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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
50/1996, de 16.12.1997
Data do Parecer: 
16-12-1997
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Presidência do Conselho de Ministros
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
TERRITÓRIO DE MACAU
COMPETÊNCIA RESERVADA
GOVERNO
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA CONCORRENTE
REMUNERAÇÃO
MEMBRO DO GOVERNO
SISTEMA DE SEGURANÇA SOCIAL
SECRETÁRIO ADJUNTO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CARGO POLÍTICO
RETROACTIVIDADE DA LEI
ESTATUTO REMUNERATÓRIO
NORMA ADMINISTRATIVA
SUBSÍDIO DE REINTEGRAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ENCARGOS
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
ORÇARMENTO GERAL DO ESTADO ORÇAMENTO DO TERRITÓRIO DE MACAU
ESTATUTO ORGÂNICO DE MACAU
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DE MACAU
GOVERNADOR DO TERRITÓRIO DE MACAU
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Conclusões: 
1- Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1, n 2, alínea f), e 31 da Lei n 4/85, de 9 de Abril, os Secretários-Adjuntos do Governo de Macau que tenham exercido funções depois de 25 de Abril de 1974, como titulares de cargos políticos, gozam do direito a um subsídio de reintegração, independentemente da data em que tenham cessado funções;
2- O encargo com o pagamento aos Secretários-Adjuntos de Macau, do subsídio de reintegração previsto no art. 31 da Lei n 4/85, de 9 de Abril, deverá ser inscrito no orçamento do território de Macau.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros,

Excelência:







I



Dignou-se o então Ministro da Presidência do Conselho de Ministros determinar que fosse solicitada à Procuradoria-Geral da República a emissão de parecer sobre as seguintes questões de direito:

"I. A nova redacção atribuída pelo artigo 1º da Lei nº 26/95, de 18 de Agosto, aos números 2 do artigo 1º e 1 do artigo 31º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, conferindo um subsídio de reintegração aos Secretários-Adjuntos do Governo de Macau que tenham exercido funções após o 25 de Abril de 1975 (1), beneficia mesmo aqueles que as tenham cessado antes da entrada em vigor em Macau da referida Lei nº 26/95?

II. O pagamento de tal subsídio compete ao Orçamento Geral do Estado português ou ao Orçamento do Território de Macau?"

Cumpre assim emitir parecer, com as limitações inerentes ao condicionalismo da urgência que lhe foi conferida recentemente.



II

Duas questões principais são objecto da presente consulta, resumindo-se a primeira ao seguinte:

Porque só depois da entrada em vigor da Lei nº 26/95, de 18 de Agosto, os Secretários-Adjuntos do Governo de Macau passaram a ser considerados titulares de cargo político, para os efeitos da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, interessará saber se do subsídio de reintegração previsto nesta última, poderão beneficiar apenas os Secretários-Adjuntos que tenham exercido funções depois da entrada em vigor daquela Lei nº 26/95.

A outra questão refere-se à eleição do orçamento que deverá suportar as despesas com tal subsídio. Se o Orçamento Geral do Estado (O.G.E.), se o Orçamento do Território de Macau (O.T.M.).

Abordemos a primeira das questões, começando por seleccionar as disposições normativas que mais se prendem com ela.



1.1. O artigo 292º da Constituição da República estabelece no seu nº 1:

"O território de Macau, enquanto se mantiver sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situação especial, cuja aprovação compete à Assembleia da República, cabendo ao Presidente da República praticar os actos neste previstos."

E o nº 2 do preceito acrescenta:

"O estatuto do Território de Macau, constante da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, continua em vigor, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 53/79, de 14 de Setembro, pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio e pela Lei nº 23-A/96, de 19 de Julho."



1.2. O Estatuto Orgânico de Macau (E.O.M.) criado através da referida Lei nº 1/76, prevê no seu artigo 4º como órgãos de governo próprio do território de Macau, o Governador e a Assembleia Legislativa, funcionando ainda, junto do primeiro, o Conselho Consultivo.

A seu turno, o artigo 6º do diploma determina que a função executiva será exercida pelo Governador, coadjuvado por Secretários-Adjuntos. Quanto a estes, estabelece o artigo 17º:

"1 - Os Secretários-Adjuntos, cujo número não será superior a sete, são nomeados e exonerados pelo Presidente da República, mediante proposta do Governador, cabendo a este conferir-lhes posse.

2 - Os Secretários-Adjuntos têm categoria correspondente à de secretário de Estado do Governo da República.

3 - Cessando o Governador as suas funções, os Secretários-Adjuntos manter-se-ão no exercício dos seus cargos até serem substituídos.

4 - Aos Secretários-Adjuntos competirá o exercício das funções executivas que neles forem delegadas pelo Governador, por meio de portaria ou em diploma orgânico previsto no nº 3 do artigo 13º" (2).



1.3. A Lei nº 4/85, de 9 de Abril, relativa ao estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, prevê no seu artigo 1º:

"1 - O presente diploma regula o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos.

2 - São titulares de cargos políticos, para efeitos do presente diploma:

a) O Presidente da República;

b) Os membros do Governo;

c) Os deputados à Assembleia da República;

d) Os ministros da República para as regiões autónomas;

e) Os membros do Conselho de Estado;

f) Governador e secretários adjuntos de Macau." (3)

E, de acordo com o artigo 31º do diploma,


"1 - Aos titulares de cargos políticos em regime de exclusividade que não tiverem completado 12 anos de exercício das funções referidas no nº 1 do artigo 24º é atribuído um subsídio de reintegração, durante tantos meses quanto os semestres em que tiverem exercido esses cargos, de montante igual ao vencimento mensal do cargo à data da cessação de funções.

2- O subsídio de reintegração previsto no nº 1 só é processável a partir de 90 dias a contar da data da cessação de funções, e deixará de ser devido se entretanto o respectivo titular reassumir a função ou o cargo que tiver estado na base do correspondente direito, ou for designado para qualquer dos cargos referidos nos nºs 2 e 3 do artigo 26º.


3 - O beneficiários do subsídio de reintegração que reassumam a função ou o cargo que tiver estado na base do correspondente direito, ou que forem designados para qualquer dos cargos referidos nos nºs. 2 e 3 do artigo 26º, antes de decorrido o dobro do período de reintegração, devolverão metade do subsídio que tiverem recebido entre a cessação das anteriores e o início das novas funções, à razão de um quarto do montante mensal deste subsídio por cada mês, a contar do início das novas funções.

4 - Os beneficiários do subsídio de reintegração que assumam ou reassumam funções, e em razão disso venham a adquirir direito à subvenção mensal vitalícia prevista nos artigos 24º e 25º, restituirão ao Estado o que tiverem recebido a título de subsídio de reintegração, por desconto mensal naquela subvenção não superior a um quarto do respectivo montante.

5 - O subsídio de reintegração previsto no nº 1 não pode ser atribuído mais de uma vez ao respectivo titular relativamente ao mesmo período de tempo de mandato" (4).

A Lei nº 26/95, de 18 de Agosto, que acrescentou à enumeração dos titulares de cargos políticos o Governador e os Secretários-Adjuntos de Macau, contém uma disposição transitória, o seu artigo 3º, que dispõe do seguinte modo:

"1 - A presente lei entra em vigor na data da verificação de poderes dos Deputados à Assembleia da República eleitos no primeiro acto eleitoral que tiver lugar após a sua publicação.

2 - Os titulares de cargos políticos no momento da entrada em vigor da presente lei que, no termo dos respectivos mandatos ou funções, preencham o período de tempo previsto na Lei nº 4/85, de 9 de Abril, terão direito a requerer as subvenções consignadas no anterior regime.

3 - O direito consignado no número anterior é efectivável, a qualquer momento, a requerimento do interessado , a partir da cessação de funções, não se aplicando, neste caso, o limite de idade previsto no novo regime.

4 - Os titulares de cargos políticos que prossigam no exercício de funções e que, no momento da entrada em vigor da presente lei, preencham os requisitos para requerer as subvenções previstas na Lei nº 4/85, de 9 de Abril, manterão o direito a auferi-las, nos termos previstos na legislação que as criou, sendo tal direito efectivável, a seu requerimento, a qualquer momento, após a cessação de funções, independentemente do limite de idade previsto no novo regime.

5 - Para efeitos dos números anteriores, relativamente aos titulares de órgãos políticos aos quais se aplique, por remissão, na Lei nº 4/85, de 9 de Abril, será considerada a data da tomada de posse ou a da verificação de poderes dos respectivos órgãos electivos posterior à publicação da presente lei".




1.4. Após se terem passado em revista as precedentes disposições, interessará referir que os trabalhos preparatórios da Lei nº 26/95 não nos fornecem elementos que pudessem dar uma indicação para o sentido da resposta à questão que nos ocupa. Anota-se, não obstante, que o Partido Comunista Português (PCP) entendeu dever propor a revogação pura e simples do título II, da Lei nº 4/85, "sendo, em conformidade, revogados, do estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, as subvenções vitalícias e o subsídio de reintegração." A justificação apresentada abre com a afirmação de que "O PCP manifesta-se sempre com clareza contra a situação de privilégio atribuída aos políticos com a concessão de uma reforma ao fim de oito anos de exercício de mandato ou, em alternativa, de um subsídio de reintegração com o valor de um salário mensal por cada seis meses de exercício do cargo." (5)

Igual posição assumiu neste ponto o deputado independente Mário Tomé (6).

Também o Partido do Centro Democrático e Social (C.D.S.) se manifestou contra o subsídio de reintegração propondo a revogação do artigo 31º da Lei nº 4/85. A tal propósito, refere-se que "O prejuízo cuja reparação é suposto ser compensado por esta via não existe na vida real, até porque as habilitações que deverá possuir quem exerce ou exerceu um cargo político de responsabilidade permitem, por princípio, uma fácil reintegração no mercado de emprego.

Além disso, um subsídio de reintegração só faria sentido se em Portugal existisse, como sucede noutros países democráticos, a regra de que um ministro que deixa de o ser não pode trabalhar, durante um certo prazo, no sector da iniciativa privada correspondente à área que tutelou." (7)

A "Comissão Eventual para Estudar as Matérias Relativas às Questões de Ética e de Transparência das Instituições e dos Titulares de Cargos Políticos" apresentou o Projecto de Lei nº 571/VI, propondo uma redacção para o artigo 1º da Lei nº 4/85, que seria acolhida na Lei nº 26/95. Mas o Partido Social Democrata (PSD) entendeu dever propor a alteração da alínea f) do dito artigo 1º, de tal modo que em vez de aí figurarem o Governador e os Secretários-Adjuntos do Governo de Macau, passariam a figurar os "Membros dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas."

A proposta de substituição do articulado do texto da Comissão, apresentado pelo PCP, foi rejeitada com votos contra do PSD, PS, e do Deputado independente Manuel Sérgio. Votaram a favor o PCP e o Deputado independente Mário Tomé tendo-se abstido o CDS/PP.

A proposta de alteração relativa à alínea f) do nº 2 do artigo 1º da Lei, apresentada pelo P.S.D., também foi rejeitada, com os votos contra P.S.D., do PCP e do Deputado Independente Mário Tomé, e os votos a favor do PS, do CDS-PP, de 8 Deputados do PSD eleitos pelas Regiões Autónomas e do Deputado independente Manuel Sérgio.

Assim, o texto da Comissão viria a ser aprovado com os votos a favor do PSD, do PS, do Deputado independente Manuel Sérgio e os votos contra do PCP e do Deputado independente Mário Tomé, abstendo-se o CDS-PP (8).



1.5. Algo mais profícuo se nos apresenta o recurso aos trabalhos de cerca de dez anos antes, preparatórios da Lei nº 4/85, de 9 de Abril. A tais trabalhos preparatórios se reportou o Conselho Consultivo em vários pareceres, e especialmente a propósito do subsídio de reintegração (9).

Foi oportunamente assinalado (10) que, de acordo com o nº 2 do artigo 120º da Constituição da República, "a lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades" (11), cabendo à Assembleia da República, por reserva absoluta de competência, legislar sobre o estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, nos termos do disposto na alínea l) do artigo 167º do diploma fundamental (12).

O debate parlamentar que precedeu a feitura da Lei nº 4/85 foi orientado no sentido do enaltecimento da oportunidade, justeza e âmbito das iniciativas concretizadas na Proposta de Lei nº 88/III e do Projecto de Lei nº 400/III do C.D.S. Salientou-se que o estatuto remuneratório em questão, bem como as outras medidas previstas, visavam antes do mais dignificar a função, criando-se as condições para que uma opção pela carreira política ocorra sem miserabilismos. Assim, as garantias sociais instituídas são apresentadas como justa compensação pelos prejuízos sofridos nas ocupações profissionais normais dos que se prontificaram a servir o país da forma em apreço.

Extracta-se o seguinte passo da exposição de motivos da Proposta de Lei nº 88/III (13):

"A experiência do novo regime político-constitucional demonstrou já que o exercício de cargos políticos não pode, sem desprestígio, ser concebido como um part-time semi-remunerado, e como tal conciliável com o exercício da profissão normal dos que a isso se dedicam. A interrupção de uma carreira profissional exigida pela dedicação a tempo inteiro ao desempenho de um cargo político não é concebível em termos de penalização do agente. E para que a colectividade possa exigir do agente - como deve - dedicação, serenidade e empenhamento total, tem de remunerá-lo em consonância com a responsabilidade, a dignidade e a seriedade do seu cargo."

Reproduz-se, ainda do intróito do Projecto de Lei do C.D.S. nº 400/III (14):

"A concepção subjacente a esta proposta não é, pois, a de funcionalização e burocratização dos deputados, mas a sua valorização como agentes políticos essenciais ao processo democrático, facultando-lhes os meios indispensáveis de trabalho e garantindo a dignidade indispensável ao exercício da sua função de representação do povo.

Finalmente, o projecto consagra o conjunto de normas inovadoras que visam moralizar a actuação dos titulares de cargos políticos, tornando o seu exercício mais transparente e menos susceptível de aproveitamentos indevidos e contribuindo deste modo para a sua dignificação."

2. A Lei nº 4/85, referente às remunerações dos titulares de cargos políticos, contém no seu Título I a disciplina referente às remunerações propriamente ditas, que incluem um vencimento mensal, abonos para despesas de representação, ajudas de custo, e outros abonos complementares ou extraordinários que tal lei prevê. No título II do diploma contemplam-se as "subvenções dos titulares dos cargos políticos" de que se destacam duas espécies: a subvenção mensal vitalícia (Capítulo I), e o subsídio de reintegração (Capítulo II).



2.1. As personalidades mencionadas no elenco do artigo 1º do diploma, com excepção dos juízes do Tribunal Constitucional que sejam também magistrados de carreira, adquirem, face ao artigo 24º da Lei nº 4/85, o direito a receber uma subvenção mensal, por toda a vida, desde que se verifiquem, em princípio (15), preenchidas duas condições:

- o exercício do cargo ou o desempenho das funções durante pelo menos 12 anos, consecutivos ou interpolados (16);

- ter ocorrido tal exercício ou desempenho depois de 25 de Abril de 1974 (17).

Tal subvenção mensal é dupla no caso de o beneficiário ultrapassar os 60 anos de idade ou se encontrar incapacitado (cfr. nº 2 do artigo 25º), e suspende-se imediatamente, no caso de reassunção das funções ou do cargo que esteve na base da sua atribuição, ou de uma de outras funções que o artigo 26º elenca. Os artigos 27º, 28º, 29º e 30º do diploma referem-se, respectivamente, à acumulação da subvenção com pensões de aposentação ou reforma, à transmissão hereditária do direito à subvenção paga em casos de incapacidade temporária durante o exercício da funções, e à aquisição do direito a uma subvenção por morte, do titular de cargo político que não pudesse beneficiar de subvenção mensal vitalícia.



2.2. O subsídio de reintegração previsto no artigo 31º do diploma participa juntamente com a subvenção vitalícia do nº 1 do artigo 24º, da natureza comum de medida de segurança social, surgindo em relação à subvenção com um carácter claramente subsidiário.

Na verdade, o subsídio de reintegração é devido a quem, tendo sido titular dos mesmos cargos políticos que são pressuposto da concessão da subvenção, e desempenhado-os em regime de exclusividade (18), não tenha porém atingido os 12 anos de exercício.

Os titulares dos cargos políticos previstos no artigo 1º, da Lei nº 4/85, têm assim direito ao subsídio de reintegração, com dois requisitos:

- terem exercido o cargo em regime de exclusividade por mais de um semestre;

- ter ocorrido esse exercício depois de 25 de Abril de 1974.

Na verdade, o artigo 31º da Lei nº 4/85 reporta-se a quem não tiver "completado 12 anos do exercício das funções referidas no nº 1 do artigo 24º". Ora, as funções previstas neste último preceito são, por um lado, as inerentes aos cargos mencionados no artigo 1º, e, por outro, as exercidas depois de 25.4.74.

Os nºs. 2, 3, 4 e 5 do artigo 31º em foco contemplam, como se viu, o termo inicial do processamento do subsídio, as situações em que deixa de ser devido, em que tem que ser devolvido ou restituído ao Estado, e as limitações à reiteração do respectivo pagamento (19).



2.3. As "Regras para execução da Lei nº 4/85, de 9 de Abril" aprovadas por despacho de 31 de Outubro de 1985, do então Secretário de Estado do Orçamento, foram circuladas pelos serviços, através da "Nota nº 175/85", da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, constando de tais regras a seguinte referência ao subsídio de reintegração:

"SUBSÍDIO DE REINTEGRAÇÃO - Este subsídio, previsto no artigo 31º da Lei nº 4/85, tem característica indemnizatória e deve ser pago pelo Serviço que vinha satisfazendo o vencimento do cargo político e pela mesma dotação orçamental. Apenas é de conceder aos cargos políticos mencionados no nº 1 do artigo 24º da Lei de que se trata e é independente do mês de vencimento a que se refere o artigo 6º do Decreto-Lei nº 283/72, de 11/8, ou de quaisquer abonos auferidos pelo exercício de funções que não sejam os mencionados no nº 2 do artigo 26º da Lei nº 4/85."

A função compensatória dos prejuízos que se presume terem sido sofridos pelo "titular, por força do seu afastamento da actividade profissional normal, própria, é atribuída ao subsídio de reintegração, em vários pareceres deste Conselho Consultivo, o que pode exemplificar-se com as três primeiras conclusões dos Pareceres nº 61/86 e 69/86, já referidos:

"1ª - O subsídio de reintegração previsto no artigo 31º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, constitui uma das medidas estabelecidas nesse diploma com vista a assegurar o desempenho responsável, digno e independente das funções dos titulares de cargos políticos nele referidos;

"2ª - Concretamente, o subsídio em causa pretende assegurar condições de dignidade mínimas aos ex-titulares daqueles cargos após cessarem funções e durante um lapso de tempo que se tem por razoável;

"3ª - Por consequência, o subsídio de reintegração assume-se como medida de segurança social, visando atenuar os efeitos do afastamento que a carreira política impôs à profissão mediante um figurino compensatório; " (20).

3. Aproximemo-nos agora de perto da questão primeiramente colocada.

A Lei nº 26/95 acrescentou ao elenco dos titulares de cargos políticos, previsto no artigo 1º da Lei nº 4/85, para além do Governador, os Secretários-Adjuntos do Governo de Macau. Antes da entrada em vigor da Lei nº 26/95 (21), o facto de estas entidades deixarem de exercer os seus cargos não tinha qualquer efeito jurídico face à Lei 4/85. Era assim um facto juridicamente irrelevante para os efeitos deste diploma.

Ora, sendo pacífico que o exercício de funções produz os efeitos do artigo 31º da Lei nº 4/85, caso a sua cessação tenha tido lugar depois da Lei nº 26/95 ter entrado em vigor, importa apurar se merecem o mesmo tratamento jurídico as situações de cessação ocorridas antes de tal data.

No entanto, como o artigo 31º da Lei nº 26/95 confere o benefício do subsídio de reintegração aos "titulares de cargos políticos", e como do elenco destes passaram a constar os Secretários-Adjuntos de Macau, não pode deixar de levantar-se a questão de se saber se a Assembleia da República detinha competência para legislar sobre matérias que respeitam ao estatuto remuneratório, em sentido amplo, dos governantes de Macau.

Sem desconhecermos que se trata, de algum modo, de questão prévia relativamente às outras duas inicialmente enunciadas, não é menos certo que, seja qual for a conformidade do artigo 31º, em referência à alínea f) do nº 2 do artigo 1º da Lei nº 4/85, com os comandos constitucionais, o mesmo preceito permanece eficaz, enquanto não for interposto recurso e proferida decisão negativa no Tribunal Constitucional sobre a questão, que se apresenta à partida como sendo de constitucionalidade (22).

Assim sendo, começaremos por ver se os Secretários-Adjuntos de Macau que cessaram funções antes da Lei nº 26/95 ter entrado em vigor em Macau beneficiam de subsídio de reintegração.



3.1.1. Este Conselho já teve oportunidade, no Parecer nº 104/87, de tomar posição sobre uma questão semelhante à ora posta. Suscitava-se aí o problema de saber se o subsídio de reintegração do artigo 31º, da Lei nº 4/85, era devido apenas a deputados que estivessem em funções a partir de 1 de Janeiro de 1985 (data que a dita lei estabeleceu, para a produção dos efeitos dos direitos nela consignados, no seu artigo 33º), ou se ao subsídio tinham também direito deputados que tivessem cessado funções antes daquela data (23).

O paralelismo das situações autoriza, a nosso ver, que se lance mão do ponto de partida da linha argumentativa perfilhada no Parecer nº 104/87. Porque na verdade, se ali estava em causa a atribuição do subsídio de reintegração a deputados que cessaram funções numa altura em que esse subsídio não existia, porque nenhuma lei o previa, trata-se também agora da atribuição do subsídio aos Secretários-Adjuntos de Macau, que terminaram o exercício das suas funções numa data em que, para eles, nenhuma lei previa a atribuição do dito subsídio.

Aquele ponto de partida, que continuamos a considerar correcto, é de que os princípios consagrados no artigo 12º do Código Civil (24) "têm sido preferencialmente pensados, discutidos, analisados e defendidos no quadro da teoria da aplicação das leis no tempo, que pressupõe a concorrência de duas ou mais leis que se propõem regular um facto ou uma relação jurídica, pois se trata de estabelecer critérios que permitam resolver a questão de saber qual delas deve aplicar-se e em que termos (x)" (25).

Assim, quando se fala em retroactividade ou não retroactividade, não podem deixar de estar em causa factos ou efeitos que antes da lei nova já tinham relevância jurídica "e não em simples aconteceres da vida real que se situam extra-muros da cidadela jurídica, por não haver lei que os previsse ou regulasse" (26).

Ora, não havendo para os Secretários-Adjuntos de Macau qualquer subsídio de reintegração antes da Lei nº 26/95, por não haver lei que lhos atribuísse, "não há que falar de factos ou efeitos jurídicos, em relações jurídicas, em estados jurídicos, etc., relativamente aos quais pudesse questionar-se a aplicação retroactiva da lei" (27). Nesta linha de pensamento, a questão da consulta é estranha à problemática da aplicação das leis no tempo e ao princípio da não retroactividade.

O que importa unicamente discutir é a questão de saber se a lei que passou a considerar os Secretários-Adjuntos de Macau titulares de cargos políticos dá ou não relevância, a factos ou situações, à data desprovidos de repercussão jurídica, e anteriores temporalmente à sua entrada em vigor. E assim, em vez de relevar o artigo 12º do Código Civil, tudo se reduz a uma questão geral de interpretação, cuja solução há-de derivar da aplicação dos critérios do artigo 9º do mesmo Código Civil.



3.1.2. Como se disse no Parecer nº 104/87, que neste ponto vimos a seguir, algumas vezes a lei que cria um direito dispõe expressamente que se quer ver aplicada a factos ocorridos antes dela entrar em vigor, "atribuindo-lhes, desse modo, como que uma relevância jurídica póstuma". Também pode acontecer que a lei declare inequivocamente que só quer aplicar-se a factos que eclodem após a sua entrada em vigor. Outras vezes, ainda, nada diz, cabendo então ao intérprete desenvolver um esforço exegético que o leve a convencer-se ou a desconvencer-se da sua aplicação a factos pretéritos.

No caso da consulta não está dito inequivocamente na lei que se excluem os factos anteriores à sua entrada em vigor. Também não está expressamente referido que a eles haja que atender.

Lancemos mão, pois, dos elementos da interpretação disponíveis, para que se revele aquilo que a lei quis exprimir. Em tal tarefa, vamos apelar aos critérios tradicionais de interpretação, gramatical, histórico, sistemático e lógico, que já Savigny discriminava no século passado, e que a ciência do direito continua a acolher (28).

Trata-se de critérios que, aliás, não deixam de estar presentes na formulação acolhida pelo artigo 9º do nosso Código Civil:

"1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo, sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."



3.1.3. O critério gramatical ou literal impõe ao intérprete que dê à lei o significado que têm na linguagem vulgar as palavras empregues, com atenção à globalidade do texto em que são usadas, e, se for o caso, o seu sentido técnico específico (29).

A letra da lei é, nos termos do artigo 9º do Código Civil, o ponto de partida e de chegada de todo o labor interpretativo. Embora não deva o intérprete cingir-se à letra da lei, é a partir dos textos que o pensamento legislativo há-de ser reconstituído. E é na letra da lei, que há-de ter um mínimo de correspondência verbal tal pensamento legislativo reconstituído pelo intérprete, ainda que imperfeitamente expresso.

A expressão literal da norma tem pois uma utilidade dupla: fornece um ponto de partida a que nos devemos agarrar na tarefa de determinação do sentido. Mas, por outro lado, a letra da lei fornece um círculo inultrapassável, o limite para além do qual a procura do conteúdo normativo da regra (Auslegung) já não é permitida (30).

O nº 1 do artigo 31º da Lei nº 4/85 diz-nos que é atribuído um subsídio de reintegração aos titulares dos cargos políticos "que não tiverem completado 12 anos de exercício das funções referidas no nº 1 do artigo 24º". Sabido que este artigo 24º confere o direito a uma subvenção mensal vitalícia, aos titulares dos cargos lá referidos, que os tenham exercido durante 12 ou mais anos, fica-se com a noção de que os elementos genéticos destas duas subvenções previstas no diploma têm a mesma natureza, nos dois preceitos. Um elemento pessoal corporizado na titularidade e exercício de certos cargos, em exclusividade, no caso do subsídio, e um elemento temporal que se cifra na duração da permanência naqueles cargos. Se a duração for igual ou superior a 12 anos, a subvenção é a prevista no artigo 24º. Se for menor, é a prevista no artigo 31º.

O elemento pessoal implica o exercício das funções inerentes ao cargo, e por isso é que o artigo 31º remete para as funções de que trata o artigo 24º. São as mesmas as funções que estão na base de ambas as subvenções e vêm delimitadas no artigo 24º. Ora, aí, surge claramente como só tendo relevância as funções exercidas após 25.4.74. O determinativo" das funções" em lugar de "de funções" aponta para a extensão da exigência do seu exercício, post 25 de Abril, aos casos de direito ao subsídio de reintegração. Como é bom de ver, seria completamente descabido atribuir a subvenção vitalícia só a quem exercer cargos depois de 25.4.74, e atribuir o subsídio a quem os exerceu mesmo antes de tal data.

Quanto à expressão "que não tiverem completado 12 anos de exercício das funções", ao contrário do que aconteceria, por exemplo, se se tivesse dito "que não venham a completar", ou até "que não completem" os 12 anos de serviço, ela comporta perfeitamente um entendimento, segundo o qual a data de cessação de funções pode ter ocorrido antes da entrada em vigor da Lei.

Dir-se-ia até que a expressão encontrada é a que melhor se coaduna com um pensamento segundo o qual se considera irrelevante o momento em que as funções em foco se "tiverem completado".



3.1.4. O elemento histórico de interpretação, referenciado no artigo 9º do Código Civil, através da expressão "tendo sobretudo em conta (...) as circunstâncias em que lei foi elaborada", é de reduzido valor no que toca aos trabalhos preparatórios da Lei nº 26/95. Como antes se viu (ponto 1.4.), à génese da lei em foco não foi estranha alguma controvérsia quanto à bondade da concessão de subvenções aos titulares dos cargos políticos. Fica-nos assim a ideia de que houve forças políticas presentes no Parlamento, para quem não deveriam existir as subvenções da Lei nº 4/85. Porém, é esta uma questão logicamente anterior e muito mais ampla do que a que ora nos prende.

Dos trabalhos preparatórios da própria Lei nº 4/85 (ponto 1.5.), é que já poderão sacar-se elementos úteis para a reconstituição da "vontade objectiva da lei" (31), como pode concluir-se do que também atrás se disse.

"A tónica foi sempre colocada nas compensações a que têm direito os titulares de cargos políticos e nas subvenções que alguns deles receberão quando, em determinadas circunstâncias, cessarem o exercício das funções; a propósito destas, no seu carácter social, na medida em que asseguram uma certa cobertura dos riscos inerentes à opção pela carreira política, designadamente os que decorrem de uma reintegração após vários anos de afastamento da profissão de origem (x)" (32).



3.1.5. A interpretação sistemática atenta na articulação das várias regras entre si, partindo do postulado da unidade e coerência do sistema jurídico. Essa "unidade do sistema jurídico" também referenciada no artigo 9º do Código Civil, exige um labor de combinação de várias disposições legais e, eventualmente, do recurso aos trabalhos preparatórios de outras leis. Por outro lado, tal postulado de unidade do sistema não pode deixar de repousar naquele outro da racionalidade da função legislativa, ou seja, de que o sistema normativo dela resultante se deve apresentar coerente nas suas finalidades e não redundante nas suas regulamentações. A tradução deste desiderato na nossa lei aflora no nº 3 do dito artigo 9º: o intérprete deve presumir "que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."

- Porque o alcance do artigo 31º da Lei nº 4/85 depende do sentido do artigo 24º da mesma lei, para que remete, parece-nos importante atentar, antes do mais, sobre a exigência de exercício de funções post-25 de Abril de 1974. Para além da manutenção no cargo por certo tempo, primitivamente oito anos, e agora doze, o direito à subvenção vitalícia é concedido aos titulares de cargos políticos "desde que tenham exercido os cargos ou desempenhado as respectivas funções, após 25 de Abril de 1974".

Os direitos conferidos pela Lei nº 4/85 produziam efeitos a partir de 1 de Janeiro de 1985, tanto quanto resultava do seu artigo 33º, na sua redacção primitiva.

A referência ao período post-25 de Abril afigura-se-nos justificada, pela exigência de que as subvenções previstas só possam beneficiar quem tenha servido o regime democrático, e isto independentemente de, porventura, o mesmo indivíduo ter ocupado cargos políticos antes de 25.4.74. Só releva portanto o tempo despendido após tal data no exercício do cargo.

Ora, se a Lei nº 4/85 só pretendesse dar relevância a factos ou situações ocorridos depois de 1.1.85, não precisava de fazer qualquer referência a 25.4.74, porque tais factos ou situações situar-se-iam necessariamente mais de dez anos depois de 25.4.74, e o tempo necessário para usufruir da subvenção era inicialmente de oito anos.

Fica no entanto a questão de saber se se quis dar relevância só a situações ou efeitos, que, vindos de antes de 1.1.85 se prolongassem para além dessa data, ou também àqueles que se tivessem exaurido já antes. A eleição, como única exigência, de o cargo ser exercido depois de 25.4.74, articula-se melhor com a não exclusão do benefício da subvenção e do subsídio, por parte de quantos tenham cessado as funções antes de 1.1.85.

- Na sua redacção original, a Lei nº 4/85 incluía, como se viu, um artigo 33º, epigrafado "Produção de efeitos", que retrotraía os ditos efeitos dos direitos consignados na lei, a 1 de Janeiro de 1985.

Note-se que o diploma foi publicado a 9.4.85 e entrou em vigor a 14.4.85.

Tal artigo 33º foi revogado pela Lei nº 16/87, de 1 de Junho. Ora, dos trabalhos preparatórios desta lei se vê que aquele artigo 33º foi considerado pernicioso porque "interpretado em algumas (decisivas) instâncias de maneira literal e restritiva - que não terá, aliás, estado na intenção do legislador -, suscitando desequilíbrios e injustiças relativas e até situações sociais chocantes (concretamente referidas à não aplicação dos artigos 28º e 29º, do estatuto remuneratório em referência, a certas situações de decesso, ou incapacidade, formalmente pelos mesmos abrangidas, mas ocorridas anteriormente à referida data de 1 de Janeiro de 1985)" (33).

Ora, como se ponderou no Parecer nº 104/87, "Sem embargo da dificuldade que sempre existe em descobrir relações de causalidade entre fenómenos que não deixam vestígios ou registos suficientemente expressivos (o que vale tanto para as ciências da natureza como para as da cultura), temos de admitir que há uma forte probabilidade de ter sido a observação crítica da Comissão que induziu o órgão legislativo a suprimir o texto do artigo 33º da Lei nº 4/85."

Estando em causa interpretações "literais" e "restritivas" do preceito que impediam o benefício da subvenção de sobrevivência, em casos de falecimento antes de 1.1.85, a apontada observação crítica reclama que se dê relevância a mortes que tenham tido lugar antes de tal data.

- Interessa ainda referir que o artigo 3º da Lei nº 26/95, assumido como disposição transitória, não se ocupou da questão em apreço. Para além de determinar no seu nº 1 a data da entrada em vigor do diploma, tratou nos números seguintes de situações configuráveis, essas sim, como de sucessão de leis no tempo. No caso de uma situação de titularidade de cargo político se ter iniciado antes da vigência da Lei nº 26/95, e se ter prolongado para além do início de tal vigência, o regime da Lei nº 4/85, na sua versão original, é que será aplicável, ao que cremos porque se apresenta menos exigente. (34)



3.1.6. O sentido normativo da lei como "meta da interpretação" (35) há-de valer-se sobretudo da sua finalidade reguladora específica, da função da norma em questão, é dizer, do objectivo social que ela preenche. Quando o artigo 9º do Código Civil manda atender ao pensamento legislativo, considerando "as condições específicas do tempo em que é aplicada" a lei, não está só a tentar tomar posição na querela historicismo-actualismo. A justificação social da norma é aí considerada como elemento de interpretação. (36)

Quanto à teleologia da norma do artigo 31º, deverá sublinhar-se que, atentas as finalidades prosseguidas com a outorga do subsídio de reintegração, não existe razão suficiente para que, exercidas as funções pelo titular de cargo político após 25.4.74, se conceda ou não o subsídio consoante a data da cessação de funções.

Não oferece dúvidas que o subsídio tem uma natureza compensatória e partilha da natureza de medida de segurança social.

Trata-se de um quantitativo que se propõe minorar os prejuízos, derivados da necessidade de se suspender uma certa actividade profissional, para servir o país na política, e ter de se recomeçar aquela ou outra actividade profissional. Ora, tais prejuízos deverão presumivelmente ser sentidos, tanto por quem, sendo no caso Secretário-Adjunto de Macau, cessou funções depois da Lei nº 26/95 entrar em vigor, como por quem as tenha cessado antes.

Sem prejuízo do que adiante se referirá em sede de interpretação "conforme à Constituição", e a propósito do princípio constitucional da igualdade, poder-se-á dizer que um princípio de tratamento igual do que é igual, surge já no plano dos simples critérios interpretativos teleológico-objectivos.

Larenz defende, a este nível, que a "apreciação valorativa distinta de pressupostos de factos análogos surge como uma contradição de valoração, que não é possível compaginar com a ideia de justiça no sentido de "medida igual". Evitar tais contradições de valoração é por isso uma exigência tanto para o legislador como para o intérprete. Para este significa que tem que interpretar as normas jurídicas nos limites do seu sentido literal possível e da conexão de significado, de modo que se evitem, dentro do possível, as contradições de valoração" (37).

Para aquele autor, a preocupação do intérprete tratar igualmente o que é igual insere-se logo no momento teleológico da interpretação. A finalidade específica de certa norma tem de coadunar-se, dentro do possível, com os fins objectivos do Direito.



3.2. Se um princípio ético-jurídico foi elevado a princípio constitucional recebe por isso uma força acrescida como critério orientador da tarefa interpretativa. A ponto de, caso haja várias interpretações possíveis atendendo aos outros critérios, dever obter sempre preferência aquela que melhor se coadunar com os princípios constitucionais (38).

O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 448/93, de 15 de Julho de 1993 (39), debruçando-se sobre a atribuição do subsídio de reintegração a titular de cargo político que exercera funções, antes da data de produção de efeitos dos direitos consignados na Lei nº 4/85, invocou a tal propósito o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição da República (40). Aí se afirmou, entre o mais, que "existe, sem dúvida, violação do princípio da igualdade enquanto proibição de arbítrio, quando os limites externos da discricionariedade legislativa são afrontados por ausência de adequado suporte material para a medida legislativa adoptada". E, mais adiante: "pode dizer-se que a caracterização de uma medida legislativa como inconstitucional, por ofensiva do princípio da igualdade, dependerá, em última análise, de ausência de fundamento material suficiente, isto é, de falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico.

Ora, submetendo a situação normativa em presença a uma avaliação de legitimidade constitucional orientada com base naquele quadro conceitual, resulta manifesto que uma interpretação que conduza, para efeitos de atribuição do subsídio de reintegração, a um tratamento diferenciado do tempo de exercício de funções, consoante a data da sua cessação, seja anterior ou posterior a 1 de Janeiro de 1985, gera violação daquele princípio".

A transposição para a problemática do presente parecer da doutrina invocada leva a que, a interpretação do artigo 31º, da Lei nº 4/85, que melhor se compagina com o comando do artigo 13º, nº 1 da Constituição, seja no sentido de não se atribuir relevo à data da cessação de funções dos Secretários-Adjuntos de Macau.

Precisemos melhor o fundamento da invocação, aqui, do princípio constitucional da igualdade.

De acordo com o nº 1 do artigo 13º da Constituição da República, "Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei."

Como referem dois autores (41), o princípio da igualdade tem ínsita, fundamentalmente, uma ideia de "igual posição em matéria de direitos e deveres", que se traduz na proibição de prejuízo ou detrimento na privação de direitos. Uma dimensão essencial do princípio da igualdade é a proibição de arbítrio. Tal proibição dirige-se a qualquer órgão, que legislasse consagrando diferenças de tratamento sem uma justificação razoável, pautada por critérios de valor objectivos e com relevância constitucional. Situações de facto iguais reclamam tratamento igual, tudo dependendo pois, no caso em apreço, de se considerar ou não igual, a situação de facto dos Secretários-Adjuntos de Macau, conforme tivessem cessado funções antes ou depois da entrada em vigor da Lei nº 26/95.

A nosso ver, o posicionamento temporal desse exercício de funções não constitui, numa perspectiva substancial, elemento discrepante com força suficiente para justificar uma desigualdade de tratamento.

O acervo dos elementos interpretativos carreados, a que ora acrescentamos a necessidade de acolher o entendimento mais consentâneo com o imperativo constitucional de igual tratamento, aponta, a nosso ver, para a irrelevância da data de cessação de funções como Secretário-Adjunto de Macau, como pressuposto da concessão do subsídio de reintegração.


III

A segunda questão colocada na consulta é, recorde-se, a de saber se o pagamento do subsídio de reintegração compete ao Orçamento Geral da República ou ao Orçamento do Território de Macau.

Comecemos por analisar as disposições básicas relativas ao regime jurídico do território de Macau.



1.1. Ao contrário do que ocorria antes da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/89, o texto actual da Constituição não contém, no seu artigo 5º epigrafado "território", qualquer referência a Macau (42). É nos nºs 1 e 2 do artigo 292º que se concentra o essencial da referência constitucional ao estatuto de Macau, nos termos seguintes:


"1 - O território de Macau, enquanto se mantiver sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situação especial, cuja aprovação compete à Assembleia da República cabendo ao Presidente da República praticar os actos neste previstos.

2 - O estatuto do território de Macau, constante da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, continua em vigor, com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº 53/79, de 14 de Setembro pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio, e pela Lei nº 23-A/96, de 29 de Julho.

3 ........................

4 .........................

5 ........................"



1.2. O Estatuto Orgânico de Macau (E.O.M.) consta da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, em cujo artigo 2º se estabelece:

"O território de Macau constitui uma pessoa colectiva de direito público e goza, com ressalva dos princípios e no respeito dos direitos, liberdades e garantias estabelecidas na Constituição da República e no presente Estatuto, de autonomia administrativa, económica, financeira, legislativa e judiciária."

O artigo 4º prevê:

"São órgãos do Governo próprio do território de Macau o Governador e a Assembleia Legislativa, funcionando ainda junto do primeiro o Conselho Consultivo."

A seu turno, diz-nos o artigo 6º:

"A função executiva será exercida pelo Governador, coadjuvado por Secretários-Adjuntos."

E nos termos do artigo 8º:

"O Governador tem categoria correspondente à de ministro do Governo da República" (43).

Quanto aos Secretários-Adjuntos, diz-nos, correspondente-mente, o nº 2 do artigo 17º:

"Os Secretários-Adjuntos têm categoria correspondente à de Secretário de Estado do Governo da República" (44).

Em matéria de administração financeira do território destaca-se o artigo 54º (45) cujo texto é o seguinte:

"O território de Macau tem activo e passivo próprios e responde pelas dívidas e obrigações resultantes dos seus actos e contratos, nos termos da lei, competindo ao Governador a disposição dos seus bens e receitas."

Ao orçamento privativo de Macau se referem os artigos 56º e 57º que passamos a transcrever:

"Artigo 56º

1. A administração financeira do território está subordinada a orçamento privativo, elaborado segundo plano legalmente estabelecido.

2. O orçamento é unitário, compreendendo a totalidade das receitas e despesas, com inclusão das dos fundos e serviços autónomos, de que serão publicados à parte desenvolvimentos especiais, conforme o estabelecido por lei.

3. O orçamento deve prever as receitas necessárias para cobrir as despesas."

"Artigo 57º

1. O orçamento será anualmente organizado e mandado executar pelo Governador, nos termos da lei.

2. Quando, por quaisquer circunstâncias, o orçamento não possa entrar em execução no início do ano económico, a cobrança das receitas estabelecidas por tempo indeterminado ou por período que abranja a nova gerência prosseguirá nos termos das leis preexistentes e, quanto às despesas ordinárias, continuarão provisoriamente em vigor, por duodécimo, o orçamento do ano anterior e os créditos sancionados durante ele para ocorrer a novos encargos permanentes."

E quanto à repartição de encargos entre a República e o território de Macau prescreve o artigo 60º:

"1. Constituem encargos da República em relação ao território de Macau:

a) As despesas com estabelecimentos, serviços e explorações no território de Macau, integradas em organizações hierárquicas da República e com concessões no território por esta garantidas;

b) Os subsídios totais ou parciais a empresas de navegação marítima ou aérea e outras que explorem meios de comunicação entre outros territórios da República e o território de Macau;

c) O complemento das despesas com as forças de segurança do território;

d) A dotação do Padroado do Oriente e os subsídios às corporações missionárias católicas reconhecidas e aos estabelecimentos de formação e repouso do seu pessoal.

2. Constituem, designadamente, encargos do território de Macau:

a) Os juros, anuidades de empréstimos e encargos que tiver assumido por contrato ou resultarem da lei;

b) As dotações dos seus serviços, incluindo as despesas de transporte de pessoal, material e outras inerentes ao seu funcionamento;

c) As despesas com o fomento do respectivo território, incluindo os encargos legais ou contratuais de concessões ou obras para o mesmo fim;

d) As pensões do pessoal das classes inactivas, na proporção do tempo durante o qual houver servido no território de Macau;

e) As despesas com o fabrico da sua moeda e de valores selados;

f) Os subsídios concedidos pelo Governo de Macau a empresas ou outros organismos que mantenham, regularmente, serviços de interesse público para este território.

3. Não podem realizar-se despesas que não tenham sido inscritas no orçamento, nem contrair-se encargos ou efectuar-se despesas que excedam as dotações orçamentais.

4. As verbas autorizadas para certas despesas não podem ter aplicação diversa da que estiver indicada no orçamento ou no diploma que abrir o crédito."



2.1. Se bem pensamos, as dúvidas relativas a qual dos orçamentos, se o da República ou o do território de Macau, devem suportar o subsídio de reintegração em foco, poderão resultar das correspondências feitas no artigo 8º e no nº 2 do artigo 17º do E.O.M., e bem assim do alargamento do rol dos titulares dos cargos políticos que a Lei nº 26/95 operou.

Quanto ao sentido daquela correspondência já o Parecer nº 4/91 deste Conselho se debruçou demoradamente (46).

Aí se referiu que as normas do artigo 8º e do nº 2 do artigo 17º, do E.O.M., atribuem "a categoria" correspondente à de certos membros do Governo da República apresentando-se como normas remissivas para regimes jurídicos aplicáveis aos membros do Governo da República que mencionam. Acrescenta-se a seguir:

"As normas remissivas em causa são no sentido de estabelecer alguma "equiparação" entre os cargos governativos de Macau e os do Governo da República nelas mencionadas.

O que resta saber é o sentido dessa equiparação, sendo certo que o regime jurídico aplicável aos membros do Governo da República provê sobre variadas matérias.

Não será despiciendo no processo interpretativo analisar a evolução dos artigos 8º e 17º, nº 2, do Estatuto Orgânico de Macau (infra, 3.2.1.) e aproximá-los de disposições com alguma conexão existentes nos regimes jurídicos do antigo ultramar (infra, 3.2.2.), e comparar os regimes remuneratórios (infra, 3.2.3.).

3.2.1. O texto originário do referido Estatuto consta da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro, de que não há trabalhos preparatórios conhecidos, tendo aí, no capítulo II relativo aos "órgãos de governo próprio" do território, o artigo 8º a seguinte redacção:

O governador tem, na hierarquia da função pública, categoria correspondente à de ministro do Governo da República.

E o artigo 16º, nº 2, esta outra:

2- Os secretários-adjuntos terão, na hierarquia da função pública, a categoria correspondente à de secretário de Estado do Governo da República.

"Estes textos conservaram-se intocados na alteração do Estatuto operada pela Lei nº 53/79, de 14 de Setembro, até que a alteração feita pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio, os veio modificar, consoante já se registou.

A alteração consistiu na eliminação da expressão "na hierarquia da função pública", que antes se lia, e na substituição da forma verbal, usando-se agora o presente "tem" em vez de "terão", que se lia no nº 2 do artigo 16º, passando, além disso, na ordenação do articulado o artigo 16º para o actual 17º.

Os trabalhos preparatórios que deram origem à Lei nº 13/90 são de nulo valor para captar o sentido da alteração, pois nenhuma referência se colhe (x)."

Na respectiva sequência, o parecer passou depois em revista disposições da antiga ordem jurídica respeitante ao ultramar português, relacionadas com a "categoria" dos governadores das ex-províncias, e tanto dos diplomas orgânicos gerais, como dos estatutos relativos às várias províncias, entre as quais Macau. Refere depois:

"3.2.3.2. - O Estatuto Orgânico de Macau, aprovado pela Lei nº 1/76 e o actual, aprovado pela Lei nº 13/90, não contêm normas relativas a vencimentos dos servidores do Estado.

Todavia, têm sido leis do território que têm regulado essa matéria, inclusive quanto ao respectivo governador.

Assim, por exemplo:

A Lei nº 23/78/M, de 23 de Dezembro, actualizando os vencimentos dos servidores do Estado referidos no artigo 150º, correspondentes às categorias do artigo 91º, ambos do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, veio a publicar uma nova tabela (de letras A a Z) com vencimentos referidos a patacas (artigo 1º, nº 1) e dispôs (nº 3) que "O vencimento do governador do território seria superior em 60% e o dos secretários-adjuntos em 20% ao da categoria correspondente à letra A da tabela nº 1 deste artigo" (x1).

A Lei nº 9/87/M (x2), de 10 de Agosto, intitulada "Estatuto remuneratório dos titulares dos órgãos de Governo próprio do território", veio a fixar o vencimento mensal do governador (artigo 1º), dos secretários-adjuntos e comandante das Forças de Segurança de Macau (artigo 2º) e a remuneração mensal dos deputados à Assembleia Legislativa (artigo 3º), revogando toda a legislação contrária (artigo 4º).

3.2.4. Da análise que vem sendo feita afigura-se resultar que, independentemente de qual seja a totalidade do sentido das normas do artigo 8º e do 2 do artigo 17º, do Estatuto Orgânico de Macau, enquanto atribuem "categoria correspondente" aos membros do Governo da República que referem, essas normas, de carácter remissivo, tendo, seguramente, significado de correspondência honorífica, não têm função de equiparação remuneratória.

A função de equiparação honorífica esteia-se na longa tradição do ordenamento ultramarino português, inclusive relativamente a Macau, como se conclui do percurso analítico atrás exposto.

A exclusão de uma equiparação remuneratória correlativa é também espelhada na evolução legislativa desde longa data, antes e depois das alterações constitucionais que a revolução de 25 de Abril de 1974 trouxe ao ordenamento jurídico português: desde uma concepção de funcionalização do cargo de governador, para esses efeitos ao menos, no regime do EFU, mediante vencimentos no topo do elenco categorial por letras do funcionalismo ultramarino, passando pela adopção mitigada do regime de letras na reforma territorial de vencimentos introduzidos pela Lei nº 23/78/M (x3) até ao sistema actual de fixação de montantes autónomos, manifestamente fora do sistema remuneratório dos cargos políticos estabelecidos pela Lei nº 4/85."(47)

Não vemos qualquer motivo para que este Conselho altere a posição que defendeu quanto ao ponto em causa. A correspondência a categorias de certos membros do Governo da República não se prende com as respectivas remunerações ou subvenções. E, se não abrange uma correspondência ao nível do estatuto remuneratório dos titulares dos cargos políticos, não interfere com a questão que nos ocupa.



2.2. Mas, ao incluir-se os Secretários-Adjuntos de Macau na lista dos titulares de cargos políticos, num diploma que versa exactamente o estatuto remuneratório destes, não será que o legislador pretendeu alterar os termos da questão?

O artigo 8º e o nº 2 do artigo 17º do E.O.M. não operam, como se viu, qualquer correspondência no âmbito das remunerações dos visados. Ora, quando através da Lei nº 26/95 se vieram a considerar os governantes de Macau titulares de cargos políticos, nem por isso a Lei nº 4/85 passou a conter quaisquer disposições que se referissem às remunerações dos Secretários-Adjuntos de Macau. Note-se que depois da revisão dada pela Lei nº 26/95, a Lei nº 4/85 continuou, apenas, a fazer referência à remuneração do Presidente da República, e a contemplar a forma de determinação das remunerações Presidente da Assembleia da República, dos membros do Governo, dos juízes do Tribunal Constitucional, dos deputados à Assembleia da República, dos Ministros da República para as regiões autónomas e dos membros do Conselho de Estado. Quanto aos governantes de Macau nem uma palavra. Aliás, para além do acrescento da lista dos titulares de cargos políticos, a Lei nº 26/95 só introduziu modificações no articulado do Título II, relativo à
s "Subvenções" deixando intocado o Título I que trata das "Remunerações".

Parece pois claro que o legislador quis manter o anterior estado de coisas no tocante à determinação das remunerações propriamente ditas dos governantes de Macau, determinação que passa à margem do sistema da Lei nº 4/85. Continuarão assim os cargos governativos de Macau a gozar de remunerações determinadas por normas específicas (48), tendo tido a referida Lei nº 4/85, por efeito, apenas a extensão aos governantes de Macau das subvenções que ela prevê no seu Título II.



2.3. O artigo 72º do E.O.M. determina que os diplomas legais emanados dos órgãos de soberania da República que sejam para aplicar no território de Macau devem conter a menção expressa de que devem ser publicados no Boletim Oficial de Macau. É o caso, naturalmente, da Lei nº 26/95. Mas as subvenções que o diploma prevê, e concretamente o subsídio de reintegração que for devido aos Secretários-Adjuntos de Macau, haverão de ser previstos no orçamento do território (49), por se tratar de despesas que não constituem encargos da República em relação ao território de Macau (vide II ponto 1.2.).

Sendo certo que, as dotações dos serviços do território de Macau constituem encargos de tal território, de acordo com a al. b) do nº 2 do artigo 60º do E.O.M..

Por outro lado, assim procedendo, actuar-se-á em consonância com as "Regras para execução da Lei nº 4/85 de 9 de Abril", nos termos das quais, já se viu, "o subsídio de reintegração (...) deve ser pago pelo Serviço que vinha satisfazendo o vencimento do cargo político e pela mesma dotação orçamental." (Ponto I 2.3.) (50).



IV

Como já deixámos apontado, o facto de se ter procurado dar resposta às questões formuladas na consulta não ilude o problema de saber se o artigo 31º da Lei nº 4/85, articulado com a alínea f) do artigo 1º da mesma lei não padecerá de invalidade.

Na verdade, esta última norma veio considerar titulares de cargos políticos, para além do Governador, os Secretários-Adjuntos de Macau, "para efeitos do presente diploma". Ou seja, para efeitos de estatuto remuneratório.

Já se viu que o completo silêncio da lei, quanto à determinação dos vencimentos dos Secretários-Adjuntos de Macau, leva a que o efeito útil da sua consideração como titulares de cargos políticos se limite a poderem beneficiar das subvenções que o diploma prevê: subvenção vitalícia, por incapacidade, por morte, e subsídio de reintegração. Ora, estando integradas as subvenções num diploma referente a estatutos remuneratórios, poder-se-á pôr o problema de saber se a outorga do subsídio a estes Secretários-Adjuntos não será só da competência da Assembleia Legislativa de Macau.



Macau constitui um território chinês sob administração portuguesa, que por isso se terá que reger por um ordenamento jurídico "sui generis".

Tal ordenamento é dualista quanto à proveniência das leis que interessam ao território: de um lado diplomas emanados de órgãos de soberania da República que se devam aplicar em Macau, para além de disposições da própria Constituição da República (51) e, de outro, as normas oriundas dos órgãos sediados no Território, com competência legislativa, que são o Governador e a Assembleia Legislativa de Macau, por força do disposto nos artigos 13º, 30º e 31º do E.O.M.

Transcrevem-se os referidos preceitos do E.O.M., na redacção dada aos primeiros pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio, e ao último, pela Lei nº 23-A/96, de 29 de Julho:

"Artigo 13º

1- A competência legislativa do Governador é exercida por meio de decretos-leis e abrange todas as matérias que não estejam reservadas aos órgãos de soberania da República ou à Assembleia Legislativa, sem prejuízo do disposto no artigo 31º.

2 - Compete-lhe também legislar quando a Assembleia Legislativa haja concedido autorização legislativa ou tenha sido dissolvida.

Compete em exclusivo ao Governador desenvolver as leis de bases dos órgãos de soberania da República e aprovar os diplomas de estruturação e funcionamento do órgão executivo.

"Artigo 30º

1- Compete à Assembleia Legislativa:

a) - Vigiar pelo cumprimento no território das regras constitucionais e estatutárias e das leis, promovendo a apreciação pelo Tribunal Constitucional da inconstitucionalidade e ilegalidade de quaisquer normas dimanadas do Governador;

b) - Propor à Assembleia da República alterações ao presente Estatuto ou a sua substituição, ser ouvida sobre proposta com as mesmas finalidades da iniciativa do Governador e pronunciar-se sobre as alterações que a Assembleia da República introduza na sua proposta;

c) - Fazer leis sobre todas as matérias que não estejam reservadas aos órgãos de soberania da República ou ao Governador, sem prejuízo do disposto no artigo 31º;

d) - Conferir ao Governador autorizações legislativas;

e) - Apreciar, para efeitos de recusa de ratificação ou de alteração, nos termos do artigo 15º, os decretos-leis do Governador, salvo os promulgados no exercício da sua competência exclusiva;

................................................................................".





"Artigo 31º

1 - É da exclusiva competência da Assembleia Legislativa legislar sobre as seguintes matérias:

a) - Regime eleitoral para a Assembleia Legislativa, designadamente sobre os requisitos de elegibilidade, o recenseamento e a capacidade eleitoral, a definição dos interesses sociais representados pelo sufrágio indirecto, o processo de eleição e a data em que devem realizar-se as eleições;

b) - Estatuto dos Deputados.

2 - É da exclusiva competência da Assembleia Legislativa legislar sobre as matérias, salvo autorização ao Governador:

a) - Regime da prisão preventiva, das buscas domiciliárias, do sigilo das comunicações privadas, das penas relativamente indeterminadas e das medidas de segurança e respectivos pressupostos;

b) - Regime geral das concessões da competência do Governador;

c) - Elementos essenciais do regime tributário, estabelecendo a incidência e a taxa de cada imposto e fixando os termos em que podem ser concedidas isenções fiscais,

d) - Divisão administrativa do território;

e) - Bases gerais do regime jurídico da administração local, incluindo as finanças locais;

f) - Regime jurídico das relações entre órgãos da administração central do território e os da administração local e condições em que os órgãos desta última poderão ser dissolvidos pelo Governador;

g) - Bases do regime da administração pública do território;

h) - Criação de novas categorias ou designações funcionais, alteração das tabelas que definem aquelas categorias e fixação dos vencimentos, salários e outras formas de remuneração do pessoal dos quadros.

3 - É da competência concorrencional da Assembleia Legislativa e do Governador legislar sobre as seguintes matérias:

a) - Estado e capacidade das pessoas:

b) - Direitos, liberdades e garantias em tudo o que não contrarie o disposto na alínea a) do número anterior;

c) - Definição de crimes, penas e respectivos pressupostos, bem como processo penal, em tudo o que não contrarie o disposto na alínea a) do número anterior;

d) - Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como das contravenções e dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;

e) - Regime geral da requisição e da expropriação por utilidade pública;

f) - Regime geral do arrendamento;

g) - Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;

h) - Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração;

i) - Bases gerais do estatuto das empresas públicas;

j) - Bases do sistema judiciário de Macau;

l) - Sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património cultural;

m) - Sistema de segurança social e saúde;"

Acresce que, o artigo 40º do E.O.M. prevê, no seu nº 3, a hipótese de o Governador discordar da promulgação e publicação de leis da Assembleia Legislativa de Macau, com base em ofensa de regra constitucional ou estatutária, ou de norma dimanada de órgão de soberania da República que os órgãos de governo próprio do Território não possam contrariar, e o diploma for confirmado por maioria qualificada na Assembleia Legislativa. Nesse caso competirá ao Tribunal Constitucional conhecer da inconstitucio-nalidade ou ilegalidade, impondo-se a decisão quer à Assembleia quer ao Governador.

Vê-se então que os diplomas legislativos que devam vigorar no território de Macau podem abranger matérias reservadas aos órgãos de soberania da República, assumindo então relevância fundamental a competência exclusiva da Assembleia da República, para legislar sobre matérias que também interessam ao território de Macau, e que não estejam exclusivamente reservadas aos órgãos com competência legislativa do referido território, nos termos do artigo 13º e 31º do E.O.M.

De outra banda, só o Governador ou a Assembleia Legislativa de Macau detêm competência, concorrente entre si nuns casos, exclusiva daquele ou desta, noutros casos, para legislar sobre certas matérias, como resulta do que se disse.

Finalmente, fora do âmbito das "reservas" da Assembleia da República ou dos órgãos legislativos próprios de Macau, haverá uma área secante, em que a competência para legislar, é, digamos, comum.

Saber então se enferma de qualquer invalidade a norma que considera os Secretários-Adjuntos de Macau, titulares de cargos políticos, para efeitos de auferimento das subvenções, nas quais se inclui o subsídio de reintegração, vai depender da definição do círculo de matérias reservadas à competência dos órgãos de Macau.

Porque a Lei nº 26/95, responsável pela nova redacção dada ao artigo 1º da Lei nº 4/85, é uma lei da Assembleia da República, o que se nos afigura decisivo é verificar se, ao proceder à modificação em foco, foi invadida ou não a área de competência exclusiva da Assembleia Legislativa ou do Governador de Macau.

Ora, passando em revista as várias competências atribuídas pelo E.O.M. aos órgãos com competência legislativa no Território, e tendo em conta a temática do parecer, surgem apenas, a nosso ver, duas normas que poderão ser abordadas com o escopo atrás referido. É o que se fará de seguida.



3. De acordo com o nº 1 e a alínea h) do nº 2 do artigo 31º do EOM, é da competência exclusiva da Assembleia Legislativa, salvo autorização ao Governador, legislar sobre a "Criação de novas categorias ou designações funcionais, alteração das tabelas que definem aquelas categorias, e fixação dos vencimentos, salários e outras formas de remuneração de pessoal dos quadros".

A possível aplicação desta norma ao objecto da nossa consulta implicaria, por um lado que os Secretários-Adjuntos de Macau pudessem ser tidos por "pessoal dos quadros", e, por outro, que se considerasse o subsídio de reintegração uma forma de remuneração, ao lado dos vencimentos e salários. Parece-nos claramente de rejeitar qualquer das hipóteses.

Na verdade, não são necessárias grandes considerações, para se concluir que a expressão "pessoal dos quadros" se quer reportar ao funcionalismo público em geral e não pode abarcar os titulares de cargos políticos ou os agentes políticos (52).

Os Secretários-Adjuntos de Macau foram considerados titulares de cargos políticos não apenas para os efeitos da Lei nº 4/85 (53), e, na verdade, pela natureza das funções que exercem, pelo tipo de nomeação a que estão sujeitos (54), por não possuírem carácter de profissionalidade, por não se integrarem em qualquer carreira do funcionalismo, estão sujeitos a um estatuto que os afasta, sem margem para dúvidas, do círculo de pessoas que poderiam integrar a noção de "pessoal dos quadros." (55)

Mas, se o que dito fica não bastasse, sempre se encontraria como obstáculo, o facto de o subsídio de reintegração não poder, razoavelmente, ser considerado "remuneração". Já se viu que a Lei nº 4/85 contém dois títulos, respeitando o primeiro às remunerações e o segundo às subvenções, em que se inclui o subsídio de reintegração. Este subsídio tem uma função indemnizatória, pretendendo atender às dificuldades que se presume tenham sido sentidas, pela integração numa actividade profissional interrompida ou que se inicie.

João Alfaia refere que as remunerações são os vencimentos em sentido lato que, em primeira linha, visam o desempenho do cargo ou a compensação de ónus ou despesas dele decorrentes. Explicitando melhor, aquele autor diz-nos que o escopo fundamental da remuneração é a retribuição do exercício de funções, tanto de um trabalho normal (vencimento em sentido estrito), como de trabalhos extraordinários, ou prestados em dia não útil. A remuneração pode ainda compensar despesas ocasionadas por aquele exercício de funções, compensar ónus ligados ao exercício de funções (subsídio de marcha ou abono para falhas), retribuir uma experiência profissional acrescida (diuturnidades), ou ser prémio de serviços mais relevantes (de produtividade por exemplo) (56). Fica-nos pois, sempre, o traço comum, da ligação ao exercício de funções, para as retribuir ou atender às despesas por elas ocasionadas, em regime de contemporaneidade.

4 - Nos termos da alínea m) do nº 3 do artigo 31º do E.O.M., é da competência concorrencial da Assembleia Legislativa de Macau, e do Governador, legislar sobre "Sistema de segurança social e saúde". Também aqui se nos afigura não existir qualquer invasão da reserva própria dos órgãos com competência legislativa no Território. Aceitou-se neste parecer que o subsídio de reintegração assuma uma natureza de medida de segurança social. É porém um benefício de carácter pontual, que se não substitui, antes pode acumular-se, com as medidas de segurança social propriamente ditas. Não foi então "o sistema" de segurança social que a Lei nº 4/85 contemplou. Aí se previram umas quantas medidas específicas, de que beneficia um círculo muito restrito de pessoas, os titulares de cargos políticos.

São medidas que, pelo tipo de função que preenchem, perfilham com o sistema de segurança social, em paralelo, uma natureza semelhante, mas não se confundem com ele.

A abordagem que acabamos de fazer, circunscrita à expressão literal das normas seleccionadas parece dispensar outras considerações.

Como cremos não haver qualquer violação de norma do E.O.M., que atribua competência exclusiva ao Governador ou à Assembleia Legislativa, para legislar sobre certas matérias, a Lei nº 26/95 foi elaborada no uso da competência própria da Assembleia da República. O artigo 31º da Lei nº 4/85, quando conjugado com a alínea f) do nº 2 do seu artigo 1º, não enferma pois, a nosso ver, de qualquer vício.

Sendo assim, também se mostra desnecessário à economia do parecer a caracterização do EOM como lei constitucional ou lei ordinária, com a consequente definição do vício aludido como inconstitucionalidade orgânica ou mera ilegalidade (57).


Conclusão:

V

Formulam-se pois as seguintes conclusões:

1ª - Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, alínea f), e 31º da Lei nº 4/85, 9 de Abril, os Secretários-Adjuntos do Governo de Macau que tenham exercido funções depois de 25 de Abril de 1974, como titulares de cargos políticos, gozam do direito a um subsídio de reintegração, independentemente da data em que tenham cessado as funções;

2ª - O encargo com o pagamento aos Secretários-Adjuntos de Macau, do subsídio de reintegração previsto no art. 31º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, deverá ser inscrito no orçamento do território de Macau.



___________________________________________

1) Cremos que a data a referir deverá ser a de 25 de Abril de 1974, havendo lapso na indicação do ano de 1975.

2) A redacção do preceito foi introduzida pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio. Corresponde ao artigo 16º da primeira versão do E.O.M., com a alteração do número de Secretários-Adjuntos que aqui tinha o limite de cinco e passou a ser de sete.

A Lei nº 1/76, que criou o E.O.M., sofreu ainda alterações pela Lei nº 53/79, de 14 de Setembro, em relação ao mandato dos Deputados à Assembleia Legislativa e aos vogais do Conselho Consultivo do Governo do Território, bem como pela Lei nº 23-A/96, de 29 de Julho, em matérias atinentes ao território de Macau propriamente dito, ao Governador, à Assembleia Legislativa e à administração da Justiça, alterações essas sem interesse, porém, para a economia do parecer.

3) Trata-se da redacção introduzida pela Lei nº 26/95, de 18 de Agosto.

Na sua versão original, o artigo 1º em questão só não continha a actual alínea f).

4) A redacção do nº 1 do preceito é da Lei nº 26/95, de 18 de Agosto.

A versão original era:

"Aos titulares de cargos políticos que não tiverem completado 8 anos de exercício das funções referidas no nº 1 do artigo 24º é atribuído um subsídio de reintegração, durante tantos meses quantos os semestres em que tiverem exercido esses cargos, de montante igual ao vencimento mensal do cargo à data da cessação de funções".

A redacção do nº 2 resulta da Lei nº 16/87, de 1 de Junho. Os nºs. 3, 4 e 5 do artigo 31º em foco foram introduzidos também por esta última lei.

No nº 1 do artigo é feita uma remissão para o nº 1 do artigo 24º do diploma. Este nº 1 tem um texto também resultante da Lei nº 26/95 e é do seguinte teor:

"1 - Os membros do Governo, os Ministros da República, o Governador e secretários adjuntos de Macau e os juízes do Tribunal Constitucional que não sejam magistrados de carreira têm direito a uma subvenção mensal vitalícia, desde que tenham exercido os cargos ou desempenhado as respectivas funções, após 25 de Abril de 1974, durante 12 ou mais anos, consecutivos ou interpolados".

Na versão inicial não se elencavam os Ministros da República nem o Governador e Secretários-Adjuntos de Macau. O prazo de 12 anos agora estipulado substituiu o prazo de 8 anos que antes figurava no preceito.

5) Cfr. Projecto de Lei nº 510/VI, in "Diário da Assembleia da República", II Série-A, nº 24, de 30 de Março de 1995, pág. 366.

6) Ibidem, nº 48, de 8 de Junho de 1995.

7) Ibidem, nº 4, de 4 de 28 de Outubro de 1992.

8) Ibidem, I Série, nº 85, de 8 de Junho de 1995, págs. 2758 e segs.

9) Cfr. Pareceres nºs. 37/86, de 20.11.86, homologado e publicado no Diário da República, II Série, nº 62, de 16.3.87, 61/86 e 69/86, ambos de 8.1.87, 29/87, de 29.7.87, homologado e publicado no Diário da República, II Série, nº 283, de 10.12.87, 104/87, de 11.2.88, 97/88, de 23.2.89, 97/90, de 22.10.90, 96/90, de 6.12.90, este último homologado a 20.12.90, 4/91, de 21.2.91, homologado e publicado no Diário da República, II Série, nº 104, de 7.5.91.

10) Cfr. Parecer nº 96/90, supra referido.

11) O preceito correspondente é hoje o nº 2 do artigo 117º da Constituição da República, cujo texto é: "A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades".

12) Corresponde-lhe presentemente a alínea m) do artigo 164º, que atribui à Assembleia a competência absoluta para legislar sobre "Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal;"

13) Cfr. Diário da Assembleia da República, II Série Suplemento ao nº 9, de 27.10.84.

14) Cfr. Diário da Assembleia da República, II Série, nº 21, de 28.11.84.

15) A lei prevê um período menor como suficiente para obtenção do subsídio, estando em causa os cargos de Primeiro-Ministro e Presidente da Assembleia da República (cfr. nºs 4, 5 e 6 do artigo 25º do diploma).

16) A Lei 4/85 previa antes, como se viu, 8 anos.(vide nota (4)).

17) Cfr. nota (3).

18) De notar que a aproximação entre os pressupostos da atribuição dos dois tipos de subvenção era ainda maior antes da Lei nº 26/95. Na verdade, a Lei nº 4/85 omitia, na versão original do artigo 31º, qualquer referência à exclusividade.

19) Cfr. ponto II, 1.3.

20) Sublinhado nosso.

21) À data de tal entrada em vigor se refere o nº 1 do seu artigo 3º fazendo-a coincidir com "a data da verificação de poderes dos Deputados à Assembleia da República eleitos no primeiro acto eleitoral que tiver lugar após a sua publicação". Entrou então em vigor em 27 de Outubro de 1995. Na verdade, a eleição dos deputados à Assembleia da República foi marcada para 1 de Outubro de 1995 pelo Decreto do Presidente da República nº 55/95 de 1 de Junho, (publicado no Diário da República, I Série-A, de 21 de Junho. A 24 de Outubro desse ano foi publicada a Relação dos deputados eleitos e o mapa oficial das eleições legislativas (Diário da República, I Série-A), e a 27 do mesmo mês tinha lugar a verificação de poderes dos deputados, conforme resulta do Diário da Assembleia da República, I Série, nº 1, de 28 de Outubro de 1995. Quanto à data da entrada em vigor no território de Macau, haverá que observar o disposto nos artigos 69º e 70º da Lei nº 1/76, de 17 de Fevereiro na redacção da Lei nº 23-A/96, de 26 de Julho
. Ou seja, a entrada em vigor no território coincidirá em princípio, com o quinto dia posterior à publicação do diploma no Boletim Oficial de Macau. No nº 3 daquele artigo 69º contemplam-se situações que não vêm ao caso, de declaração de aplicação imediata dos diplomas, e de outros casos de urgência.

22) Cfr. v.g. Jorge Miranda in "Manual de Direito Constitucional", Tomo II, Coimbra Editora, 1991, pág. 372 e segs., ou G. Canotilho e V. Moreira, in "Constituição da República Anotada", Coimbra Editora, 1993, págs. 995 e segs.

23) À questão foi dada uma resposta afirmativa, concluindo-se do modo seguinte:

"Têm direito ao subsídio de reintegração previsto no artigo 31º da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, com as alterações introduzidas pela Lei nº 16/87, de 1 de Junho, os deputados à Assembleia da República que não tiverem completado 8 anos de exercício das funções, independentemente da data em que estas cessaram".

24) Transcreve-se tal artigo 12º:

"1 - A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.

2 - Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se em caso de dúvida, que só visa os factos novos, mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor."

X) Neste sentido, vejam-se, entre outros: Enneccerus, Kipp e Wolff, Tratado de Derecho Civil, Tomo 1, 1º, Parte Geral, págs. 232 e segs. (trad.espanhola, Bosch, Barcelona); R. Ruggiero, Instituições de Direito Civil, 1, págs. 164 e segs. (trad. espanhola, Ed. Reus); Henrique Ruiz Vadillo, Derecho Civil, 15ª. Ed. págs. 99 e segs. (Ed. Ochoa, Logroño); Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, vol. 1, págs. 223 e segs. (Atlântida, Coimbra, 1959); e Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10ª Ed., págs. 137 e segs..

25) Do citado Parecer nº 104/87.

26) Ibidem.

27) Ibidem.

28) "L’interprétation du droit doit rechercer des solutions conformes à la loi, mais aussi justes, de sorte que les collisions d’intérêts soient tranchées de façon raisonnable. C’est pourquoi l’interprétation du droit, d’aprés sa nature et sa finalité, est une enterprise bien différente et beaucoup plus complexe que la construction d’un syllogisme judiciaire qui entendrait justifier en apparence un choix préetabli du décideur.

Les méthodes d’interprétation ne garantissent pas la justesse ou la certitude d’une solution juridique, mais elles nous offrent quand même un ensemble de critères et de maximes propres à être utilisées comme guide, en vue d’atteindre une argumentation adéquate".

Cfr. C. Stamatis in "Argumenter en droit. Une théorie critique de l’argumentation juridique", Publisud, 1995, pág. 186.

29) Cfr. J.Rodrigues Bastos in "Notas ao Código Civil", Lisboa, 1987, pág. 39.

30) Cfr. Stamatis, ibidem, pág. 188.

31) A intenção objectiva da lei parece ser o que o legislador do artigo 9º do Código Civil pretendeu significar, quando se refere à reconstituição do "pensamento legislativo", evitando a expressão do "pensamento do legislador".

Aflora aqui "a vexata quaestio", da interpretação actualista ou historicista da lei, o mesmo é dizer, da vontade subjectiva da lei, do legislador histórico, ou da vontade da lei ela mesma, objectivamente encarada.

O comando do dito artigo 9º exige que se não fique na reconstituição do pensamento do legislador histórico, sem embargo de este poder ser um, entre outros contributos, para se atingir a teleologia da norma, o que ela por si pretende.

Por isso é que Rodrigues Bastos afirma a este propósito:

"Certamente que sem a formulação material por parte de pessoas físicas a lei não chegaria a existir; porém a lei, uma vez criada, existe em si e por si, não podendo, em cada uma das suas aplicações volver-se ao pensamento do legislador, entendido como pessoa física, tanto mais que, na prática, o conteúdo da norma, fruto das discussões parlamentares ou de comissões legislativas, é o resultado da cooperação de várias pessoas que podem ter diversas opiniões." (In obra citada na nota (28), pág. 38).

X) Diário da Assembleia da República, I Série, nº 26, de 10 de Dezembro de 1984, especialmente, pág. 968. Com interesse, quando ao assunto, pode ver-se ainda o Diário da Assembleia da República, I Série, nº 25, de 7 de Dezembro 1984, págs. 919 e 943.

Os sublinhados são nossos.

32) Do Parecer nº 104/87.

33) Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, sobre o Projecto de Lei nº 336/IV, apresentado pelo PSD. Cfr. Diário da Assembleia da República, I Série, nº 36, de 21.1.87, pág. 1431.

34) Cfr. Ponto 1.3.

35) A expressão é de Larenz (Cfr. "Metodologia de la Ciencia del Derecho", Barcelona, Ariel, 1994, pág. 312, tradução da 4ª edição alemã. A tradução portuguesa foi publicada pela Fundação Calouste Gulbenkian).

36) Cfr. José de Oliveira Ascenção in "O Direito, Introdução e Teoria Geral".

37) Cfr. obra citada na nota (35), pág. 333.

38) Idem, pág. 338.

39) Publicado no Diário da República, II Série, de 5.5.94.

40) A decisão foi no sendo de:

"Julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição, a norma do artigo 31º, nº 1, conjugada com a norma do artigo 33º, ambas da Lei nº 4/85, de 9 de Abril, na sua versão originária, interpretada nos termos em que o foi pelo acórdão recorrido, isto é, como só reconhecendo a existência do direito ao subsídio de reintegração, nos casos em que a cessação do exercício dos cargos políticos referidos no artigo 24º, nº 1, da mesma lei, ocorresse em data posterior a 1 de Janeiro de 1985."

41) Cfr. G. Canotilho e Vital Moreira, obra citada na nota (22), pág. 126 e 127.

42) Aquele nº 4 do artigo 5º tinha a seguinte redacção:

"O território de Macau sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequado à sua situação especial."

43) O artigo 8º tem uma redacção introduzida pela Lei nº 13/90 de 10 de Maio. A anterior redacção era:

"O Governador tem, na hierarquia da função pública, categoria correspondente à de Ministro do Governo da República".

44) A redacção é também da Lei nº 13/90. Ainda aqui se eliminou a expressão, constante do artigo 16º, que se reportava à equiparação, "na hierarquia da função pública".

45) A redacção é da Lei nº 13/90 de 10 de Maio.

Na anterior versão onde se lê "Governador" lia-se "Governo".

46) Cfr. nota (9) in fine.

X) "A Lei nº 13/90 encontra-se publicada de novo no 2º suplemento ao Diário da República, 2ª Série, nº 107, de 10 de Maio, p. 2200-(16). Consta da nota de sumário que "Esta edição substitui integralmente a anterior publicada com o mesmo número e data". Esta lei teve por base a Proposta de Lei nº 13/v (Diário da Assembleia da República, 2ª Série-A, nº 30, de 30 de Março de 1990, p. 1075) daí já constando os textos, agora em análise págs. 10761 e 1077) sem nenhuma explicação. Vê-se que houve uma anterior proposta de revisão que se diz estar agora "reformulada de acordo com as recomendações feitas na reunião do Conselho de Estado de 28 de Fevereiro e expressas no parecer dessa mesma data, publicado no Diário da República, I Série, nº 61, de 14 de Março de 1990" e que este novo texto constitui "o texto dos ajustamentos técnico-jurídicos que, na sequência do parecer do Conselho de Estado e do diálogo havido entre a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos e Liberdades e Garantias e uma delegação desta (de M
acau) Assembleia Legislativa, foram introduzidas na proposta de alterações ao Estatuto Orgânico de Macau" (idem, pp. 1075 e 1076).

O parecer e o relatório da Comissão bem como o texto final desta emanado vêm no Diário da Assembleia da República, 2ª Série-A, nº 33, de 18 de Abril de 1990, pp. 1153 e segs.. Neste texto mantém-se a redacção ainda da proposta nº 139/v para os artigos em causa.

O texto final das alterações fixadas na Comissão foi aprovado, na generalidade e na especialidade e em votação final global em 17 de Abril de 1990 (Diário da Assembleia da República, 1ª série, nº 64, de 18 seguinte, pp., 210 e segs.).

O parecer do Conselho de Estado, vem publicado no Diário da República nº 61, de 14 de Março de 1990, e nº 70, de 24 seguinte, p. 1458.

Em todo o caso, a leitura do anexo que acompanhou a proposta de Lei nº 139/v e que representará as "modificações acordadas" ao primitivo acto, revelará, porventura, a ser esse o sentido dos itálicos, que o primitivo acto seria diferente, no que ora interessa quanto aos artigos 8º e 17º, nº 2. Nesse anexo e para esses textos está em itálico a palavra "correspondente"."

x1) O vencimento da letra A era nessa tabela $5290,00. Passou para $6090,00, na tabela que a Lei nº 3/80/M, de 26 de Março, estabeleceu em substituição da anterior.

x2) Alterada pela Lei nº 10/90/M, de 6 de Agosto, que elevou o montante do vencimento mensal do governador de $48 000,00 para $70 000,00 (artigo 1º).

x3) Adopção mitigada enquanto o montante dos vencimentos se determinava pela letra A da tabela dos servidores do Estado adicionado das percentagens que se fixaram para o governador e os secretários-adjuntos de Macau (supra, 3.2.2.).

47) Sublinhados nossos.

48) Disse-se no já referido parecer nº 4/91:

"Assim, a Lei nº 23/78/M invocou o artigo 31º, nº 1, alínea e), do Estatuto Orgânico de 1976 que conferia competência para criação de novas categorias ou designações funcionais ou para alteração de tabelas definidoras de tais categorias e para fixar os vencimentos, salários e outras formas de remuneração do pessoal dos quadros: A Lei nº 9/87/M apelou ao nº 2 do artigo 27º - competência para fixar a remuneração dos deputados à Assembleia Legislativa - e à alínea a) do nº 1 do artigo 31º - competência para legislar sobre "todas as matérias que interessam exclusivamente ao território", não reservados aos órgãos de soberania da República; a Lei nº 10/90/M invocou, além do nº 2 do artigo 27º do Estatuto, agora de 1990, igual nessa parte ao anterior, a alínea c) do nº 1 do artigo 30º - competência para legislar em todas as matérias não reservadas aos órgãos de soberania da República ou ao governador; o Decreto-Lei nº 35/84/M, invocou o nº 1 do artigo 13º do Estatuto, ao tempo o de 1976, que atribuía ao governador c
ompetência para legislar em todas as matérias de interesse exclusivo do território não reservadas aos órgãos de soberania da República ou à Assembleia Legislativa do território."

49) A propósito do princípio da unidade e universalidade do orçamento fiscal do Território de Macau (O.G.T.), diz Jorge Bruxo:

"O princípio da unidade e universalidade, também conhecido por princípio da plenitude orçamental, obriga a que o OGT seja unitário e inclua todas as receitas e todas as despesas da Administração Pública do território, englobando todos os serviços públicos, com ou sem autonomia financeira e quer sejam da Administração Central ou da Administração Autárquica. Note-se que a expressão serviços públicos tem um sentido orgânico e é o mais abrangente possível, compreendendo designadamente os Fundos Autónomos (cfr. "O ciclo orçamental na administração pública de Macau", In "Administração. Revista da Administração Pública de Macau", nº 3/4, vol. II, Junho de 1989, págs. 10 e 11).

50) É por isso que, v.g. o Orçamento da Assembleia da República inclui na rubrica "Diversos" da Designação da despesa, as subvenções previstas na Lei nº 4/85. (Cfr. por exemplo a Resolução da Assembleia da República nº 14-A/96 publicada no Diário da República I Série-A de 15 de Abril de 1996, 866-(12) no que respeita ao orçamento da Assembleia da República para 1996, onde se prevê o subsídio de reintegração como despesa).

51) Cfr. Vitalino Canas in "Relações entre o Ordenamento Constitucional Português e o Ordenamento Jurídico do Território de Macau", separata do B.M.J. nº 365, Lisboa, 1987, págs. 26 e segs. O autor selecciona as normas da Constituição que são especificamente atinentes ao território e aqueloutras que não sendo esse o caso, também nele vigoram, porém.

52) Sobre a caracterização do conceito pode ver-se, de João Alfaia, "Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público", Vol. I, Coimbra, Almedina, 1985, pág. 142.

53) Assim, v.g., para efeitos da Lei nº 34/87, de 16 de Julho, que prevê os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, ou da Lei nº 9/90, de 1 de Março, alterada pela Lei nº 56/90, de 5 de Setembro, referente às incompatibilidades de cargos políticos e altos cargos públicos.

54) Trata-se de cargos de confiança política. O artigo 6º do E.O.M. refere que a função executiva é aí exercida pelo Governador coadjuvado por Secrerários-Adjuntos, os quais são nomeados e exonerados pelo Presidente da República mediante proposta do mesmo Governador, que lhes confere posse, de acordo com o nº 1 do artigo 17º do Estatuto.

55) Aos titulares de cargos políticos e seu estatuto se referem, em especial, os artigos 117º e 118º da Constituição da República.

56) Cfr. obra citada no nota (43), vol. II, Coimbra, Almedina, 1988, págs. 763 e 764.

57) É sabido que a doutrina considera maioritariamente o E.O.M. uma lei de valor constitucional por recepção material que a própria Constituição operou. Assim, v. g. Jorge Miranda, in "Manual de Direito Constitucional" Tomo II, Coimbra Editora, 1991, págs. 46 e segs., e G. Canotilho e Vital Moreira, in obra citada na nota (22), pág. 1076. A natureza de lei constitucional do EOM foi afirmada no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 284/89, de 9 de Março (BMJ nº 385, pág. 161).

Posição diferente defendeu Vitalino Canas na obra citada na nota (41).

Para uma síntese sobre o tema pode ver-se ainda, de Giovanni Vagli, "La questione di Macao",("Diritto e Societá", 1996/2, págs. 290 e 291).
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART5 ART13 ART117 N2 ART120 N2 ART292.
CCIV66 ART9 ART12.
L 1/76 DE 1976/02/17 ART2 ART4 ART6 ART8 ART13 ART17 ART31 N1 N2 H N3 M ART40 N3 ART54 ART56 ART57 ART60 ART72.
L 4/85 DE 1985/04/09 ART1 ART24 ART31 ART33.
L 16/87 DE 1987/06/01.
L 13/90 DE 1990/05/10.
L 26/95 DE 1995/08/18 ART3.
L 23-A/96 DE 1996/07/29.
Referências Complementares: 
DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR CONST * ORG PODER POL.
Divulgação
Data: 
21-07-1998
Página: 
10164
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