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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
1/1997, de 06.03.1997
Data do Parecer: 
06-03-1997
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
ESTEVES REMÉDIO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
MANUTENÇÃO DA ORDEM PÚBLICA
RISCO AGRAVADO
PSP
AGENTE DA PSP
Conclusões: 
1- A acção de um guarda da Polícia de de Segurança Pública, que, com outro guarda, se abeira de um indivíduo (que sabem estar armado com um ferro aguçado) para o demoverem de continuar a importunar e a ameaçar uma professora do ensino primário na escola onde trabalha e o convencer a acompanhá-los à esquadra policial, sendo por ele atingido com uma faca, não é qualificável como acidente ocorrido na manutenção da ordem pública, nos termos do segundo item do n 2 do artigo 1 do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro;
2- A actuação descrita na conclusão anterior também não caracteriza um tipo de actividade com risco agravado, enquadrável no n 4 do artigo 2, referido ao n 2 do artigo 1, ambos do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:


1

Dignou-se Vossa Excelência ordenar a remessa à Procuradoria-Geral da República do processo de qualificação como deficiente das Forças Armadas de(...) guarda aposentado nº (...) da Polícia de Segurança Pública (PSP), para emissão de parecer do Conselho Consultivo, ao abrigo do disposto no artigo 42º, nº 3, da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro (Lei Orgânica do Ministério Público).
Cumpre emiti-lo.


2

Recebido no Ministério da Defesa Nacional o processo de qualificação do guarda (...) como deficiente das forças armadas, na respectiva Auditoria Jurídica foi elaborada uma informação (1), em cujo ponto IV se afirma, designadamente:
«01 - O acidente sofrido pelo Guarda (...) não se subsume, claramente, aos conceitos de acidente ocorrido «em serviço de campanha:, em «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha:, «dedicação à causa pública: ou ainda numa situação de «prisioneiro de guerra:.
02 - Quanto ao conceito de «manutenção da ordem pública:, 2º item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro - implica que o agente da autoridade em defesa da tranquilidade, segurança e salubridade públicas, actue correndo potencialmente o risco da própria vida revelando abnegação e coragem motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade (Parecer da P.G.R. nº 71/89, de 23Nov89).
03 - No caso em apreço o Guarda Saraiva, tendo conhecimento de que um indivíduo se encontrava na posse de um ferro aguçado, e importunava e ameaçava a professora, sendo por isso perigoso, acercou-se do mesmo, na tentativa de o fazer parar, sendo atingido por uma faca de que o mesmo indivíduo também era portador.
04 - Esta conduta poderá, eventualmente, integrar o conceito de manutenção da ordem pública. No entanto, afigurando-se-nos ser este um caso que, a ser deferido, poderá traduzir-se num precedente discricionário, o processo de qualificação como
DFA deverá, em nosso entendimento, ser objecto de parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, pedido nos termos do nº 3 do artigo 42º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.:
Concordando, Vossa Excelência solicitou o parecer do Conselho Consultivo.
Está, portanto, em causa a questão de saber se a conduta do guarda (...), adiante descrita, pode constituir fundamento para a sua qualificação como deficiente das forças armadas, já pela via do funcionamento autónomo da integração do item manutenção da ordem pública, do nº 2 do artigo 1º, já pela via subsidiária da equiparação, prevista no nº 4 do artigo 2º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro (registe-se que só nesta segunda hipótese é que se impõe a obtenção do parecer da Procuradoria-Geral da República) (2).


3

Da análise da documentação que acompanha o pedido de parecer - Processo por acidente em serviço (reconstituição), Informação da Direcção de Ética e Disciplina Policial do Comando-Geral da PSP e despacho que sobre ela recaiu, Parecer do Director de Saúde da PSP, Auto da Junta Superior de Saúde da PSP e despacho que homologou a respectiva deliberação - resulta a seguinte matéria de facto:
a) No dia 30 de Setembro de 1971, pelas 10 horas, na Esquadra policial de Lobito, em Angola, onde o guarda (...) prestava serviço, compareceu a professora primária da Escola do Bairro de S. João a comunicar que, neste estabelecimento de ensino, se encontrava um indivíduo munido de um ferro aguçado, que a importunava e ameaçava - esse indivíduo entrara na sala onde leccionava, tendo-lhe dirigido, as seguintes expressões: «o que é que tu estás aqui a fazer?:, «tu não sabes educar as crianças:, «tu é que estás a mandar os miúdos irem chatear-me:, «tu ainda não sabes o que é que eu sou capaz de te fazer:, «e outras mais;
b) Deslocaram-se, de seguida, à Escola o Chefe da Esquadra, o guarda (...)e um outro guarda, vendo o referido indivíduo sentado em cima de um morro sobranceiro à Escola, com o ferro na mão;
c) Os dois guardas dirigiram-se ao indivíduo, e o guarda (...) «tentou convencê-lo a acompanhá-lo à Esquadra, mas aquele em vez de obedecer, em dado momento disse numa atitude agressiva: 'o que é que vocês querem de mim' ao mesmo tempo que puxou de uma faca e agrediu com a mesma o guarda Saraiva no braço esquerdo: - o que lhe provocou ferimentos e atingiu o tendão radial, pelo que foi assistido no Hospital Sub- Regional do Lobito;
d) O agressor pôs-se em «fuga desordenada:, e, na sequência de perseguição policial, veio, mais tarde, a ser detido, identificado e apresentado no tribunal local;
e) Em 21 de Dezembro de 1972, o guarda (...) foi dado como incapaz para o serviço e aposentado extraordinariamente pela Junta Provincial de Saúde de Angola, nos termos do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto-Lei nº 46982, de 27 de Abril de 1966, com uma percentagem de incapacidade de 32%;
f) O acidente foi considerado como tendo ocorrido em serviço, por despacho de 25 de Janeiro de 1972, do Comandante-Geral da PSP de Angola, e por despacho de 9 de Maio de 1996, do Comandante-Geral da PSP;
g) Em 9 de Março de 1995, o guarda (...) requereu a reconstituição do seu processo a fim de poder ser qualificado como deficiente das forças armadas, reconstituição que veio a ser efectuada mediante cópias certificadas do processo original, e produção de prova pessoal e pericial;
h) Em 16 de Abril de 1996, o guarda (...) foi presente à Junta Superior de Saúde da PSP, sendo-lhe mantida a situação de «Incapaz de todo o serviço:, com 32% de incapacidade, por «sequelas de ferida do antebraço esquerdo com secção do radial:, resultante do acidente ocorrido em 30 de Setembro de 1971;
i) A deliberação da Junta foi homologada por despacho do Comandante-Geral da PSP, de 19 de Abril de 1996; j) Em 7 de Maio de 1996 o guarda (...)requereu a sua qualificação com deficiente das forças armadas.


4

O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das forças armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.
Ao nível axiológico, o diploma assenta na justeza do «reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade:, e parte do princípio de que a integração social dos que nessas condições se deficientaram constitui um imperativo e um dever nacionais.
Neste quadro valorativo, consta daquele decreto-lei «a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuíram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas familiares e sociais: (3).
O Decreto-Lei nº 351/76, de 13 de Maio, tornou extensivas às forças militarizadas, designadamente aos militares, comissários e agentes da PSP, as disposições do Decreto-Lei nº 43/76. E o Decreto-Lei nº 321/94, de 29 de Dezembro, que aprovou a Lei Orgânica da PSP, estabelece no nº 1 do artigo 97º que «É aplicável ao pessoal com funções policiais o regime legal em vigor para os deficientes das Forças Armadas: (4).
4.1. Na delimitação do conceito de deficiente das forças armadas, o Decreto-Lei nº 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:
«Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas
(...).
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função; tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
(...).:
«Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º
1. Para efeitos de definição constante no nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade; b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O 'serviço de campanha ou campanha' tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As 'circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha' têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. 'O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.:
4.2. A qualificação de um cidadão como deficiente das forças armadas pressupõe, portanto, basicamente: a) um certo quadro genérico de serviço - cumprimento do serviço militar e defesa dos interesses da Pátria; b) um certo resultado - diminuição permanente, em pelo menos 30%, da capacidade geral de ganho
- produzido no desenvolvimento do serviço e derivado de c) um certo acidente ocorrido:
- em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra;
- na manutenção da ordem pública;
- na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
- no exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores.
Tem o Conselho Consultivo acentuado que a estrutura do conceito de deficiente das forças armadas assenta, entre outros elementos, no grau incomum de riscos corridos e sofridos: exige-se um risco agravado superior ao risco genérico inerente a toda a actividade militar, risco a valorar em sede de objectividade, incompatível, portanto, com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.
Salienta-se, a este propósito, que os privilégios decorrentes do regime dos deficientes das forças armadas têm ínsita a ideia de recompensar os que se sacrificam pela Pátria. Donde a insuficiência, para a sua aplicação, do simples exercício das funções e dos deveres militares.
E o específico agravamento do risco tem sido afirmado e exigido pelo Conselho Consultivo a propósito dos quatro itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, portanto, também a propósito do item segundo - manutenção da ordem pública (5).


5

Como resulta da matéria de facto enunciada, o acidente de que foi vítima o guarda (...) ocorreu em serviço, dele resultaram as lesões descritas e, destas, a incapacidade geral de ganho de 32%.
Mas, como resulta igualmente da sua descrição factual e se afirma na informação da Auditoria Jurídica, o acidente não ocorreu em serviço de campanha nem em circunstâncias com ele relacionadas nem enquanto prisioneiro de guerra (6); e também não ocorreu na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública (7).
Terá ocorrido na manutenção da ordem pública ou no exercício das suas funções e deveres policiais e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável a serviço de campanha ou equivalente?

5.1. À data da prática dos factos estava em vigor em Angola o Estatuto da Polícia de Segurança Pública de Angola, aprovado pelo Decreto nº 47360, de 2 de Dezembro de 1966.
A PSP de Angola constituía «um corpo militarizado directamente dependente do Governador-Geral da Província: (artigo 1º deste Decreto) e tinha «por missão assegurar a ordem e a tranquilidade públicas, a prevenção e repressão da criminalidade, a protecção e a defesa da propriedade pública e particular e a fiscalização aduaneira: (artigo 2º do mesmo diploma) (8).
Importa, portanto, analisar e precisar os elementos do conceito manutenção da ordem pública, que não é objecto de interpretação no artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, e, depois, articular com tal conceito a factualidade descrita sob o nº 3.
5.1.1. O conceito de manutenção da ordem pública foi, com apelo às doutrinas nacional, espanhola, francesa e italiana, objecto de tratamento desenvolvido no parecer 79/86 (9); para este parecer - frequentemente retomado pelo Conselho - nos remetemos, sem deixar de transcrever aqui a parte seguinte:
«Do que até agora se recolheu parece lícito retirar uma conclusão: a Polícia de Segurança Pública actua na manutenção da ordem pública quando reage àquela tríade: tranquilidade, segurança e salubridade.
Por isso encontra-se na manutenção da ordem pública o guarda da P.S.P. que percorre as ruas da cidade, no seu giro habitual, pois a sua simples presença ou passagem é factor dissuasor da desordem, da intranquilidade e da insegurança.
Actua ainda na manutenção de ordem pública, o guarda da PSP que põe termo a uma agressão física, que conduz à prisão um delinquente ou persegue um autor de um furto.
8 - Mas serão então subsumíveis à previsão do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 os acidentes que os membros da PSP venham a sofrer no exercício da função de manutenção da ordem pública?
A resposta não pode ser abrangente, desde que se recorde a razão de ser do diploma: recompensar os que se sacrificaram pela Pátria. Os que suportam um risco de tal modo agravado e anormal no exercício das suas funções merecem um regime de privilégio, como o que está contemplado no Decreto-Lei nº 43/76.
Só que esta agravação de risco não pode ser apenas pensada para aqueles casos-limite, em que a tranquilidade e a segurança dificilmente podem ser contidas pelas forças policiais e militares.
Tão-pouco se pensa ser de exigir as clássicas situações tumultuosas, de manifestação de rua, de aglomeração de pessoas contestárias, etc., para invocar a aplicação do item «manutenção da ordem pública: previsto no diploma.
Difícil será teorizar e a casuística pode revelar- se perigosamente discricionária; pensa-se, no entanto, que a prudência máxima se contentará, pelo menos com a inserção no conceito de «manutenção de ordem pública: previsto no Decreto-Lei nº 43/76 das situações em que o agente da PSP actua correndo potencialmente o risco da própria vida, revelando abnegação e coragem, motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade.
As regras de experiência dirão dessas realidades: a acção de um guarda da PSP que, ao enfrentar e tentar dominar um indivíduo armado, integrando um grupo de três num assalto a um estabelecimento bancário, foi por ele baleado, tendo ainda conseguido corajosamente ripostar com a arma de serviço, corresponde a um tipo de actividade previsto no 2º item - manutenção da ordem pública
- do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.:
Posteriormente, o Conselho Consultivo continuou a pronunciar-se sobre esta matéria, e, na sequência da doutrina desenvolvida no parecer nº 79/86, considerou como actividades previstas no segundo item - manutenção da ordem pública - do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, as seguintes condutas:
- A acção de um guarda da PSP que, ao enfrentar e tentar dominar um indivíduo armado e aos tiros, integrante de um grupo de quatro, assaltante de uma ourivesaria, foi por ele baleado, tendo ainda conseguido corajosamente ripostar com a arma de serviço (10);
- A acção de um guarda da PSP, ao enfrentar e tentar dominar um grupo de três indivíduos que assaltavam, durante a noite, um estabelecimento comercial, e que durante o assalto o balearam (11);
- A acção de um guarda da PSP que, de noite, persegue e tenta prender um indivíduo em fuga, suspeito de ser o autor de disparos pouco antes ouvidos e da prática de crime, que se escondera entre arbustos, onde o guarda podia ser recebido a tiro, o que efectivamente ocorreu (12);
- A acção de um guarda da PSP que, ao perseguir para o deter, e enfrentar um indivíduo em fuga, armado e aos tiros, foi por ele atingido por um disparo a curta distância (13) (14).
5.1.2. É altura de retomarmos a factualidade acima trans-crita (15) e de a confrontarmos com as considerações precedentes.
Não se questiona que a actuação do guarda (...)se integra no âmbito da missão e das competências da PSP, porquanto visava a reposição da ordem e da tranquilidade públicas e a viabilização do apuramento e repressão de actos ilícitos. É, pois, uma conduta integrada na actividade policial.
O desenvolvimento da actividade policial envolve um risco específico, próprio da função policial, que normalmente excede o risco de outras actividades profissionais.
Apesar deste excesso trata-se de um risco que, em condições normais do exercício da função, não ameaça directa e imediatamente a vida ou a integridade física dos agentes que o suportam, dados os concretos meios de defesa de que dispõem e a normal evolução da vida em sociedade (16).
Pode, porém, suceder que a rotina da função policial e o risco que lhe é inerente sofram, em termos objectivos, uma alteração que importe um agravamento relevante do risco, transformando o risco genérico num risco excepcional.
Ora, só este releva para a atribuição do estatuto de deficiente das forças armadas. Isto é, a natureza do estatuto de deficiente das forças armadas e o inerente regime de privilégios não se basta com os perigos normais, próprios do exercício das funções policiais, antes exige uma conduta relevante e de risco excepcional.
Cremos que esta alteração qualitativa do risco não se verifica na factualidade indiciada.
O guarda (,,,), o outro guarda e o chefe da esquadra, quando se dirigem à escola, sabem que vão encontrar um indivíduo armado com um ferro aguçado (assim, a posterior utilização de uma faca acaba por não alterar substancialmente os dados da situação), indivíduo que, momentos antes, importunara e ameaçara a professora.
Quer por conhecerem antecipadamente os contornos da situação, quer por serem três, quer pela superioridade dos seus próprios meios, é manifesta a desproporção entre a força policial e o infractor. Não há, por isso, na missão que vão desempenhar, nem tal resulta do seu desenvolvimento, um agravamento relevante e excepcional do risco inerente ao exercício da função.
E, sendo assim, é dificilmente defensável a afirmação de um risco da própria vida e de um desempenho abnegado, corajoso e justificativo de um sentimento de gratidão por parte da comunidade.
Não se pode, portanto, afirmar, especificamente para os efeitos do disposto no segundo item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, que o acidente tenha ocorrido na manutenção da ordem pública.

5.2. Resta apreciar a questão do eventual enquadramento da conduta no guarda (...) no nº 4 do artigo 2º, referido ao quarto item do nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76 - acidente ocorrido no exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores.
Sobre esta questão afirma-se no parecer nº 51/89 (17):
«Este corpo consultivo tem vindo a entender, uniformemente, em sucessivos pareceres, que, na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para além das situações expressamente previstas na lei, o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas só é aplicável nos casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha ou equivalente.
Como já se salientou, o privilégio do regime dos deficientes das Forças Armadas tem, ínsita, a ideia de recompensar os que se sacrifiquem pela Pátria.
Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça semelhante equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º.
Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.:
Mutatis mutandis, estas considerações têm plena pertinência relativamente ao exercício de funções e deveres policiais.
Também aqui, portanto, e perante a factualidade descrita, não é possível afirmar a existência de um risco agravado equiparável às situações de serviço de campanha ou equivalente, enquadrável no nº 4 do artigo2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.


6

Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª A acção de um guarda da Polícia de Segurança Pública, que, com outro guarda, se abeira de um indivíduo (que sabem estar armado com um ferro aguçado) para o demoverem de continuar a importunar e a ameaçar uma professora do ensino primário na escola onde esta trabalha e o convencer a acompanhá-los à esquadra policial, sendo por ele atingido com uma faca, não é qualificável como acidente ocorrido na manutenção da ordem pública, nos termos do segundo item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª A actuação descrita na conclusão anterior também não caracteriza um tipo de actividade com risco agravado, enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.




1) Com o nº 167/96, de 22 de Novembro de 1996, subscrita por uma Consultora Jurídica e pelo Auditor Jurídico.
2) Esta dupla via foi, ao nível da doutrina do Conselho Consultivo, aberta pelo parecer nº 79/86, de 4 de Dezembro de 1986 (que adiante retomaremos - infra, 5.1.): a partir da definição do conceito de manutenção da ordem pública (segundo item do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76), e da sua aplicabilidade à PSP, passa a entender-se que, sendo caso disso, se deve apurar se uma concreta actuação policial lhe é subsumível, apenas na hipótese negativa se justificando ponderar a possibilidade de subsunção ao nº 4 do artigo 2º, referido ao quarto item do nº 2 do artigo 1º [cfr., no mesmo sentido, nomeadamente, os pareceres nºs 63/88, de 23 de Junho de 1988, e 71/89, de 23 de Novembro de 1989 (ambos homologados)].
3) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 43/76.
4) Disposição idêntica constava do anterior Estatuto da PSP, aprovado pelo Decreto-Lei nº 151/85, de 9 de Maio, diploma que foi revogado pelo Decreto-Lei nº 321/94.
5) Cfr. os pareceres nºs 79/86, referido na nota 2, 22/88, de 9 de Março de 1989 (homologado), 37/88, de 9 de Fevereiro de 1989 (homologado), 63/88, também referido na nota 2, e 85/89, de 23 de Novembro de 1989 (homologado).
6) Sobre os conceitos contidos no primeiro item do nº 2 do artigo 1º e a sua explicitação pelo artigo 2º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, v. os pareceres nºs 145/79, de 7 de Fevereiro de 1980 (Diário do Governo, nº 254, de 3 de Novembro de 1980, e Boletim do Ministério da Justiça, nº 301, p. 187), 85/85, de 13 de Março de 1986 (homologado), 29/89, de 27 de Abril de 1989, e 82/96, de 23 de Janeiro de 1997.
7) Sobre o conceito de dedicação à causa pública, v. o parecer nº 71/89.
8) A PSP é agora «uma força policial armada e uniformizada:, competindo-lhe, entre o mais, garantir a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas, prevenir a criminalidade e garantir a segurança das pessoas e dos seus bens [cfr. alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 321/94, de 29 de Dezembro].
9) Este parecer, a que já nos referimos nas notas 2 e 5, contém sobre a matéria abundantes referências bibliográficas. Cfr. entre outros, Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, 9ª edição (Reimpressão), Coimbra, Almedina, 1980, p. 1149 e segs.; Jorge Miranda, in Verbo, Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, vol. 14, p. 735; Jean Rivero, Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 1981, p. 480; e Francisco Lopez-Nieto y Mallo, Seguridad ciudadana y orden publico, Madrid, 1992, pp. 18-21.
10) Parecer nº 63/88, referido na nota 2.
11) Parecer nº 37/88, referido na nota 5.
12) Parecer nº 81/89, de 23 de Novembro de 1989 (homologado).
13) Parecer nº 59/89, de 10 de Maio de 1990 (homologado).
14) Em contrapartida, o Conselho Consultivo considerou não serem enquadráveis em qualquer dos itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, as seguintes situações:
- acidente de viação rodoviário sofrido por um soldado da Guarda Fiscal no exercício das suas funções quando, participando numa operação de fiscalização de veículos, foi atropelado, nas mesmas condições de riscos da circulação inerentes à generalidade desse tipo de serviço, por um veículo que transitava na via pública onde a operação decorria (parecer nº 22/88, de 9 de Março de 1989);
- o acidente sofrido por um agente da PSP que, ao perseguir um carteirista, presumivelmente não armado, na Avenida Infante Santo, em Lisboa, foi atingido por um projéctil da sua própria arma de fogo que, empunhada para atirar para o ar, se disparou, por ele ter tropeçado durante a perseguição (parecer nº 71/89, de 23 de Novembro de 1989).
15) Supra, ponto 3.
16) Cfr. o já referido parecer nº 71/89.
17) Votado na sessão de 7 de Dezembro de 1989 (não homologado).
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
D 47360 DE 1966/12/02 ART2.
DL 321/94 DE 1994/12/29 ART2 N2.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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