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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
67/1995, de 18.04.1996
Data do Parecer: 
18-04-1996
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
LOURENÇO MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
VEÍCULO AUTOMÓVEL
EXAME DE CONDUÇÃO
CENTRO DE EXAME
CARTA DE CONDUÇÃO
ESCOLA DE CONDUÇÃO
INSPECÇÃO PERIÓDICA
CENTRO DE INSPECÇÃO
DIRECÇÃO GERAL DE VIAÇÃO
INTERESSE PÚBLICO
FISCALIZAÇÃO
ENTIDADE PRIVADA
PESSOA COLECTIVA
ASSOCIAÇÃO
SOCIEDADE COMERCIAL
FIM ESTATUTÁRIO
FIM LUCRATIVO
FIM NÃO LUCRATIVO
ACTO ADMINISTRATIVO
AUTORIZAÇÃO
LICENÇA
CONTRATO ADMINISTRATIVO
FORMAÇÃO
PROPOSTA
FORMALIDADE ESSENCIAL
PODER DE MODIFICAÇÃO UNILATERAL
RESCISÃO UNILATERAL
REPOSIÇÃO DO EQUILÍBRIO FINANCEIRO
Conclusões: 
1- À Administração é permitido servir-se da colaboração de entidades privadas na inspecção obrigatória de veículos automóveis e reboques (a partir de 1985), o mesmo sucedendo para a realização de exames de condução (a partir de 1991);
2- Nos termos do Decreto-Lei n 250/95, de 21 de Setembro - artigos 1 e 3 -, permitiu-se que aquelas actividades de inspecção de veículos automóveis e de exames de condução fossem fiscalizadas por entidades privadas sem fins lucrativos sob a supervisão da Direcção-Geral de Aviação;
3- Através do Despacho n 10/95, do Secretário de Estado da Administração Interna, publicado no Diário da República, II Série, de 20/10/95, e de um "acordo" complementar, autorizou-se a Prevenção Rodoviária Portuguesa e a Associação do Comércio Automóvel de Portugal a colaborarem naquela fiscalização, mais se permitindo no mesmo despacho a transmissão desses poderes e deveres para a sociedade ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Ld, com capital social exclusivamente subscrito por essas duas associações;
4- O negócio jurídico consubstanciado no despacho e acordo a que se refere a conclusão anterior caracteriza-se como um contrato administrativo de coloboração com a Administração, para fins de imediata utilidade pública, traduzido numa prestação de serviços de reinspecção de veículos e de reavaliação de exames de condução - n 2, alínea I), do artigo 178 do Código de Procedimento Administrativo e n 2 do artigo 9 do ETAF;
5- Todavia, tendo em conta o procedimento preliminar de autorização daquele contrato, especialmente regulado no artigo 3 do aludido Decreto-Lei n 250/95, o Despacho n 10/95 incorre em violação desse preceito quer em termos substantivos quer por vício de forma, uma vez que não se verificava o requisito do n 2, alínea a), e não observou o disposto no do n 6, pelo que tal acto administrativo é inválido;
6- Esta invalidade procedimental acarreta, como consequência, a invalidade do contrato administrativo subsequente;
7- Porque ilegal, é revogável o Despacho n 10/95, de acordo com o artigo 141 do CPA não podendo, porém, ser esquecido o valor das prestações já efectuadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Administração Interna,

Excelência:

1. Na vigência do anterior Governo, e subscrito pelo Senhor Secretário de Estado da Administração Interna, foi publicado o Despacho nº 10/95 (1), do seguinte teor:
"Ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95, de 21-9, e tendo em atenção a proposta da Direcção-Geral de Viação, determino:
1 - A atribuição à Prevenção Rodoviária Portuguesa e à Associação do Comércio Automóvel de Portugal de autorização para o exercício das actividades de fiscalização previstas no artigo 2º do Decreto-Lei nº 250/95, de 21-9.
2 - Que, nos termos previstos no nº 6 do artigo 3º do mesmo diploma legal, o exercício das actividades previstas naquele artigo seja transmitido à sociedade ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Ldª, pessoa colectiva cujo capital social é exclusivamente subscrito pelas duas entidades autorizadas.
3 - Que o exercício daquelas actividades deva observar os requisitos seguintes: a) Selecção das inspecções e dos exames a serem objecto de fiscalização com base aleatória e com recurso a sistema informático disponibilizado pela ISA, sob controlo da Direcção-Geral de Viação (DGV); b) A DGV assegurará, para que aquele sistema funcione on line com os centros de inspecção ou de exame, que cada centro se encontre dotado com o equipamento informático mínimo necessário, nos termos previstos no Decreto-Lei nº 254/92, de 20-11; c) A DGV requisitará o estabelecimento das ligações telemáticas e suportará os custos das comunicações entre o computador central e os centros, não lhe cabendo qualquer outro encargo de funcionamento do sistema; d) A ISA assegurará a realização de actos de controlo ao preço fixado pela portaria prevista no nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 250/95, de 21-9, até ao número de 15 000 actos por ano, sendo o preço de cada acto a mais de 15. 000$, líquido de IVA; e) O pagamento à ISA será efectuado pela DGV trimestralmente, por antecipação, nos primeiros cinco dias de cada trimestre e contra a apresentação de factura igual a 25% do valor mínimo anual; f) No fim do 4º trimestre de cada ano, a ISA apresentará uma factura adicional pela diferença entre o valor facturado e recebido e o valor correspondente ao número de actos realmente efectuados, ou uma nota de crédito, a deduzir no pagamento do 1º trimestre do ano seguinte, no caso de não ser atingido o número anual referido na alínea d); g) No 1º semestre de vigência do presente despacho e tendo em atenção a fase de instalação, considerar-se-á, para efeitos da alínea anterior, que será realizado o número mínimo de 7 500 actos de controlo, independentemente da actividade efectivamente desenvolvida.
4 - As autorizações concedidas no presente despacho cessam: a) Por efeito de despacho revogatório do membro do Governo que tutela a DGV; b) Por comunicação da ISA à DGV, por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 180 dias.
5 - Caso se verifique o previsto na alínea a) do número anterior, a DGV assegurará o pagamento à ISA de um montante pecuniário calculado do modo seguinte: a) 80% da média das facturas a mais verificadas até ao momento, por cada ano que falta para perfazer uma actividade mínima de cinco anos; b) O montante proporcionalmente correspondente à parte remanescente do ano em que ocorre a cessação da autorização; c) No caso da cessação se verificar no primeiro ano de actividade, o montante mencionado na alínea a) não poderá ser inferior ao correspondente a 7500 actos de controlo.
6 - A propriedade dos equipamentos e os direitos de exploração do sistema telemático reverterão para a DGV no fim do 3º ano de exploração ou quando a autorização cessar.
7 - O presente despacho entra imediatamente em vigor".
2. Do confronto dos termos do transcrito despacho com as disposições legais e princípios jurídicos a que deve obediência a actividade administrativa, entende Vossa Excelência suscitarem-se várias dúvidas, assim discriminadas:
"1- Sendo requisito expresso da lei (artigo 35º, nº 1, (2), alínea a) do Decreto-Lei nº 250/95) "não prosseguirem fins lucrativos" as entidades que podem ser autorizadas a realizar actos de fiscalização da actividade de centros privados que realizem exames de condução e inspecções periódicas obrigatórias de veículos automóveis, verifica-se que a entidade que acaba por beneficiar da autorização, no caso concreto, é uma sociedade comercial;
2 - Prevendo a lei que a autorização possa ser transmitida "a pessoa colectiva cujo capital social seja exclusivamente subscrito por entidades já detentoras dessa autorização" (com prévio parecer da DGV e mediante autorização do Ministro da Administração Interna - artigo 3º, nº
6), observa-se que ao tempo da prática de tal acto não se verificava o requisito da prévia existência de entidades já detentoras de tal autorização, a qual só pelo despacho em apreço foi concedida;
3 - A forma como se encontra regulada a cessação da autorização, pela desproporção das posições que nesse caso assegura a cada um dos intervenientes, parece susceptível de atingir o "princípio constitucional da prossecução do interesse público" e o "dever de boa administração" que ele implica, para além do "princípio do equilíbrio financeiro" que se tem entendido dever reger as relações de tipo contratual em que intervém a Administração Pública;
4 - A forma como se encontram calculados os montantes previstos nas várias alíneas do nº 5 do despacho, parecendo fundar-se na preocupação de compensar lucros cessantes, não se afigura harmonizável com a exigência legal - antes com ela parece conflituar - de que as autoridades autorizadas não devem prosseguir fins lucrativos (artigos 3º, nº 1 (3))".
Por tais razões, dignou-se Vossa Excelência solicitar a emissão de parecer urgente do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (4), sobre a legalidade do despacho em referência, de modo a poder agir em conformidade.
Cumpre, pois, emiti-lo.
2
Começaremos por indicar a legislação que serviu de fundamento ao despacho em causa e a natureza estatutária das pessoas colectivas envolvidas, ou seja, a Prevenção Rodoviária Portuguesa, a Associação do Comércio Automóvel de Portugal e a sociedade ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Lda.
Subjacente à consulta encontra-se a fiscalização das actividades privadas de realização de exames de condução e inspecção periódica de veículos automóveis.
Principiemos por esta.
2.1. Através do Decreto Regulamentar nº4/82, de 15 de Janeiro (5), que alterou o artigo 36º do anterior Código da Estrada (6) impôs-se a obrigatoriedade de inspecção periódica de veículos automóveis e seus reboques.
Ao regulamentar tal medida, o Decreto-Lei nº 154/85, de 9 de Maio (7), dizia (exórdio do diploma): "A natureza do serviço público que é a realização de inspecções periódicas aconselha que a respectiva gestão não seja levada a cabo directamente pelo Estado, mas sim por entidades privadas com reconhecida vocação para este tipo de actividade".
Em conformidade, estipulava-se no artigo 1º que as inspecções periódicas seriam efectuadas em centros de inspecções quer por pessoal técnico da Direcção-Geral de Viação (DGV) quer por inspectores pertencentes aos quadros das "pessoas colectivas de utilidade pública sem fins lucrativos estatutariamente devotadas à prevenção dos acidentes rodoviários ou ao apoio a condutores e proprietários". A concessão de tal serviço era autorizada pelo Ministro do Equipamento Social. Por seu turno, a DGV podia delegar em outras entidades a realização das inspecções que lhe estavam conferidas , mediante portaria do mesmo Ministro (8).
Eram, assim, as inspecções periódicas realizadas pela DGV, pelas entidades em quem esta delegasse, ou por aquelas a quem fosse outorgada concessão para tal fim (9).
Afastada a experiência do Decreto-Lei nº 352/89, de 13 de Outubro (10), a qual instituíra o sistema de concessão da realização das inspecções periódicas de veículos a sociedade constituída ou a constituir que viesse a classificar-se em primeiro lugar em concurso público a promover para o efeito - até pela sua configuração monopolista -, foi publicado o Decreto-Lei nº 254/92, de 20 de Novembro.
Cabia, segundo o diploma, à DGV a realização das inspecções periódicas de veículos, a qual as podia realizar directamente ou propor ao Ministro da Administração Interna outras entidades, desde que estas não se dedicassem ao fabrico, importação, comercialização ou reparação de veículos a motor, reboques, componentes ou acessórios para os mesmos (artigo 3º) (11).
Para que se pudesse iniciar a actividade de inspecção daquelas entidades (privadas) deviam ser aprovadas as suas instalações, equipamentos e capacidade técnica dos centros de inspecção.
Previa-se a realização de "auditorias periódicas dos centros de inspecção", a estabelecer segundo portaria (nº 3 do artigo 12º), sendo aquelas entidades obrigadas a constituir um fundo destinado a custear as despesas de fiscalização (12).
Por outro lado, confirmou-se o que já resultava do regime de concessão única do Decreto-Lei nº 352/89, relativamente ao processamento informático dos dados das inspecções efectuadas sobre cada veículo, a transmitir periodicamente à DGV em suporte magnético ou por telemática, sem prejuízo do acesso directo desta para efeitos de fiscalização (artigo 15º).
Pela Portaria nº 267/93, de 11 de Março, já mencionada, regulamentou-se a aplicação de algumas disposições daquele Decreto-Lei nº 254/92 (13).
Entretanto, pelo artigo 120º do novo Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, continuou a prever-se a realização de inspecções iniciais e periódicas dos veículos automóveis, reboques e ciclomotores.
Consequentemente, dispôs-se no artigo 12º do Decreto-Lei nº 190/94, de 18 de Julho ("Inspecção"):
"1. A realização das inspecções previstas no artigo 120º do Código da Estrada compete à Direcção-Geral de Viação, que pode recorrer à actividade dos centros de inspecção pertencentes e sob responsabilidade directa de entidades autorizadas para o efeito, nos termos de diploma próprio.
2. As aberturas dos centros de inspecção serão objecto de concurso público, aberto por despacho do Ministro da Administração Interna, sob proposta do director-geral de Viação.
3. As normas do concurso previsto no número anterior constam de regulamento ..." (14).
Retomaremos adiante o desenvolvimento deste preceito.
2.2. Vejamos agora o que se passou com os exames de condução.
O ensino da condução, como preliminar da obtenção da carta de condução de veículos automóveis, já era entendido pelo Decreto-Lei nº 364/76, de 14 de Maio (15), como "um dos factores primordiais na melhoria da prevenção e segurança rodoviária". A ponto de esse ensino da condução ser considerado de interesse público, só podendo ser ministrado por escolas devidamente licenciadas e mediante a passagem de alvará, após concurso público.
Ensino cuja fiscalização era expressamente cometida à DGV pelo Decreto-Lei nº 366/77, de 2 de Setembro (artigo 10º) (16).
Tais diplomas vieram a ser revogados pelo Decreto-Lei nº 6/82, de 12 de Janeiro, através do qual se instituiu uma certa liberalização na abertura de novas escolas de condução, sem prejuízo da acção fiscalizadora da DGV - especialmente definida no Capítulo III -, não só sobre as escolas em geral como também sobre os directores e os próprios instrutores que nelas ensinavam a condução, relativamente aos quais a DGV exercia verdadeiramente o poder disciplinar (17).
Sistema inovador veio a ser iniciado a partir do Decreto-Lei nº 175/91, de 11 de Maio, permitindo a realização de exames de condução de veículos automóveis por entidades de natureza privada, sem, no entanto, retirar competências à DGV "e dando-lhe a possibilidade de acompanhar, enquadrar e fiscalizar a implantação e desenvolvimento desta nova actividade" (do preâmbulo).
Sob autorização ministerial, "os exames de condução de veículos automóveis também podem ser realizados por associações de direito privado sem fins lucrativos" - dispunha-se nos artigos 1º e 2º daquele diploma.
Por imposição do artigo 6º, nº 2, a DGV ficava obrigada a proceder a vistorias, sistemática e periodicamente, aos centros de exame, cabendo-lhe o poder de fiscalização das suas actividades como mais adiante se estipulava no Capítulo VI.
À habilitação legal para conduzir - carta ou licença de condução, conforme a natureza do veículo - passou a referir-se o novo Código da Estrada, no seu Capítulo V (artigo 124º) (18).
E remeteu para diploma próprio as provas a que devem ser submetidos os candidatos a titulares de habilitação para a condução de veículos (artigo 129º nº 1). Tarefa de que veio a desincumbir-se o legislador através do Decreto-Lei nº 221/95, de 1 Setembro.
Mais importante, porém, neste momento, é pôr em realce as disposições mais amplas consignadas no Decreto-Lei nº 190/94, de 18 de Julho, regulamentador do Código da Estrada, a que já aludimos no ponto anterior.
No que toca ao ensino da condução mantém-se o regime de licenças para as escolas, a conceder após concurso público (artigo 6º).
E, quanto aos exames, ratifica-se o procedimento já iniciado em 1991. Diz, na verdade, o artigo 8º ("Exames de condução"):
"1. A realização dos exames de condução compete à Direcção-Geral de Viação, que poderá recorrer, para o efeito, a centros de exame que funcionem sob a responsabilidade directa de associações de direito privado sem fins lucrativos.
2. A abertura dos centros de exame mencionados no número anterior será objecto de concurso público, aberto por despacho de Ministro da Administração Interna, sob proposta do director- geral de Viação.
3..................................................
4..................................................
5. A realização do concurso previsto no nº 2 é feita nos termos constantes de regulamento aprovado por portaria do Ministro da Administração Interna (19).
Não se alude aqui à hipótese de fiscalização daquela actividade examinatória das associações de direito privado através de outras associações privadas (20) (21).
2.3. Ficaria de certo modo incompleta a panorâmica de antecedentes do diploma que ultimamente estabeleceu o regime de fiscalização das actividades privadas de realização de exames de condução e de inspecção periódica de veículos automóveis, se não atentássemos, ainda que sumariamente, na evolução da competência da Direcção-Geral de Viação.
Criada em 1971, na sequência da reestruturação efectuada pelo Decreto-Lei nº 488/71, de 9 de Novembro, a Direcção-Geral de Viação foi objecto de reorganização pelo Decreto-Lei nº 21/83, de 21 de Janeiro (22).
Inseridas na sua competência aí encontramos as actividades de examinação de candidatos a condutores, de licenciamento e fiscalização de escolas de condução e de inspecção de veículos (artigos 2º, alíneas d), f) e g), 33º, alínea e), 35º e 69º).
Transitando da dependência do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações para o Ministério da Administração Interna (23), o seu dispositivo orgânico actual é aprovado pelo Decreto-Lei nº 61/94, de 26 de Fevereiro.
Nela permanecem as atribuições de fiscalização cujo fio evolutivo atrás acompanhámos.
Incumbe-lhe, em especial, de acordo com o disposto na alínea e) do artigo 2º desse diploma orgânico:
"Licenciar, regular e fiscalizar as actividades das escolas de condução, dos centros de exames e dos centros de inspecção de veículos...".
Funções que encontram pormenorizada expressão ao nível dos respectivos serviços - artigos 10º e 11º (24).
Aliás, a função geral de fiscalização do cumprimento das disposições do Código da Estrada e demais legislação sobre trânsito, apanágio da DGV, havia sido reafirmada no diploma regulamentador por excelência deste Código, o já mencionado Decreto-Lei nº 190/94 - artigo 2º, nºs. 1, alínea a), e 2.
Se quiséssemos extrair alguns tópicos pertinentes para as questões em apreço diríamos:
- Quer em matéria de ensino e exame de candidatos a condutores de veículos, quer nas inspecções de viaturas, o Estado, através da
DGV (e sua antecessora a DGTT), exerceu, ao longo do tempo, um papel fundamental em termos de controlo directo de tais actividades e da sua fiscalização;
- A partir de certa altura, primeiramente no domínio das inspecções de veículos (1985), depois no que concerne aos exames de condução (1991), sentiu a necessidade de se socorrer de entidades privadas;
- Quando, porém, o Estado confiou a entidades privadas a responsabilidade por aquelas actividades, tendo em conta os interesses públicos em causa, sempre rodeou a concessão desses serviços de especiais cuidados quer quanto à natureza das entidades envolvidas quer quanto à forma de autorização;
- À "reinspecção das inspecções" ou à reavaliação dos exames procedia a DVG por auditoria ou inspecção;
- Procurando garantir a eficácia da sua fiscalização, as inspecções e os exames eram realizados em locais (centros) próprios, adrede preparados e obedecendo a exigências não só de instalações e equipamento como ainda, a partir de certa altura, de processamento automático da informação sobre a inspecção dos veículos e os exames dos candidatos.
Uma nota apendicular: o Decreto-Lei nº 190/94, regulamentador do Código da Estrada, exige que os centros de exame privados de que se socorra a DGV sejam da responsabilidade de associações de direito privado sem fins lucrativos, enquanto que para os homólogos centros de inspecções obrigatórias não se faz idêntica imposição.
3
Um passo mais na cooperação de entidades privadas com a DGV, é dado pelo Decreto-Lei nº 250/95, de 21 de Setembro, agora na própria fiscalização dos actos de exame para obtenção de habilitação para conduzir e das inspecções periódicas.
Permite-se-lhe que recorra "a outras entidades sem fins lucrativos, com objecto social adequado, no apoio ao cumprimento da missão que se lhe encontra legalmente atribuída" - intróito do diploma.
Dispõe o artigo 1º:
"O presente diploma estabelece o regime de fiscalização do exercício, por entidades privadas sem fins lucrativos, das actividades de exames de condução e de inspecção periódica de veículos automóveis".
No artigo 2º afirma-se peremptoriamente a competência da DGV para proceder à fiscalização da actividade dos centros privados de exames de condução e de inspecções periódicas obrigatórias, o que bem se compreende pela assinalada natureza do interesse público da segurança rodoviária.
Apesar da sua extensão, é conveniente transcrever o artigo 3º seguinte, sob a epígrafe "Entidades autorizadas":
"1 - A realização dos actos de fiscalização por entidades privadas é autorizada por despacho do Ministro da Administração Interna, sob proposta da DGV.
2 - As entidades autorizadas devem reunir os seguintes requisitos: a) Não prosseguirem fins lucrativos; b) Terem âmbito nacional; c) Não exerçam, directamente ou por intermédio de outras pessoas colectivas em que participem, qualquer das actividades mencionadas no artigo 1º, nem sejam associações profissionais relacionadas com essas actividades; d) Tenham objecto social que integre actividades na área de segurança rodoviária ou sejam titulares de habilitação legalmente atribuída no âmbito da certificação das características técnicas de veículos automóveis.
3 - A proposta da DGV deverá conter os seguintes elementos: a) Comprovação de que a entidade autorizada observa os requisitos enunciados no número anterior; b) Critérios qualitativos e quantitativos de fiscalização a observar pela entidade autorizada no exercício da sua actividade fiscalizadora; c) Obrigações da entidade autorizada quanto ao estabelecimento e à exploração dos suportes telemáticos que permitam a informação em tempo real à DGV acerca dos resultados de cada acto de fiscalização de inspecção ou exame realizados nos centros; d) Outros direitos e obrigações resultantes da lei, prazo de validade e condições de cessação decorrentes da autorização.
4 - A autorização referida no nº 1 é concedida nos termos da proposta da DGV.
5 - As entidades autorizadas estão obrigadas a comunicar todas as alterações aos seus estatutos à DGV, a qual deve propor ao Ministro da Administração Interna, caso entenda que a alteração põe em causa as regras para o exercício da actividades de fiscalização, a revogação do despacho referido no nº 1.
6 - A autorização a que se refere o nº 1 é transmissível, mediante autorização do Ministro da Administração Interna, com prévio parecer da
DGV, a pessoa colectiva cujo capital social seja exclusivamente subscrito por entidades já detentoras dessa autorização".
No artigo 5º, nº 2, providencia-se pelo pagamento da DGV à entidade fiscalizadora de uma importância, a fixar anualmente por portaria, por cada acto de avaliação de exame ou de inspecção.
Porque se mostra de interesse no âmbito da consulta, saliente-se que pela Portaria nº 1358/95, de 18 de Novembro (cerca de um mês após a publicação do Despacho nº 10/95, ora em apreço), fixaram-se os montantes dos pagamentos a efectuar por cada acto daqueles, para o período final do ano de 1995 e para o ano corrente:
"1º A Direcção-Geral de Viação pagará, por cada acto de fiscalização realizado por entidade autorizada nos termos do Decreto-Lei nº 250/95, de 21 de Setembro, a importância de 19 750$00, líquida de IVA;
2º O valor fixado no número anterior vigora para o último trimestre de 1995 e para o ano de 1996.
3º A presente portaria entra imediatamente em vigor".
4
Conheçamos agora as circunstâncias que precederam o Despacho nº 10/95 em apreço, e os estatutos das entidades intervenientes.
4.1. Dos elementos enviados, após solicitação, não consta a proposta da DGV mencionada no cabeçalho do Despacho nº 10/95, e que necessariamente devia preceder a autorização.
Em contrapartida, remeteu-se uma "Análise Económica da realização de actos de fiscalização - Acordo DGV/ISA - Pressupostos", presume-se, pelos seus termos, que preparada pela ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Ldª, recorde-se, a sociedade para a qual a
PRP e ACAP transmitiram o exercício das actividades de fiscalização.
Destaque-se a afirmação de que a ISA "é uma sociedade comercial por quotas com uma cultura e uma filosofia empresariais "sui generis", porquanto, por um lado, tem que ser gerida como qualquer sociedade comercial moderna com preocupações de eficácia/produtividade a que estão ligadas preocupações de que os custos sejam os mais baixos que a eficiência permita, mas, por outro lado, não é necessário que os proveitos sejam os mais altos que o mercado consinta
...", uma vez que os dois sócios são associações sem fins lucrativos embora logo se adiante que a PRP necessita de "receitas para poder cumprir os seus objectivos".
E assim, calcula "uma margem de benefício antes de impostos igual a 15% dos custos operacionais".
4.1.1. Remeteu-se também fotocópia de um "Acordo" firmado entre os representantes da ISA e a DGV, representada pelo seu director-geral, para realização dos actos de fiscalização, com data de 29.09.95, isto é, do dia seguinte ao do Despacho nº 10/95.
Funda-se tal "Acordo" genericamente no Decreto-Lei nº 250/95, na proposta de 22.09.95 apresentada à DGV (25) pela PRP e pela ACAP, no Despacho 10/95 (então ainda não publicado) e na Portaria (que depois veio a ser publicada com o nº 1358/95, e atrás transcrita), ambos de 28.09.95, consubstanciando-se num conjunto de 4 cláusulas: a 1ª sobre o âmbito dos actos de fiscalização, a 2ª, sobre o sistema, conteúdo e condições dos actos de fiscalização, a 3ª, sobre cessação parcial da actividade de controlo, por "extrema dificuldade", e a 4ª, sobre o recurso à arbitragem para a resolução de dúvidas ou litígios.
O "Acordo", substancialmente, afirma a credenciação pela DGV dos agentes fiscalizadores da ISA, garante a aleatoriedade da selecção dos veículos ou das provas de exame de condução a reavaliar, a funcionalidade dos sistemas informáticos, o tipo de reavaliação e a comunicação de resultados à DGV.
Nos termos do nº 15 da cláusula 2ª, a ISA estimou poder realizar entre 15.000 e 20.000 actos de controlo anuais, sendo cerca de 80% a veículos automóveis e cerca de 20% a provas de exame.
A aludida possibilidade de cessação parcial da actividade de controlo da ISA, por factos que não lhe sejam imputáveis, aparece como mais provável para o controlo de exames de condução.
Adiante melhor se pormenorizará tal "acordo".
4.2. Olhemos agora os Estatutos das entidades privadas intervenientes, no seu objecto social, começando pela Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP).
4.2.1. De acordo com o artigo 1º dos seus Estatutos a PRP "é uma Associação sem intuitos lucrativos, de duração indeterminada e reconhecida pelo Governo como de utilidade pública " (26).
Tem por "objectivo a prevenção dos acidentes de viação e a redução das suas consequências" (artigo 3º).
Para a prossecução dos seus objectivos, à PRP cabe coligir, sistematizar e analisar os dados disponíveis referentes ao trânsito rodoviário, elaborar um programa de segurança rodoviária, e estudos específicos sobre diversos aspectos do trânsito rodoviário, promover a formação de técnicos de segurança rodoviária, enfim, fomentar acções de prevenção de acidentes e de redução das suas consequências "nomeadamente no âmbito da formação e informação dos utentes, do ordenamento do trânsito e da promoção das melhorias das condições de segurança da infra-estrutura, dos equipamentos e dos veículos ..." (alínea e) do artigo 4º dos Estatutos).
Ao abrigo do artigo 5º, a PRP pode ainda, no âmbito dos seus objectivos, "colaborar com quaisquer outras entidades, com vista à obtenção, no domínio da circulação rodoviária, de uma política de prevenção global e coerente".
Note-se, finalmente, que o membro do Governo que tutela as matérias da segurança rodoviária nomeia dois dos sete elementos do Conselho Directivo e que nas receitas da PRP podem ingressar verbas "consignadas" pelo Estado (artigos 21º e 30º, alínea e)).
4.2.2. Também a Associação do Comércio Automóvel de Portugal (ACAP), constituída por transformação e fusão de dois grémios, é uma associação sem fins lucrativos - di-lo o artigo 1º dos seus Estatutos.
Todavia, a ACAP "é constituída pelas empresas do sector privado, singulares ou colectivas, que prossigam fins lucrativos ... e se dediquem:
- ao comércio ou, - ao comércio e ao serviço após venda desde que a empresa esteja inscrita na correspondente secção, de veículos, máquinas agrícolas, máquinas industriais, pneus, peças e acessórios, reboques, motociclos e outros bens ligados à actividade do comércio de meios de transportes ..." (artigo 3º).
É seu "objecto genérico" (artigo 4º):
"a) contribuir para o harmonioso desenvolvimento das actividades incluídas no seu âmbito em especial e, em geral da economia nacional, com vista ao estabelecimento de um clima de progresso e de uma justa paz social; b) desenvolver um espírito de solidariedade e apoio recíproco entre os seus membros".
De entre os seus fins específicos, destacam-se (artigo 5º):
- a representatividade, por exemplo, junto de associações de trabalhadores para negociar acordos gerais ou parciais de trabalho vinculadores das empresas que represente;
- a organização e manutenção de serviços permanentes de apoio a actividades e interesses do seus membros;
- a constituição e administração de fundos;
- defender os interesses das empresas do sector.
A prossecução parcial destes fins pode ser transferida para estruturas associativas de mais ampla representatividade.
Constituem receitas da ACAP a jóia, quotas, contribuições para os fundos e "outros rendimentos, benefícios, donativos ou contribuições permitidos por lei" (27).
4.2.3. Com sede em Lisboa, a ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Limitada (28), tem por objecto social "o exercício de inspecção a veículos automóveis e outras formas de actividades de apoio à segurança da circulação rodoviária", podendo ainda "participar e deter posições sociais em outras sociedades que directa ou indirectamente exerçam" aquelas actividades (artigo 2º).
O capital social (de vinte milhões de escudos) é repartido em duas quotas, de doze e oito milhões de escudos, detidas pela PRP e pela ACAP, respectivamente.
É permitida a cessão de quotas entre sócios, mas a terceiros só por deliberação unânime dos sócios.
Proíbe-se, porém, sob pena de nulidade, e sem qualquer efeito, a cessão de quotas que "puser em risco qualquer concessão ou contratos de fornecimento (29) de serviços com organismos privados ou estatais que exclua (ou excluam?) participantes que não os sócios actuais da
ISA" (nº 3 do artigo 4º).
Pode a sociedade dissolver-se por acordo dos sócios ou nos casos previstos na lei.
"Dos lucros líquidos apurados anualmente, serão reservadas para o fundo de reserva legal, as percentagens fixadas pela lei" (artigo 11º).
E mais não dizem os Estatutos, mas é o suficiente para constatar que:
- se trata de uma sociedade desenhada à medida da realização das actividades de inspecção de veículos e outras formas de actividades (não se mencionando expressamente o controlo dos centros de exames de condução, nem claramente a função de "inspecção da inspecção") de apoio à segurança rodoviária;
- como qualquer sociedade comercial tem fins lucrativos, de cujos lucros (ou perdas) em princípio beneficiarão (ou suportarão) os sócios PRP e ACAP, que mais não seja no momento da dissolução da sociedade.
4.3. De posse de todos os elementos, é o momento azado para isolar as questões em foco:
- A autorização conferida pelo Despacho nº 10/95 à PRP e à ACAP para praticarem actos de fiscalização de centros privados que realizem exames de condução e inspecções periódicas obrigatórias de veículos automóveis violou o disposto no Decreto-Lei nº 250/95, nomeadamente no seu artigo 3º?
- A transmissão daquela autorização para uma sociedade comercial, então constituída, ainda que apenas por capital da PRP e da ACAP, está conforme com o mesmo diploma?
- O conteúdo do clausulado constante do Despacho nº 10/95, designadamente para o caso de cessação da autorização, harmoniza-se com os princípios do "interesse público", da boa administração e do equilíbrio financeiro das prestações no negócio jurídico em causa?
5
Tentemos caracterizar o tipo de negócio jurídico de que a Administração se socorreu, seus momentos e requisitos.
A questão não se mostra fácil, posto que da sua resolução se extraiam efeitos importantes.
Estar-se-á perante um acto administrativo que consubstancia uma autorização ou em face de um contrato administrativo (ou privado), ou de um negócio jurídico complexo?
5.1. Para MARQUES GUEDES (30), foi a partir do segundo quartel do século XIX que começou a ganhar corpo a convicção de que não eram de igual natureza todos os contratos firmados pela Administração, sendo certo que esta se socorria cada vez mais da colaboração de empresas, nomeadamente através de contratos de concessão.
Todavia, repugnava a aceitação daquilo que parecia implicar uma contradição, isto é, um contrato de direito público, pois que o contrato era, aos olhos da doutrina, uma figura de direito privado, na qual os corpos administrativos intervinham no mesmo plano que os particulares, ou seja, em pé de igualdade.
A discussão aprofunda-se a partir da célebre decisão do Tribunal de Conflitos francês no caso Blanco (31), onde o Conselho de Estado define o contrato administrativo como o que é celebrado pela Administração com vista a assegurar o funcionamento de um serviço público, e contenha uma ou mais cláusulas exorbitantes do direito comum. Porém, continuavam a aplicar-se-lhe directamente as disposições do Código Civil.
Viria a caber à doutrina civilista o alargamento do conceito de contrato, de molde a acolher nele não só os regidos pelo direito privado como os submetidos a um regime de direito público. Nesta concepção ampla apenas se exigia a liberdade de entrar em relação com outrem e o carácter constitutivo do assentimento reciprocamente prestado.
No que concerne ao conteúdo é clara a sua aproximação ao conteúdo das normas legais subjacentes, com o seu carácter de imperatividade.
E ao longo deste percurso em que a Administração se vai servindo de novos instrumentos, desenham-se tendências objectivamente contraditórias: de um lado, a extraordinária expansão da intervenção nas actividades económicas levaria a comprimir e circunscrever o papel do contrato; do outro, porém, o fenómeno da acrescida intervenção dos poderes públicos na esfera da sociedade civil onde o contrato se apresenta como utensílio cada vez mais utilizado e necessário para a finalidade da acção administrativa (32).
Alguns tópicos, no entanto, sobressaem na disciplina da contratação com a Administração Pública, os quais têm a ver com a natureza peculiar de um dos sujeitos. Diz-se, pois, que "os traços mais relevantes da sua disciplina respeitam, por um lado, ao procedimento necessário para que a "vontade contratual" do contraente público possa dizer-se regularmente formada e manifestada, e, por outro, à exigência de controlos destinados a garantir a legitimidade da operação e a sua conformidade com o interesse público" (33).
Por isso que o contrato venha a representar, as mais das vezes, o culminar de uma série complexa de procedimentos administrativos preparatórios, necessários
à sua própria validade, destinados a garantir, desde logo, a correcção, imparcialidade e conveniência na escolha do co-contratante.
Com uma consequência importante: "se um dos actos preliminares, pertencentes à sequência, falta ou é inválido, tal vício - que não é vício do contrato, mas do procedimento administrativo preparatório do contrato
- reflecte-se sobre este último e determina a sua invalidade" (34).
Há mesmo quem veja no procedimento administrativo, em confronto com os terceiros, a figura jurídica de síntese, tradutora da imperatividade da Administração, a qual por definição seria unilateral, mostrando-se absurdo pensar na sua conciliação com a bilateralidade e o consenso (35).
5.2. Diz-se mais recentemente que a banalização do contrato, sob pretexto de adaptar as respostas às necessidades e mutações sociais, subverte a imagem de uma Administração guardiã do interesse geral, contribuindo para a difusão de uma certa desordem nas competências e responsabilidades. O seu uso sem reflexão "sert alors de prétexte, ou d'alibi, soit pour masquer la véritable nature unilatérale de la relation, soit pour permettre à l'un des partenaires de s'approprier le bénéfice global de l'action ou reporter sur l'autre son propre échec" (36).
Nem sempre estarão reunidas as condições - poder discricionário da Administração, autonomia das partes, convergência de interesses - para a Administração fazer uso deste mecanismo, ao recorrer à persuasão mais que ao constrangimento. Daí que possa a contratualização sistemática levar à diluição de responsabilidades públicas e à recomposição de "lugares de poder" (37).
Sobretudo no sector económico e social, as pessoas colectivas públicas, em vez de imporem unilateralmente a sua vontade, solicitam a adesão dos particulares ou de certas categorias de entre eles desfraldando toda uma estratégia de "sedução" na qual é um elemento significativo a retórica contratual (38).
E não é de estranhar que surjam figuras híbridas ou difíceis de catalogar como os "acordos", os "protocolos de colaboração", as "convenções", acompanhados de zonas de indefinição ou incerteza entre a relação contratual e a decisão unilateral ou a actividade de tipo regulamentar (39).
Este "investimento" do Estado na sociedade civil vê-o um autor como "un phénomène d'osmose... entre les systèmes que le droit voyait essentiellement fermés l'un à l'autre. Ou les agents privés sont associés aux représentés de l'administration pour exercer des responsabilités publiques, ou l'administration délègue à des gestionnaires privés certaines tâches publiques.
Passages d'un secteur à l'autre qui brouillent, même s'ils la laissent subsister, la structuration classique du droit libéral en laissant à des particuliers une prise certaine sur des processus de décision administrative" (40).
Tenderá, assim, a institucionalizar-se um novo ambiente de decisão com uma mistura de intervenção das forças industriais, sociais e profissionais, impelindo o jurista a sair dos seus quadros ou categorias clássicos para situações de apelo a modelos de quase "infra- direito".
5.3. Do que vem de dizer-se se intui que a destrinça entre acto unilateral e contrato administrativo não se mostra linear, sendo certo que as consequências jurídicas de manejo de uma ou outra das figuras levam a resultados diferentes.
Interessa-nos particularmente, no âmbito da consulta, para além do procedimento administrativo - que atrás já sublinhámos - olhar aos contornos e características essenciais da autorização e do contrato
(41).
5.3.1. Recorde-se que o artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95, alude a entidades autorizadas a colaborar com a DGV na fiscalização das inspecções de veículos e dos exames de condução.
Atentemos então no conceito de autorização, em termos administrativos.
Recolhendo da doutrina, disse-se no Parecer nº
83/91 (42):
"A autorização (x) "é o acto pelo qual um órgão da Administração permite a alguém o exercício de um direito ou de uma competência preexistente".
"A autorização é, pois, um acto permissivo, que possibilita a adopção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que de outro modo estariam vedados.
"No caso de um particular, o exercício de um direito subjectivo só pode ser concretizado após a intervenção, caso a caso, da competência administrativa; não é a autorização que confere o direito, mas o respectivo exercício está condicionado à necessidade de obtenção daquele acto (x1).
"Se, porém, o particular não é titular do direito, mas a lei admite que em certos casos, a título excepcional, a Administração possa permitir o exercício, em dados termos, de uma certa actividade, o acto pelo qual a Administração atribui a alguém o direito a tal exercício constitui uma licença; a "licença é o acto pelo qual um órgão da Administração atribui a alguém o direito de exercer uma actividade que é por lei relativamente proibida" (x2).
Diga-se já, numa primeira aproximação, que apesar da literalidade do preceito em causa não parece que se esteja perante a concessão de uma autorização em sentido técnico - não há qualquer direito subjectivo da pessoa colectiva à actividade de inspecção - ou de uma licença.
5.3.2. Debrucemo-nos então sobre as características do contrato administrativo.
Diferentemente do que sucedeu em França, entre nós a noção de contrato administrativo "foi pura obra da lei" (43).
Desde cedo (1832) que o legislador nacional arrumou os contratos, determinados contratos, na espécie de administrativos com o propósito de, por essa via, os submeter a um contencioso próprio, afastando dúvidas sobre as áreas do foro comum e as do foro administrativo.
No entanto, a doutrina, com excepção do autor do projecto de Código Administrativo de 1936 (MARCELLO CAETANO) pronunciava-se generalizadamente contra uma caracterização do contrato por determinação legal, preferindo uma classificação segundo a sua natureza (44).
Posto que a lei tivesse ido alargando a classificação - v.g. aos contratos de desenvolvimento para exportação, contratos - programa, de associação entre o Estado e escolas particulares e cooperativas - o carácter taxativo da enumeração manteve-se até à publicação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, ratificado com alterações pela Lei nº 4/86, de 21 de Março.
No seu artigo 9º veio este dispor:
"1. Para efeitos de competência contenciosa, considera-se como contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo.
2. São designadamente contratos administrativos os contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de concessão de uso privativo do domínio público e de exploração de jogos de fortuna ou de azar e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços celebrados pela Administração para fins de imediata utilidade pública.
3. O disposto na alínea g) do nº 1 do artigo 51º (45) não exclui o recurso contencioso de actos administrativos destacáveis respeitantes à formação e execução dos contratos administrativos".
Para além da definição de contrato administrativo, ainda que para efeitos adjectivos, procede-se agora a uma enumeração manifestamente exemplificativa.
Só que aquela definição, como bem salientou MARQUES GUEDES (46) "traduz-se na inversão da ordem de raciocínio que deveria ser seguida, por isso que a sujeição a certo regime - quando se trata de definir o contrato em função da natureza que é a sua - constitui a consequência e não a causa". Isto porque o legislador se escusou a caracterizar o essencial de que participa a natureza própria do contrato, isto é, a sua função administrativa (47).
Regressar-se-á, deste modo, à necessidade de encontrar os traços caracterizadores do que seja uma relação (jurídica) de direito administrativo (48).
Anote-se, entretanto, pois não é de somenos importância, que àquela noção de contrato administrativo para efeitos contenciosos sucedeu-se a clarificação do mesmo conceito para fins substantivos, tendo-se harmonizado a definição. Passou a dizer o artigo 178º do Código do Procedimento Administrativo aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro:
"1. Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.
2. São contratos administrativos, designadamente, os contratos de: a) Empreitada de obras públicas; b) Concessão de obras públicas; c) Concessão de serviços públicos; d) Concessão de exploração do domínio público; e) Concessão de uso privativo do domínio público; f) Concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar; g) Fornecimento contínuo; h) Prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública".
São evidentes as semelhanças (não a coincidência) do preceito com o citado artigo 9º do ETAF.
E já que entrámos no CPA, aproveite-se para recensear as restantes disposições que vêm ao caso.
No artigo 179º seguinte consagra-se a autonomia pública contratual da Administração, como mecanismo de utilização geral, "salvo se outra coisa resultar da lei ou da natureza das relações a estabelecer" (49).
Sobre os "Poderes da Administração" estipula o artigo 180º:
"Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode: a) Modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objecto do contrato e o seu equilíbrio financeiro; b) Dirigir o modo de execução das prestações; c) Rescindir unilateralmente os contratos por imperativo de interesse público devidamente fundamentado, sem prejuízo do pagamento de justa indemnização; d) Fiscalizar o modo de execução do contrato; e) Aplicar as sanções previstas para a inexecução do contrato".
No que respeita à formação dos contratos administrativos são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições do CPA relativas ao procedimento administrativo - artigo 181º (o CPA foi objecto de alterações pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro).
Sendo a regra de escolha do co-contratante através de concurso público, limitado negociável ou por ajuste directo, pode ser derrogada por "regime especial" - artigo 182º (nova redacção).
De acordo com o artigo 184º, a forma geral dos contratos será a escrita.
Para a falta e vícios da vontade, regem as disposições do Código Civil relativas aos negócios jurídicos, (nº 2 do artigo 185º, na nova redacção).
Cumpre destacar a nova redacção do nº 1 do mesmo artigo 185º:
"Os contratos administrativos são nulos ou anuláveis, no termos do presente Código, quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos de que haja dependido a sua celebração".
Perscrutando a importância deste preceito no domínio do direito administrativo, em prioridade ao direito civil, afirma-se (50): ... "enquanto o contrato civil só é inválido, se o seu objecto for ilícito (proibido), o contrato administrativo já o é, desde que o seu seja (administrativamente) ilegal. Por exemplo, a invalidade do contrato administrativo, como consequência da invalidade dos actos destacáveis do respectivo procedimento ... não é certamente aplicação aqui de normas de direito civil, mas apelo às mais características regras do direito administrativo procedimental". Consequentemente, entende-se inválido por força de normas administrativas o contrato "realizado sem precedência do procedimento administrativo legalmente previsto".
Não pode a Administração interpretar cláusulas contratuais ou pronunciar-se sobre a validade do contrato mediante actos definitivos e executórios sem o acordo do co-contratante - dispõe o nº 1 do artigo 186º.
Na falta desse acordo terá de ser proposta acção no tribunal competente.
Finalmente, assinale-se a validade da cláusula compromissória, permitindo relegar para a decisão de árbitros "as questões, que venham a suscitar-se entre as partes num contrato administrativo" (51).
5
Em sequência do exposto, tentemos dar mais um passo na qualificação do negócio jurídico realizado entre o MAI e as associações envolvidas.
Tarefa que ficará mais acessível se penetrarmos nos critérios doutrinais para estabelecer a caracterização dos contratos administrativos e na análise da lei em vigor.
5.1. Ainda no período em que a enumeração dos contratos administrativos era taxativa - e se voltava apenas para a finalidade do seu conhecimento contencioso
- já este corpo consultivo relevava como pontos salientes do contrato administrativo, no seu conteúdo material, a existência de cláusulas de sujeição estipuladas pelas partes ou decorrentes de condições gerais imperativas, reflectindo uma posição de supremacia da Administração, para a qual o vector determinante consistia sempre na melhor defesa do interesse público (52).
A detecção de claúsulas exorbitantes do direito comum, designadamente o poder de fiscalização e controlo por parte do Estado indiciariam a imperatividade típica do contrato administrativo (53). No fundo, é a constatação de uma diluição ou diminuição da liberdade contratual dos particulares ou, talvez mais rigorosamente, da sua posição paritária com a Administração.
Fala-se também, por semelhança, em regime exorbitante do direito privado, o qual se descobre através do "quadro jurídico" em que se insere o contrato, do ambiente regulamentar ou do clima publicístico, denunciadores da posição de supremacia da Administração.
SÉRVULO CORREIA (54) sublinha a dificuldade que por vezes existe em distinguir o contrato do acto unilateral, quer pela "natureza pré-estabelecida das cláusulas de muitos contratos administrativos" e a existência de "poderes de acção unilateral no interior do seu regime jurídico" - o que enfraquece, como já se notou, a bilateralidade -, quer pela crescente aplicação do "princípio da participação" dos cidadãos na formação de actos que lhes digam respeito (artigo 267º, nº 4, da
CRP).
O critério de distinção entre o contrato e o acto administrativo deve buscar-se no plano estrutural. Se a manifestação de vontade do particular se apresenta como requisito de existência (do negócio) estar-se-á perante um contrato, tratando-se, ao invés, de acto unilateral quando aquela manifestação de vontade for "requisito de legalidade (actos dependentes de requerimento) ou de eficácia (actos sujeitos a consentimento) da definição da situção jurídico-administrativa" (55).
Pronunciando-se já em face do artigo 9º, nº 1 do ETAF (atrás transcrito) e, implicitamente, de idêntica definição do CPA, SÉRVULO CORREIA (56) aponta a insuficiência da teoria da sujeição, desenvolvida pelo prisma das cláusulas exorbitantes. Haveria que atender não apenas à relação jurídica de direito administrativo mas também à própria actividade ou função em que o contrato se inscreve ou à situação de facto sobre que incide.
E define o contrato administrativo como "um processo próprio de agir da Administração pública e que cria, modifica ou extingue relações jurídicas, disciplinadas em termos específicos do sujeito administrativo, entre pessoas colectivas da Administração ou entre a Administração e os particulares".
Procurando sair do aparente círculo vicioso entre a natureza jurídica do contrato e a natureza dos efeitos de direito produzidos por um certo contrato, ou seja, quanto a saber de onde se deve partir para determinar as normas aplicáveis, sustenta que em primeiro lugar se deve atender aos "efeitos de direito pactuados pelas partes" para encontrar as normas jurídicas directamente aplicáveis. E então "se as normas jurídicas que regem os efeitos de direito pactuados são normas estatutárias da Administração o contrato é administrativo" (57).
Tendo em conta a causa-função, classifica aquele Autor os contratos administrativos em contratos de colaboração e contratos de atribuição.
Os primeiros "são aqueles pelos quais uma das partes se obriga a proporcionar à outra uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas, mediante remuneração" (a prestação fundamental é do particular); os segundos, têm por causa-função atribuir uma certa vantagem ao co-contratante da Administração, sendo essencial a prestação da Administração, e a do administrado apenas uma contrapartida da vantagem recebida (v.g. nos contratos económicos) (58).
Numa visão interpretativa do aludido artigo 178º do CPA, de tom mais abrangente, M. ESTEVES DE OLIVEIRA e outros (59) consideram, sem margem para dúvidas, como administrativos os contratos celebrados por "administrações públicas" que tiverem na lei uma regulamentação específica (procedimental, substantiva ou contenciosa), de direito administrativo, assente ou não na prerrogativa de autoridade. Indo mais além admite-se "trazer para o direito administrativo todos os contratos que tragam marcas- importantes e juspublicisticamente protegidas (específica ou exclusivamente) - de administratividade...", assumidas e queridas no próprio título. A previsão aberta do artigo 179º do CPA consagrando uma larga autonomia contratual da Administração seria confirmativa desta perspectiva.
A terminar este ponto dir-se-ia com um Autor (60) que "quando o Estado, em vez de satisfazer directamente as necessidades colectivas através de serviços públicos, contrata com um particular essa satisfação, embora sob sua direcção e fiscalização, é fora de dúvida que tal contrato, independentemente da exorbitância das suas cláusulas, tem natureza administrativa". E citando PROSPER WEIL acrescenta: "... o ambiente de direito público resulta de sinais exteriores diversos como o carácter obrigatório do contrato, a intervenção da Administração nos litígios entre as partes, a presença de cláusulas exorbitantes, a participação directa do contraente particular na execução do serviço público, a análise do contrato como constituindo uma modalidade de execução do serviço, etc." (sublinhado agora).
5.2. Apesar das dificuldades desde logo resultantes da terminologia e formalidades usadas na sua formação, propendemos a classificar o negócio jurídico realizado entre a Administração e a PRP e a ACRP, transferido para a ISA, como um contrato administrativo de prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública. E isto servindo-nos do teor do Despacho nº 10/95 e, em particular, do "acordo" de desenvolvimento.
Em sede teórica, tal contrato estaria em conformidade com a capacidade dos contraentes, o seu objecto é possível e legal, existe mútuo consenso e apresenta-se sob a forma escrita.
Recordemos o seu principal clausulado:
- cabe à PRP e à ACAP, através da ISA - Inspecções de Segurança Automóvel Lda, participar na fiscalização dos centros privados de exames de condução e inspecções periódicas obrigatórias de veículos automóveis, actividade originária e fundamentalmente cometida pela lei à DGV;
- são fixadas as condições de selecção de tais inspecções e as regras técnicas a observar pela sociedade comercial e pela DGV, que garantam a qualidade do serviço;
- a ISA obriga-se a efectuar um certo número de actos de controlo, pelo preço fixado em portaria a emitir;
- fixam-se as condições de revogação - mais apropriado se diria, rescisão - pela Administração e pela sociedade privada e os montantes pecuniários de indemnização por parte da Administração;
- especifica-se (no "acordo" complementar entre a DGV e a ISA) o âmbito dos actos de fiscalização, cabendo à DGV credenciar os agentes fiscalizadores e emitir os seus cartões de identificação;
- fixam-se naquele "acordo" o modo de aleatoriamente seleccionar os veículos a reinspeccionar e as provas de exame a reavaliar bem como a forma como a ISA deve proceder em concreto e transmitir aos centros inspeccionados e à DGV os resultados da sua actividade;
- a DGV pode igualmente fazer acompanhar as reinspecções ou reavaliações por agentes ou funcionários seus e "fiscalizar a actuação dos agentes da ISA" (Cláusula 2ª, ponto 12);
- os centros de inspecção ou exame podem reclamar para a DGV, nos termos do CPA, dos actos praticados pelos agentes fiscalizadores da ISA;
- a ISA pode cessar de forma parcial e unilateralmente, em casos de "extrema dificuldade", por factos que não lhe sejam imputáveis, a realização dos actos de fiscalização, com dedução da contrapartida remuneratória;
- em caso de dúvidas ou litígio sobre a interpretação ou execução do acordo recorrer-se-á a arbitragem.
Olhando para este quadro - independentemente da sua fixação num instrumento único - à luz do que anteriormente se expôs, parecem-nos claras as marcas do acordo de vontades com vista à criação, modificação e extinção de uma relação jurídica administrativa.
Em primeiro lugar - e repetindo o que se adiantou supra 5.3.1. - não há elementos caracterizadores da autorização (acto unilateral), pela ausência de qualquer direito das "administradas" à actividade de reinspecção nem de licença de uma actividade, na origem relativamente proibida.
Em segundo lugar, não existe obstáculo a que a Administração, ao abrigo da sua ampla autonomia contratual, lance mão deste mecanismo de relacionamento com empresas privadas, tal como lhe permite o artigo
179º do CPA, sendo certo que o regime especial consignado neste Decreto-Lei nº 250/95 afasta a necessidade geral do concurso público, limitado negociação ou do ajuste directo para a escolha do co-contratante.
Em terceiro lugar, é nítido que a Administração, através da DGV, chama uma pessoa colectiva privada a colaborar temporariamente no desempenho de atribuições administrativas, - que a DGV detém originariamente e mantém - mediante remuneração, no que se delinea sem esforço como uma prestação de serviços - "apoio ao cumprimento da missão que se lhe encontra legalmente atribuída", assim se exprime o preâmbulo do Decreto-Lei nº 250/95.
Em quarto lugar, percorrendo as cláusulas - incluídas no despacho e no "acordo" - é clara a sujeição do contratante privado, nomeadamente quando se lhe exige a prestação de certo tipo de informações e se possibilita a fiscalização dos seus agentes, aliás, credenciados pela própria DGV, aspectos que exorbitam nitidamente do direito comum.
Por outro lado, a regulamentação específica - procedimental e substantiva - tem a sua fonte naquele citado decreto-lei, patente marca publicística.
Finalmente, é sintomático que no nº 3 do artigo 4º dos Estatutos da ISA, sociedade constituída para participar na tarefa das "reinspecções" se aluda expressamente a concessão ou contratos de fornecimento de serviços a organismos estatais (atente-se na prória denominação da ISA).
Afastar-se-á, assim, a figura de um acto unilateral da Administração até porque a vontade do particular surge como requisito da existência do contrato.
Podemos, pois, afirmar que se encontram reunidos os requisitos genéricos do contrato administrativo e, ademais, preenchido um dos "nomina juris" a que alude o nº 2 do artigo 178º do CPA e o nº 2 do artigo 9º do ETAF.
Restaria explicitar o significado da expressão prestação de serviços "para fins de imediata utilidade pública" e indagar se, no caso, se verificaria.
Na esteira, uma vez mais, de MARQUES GUEDES (61), as prestações a que o contrato obriga terão de ser aptas à satisfação imediata de necessidades colectivas determinadas.
"A expressão contém uma ideia de proximidade finalística e não de proximidade cronológica. Haverá utilidade imediata quando a comunidade possa beneficiar directamente dos serviços prestados" (62).
Não parece haver dúvida de que tal requisito se verifica in casu, pois será imediata (não em termos cronológicos) a utilidade pública de uma maior segurança na circulação rodoviária como resultado da prestação exigida à empresa privada.
Através do Despacho nº 10/95, complementado pelo "Acordo" com a ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Ldª, a Administração firmou com esta empresa privada um contrato administrativo de prestação de serviços de reinspecção de veículos e reavaliação de exames de condução, para fins de imediata utilidade pública.
Considerámos, pelo seu conteúdo material, que a figura apropriada era a da alínea h) do nº 2 do artigo 178º do CPA e não a da alínea c) - concessão de serviço público.
6
Como é sabido, porém, na formação dos contratos administrativos está a Administração obrigada à observância de procedimentos que, de certo modo, se autonomizam do próprio contrato. Visam não só eleger, segundo princípios de imparcialidade, objectividade e transparência, o co-contratante, como fixar as "condições" do contrato.
Ora, no caso sob análise, existe um procedimento específico previsto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95, cuja observância é posta em crise.
Neste domínio procedimental a consulta salienta particularmente dois aspectos, que afinal se traduzem em duas dúvidas sobre a observância de regras inscritas no citado artigo 3º.
Por um lado, se o requisito de a entidade "autorizada" não prosseguir fins lucrativos estará reunido após a transferência da prestação de serviços para a ISA, que é uma sociedade comercial - nº 2, alínea a), do preceito.
Por outro, se não foi também violado o disposto no nº 6 do mesmo artigo 3º.
Acrescentaremos, por nossa parte, um outro ponto, a saber:
- partindo da hipótese de não ter havido "proposta da DGV", tal como exigido pelos nºs. 1, 3 e 4, quais as consequência da omissão.
6.1. Examinemos, então, se a PRP e a ACAP respeitam o requisito da não prossecução de fins lucrativos quando agem através da ISA, uma sociedade comercial (63).
Expressamente, nos seus estatutos, como vimos, quer a PRP quer a ACAP se intitulam associações sem intuitos lucrativos, tendo a primeira sido declarada de utilidade pública.
Não se pode dizer infirmada aquela asserção no confronto com as diversas disposições dos Estatutos, posto que na PRP seja mais visível uma intenção idealista de contribuir para a realização de certos valores de conotação e interesse público geral inerente à aludida declaração de utilidade pública (embora esta não seja, só por si, decisiva para aquela qualificação).
Apesar do intuito não lucrativo é evidente que ambas as associações necessitam de fundos para realizar as suas finalidades estatutárias.
A propósito do significado de fim lucrativo este Corpo Consultivo já se pronunciou por mais de uma vez.
Disse-se no Parecer nº 18/90: (64)
"Uma actividade tem fim lucrativo quando foi planeada com o objectivo de o produto dos preços praticados pela actividade ou serviço prestado cobrir os custos dos fornecimentos e foi gizado com o objectivo de haver de produzir uma margem de benefício entre as receitas e as despesas de exploração" (65).
Deve distinguir-se entre actividade exercida com fim lucrativo e a finalidade, lucrativa ou não, visada pela pessoa colectiva como razão última da respectiva constituição.
"É sabido - acrescenta-se - que, para o desenvolvimento das suas funções, as pessoas colectivas têm muitas vezes que praticar actos de natureza variada, sem ligação directa e imediata com os seus fins, contanto que sejam praticados na intenção de realizar qualquer dos fins colectivos (...)".
Para o exercício de fins de interesse público certas entidades exercem, ou podem exercer, actividades- meio com inegável fim lucrativo.
E mais adiante:..."existirá uma actividade com fins lucrativos se foi planeada com o objectivo de o produto dos preços praticados pelos serviços prestados cobrir o custo do funcionamento.
"E, também, será indiferente apurar se determinada actividade obteve ou não lucros; o que importa é saber se foi pensada e criada com o objectivo de haver uma margem de benefício entre as receitas e as despesas de exploração (...)".
Sinteticamente, diríamos, o que interessa é saber se a pessoa colectiva pretende ou não gerar excedentes de exploração (lucros).
O que vem de dizer-se pelo lado positivo (móbil ou intuito lucrativo) é transponível para uma apreciação do seu contrário (ausência de intuito lucrativo).
Retomemos a situação concreta.
Consideradas per se, a PRP e a ACAP apresentam-se como associações que não prosseguem fins lucrativos, não só por declaração expressa como também pelo conteúdo global estatutário.
Simplesmente, de acordo com o nº 2 do aludido Despacho nº 10/95, na prestação dos serviços de fiscalização dos centros privados que realizem exames de condução ou inspecções periódicas de veículos automóveis, cometida inicialmente à PRP e à ACAP, foi logo autorizada a sua transmissão para a ISA, sociedade comercial (de fins lucrativos), constituída exclusivamente por participações de capital daquelas.
Fica assim violada a lei, directamente ou mediante fraude?
Lembre-se o que se refere na Análise Económica mencionada - supra, ponto 4.1. - onde coerentemente se afirma o móbil do lucro da ISA, posto que não se queira atingir no grau mais elevado atendendo a que os sócios são associações sem fins lucrativos. De qualquer modo, estima-se a margem de benefício em 15% dos custos operacionais, antes dos impostos.
Quer dizer, não se determinando pelo critério do máximo de lucro, a ISA não prescinde obviamente do móbil do lucro inerente à prática de actos de comércio.
Sendo assim, poder-se-á deixar de reconhecer que através da transferência da "prestação de serviços" da PRP/ACAP para a ISA, aquelas associações não perderam a característica, para esse efeito, de "não prosseguirem fins lucrativos", requisito necessário para poderem aceder à actividade de reinspecção?
Argumentando na sequência do que atrás se expôs, dir-se-ia que uma pessoa colectiva pode levar a cabo actividades de natureza lucrativa se não colocar em risco a sua finalidade geral não lucrativa.
Todavia, não será fácil sustentar que, para além de actos avulsos ou circunstanciais de móbil lucrativo, uma pessoa colectiva daquele cariz possa servir-se precisamente do instrumento jurídico mais talhado para a obtenção do lucro (uma sociedade comercial) sem brigar com o seu princípio norteador da finalidade não lucrativa (66).
Já parecerá inadequado - noutra linha -, entender que se estava perante uma situação de fraude à lei, isto é, de violação indirecta da lei, "não se atacando o seu texto, mas falseando-se-lhe o espírito", como dizia BELEZA DOS SANTOS (67). Pois que não se estará perante um negócio oblíquo em que se pretende defraudar a norma imperativa da alínea a) do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95 mas face a algo que mais tem a ver com o funcionamento interno da pessoa colectiva e das regras a que está sujeita.
Ripostar-se-á que o ponto de vista defendido - o desvirtuamento daquelas associações de fim não lucrativo mediante uma actividade levada a efeito por uma pessoa colectiva de fim lucrativo - vai em conflito com o preceito do nº 6 do aludido artigo 3º (chamado, aliás, à colação, em segunda linha).
A autorização (para contratar, leia-se) é transmissível, sob certas condições - nova autorização ministerial e prévio parecer da DGV - "a pessoa colectiva cujo capital social seja exclusivamente subscrito por entidades já detentoras dessa autorização".
Ao falar-se em "capital social" a terminologia aponta para um elemento do contrato de sociedade - cfr. alínea f) do nº 1 do artigo 9º do Código das Sociedades Comerciais (68).
Apesar disso, a interpretação que melhor salvaguardará o espírito e a coerência do sistema será aquela que exija que a pessoa colectiva "receptora" da autorização prossiga também ela fins não lucrativos.
Este tópico do fim não lucrativo tem estado quase sempre presente nas entidades privadas autorizadas a realizar exames de condução e inspecções a veículos. Por maioria de razão - dir-se-á - se deverá exigir àquelas entidades privadas que vão colaborar com a DGV na fiscalização dos exames ou inspecções. Assim se obviará à intrusão de ingredientes economicistas em detrimento do interesse público de reinspecção ou reavaliação de exames a levar a cabo com objectividade e isenção.
Propendemos, pois, para a conclusão de que o Despacho nº 10/95 violou, em termos substantivos, o disposto nos nºs 2, alínea a) e 6, do artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95, ao permitir a contratação com entidades que não reúnem o requisito de "não prosseguirem fins lucrativos" (não se extrai a ideia, que seria inexacta, de que a PRP e a ACCP (69) deixaram de ser globalmente associações sem intuito lucrativo).
6.2. Entremos, de seguida, no plano das formalidades.
Nesta fase procedimental prévia da contratação o percurso a seguir deveria ser o seguinte:
- guiada pelos requisitos mencionados no nº 2 do aludido artigo 3º a DGV diligenciaria por encontrar um co-contratante da Administração (70);
- elaboração de proposta pela DGV subdividida em duas partes: uma, comprovando (mediante a documentação pertinente) a verificação dos requisitos enunciados no nº 2 do artigo 3º; a outra, descrevendo o clausulado do contrato a formalizar com a entidade escolhida;
- autorização para contratar concedida por despacho ministerial.
A autorização (ou a recusa) é concedida "nos termos da proposta".
Repare-se na importância da ponderação e comprovação subjacente a tal proposta (71).
Quanto ao disposto no nº 6, supõe em bom rigor que há duas autorizações: uma primeira, de acordo com o nº 1 do artigo 3º, e uma segunda - permitindo a transmissão dos direitos e obrigações, ou seja, a cessão da posição contratual - mediante parecer prévio da DGV.
É manifesto neste caso que houve apenas um despacho de autorização.
Segundo MARCELLO CAETANO (72), formalidade é "todo o acto ou facto, ainda que meramente ritual, exigido por lei para segurança da formação ou da expressão da vontade de um órgão de uma pessoa colectiva".
Os próprios prazos bem como os actos preparatórios que tendem a tornar possível a prática de um acto definitivo integram a forma respeitante à expressão ou manifestação da vontade do ente colectivo.
Se a lei impõe a observância de qualquer trâmite na formação de vontade "é porque o considera indispensável à garantia dos interesses públicos ou particulares".
Entre nós, o princípio geral seguido pela doutrina e pela jurisprudência é o de que toda a formalidade exigida por lei é essencial, acarretando a sua inobservância a invalidade do acto (anulabilidade).
Todavia, vem sendo introduzida uma cláusula redutora no sentido de que a formalidade não é essencial quando a sua preterição não tenha impedido a verificação do facto ou a realização do objectivo que o legislador pretendia alcançar através dela ou se esteja perante formalidades meramente burocráticas prescritas com o intuito de assegurar a boa marcha interna dos serviços.
Da inobservância destas formalidades "relativamente essenciais" adviria em vez da invalidade uma simples irregularidade.
De acordo com o artigo 135º do CPA, "são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção".
Apesar da amplitude e rigidez da disposição, afigura-se que não deve contender com os princípios doutrinários e jurisprudenciais que vêm sendo referidos, onde a estabilidade das situações e a preservação dos actos, desde que obtidos segundo uma tramitação fundamentalmente aceitável, são valores que potenciam a fluidez da gestão administrativa sem quebra de outros interesses relevantes (73).
Quid juris?
No que respeita à eventualidade de inexistência de proposta da DGV: se nem por isso a autorização deixou de ser conferida e, nessa medida, alcançado o resultado que visava, o que pode dizer-se em contrário é que terá faltado um instrumento de reflexão, porventura preclusivo da escolha de elementos comprovadores dos requisitos a que se refere o nº 2 do artigo 3º (e já assinalámos as dúvidas parcelares que se suscitam quanto
à alínea d)).
Raciocínio paralelo se pode fazer quanto ao nº 6 do mesmo artigo 3º: também se verificou a transferência da contratação (da PRP e ACAP para a ISA), apesar da falta do prévio parecer da DGV. No entanto, essa concomitância de autorizações - para que a PRP e ACAP procedessem às reinspecções de viaturas e reavaliação de exames de condução e, de imediato, à transmissão dos seus direitos e obrigações para a ISA - inviabilizou um eventual período de experimentação que estará subjacente ao mecanismo do dispositivo.
Dir-se-á, ainda em defesa da não essencialidade das formalidades inobservadas, que a DGV, a entidade que devia apresentar a proposta ou emitir o parecer prévio (caso do nº 6) é a mesma que interveio no "acordo" com a ISA, sendo igualmente de admitir que tenha colaborado na preparação do Despacho nº 10/95. Por outro lado, essas formalidades destinar-se-iam apenas a assegurar a boa marcha interna dos serviços.
Não cremos que esta "fusão" de formalidades seja tão despicienda, pois que se elas têm a ver com a marcha interna dos serviços, nomeadamente com a celeridade, a sua inobservância pode impedir não só a eficácia do procedimento administrativo por deficiente instrução, como ainda quebrar a partilha de responsabilidades (e competências) por cada escalão hierárquico, ao mesmo tempo que diminui as garantias de ponderação provenientes da preparação de um documento escrito a submeter a apreciação superior.
Consideramos, pois, também por este lado, verificado um vício de forma, determinante da invalidade do acto de autorização subsequente e não uma simples irregularidade.
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A aceitar-se a invalidade da autorização concedida pelo Despacho nº 10/95, por violação de lei, em termos substantivos e formais, ficará diminuída a importância da última questão posta, ou seja, o conteúdo do clausulado em confronto com o interesse público, a boa administração e o equilíbrio financeiro.
Na verdade, e conforme atrás ficou dito - ponto 5.1. - quando um dos actos preliminares do contrato enferma de invalidade, o vício, que não é do contrato mas do procedimento administrativo, reflecte-se naquele e leva também à sua invalidade.
Será o caso sob consulta: uma vez que o Despacho nº 10/95 esteja ferido de vício de violação de lei (incluindo a matéria de inobservância de formalidades essenciais), também o contrato subsequente é atingido na sua legalidade.
Mas suponhamos - por mera hipótese - que não se verificaram esses vícios de procedimento prévio, situando-se as dúvidas apenas na legalidade do contrato, em especial, na justa e equilibrada repartição das suas cláusulas.
Como já anotámos, hoje, através do disposto no artigo 180º do CPA, a Administração dispõe expressamente de poderes de modificação unilateral do conteúdo das prestações do contrato, desde que respeitado o seu objecto e o equilíbrio financeiro e, mais ainda, da possibilidade de rescisão unilateral por razões de interesse público fundamentado, sem prejuízo de justa indemnização. Isto com ressalva de imperativo legal ou da própria natureza do contrato.
Apoiado doutrinariamente, este corpo consultivo há muito que sustentava posições semelhantes (74).
A imposição ao outro contraente, pela Administração, de modificações nas prestações convencionais ou alteração das condições jurídicas, técnicas e materiais de execução do contrato, decorreria da "cláusula de sujeição" implícita no contrato administrativo. As exigências do interesse público justificariam os ajustamentos contratuais necessários, inclusive a imposição ao co-contratente de obrigações não previstas no momento da celebração do contrato.
Se, na sua extensão, este poder permitia à Administração tocar no objecto do contrato era questão duvidosa (o que agora se mostra clarificado).
Tratava-se de um poder discricionário embora, como tal, "delimitado pelo fim para que é concedido: a necessidade de ajustar o contrato ao interesse público".
Também se admitia a própria rescisão, ou como sanção (poder vinculado) ou como faculdade, por conveniência do interesse público (poder discricionário).
Claro que se suscitavam as questões delicadas da reposição do equilíbrio financeiro do contrato e da obrigação de indemnizar.
Examinemos as coisas face ao vigente artigo 180º do CPA.
Alerta-se especialmente na consulta para o desequilíbrio que poderia existir no caso de accionamento do disposto no nº 5 do Despacho nº 10/95, ou seja, para o caso de rescisão do contrato a indemnização que o Estado haveria de satisfazer cifrar- se-ia para além do razoável.
Essa modificação, quando determinada pela Administração, assumiria efeitos em termos contratuais relativamente pesados, enquanto uma situação semelhante da parte do outro contratante não dava lugar a qualquer indemnização se comunicada com a antecedência de 180 dias.
Regime que pareceria algo leonino.
No entanto, a modificação unilateralmente imposta pela Administração sobre o conteúdo das prestações a que alude a alínea a) do artigo 180º do CPA aparece geralmente ligada a vicissitudes jurídicas (de origem política ou legislativa) ou outras que se repercutam no conteúdo das relações contratuais, designadamente, "no modo, na qualidade ou na quantidade respectiva" (75).
E se a Administração exerce esse poder de modificação unilateral (jus variandi) tal implicará normalmente a reposição do equilíbrio financeiro.
Ora, a eventual modificação unilateral de uma cláusula contratual, no sentido da redução material da prestação, a pretexto de uma directiva de boa gestão e de interesse público, dificilmente seria enquadrável naquele dispositivo, mas antes teria a ver com a invocação de um vício na formação da vontade de contratar, o que deslocaria a questão para o âmbito do disposto no nº 2 do artigo 185º do CPA (76).
Tentando, por outro lado, caracterizar o "imperativo de interesse público" determinante da rescisão diz-se (77): "Há-de ... tratar-se necessariamente de casos imperiosos, seja pela dimensão do evento (uma profunda alteração política) seja pela importância do interesse público envolvido, não podendo servir como tal nem o comportamento do co-contratante... nem as desvantagens económicas do contrato por exemplo" (sublinhados nossos).
Além disso, o imperativo há-de estar ligado ao próprio objecto ou à "ratio" do contrato (por exemplo num projecto de estrada que ia ligar duas povoações surgiu um outro percurso alternativo muito menos perigoso).
Tendo, porém, presente a conclusão a que chegámos em matéria procedimental torna-se desnecessário prosseguir nesta via.
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O Despacho nº 10/95, na medida em que consubstancia um acto administrativo que autoriza a contratação da prestação de serviços descrita e porque está afectado de vício de violação de lei (não só substantiva como de forma) é inválido e por isso revogável dentro do prazo em curso de impugnação contenciosa - artigos 141º do CPA e 28º, nº 1 alínea c), do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (78).
Se é certo que, nos termos do nº 2 do artigo 145º do CPA, a revogação tem efeito retroactivo quando se fundamenta na invalidade do acto revogado, a Administração não poderá esquecer o valor das prestações já efectuadas, o que, a não ser tido em conta, poderá configurar um injusto locupletamento à custa alheia.
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De harmonia com o exposto se extraem as seguintes conclusões:
1ª - À Administração é permitido servir-se da colaboração de entidades privadas na inspecção obrigatória de veículos automóveis e reboques (a partir de 1985), o mesmo sucedendo para a realização de exames de condução (a partir de 1991);
2ª - Nos termos do Decreto-Lei nº 250/95, de 21 de Setembro - artigos 1º e 3º -, permitiu-se que aquelas actividades de inspecção de veículos automóveis e de exames de condução fossem fiscalizadas por entidades privadas sem fins lucrativos sob a supervisão da Direcção-Geral de Viação;
3ª - Através do Despacho nº 10/95, do Secretário de Estado da Administração Interna, publicado no Diário da República, II Série, de 20.10.95, e de um "acordo" complementar, autorizou-se a Prevenção Rodoviária Portuguesa e a Associação do Comércio Automóvel de Portugal a colaborarem naquela fiscalização, mais se permitindo no mesmo despacho a transmissão desses poderes e deveres para a sociedade ISA - Inspecções de Segurança Automóvel, Ldª, com capital social exclusivamente subscrito por essas duas associações;
4ª O negócio jurídico consubstanciado no despacho e acordo a que se refere a conclusão anterior caracteriza-se como um contrato administrativo de colaboração com a Administração, para fins de imediata utilidade pública, traduzido numa prestação de serviços de reinspecção de veículos e de reavaliação de exames de condução - nº 2, alínea l), do artigo 178º do Código de Procedimento Administrativo e nº 2 do artigo 9º do ETAF;
5ª Todavia, tendo em conta o procedimento preliminar de autorização daquele contrato, especialmente regulado no artigo 3º do aludido Decreto-Lei nº 250/95, o Despacho nº 10/95 incorre em violação desse preceito quer em termos substantivos quer por vício de forma, uma vez que não se verificava o requisito do nº 2, alínea a), e não observou o disposto no do nº 6, pelo que tal acto administrativo é inválido;
6ª Esta invalidade procedimental acarreta, como consequência, a invalidade do contrato administrativo subsequente;
7ª Porque ilegal, é revogável o Despacho nº 10/95, de acordo com o artigo 141º do CPA não podendo, porém, ser esquecido o valor das prestações já efectuadas.
_______________________________

1) De 28.09.95, no Diário da República, II Série, nº 243, de 20.10.95.
Pelo Despacho nº 51/91, publicado no Diário da República, II Série, nº 1, de 2.01.92, o Ministro da Administração Interna delegava competências no Secretário de Estado da Administração Interna relativas à Direcção-Geral de Viação (nº 1, alínea e), desse despacho).
2) A disposição em causa é a do artigo 3º, nº 2, daquele diploma e não a referida, por lapso.
3) Quereria dizer-se nº 2.
4) Houve, entretanto, que pedir elementos complementares de esclarecimento cuja apreciação retardou o estudo da consulta.
5) O intróito do Decreto Regulamentar nº4/82 declarava: "Tendo em atenção a necessidade de reformar o sistema de inspecção de veículos, face às obrigações que decorrerão da integração na CEE, procura-se ... estabelecer as bases a que obedecerá o novo regime de inspecções que em breve se pretende instituir".
De acordo com o nº 2 do artigo 36º do Código da Estrada (então alterado), remetia-se para portaria a regulamentação das inspecções periódicas obrigatórias agora alargadas. Em vez dessa portaria veio a surgir o Decreto-Lei nº 154/85.
6) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 39672, de 20 de Maio de 1954.
7) Rectificado no Diário da República I Série, nº 174, de 31.07.85.
8) De entre as exigências feitas aos inspectores (artigo 3º) constava a proibição de ser "proprietário, sócio ou accionista de empresas transportadoras ou que se dedicassem ao fabrico, importação, comercialização ou reparação de veículos a motor, reboques e acessórios".
9) Pela Portaria nº 267/85, de 9 de Maio, foi aprovado o Regulamento de Inspecções Periódicas Obrigatórias de Veículos.
Tal Portaria foi objecto de sucessivas alterações: pela Portaria nº 652/85, de 3 de Setembro (excluindo das inspecções os tractores e reboques agrícolas e os automóveis e motociclos antigos); Portaria nº 881/87, de 16 de Novembro (tarifas); Portaria nº 853/92, de 4 de Setembro (suspensão do nº 17 do Regulamento). Só a Portaria nº 267/93, de 11 de Março, veio a revogar a Portaria nº 267/85, apesar da publicação intercalar do Decreto-Lei nº 254/92. Isto porque o nº 2 do artigo 19º deste manteve em vigor os diplomas regulamentares do Decreto-Lei nº 154/85, até à sua substituição por outros.
10) O diploma fundava-se no acervo comunitário, mediante o qual o controlo periódico de veículos (com exclusão dos simples veículos ligeiros ou de mercadorias) era já considerado uma condição importante de garantia de segurança da circulação rodoviária. Não se via, porém, razão para excluir da concessão do serviço de inspecções certas empresas com fins lucrativos, como seria o caso de companhias de seguros com ramo automóvel ou até sociedades de equipamentos. De todo indesejável era permitir a acumulação da actividade de diagnóstico com a da reparação das avarias.
O controlo e fiscalização da concessionária (única) seria efectuado por um delegado do Governo e por técnicos da DGV.
Revogara o Decreto-Lei nº 154/85, de 9 de Maio (artigo 10º).
11) Repete-se a disposição que impede o acesso a inspectores de indivíduos que exerçam certas actividades tal como se referiu na nota (8).
12) O que encontra reflexo na Portaria nº 267/93, de 11 de Março, ao facultar "vistorias ou contra- inspecções", por funcionários da DGV credenciados para funções de fiscalização (nº 16º).
Esta Portaria foi alterada pela Portaria nº 287-A/93, de 12 de Março.
13) Na sequência do Decreto-Lei nº 254/92 foram também publicadas as Portarias, nº 1223/93, de 23 de Novembro, 162/94 e 163/94, ambas de 23 de Março, e 6/95, de 5 de Janeiro. Acaba de ser publicada a Portaria nº 117-A/96, de 15 de Abril.
O Decreto Legislativo Regional nº 4/96/M, de 27 de Março, acaba de adaptar à RA da Madeira o Decreto-Lei nº 254/92.
14) O que veio a ser feito pela Portaria nº 262/95, de 1 de Abril.
15) Alterado pelo Decreto-Lei nº 305/79, de 18 de Agosto.
16) O pessoal actuando nessa qualidade fiscalizadora era equiparado "aos agentes da autoridade ou força pública".
17) Cfr. artigos 42º a 55º. Segundo este último preceito, o estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da administração central, regional e local, continha o regime subsidiário aplicável nos inquéritos a infracções cometidas por este pessoal.
À formação dos instrutores e directores de escolas de condução - supervisionada pela DGV - e ao licenciamento de funcionamento das escolas se referem, nomeadamente, as Portarias nºs. 705/83, de 22 de Junho, o Decreto Regulamentar nº 65/83, de 12 de Julho, a Portaria nº 984/83, de 25 de Novembro.
O Decreto-Lei nº 137/94, de 23 de Maio, alterou parcialmente o Decreto-Lei nº 6/82, agora sem interesse.
18) Regulamentado, nesta parte, pelo Decreto Regulamentar nº 65/94, de 18 de Novembro.
19) Processo de concurso que foi regulado pela Portaria nº 258/95, de 31 de Março.
20) De qualquer modo, a ideia da fiscalização dos exames continua presente quando no já aludido Decreto-Lei nº 221/95, a propósito da organização dos centros de exame - artigos 10º e 11º - se renova o imperativo do processamento informático dos dados respeitantes aos exames de condução e se estipula que tais associações façam reverter para o fundo de fiscalização criado pelo artigo 13º do Decreto-Lei nº 254/92, de 20 de Novembro, uma determinada quantia por cada exame realizado.
21) O regime jurídico do ensino da condução está hoje regulado pelo Decreto-Lei nº 263/95, de 10 de Outubro.
22) Pelo Decreto-Lei nº 329/89, de 26 de Setembro, foi conferida autonomia administrativa à DGV, afectando-se determinadas receitas aos encargos com a sua actividade fiscalizadora.
Por seu turno, o Decreto-Lei nº 212/90, de 27 de Junho, sublinhou as tarefas do ora designado inspector de viação (artigo 2º).
23) Cfr. os Decretos-Leis nºs. 56/92, de 13 de Abril, e 92/92, de 23 de Maio.
24) Serviços que vêm a ser adaptados, na sua dimensão e competência, exactamente pela disponibilização de redes de centros privados de exames e de inspecção de veículos automóveis, o que sucede mediante as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 120/95, de 31 de Maio.
25) Não se invoca a proposta da DGV que, nos termos dos nºs. 1 e 4 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95, devia servir de base ao despacho ministerial da concessão da fiscalização. Apesar de solicitada expressamente não nos foi remetida.
26) Utilidade pública reconhecida nos termos do Decreto-Lei nº 47203, de 16.09.66, sublinhando tratar- se de uma associação "sem interesses lucrativos".
27) Da documentação enviada consta ainda um "Regulamento interno", que completa e esclarece os estatutos.
28) Apenas dispomos de uma fotocópia simples dos estatutos, ignorando-se a data da sua constituição e a escritura pública respectiva.
29) Por lapso escreveu-se "funcionamento". A cláusula, tal como redigida, mostra-se de difícil percepção.
30) "Os contratos administrativos", in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXXII, 1991, pág. 10, que agora seguiremos de perto.
31) De 8.02.1873 - in Sirey (1873) III, pág. 153.
32) Cfr. ENZO ROPPO , "O contrato", tradução de Ana Coimbra e Januário Gomes, 1988, pág. 341, que acompanharemos.
33) ENZO ROPPO, op. cit. pág. 343.
34) Ibidem, pág. 344.
35) GIORGIO BERTI, "Principio contrattuale nell'Amministrazione Publica", in JUS- Rivista di scienze giuridiche, Ano XXXIV, Maio-Agosto 1987, pág. 162.
36) Apud MARYVONNE HECQUAD - THÉRON, "La contractualisation des actions et des moyens publics d'intervention", in AJDA, Droit Administratif, de 20.06.93, págs. 451 e segs..
37) Em contraponto, ENZO ROPPO - op. cit., pág. 346 - afirma que o modelo "convencional", em lugar dos instrumentos de imposição unilateral assinala um processo rico de potencialidades positivas porquanto a busca do "consenso" dos administrados significa o desenvolvimento da sua participação activa "na qual, por sua vez, se encontra um pressuposto de democracia e, ao mesmo tempo, de eficiência do procedimento administrativo".
38) Cfr. JACQUES CAILLOSSE, "Sur la progression en cours des techniques contractuelles d'administration", in Le droit contemporain des contrats - Bilan et perspectives, Economica, Paris (1985-86).
39) Para ANNAROSA PIZZI, "Le convenzioni amministrative: considerazioni sul regime giuridico applicabile", in Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, Junho de 1985, págs. 318 e segs., na estrutura pluralística do Estado, os "protocolos de acordo", as convenções, significam, umas vezes, o empenho (político), não juridicamente assumido, porque não se quer ou não é possível, outras, o regulamento pactício de interesses reconduz-se simplesmente à categoria do "contrato". Distinção, evidentemente, carregada de consequências nomeadamente no que respeita ao incumprimento.
40) J.CAILLOSSE, loc. cit., pág. 116.
41) Por comodidade excluímos agora o uso do contrato privado, regido pela lei civil ou comercial, de que a Administração também pode lançar mão.
42) De 30.03.92, publicado no Diário da República, II Série, nº 79, de 3.04.93.
Cfr. também A.DIAS GARCIA, "A Autorização Administrativa", Separata do BMJ nº 425, págs. 5 e segs..
(x) Cfr. FREITAS DO AMARAL., Direito Administrativo IV (ed. policop.), pág. 129.
(x1) Cfr. ibidem.
(x2) Cfr. ibidem, pág. 130.
43) MARQUES GUEDES, op. cit., pág. 16, onde se pode ver uma síntese evolutiva da matéria.
44) Apud MARQUES GUEDES, op. cit., pág. 17, que voltamos a seguir.
Aperfeiçoando o § único do artigo 695º do Código de 1936, dizia o § 2º do artigo 815º do Código de 1940:
"Consideram-se contratos administrativos unicamente os contratos de empreitada e de concessão de obras públicas, os de concessão de serviços públicos e os de fornecimento contínuo e de prestação de serviços celebrado entre a Administração e os particulares para fins de imediata utilidade pública".
45) Esta alínea g) reporta-se à competência dos tribunais administrativos de círculo para conhecerem das acções sobre contratos administrativos e responsabilidade das partes pelo seu incumprimento.
46) Loc. cit., pág. 24.
47) Também M. ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO AMORIM, "Código de Procedimento Administrativo comentado", vol. II, pág. 338, advertem para similar dificuldade quando se define direito administrativo como o contido nas leis administrativas.
48) Para um estudo dos diversos critérios doutrinais e sua crítica - v. J. J. ALMEIDA LOPES, in Revista de Direito Público, Ano VIII, Jan/Jun., nº 15, maxime, págs. 45 a 112 (investigação respeitante ao ano de 1987).
49) M. ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit, pág. 347, considera insusceptíveis, por natureza, de contrato administrativo, os actos ou efeitos disciplinares, de polícia, as decisões de reclamações ou recursos - atento o seu pendor de autoridade -, bem como aquelas posições em que só se admite investidura em termos de direito privado (v.g. uma fiança).
50) M. ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 374/76, face à anterior redacção.
51) Os autores citados na nota anterior interpretam restritivamente o preceito, no sentido de a arbitragem não ser extensível à questão da (i)legalidade de actos administrativos de execução, modificação ou extinção do contrato, por brigar com o princípio da indisponibilidade dos interesses contenciosos em matéria de actos e regulamentos administrativos - artigo 2º do ETAF e nº 4 do artigo 1º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto.
No mesmo sentido - cfr. ARTUR MAURÍCIO et alii, "Contencioso Administrativo", 1988, pág. 19.
52) Cfr. Pareceres nºs., 136/80, de 30.04.81, não publicado; 163/83, de 26.08.83, no BMJ nº 334, pág. 153; 50/85, de 4.07.85, no BMJ nº 356, pág. 52; 12/87, de 27.10.88, no Diário da República, II Série, de 31.10.89; 76/89, de 22.02.90, Diário da República, II Série, de 6.08.90; 121/90, de 25.01.91, inédito;
127/90, de 21.03.91, publicado no Diário da República, II Série, de 27.08.91.
V. também os acórdãos do STA, de 18.06.85 (Pleno), in AD, nº 291, pág. 310, e de 31.03.87, AD, nº 318, pág. 724.
53) Uma cláusula exorbitante "é a que dá à Administração o direito de intervir unilateralmente nos próprios negócios do seu contraente ou na estrutura e funcionamento da sua empresa" J. J. ALMEIDA LOPES, op. cit., pág. 61. E logo acrescenta que é de considerar intervenção no funcionamento da empresa o facto de a Administração praticar "actos de fiscalização da forma como as prestações se efectuam (inspecção, exames, exigência de informações ...)".
54) "Legalidade e Autonomia nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, pág. 347 e segs., que agora acompanhamos.
Sobre esta matéria podem ver-se com interesse - BARBOSA DE MELO - ALVES CORREIA, Contrato Administrativo", Coimbra, 1984; MARIA JOÃO R. ESTORNINHO, "Princípio da legalidade e contratos da Administração", Lisboa, 1987, Separata do BMJ nº 368.
55) Ibidem, pág. 350. Segundo o mesmo Autor, a arquitectura processual pode revelar se há ou não acordo de vontades, v.g., pela simultânea subscrição do acto ou se, ao contrário, a vontade do particular surge referida a outro acto, preparatório ou integrativo "a posteriori".
56) Op. cit., pág. 359 e segs..
57) Ibidem, pág. 398.
58) Classificação com algumas diferenças desta pode ver-se apud M.ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, op. cit., pág. 342.
59) Op. cit., págs. 339 e segs.
60) J. J. ALMEIDA LOPES, op. cit., pág. 80.
61) Estudos de Direito Administrativo, 80 e 81.
62) SÉRVULO CORREIA, ob. cit., pág. 382.
No Parecer nº 123/84, de 20.12.84, homologado mas não publicado, concluiu-se que a elaboração de estudos técnicos necessários à preparação da informatização do lançamento e cobrança de um novo imposto e à elaboração de um caderno de encargos para concurso público de aquisição de equipamento informático visava um fim de imediata utilidade pública.
Cfr. sobre o mesmo ponto o Parecer nº 163/83, de 26.08.83, já citado, no seu ponto 4.
63) O facto de o Autor do Despacho nº 10/95 não ter invocado a delegação de poderes (que lhe havia sido conferida para despachar os assuntos relativos à DGV) não assume relevo de monta, por não contender com a natureza do acto - cfr., por exemplo, os Pareceres, nº 170/83, de 4.06.87, no BMJ nº 373, pág. 96, e 41/90, de 17.08.90, no Diário da República, II Série, nº 59, de 12..03.91 (ponto 7.2. e conclusão 14ª)
64) De 25.10.90, publicado no Diário da República, II Série, nº 134, de 11.06.92, que recolhe a doutrina já afirmada no Parecer nº 36/71, de 17.12.71, no Diário do Governo, II Série, de 18.02.72 e outros aí citados (nota 51).
65) Não se esqueça que as associadas da ACAP têm um móbil lucrativo e que se dedicam ao comércio automóvel, peças e acessórios, de onde uma relação ainda que remota ao "objecto sob inspecção", a ter em conta no capítulo da sua isenção.
66) Se o fim real da associação não coincidir com "o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos" pode ser motivo de extinção judicial - artigo 182º, nº
2, alínea c), do Código Civil.
67) "A Simulação em Direito Civil", Coimbra, 1921, p. 102. Cfr., sobre fraude à lei, Parecer nº 2/95, de 20.12.95, aguardando homologação (onde se citam outros e bibliografia).
68) Por seu turno, o artigo 167º, nº 1, do Código Civil alude a "património social" (das associações).
69) Levado inteiramente à letra o objecto social da ISA - cfr. supra, ponto 4.2.3. -, até se poderia considerar em conflito com o disposto no nº 2, alínea c) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 250/95, se e na medida em que pudesse também efectuar inspecções de veículos automóveis.
70) Entendemos que se trata de um "regime especial" face ao disposto no artigo 182º do CPA e a diplomas gerais sobre a realização de despesas públicas, nomeadamente com prestações de serviços - Decreto-Lei nº 55/95, de 29 de Março, alterado, por ratificação, pela Lei nº 22/95, de 18 de Julho.
Nada obsta, porém, a que a DGV siga a via do concurso (público ou limitado), sendo certo que ficará então imperativamente obrigada a todas as outras formalidades prescritas para o efeito. De qualquer modo, nessa escolha, ainda que vinculada àqueles requisitos, não deverá postergar-se o respeito pelos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade impostos à Administração pelo nº 2 do artigo 266º da CRP.
71) Nessa comprovação de requisitos cuja verificação é cumulativa, não se detecta, por exemplo, que a ACAP possua objecto social que integre actividades na área da segurança rodoviária, ignorando-se se detém habilitação que lhe permita certificar características técnicas de veículos automóveis, alternativa exigida pela alínea d) do nº 2 do mencionado artigo 3º.
72) "Manual de Direito Administrativo", 10ª ed. (3ª reimpressão), I, 1984, pp. 470 e op. V. Também SÉRVULO CORREIA, "Noções de Direito Administrativo, vol. I, pp. 382 e segs.; M. ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, pp. 458 e segs..
Nesta matéria de formalidades - cfr., a título exemplificativo, os Pareceres, nº 21/91, de 21.03.91, Diário da República, II Série, de 9.07.91, que agora acompanhamos, nº 28/90, de 28.06.90, no Diário da República, II Série, de 8.10.91, nº 21/86, de 8.04.86, homologado mas não publicado, nº 163/81, de 22.10.81, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 319, p. 83.
73) M. ESTEVES DE OLIVEIRA, et alli, op. Cit., p. 168, referindo-se à chamada teoria das formalidades (não) essenciais, aceita que não haja anulabilidade "nessas hipóteses de notória inocuidade procedimental ou decisória do incumprimento de formalidades legais e quando a finalidade que com a sua prática se pretendia assegurar legalmente, se realizou na mesma, pese a sua inobservância"...
74) Citado Parecer nº 163/83, de 26.08.83, ponto 6, que se reproduz em parte. Cfr. também o já citado Parecer nº 123/84, e nº 40/87, de 9.06.87, no seu ponto 13.
75) M. ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, ob. Cit., p. 352 e segs.
76) Onde se diz: "São aplicáveis a todos os contratos administrativos as disposições do Código Civil relativas à falta e vícios da vontade".
77) M. ESTEVES DE OLIVEIRA ..., ibidem, págs. 354/55.
78) Este Conselho tem sustentado a tese de um dever jurídico de revogação dos actos ilegais por parte da administração, embora com alguma mitigação resultante do confronto entre o interesse público abstracto de reposição da legalidade e outro ou outros interesses públicos concretos que possam emergir como prevalentes
- cfr., Parecer nº 80/89, de 15.02.90, no Diário da República, II Série, nº 158 de 11.07.90 (e outros aí citados).
A vinculação da administração ao dever de revogar actos administrativos ilegais não se porá de modo diferente após a publicação do CPA - neste sentido, M. ESTEVES DE OLIVEIRA et alii, ob. Cit., vol II, pág. 184.
Anotações
Legislação: 
CE54 ART36. ETAF84 ART9. CPADM91 ART135 ART178 ART179 ART180 ART185 ART185 ART186 N1. CE94 ART120 ART124 ART129 N1.
DL 364/76 DE 1976/05/14.
DL 366/77 DE 1977/09/02 ART10.
DRGU 4/82 DE 1982/01/15.
DL 6/82 DE 1982/05/09.
DL 154/85 DE 1985/05/09 ART1.
DL 352/89 DE 1989/10/13.
DL 254/92 DE 1992/11/20 ART3 ART12 N3 ART15.
DL 61/94 DE 1994/02/26 ART2 E ART10 ART11.
DL 190/94 DE 1994/07/18 ART2 ART6 ART8 ART12.
DL 221/95 DE 1995/09/01.
DL 290/95 DE 1995/09/21 ART1 ART3.
PORT 1358/95 de 1995/11/18.
Referências Complementares: 
DIR ADM / DIR ESTRAD.
Divulgação
Número: 
DR200
Data: 
29-08-1996
Página: 
12165
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