidos pareceres nºs 122/76 e 3/84, especialmente no primeiro.

0 guarda (...) limitou-se a perseguir, para captura, um carteirista em fuga, que não fazia uso de arma de fogo nem dava mostras de estar armado, não se afigurando, pois, que o guarda corresse perigo de vida ou, mesmo, que estivesse ameaçada a sua integridade física.

Não se vê, pois, uma relevante agravação do risco específico da actividade policial.

0 acidente resultou de circunstâncias meramente imprevisíveis e ocasionais (11) no exercício normal da actividade desenvolvida pelos agentes da P.S.P..

Como se escreveu no referido parecer nº 122V76:

"Aliás, a importância e o carácter excepcional dos benefícios que acompanham a qualificação de deficiente exigem correspondentemente uma conduta também relevante e de risco excepcional, não se compadecendo com os perigos normais e próprios do exercício do dever funcional simples. Para estes prevê a lei outras reparações e remédios, tais como a reforma extraordinária ou a pensão por invalidez (...)".

Daí que se deva concluir que a conduta em causa não configura uma situação de risco agravado enquadrável no 4º item do nº 2 do artigo 1º, no sentido que lhe confere o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76.

5

Termos em que se conclui:

0 conceito de "manutenção da ordem publica" – 2º item cio nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro – implica que o agente da autoridade, em defesa da tranquilidade, segurança e salubridade públicas, actue correndo potencialmente o risco da própria vida, revelando abnegação e coragem motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade.

2. 0 conceito de "dedicação à causa publica" – 3º item daquela disposição legal - implica que, na salvaguarda dos bens e valores da comunidade, se ultrapasse manifestamente os padrões normais de comportamento, se actue fora ou além dos limites do dever funcional, por forma a motivar o reconhecimento nacional;

3. 0 4º item da referida disposição legal, clarifica do pelo nº 4 do artigo 2º do mesmo diploma, implica uma actividade arriscada por sua própria natureza, um risco agravado superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis;

4. Não configura uma situação enquadrável em qualquer dos -,tens do referido nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 - aplicável à P.S.P. ex vi do Decreto-Lei nº 351/76, de 13 de Maio - o acidente sofrido por um agente da P.S.P. que, ao perseguir um carteirista, presumivelmente não armado, na avenida Infante Santo, em Lisboa, foi atingido por um projéctil da sua própria arma de fogo que, empunhada para atirar para o ar, se disparou, por ele ter tropeçado durante a perseguição.



(1) Não publicado.

(2) No parecer citado no texto apreciava-se a acção de um guarda da P.S.P. que, ao enfrentar e tentar dominar um indivíduo armado, integrando um grupo de três num assalto a um estabelecimento bancário, foi Dor ele baleado, tendo ainda conseguido ripostar com a arma de serviço.

(3) Cfr. acerca do assunto JORGE MIRANDA, in "Enciclopédia Verbo", vol. 14, pág. 736, MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", 9ª edição, (reimpressão), 1983, pág. 1152 e JEAN RIVERO, "Direito Administrativo", tradução, Coimbra, 1981, pág. 480.

(4) Não publicado.
A doutrina deste parecer foi invocada no parecer nº 43/89, de 22 de Junho de 1989, não publicado.

(5) Publicado no Diário da República, II Série, de 29/6/82, e no BMJ, nº 315, pág. 55.

(6) Cfr., entre outros, os pareceres nºs 109/82, homologado por despacho de 17 de Agosto de 1982, 18/85, homologado por despacho de 26 de Abril de 1985, e 51/85, homologado por despacho de 10 de Julho de 1985.

(8) Votado na sessão de 22/7/82 e homologado.

(9) Publicado no Diário da República, II. Série, de 10/1/84, e no B.M.J., nº 331, pág. 212.

(10) Respectivamente, de 1/10/76 e 26/1/84, ambos homologados.

(11) Tem sido constante a doutrina deste corpo consultivo no sentido de não qualificar como DFA os acidentados na sequência de disparos fortuitos, ocasionais, imprevistos. Vejam-se, entre outros, os pareceres nºs 122/81, de 23/7/81, 83/82, de 9/6/82 e 75/85, de 11/11/85, todos homologados.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
DL 351/76 DE 1976/05/13.
DL 151/85 DE 1985/05/09 ART1 N2 ART6 N5.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
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