Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
64/1992, de 14.01.1993
Data do Parecer: 
14-01-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
FORÇAS ARMADAS
FORÇA AEREA PORTUGUESA
MILITAR
JURISTA
RESERVA RELATIVA DE COMPETENCIA LEGISLATIVA
ADVOCACIA
ORDEM DOS ADVOGADOS
ORDEM PROFISSIONAL
ASSOCIAÇÃO PUBLICA
CONSULTA JURIDICA
INSCRIÇÃO
ADVOGADO ESTAGIARIO
ACESSO A PROFISSÃO
ESTAGIO
HIERARQUIA
RATIFICAÇÃO
LICENÇA
INCOMPATIBILIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE ORGANICA
FUNÇÃO PUBLICA
FUNÇÃO MILITAR
HIERARQUIA DAS FONTES DE DIREITO
FUNCIONARIO
PRINCIPIO DA EXCLUSIVIDADE
AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA
INDEPENDENCIA
ESTATUTO
DECRETO-LEI DE DESENVOLVIMENTO
LIBERDADE DE ESCOLHA DE PROFISSÃO
RESTRIÇÃO DE DIREITOS
DIREITO AO TRABALHO
PRINCIPIO DA IGUALDADE
PRINCIPIO DA PROPORCIONALIDADE
ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
GOVERNO
COMPETENCIA LEGISLATIVA
COMPETENCIA EXCLUSIVA
LEI
RESERVA ABSOLUTA DE COMPETENCIA LEGISLATIVA
BASES GERAIS
Conclusões: 
1 - A alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, não ofende a alínea m) do artigo 167º, (1ª revisão), que só previa a competência exclusiva (reserva absoluta) da Assembleia da República para as restrições previstas no artigo 270º, ambos da Constituição;
2 - A incompatibilidade estabelecida na alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados aplica-se aos advogados estagiários, constituindo para este obstáculo à sua inscrição na Ordem com vista à realização do estágio (artigo 156º, nºs 1, alínea d) e, 2, do mesmo Estatuto);
3 - A alínea j) do mencionado artigo 69º, nº 1 não viola o direito de igualdade de oportunidades na escolha de profissão, com assento no artigo 47º, nº 1 da Constituição;
4 - A distinção que, por via da alínea j) do nº 1 e do nº 2 do citado artigo do Estatuto dos Advogados, se estabelece entre os militares, incluindo os "juristas" da Força Aérea, e os funcionários e agentes de quaisquer serviços públicos que exerçam exclusivamente funções de consulta jurídica não é desproporcionada nem discriminatória relativamente aos primeiros, obtendo adequada justificação material à luz da defesa dos valores da independência no exercício da advocacia, pelo que aquela alínea não viola o princípio da igualdade inscrito no artigo 13º da lei fundamental;
5 - O Decreto-Lei nº 84/84, emitido no uso de uma autorização legislativa, e o Decreto-Lei nº 34-A/90, de 26 de Janeiro, que desenvolveu as bases gerais da Lei nº 11/89, de 1 de Junho, são diplomas legislativos colocados na hierarquia das fontes de direito, pelo que este último decreto-lei, mais recente, poderia revogar normas do primeiro que fossem incompatíveis com as suas;
6 - Se se pretendesse que as normas do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, nomeadamente a alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados permitindo aos "juristas" da Força Aérea inscreverem-se na Ordem como candidatos à advocacia e advogados, haveria então de se afirmar a inconstitucionalidade orgânica e material das referidas normas;
7 - Afirmar-se-ia a inconstitucionalidade orgânica daquelas normas por invadirem a competência reservada da Assembleia da República, consagrada nas alíneas b) (Direitos, liberdades e garantias) e u) (Associações públicas, ...), do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República;
8 - A ratificação, com emendas, operada pela Lei nº 27/91, de 17 de Julho, no Decreto-Lei nº 34-A/90, não sanaria a sua eventual inconstitucionalidade orgânica;
9 - Desenhar-se-ia também uma inconstitucionalidade de tipo material, por violação do princípio da igualdade, ao introduzir um privilégio para os "juristas" da Força Aérea, discriminando os restantes militares das Forças Armadas que desempenhassem uma actividade de idêntico conteúdo funcional;
10- O Estatuto dos Militares das Forças Armadas, e mormente, o nº 1 do seu artigo 282º, não padece todavia das inconstitucionalidades aludidas nas conclusões anteriores, porquanto admite apenas que os militares que pretendam ingressar na especialidade de "juristas" da Força Aérea venham a frequentar o estágio para a advocacia e a inscrever-se na Ordem como advogados;
11- Ao frequentar o estágio e ao inscrever-se na Ordem como advogado, para assim preencher um dos requisitos para o ingresso naquela especialidade, o militar da Força Aérea não pode estar no activo, mas no gozo de uma "licença" análoga à licença para estágio prevista no artigo 221º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas;
12- Completado o estágio com boa informação e inscrito na Ordem, cessa para o militar a licença para estágio, pelo que está obrigado a regressar ao activo e a suspender o exercício da sua profissão "civil" e a inscrição na Ordem - alínea d) do artigo 79º do Estatuto desta.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República

Excelência






1. (...), 1º Sargento dos quadros permanentes da Força Aérea, exercendo exclusivamente funções de Assessor Jurídico no Gabinete da Assessoria Jurídica do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, veio expor a Vossa Excelência:

“.................................................................................................................................

"4. Pretende frequentar o curso de oficiais ingressando na especialidade de juristas, mas é necessário estar inscrito na Ordem dos Advogados conforme o preceituado no artigo UT do Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro (Estatuto dos Militares das Forças Armadas).

"5. Tendo requerido a inscrição como Advogado Estagiário, a Ordem dos Advogados indeferiu tal requerimento com e fundamento de o requerente ser Militar e ser incompatível nos termos da alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março (EOA).

"6. As incompatibilidades são uma restrição aos Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos;

"7. As restrições aos Direitos dos Militares são Reserva Absoluta da AR (artº 167º, alínea p) da CRP.

"8. Então parece que a alínea j) do nº 1 do artº 69º do EOA, está ferida de inconstitucionalidade.

Poderão os militares inscreverem-se como advogados estagiários ao abrigo do disposto no nº 2 do Artº 69º da EOA?".

Convidado a instruir o seu requerimento, o exponente veio juntar fotocópias do despacho do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (OA) que lhe indeferiu o seu pedido de inscrição como advogado estagiário e lhe suspendeu o estágio e de recursos que interpôs para o Conselho Geral e Conselho Superior da OA.

Juntou ainda cópia de uma decisão do Conselho Geral da OA relativamente a uma recusa de inscrição como advogado estagiário de um outro militar em condições semelhantes às suas.

Acabou por precisar o seu pedido, solicitando a V. Exª requeira, nos termos do artigo 281º, nº 2, alínea b), da Constituição da República, ao Tribunal Constitucional, a declaração de inconstitucionalidade da referida alínea j) do artigo 69º do Estatuto da OA.

Esta matéria foi analisada por um dos Assessores do Gabinete de V. Exª, o qual depois de apontar a doutrina deste Conselho Consultivo e do Tribunal Constitucional sobre outras normas do artigo 69º da EOA, propôs que o Conselho Consultivo se pronunciasse sobre a exposição do requerente.

Vossa Excelência concordou com esta sugestão, pelo que cumpre emitir parecer.


2. O Estatuto da Ordem dos Advogados foi aprovado pelo Decreto -Lei nº 84/84, de 16 de Março, publicado no uso de autorização legislativa concedida pela Lei nº 1/84, de 15 de Fevereiro.

Dispõe no seu artigo 68º:

"0 exercício da advocacia é incompatível com qualquer actividade ou função que diminua a independência e a dignidade da profissão".

E no artigo 69º:

“1. O exercício da advocacia é incompatível com as funções e actividades seguintes:
...............................................................................................................................

i) Funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, com excepção dos docentes de disciplinas de Direito;

j) Membro das forças armadas ou militarizadas no activo;

................................................................................................................................

"2. As incompatibilidades atrás referidas verificam-se qualquer que seja o título de designação, natureza e espécie de provimento e modo de remuneração e, em geral, qualquer que seja o regime jurídico das respectivas funções, e só não compreendem os funcionários e agentes administrativos providos em cargos com funções exclusivas de mera consulta jurídica, previstos expressamente nos quadros orgânicos do correspondente serviço, e os contratados para o mesmo efeito.

3. As incompatibilidades não se aplicam a quantos estejam na situação de aposentados, de inactividade, de licença ilimitada ou de reserva".

.................................................................................................................................”

"Artigo 73º

(Impedimentos para o exercício de advocacia)

1 Estão impedidos de exercer a advocacia os advogados que sejam funcionários ou agentes administrativos, na situação de aposentados, de inactividade, de licença ilimitada ou de reserva, em quaisquer assuntos em que estejam em causa os serviços públicos ou administrativos, a que estiveram ligados.

"Artigo 156º

1 - Não podem ser inscritos:

..................................................................................................................................

d) Os que estejam em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia;

................................................................................................................................

2 - Aos advogados e advogados estagiários que se encontrem em qualquer das situações enumeradas no número anterior será suspensa ou cancelada a inscrição."

.................................................................................................................................

"Artigo 159º

1 - As disposições deste Estatuto, com as necessárias adaptações aplicam-se aos advogados estagiários, excepção feita às que se referem a exercício de direito de voto.

2..............................................................................................................................


O Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFA) foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro 1, publicado no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 11/89, de 1 de Julho (Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar).

O artigo 276º do EMFA distribui os oficiais do quadro permanente da Força Aérea por diversos postos e especialidades.

Entre as especialidades, destaque-se a de "Jurista", que poderá preencher os postos de alferes a brigadeiro.

Dispõe o artigo 282º do EMFA:

"Ingresso na especialidade de juristas

1 - O ingresso na especialidade de juristas faz-se pela promoção ao posto de alferes, após frequência, com aproveitamento, de estágio de adaptação técnico-militar, de oficiais graduados admitidos de entre licenciados em Direito inscritos na respectiva Ordem como advogados aprovados em concurso, de acordo com legislação especial.

2- O CEMFA pode também autorizar o ingresso nesta especialidade de militares dos QP da Força Aérea que tenham as necessárias qualificações e o requeiram.

3 - O ingresso nas condições referidas no número anterior faz-se no posto de alferes, após completamento de estágio de adaptação técnico-militar, frequentado com a graduação de alferes ou do posto que já tenham, caso seja superior.

4 - A antiguidade de alferes dos oficiais a que respeitam os nºs 1 e 2 anteriores é referida a 1 de Outubro do ano em que concluíram, com aproveitamento, o estágio de adaptação técnico-militar, antecipada ou retardada de tantos anos quantos os que a organização escolar do respectivo curso, somado o correspondente àquele estágio, incluindo o curso de preparação militar geral, e o estágio necessário ao exercício da advocacia, exceder ou for inferior a cinco anos.

5................................................................................................................................

Por seu turno, o artigo 284º do mesmo Estatuto estabelece:

"Caracterização funcional das especialidades

Aos oficiais das especialidades a seguir indicadas, para além do exercício de actividades de natureza militar e de formação comuns a todos os oficiais, do exercício de funções em estados-maiores e outras de carácter técnico, incumbe, especialmente:

..................................................................................................................................

i) Juristas:

Exercer a direcção superior especializada;

Dirigir, inspeccionar e executar actividades relacionadas administração da justiça e disciplina;

Exercer funções de consultadoria jurídica;

Exercer funções nos tribunais militares e na Polícia Judiciária Militar;

.................................................................................................................................

Da transcrição feita interessa sublinhar:

- O Decreto-Lei que aprova o EOA é um diploma publicado no uso de autorização legislativa; o Decreto-Lei que aprova o EMFA é um diploma que desenvolve bases gerais de regime jurídico do Estatuto da Condição Militar.

- O EOA proíbe o exercício da advocacia a militares no activo, e a consequente inscrição na Ordem , quer como advogados quer como advogados estagiários, bem como lhes recusa a possibilidade de frequentarem o estágio;

- O EMFA condiciona o ingresso na especialidade de juristas, entre outros pressupostos, à inscrição na respectiva Ordem como advogados aprovados em concurso, de acordo com legislação especial.

Será possível a harmonização das disposições do EOA e do EMFA?


3. O exponente manifesta-se no sentido da inconstitucionalidade da alínea j) do nº 1 do artigo 69º do EOA por constar de um decreto-lei publicado no uso de uma autorização legislativa, porquanto a incompatibilidade ali retratada redundaria numa restrição aos direitos dos militares e, por conseguinte, seria matéria de "reserva absoluta" da Assembleia da República.


3.1. Dispunha o artigo 167º da Constituição da República (após a primeira revisão) sob a epígrafe "Reserva absoluta de competência legislativa".

"É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias:
.................................................................................................................................

m) Restrições ao exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo;

...........................................................................................................................”2

Diga-se, antes de mais, que o exponente laborou num erro de perspectiva; nem na Constituição, nem na lei ordinária se confere aos militares o direito de se inscreverem na Ordem dos Advogados e de exercerem a advocacia.

Aliás, aquela alínea m) do artigo 167º da Constituição (1ª Rev.) não pressupõe que os militares, enquanto tais, têm o direito de exercerem todas as profissões desde que não exista restrição por lei formal da Assembleia da República.

Com a introdução da referida alínea, na segunda revisão constitucional, pretendeu-se reforçar as garantias relativas às restrições especiais decorrentes da condição militar, nos termos do artigo 270º; "essas só podem mesmo ser definidas pela AR (al. m) sem possibilidade de delegação do Governo,, 3.

Efectivamente, todo o regime dos direitos, liberdades e garantias, incluindo as restrições, é matéria de reserva relativa da Assembleia da República que pode autorizar o Governo a legislar -alínea b) do nº 1 do artigo 168º da Constituição.

Porém, quando se trata das restrições a que alude o artigo 270º da Constituição - ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva, bem como à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo -, exige-se uma lei da Assembleia da República, que está impossibilitada de autorizar o Governo a legislar na matéria 4.


3.2. O Conselho Geral da OA, em Acórdão de 5 de Junho de 1992, afirma que o EOA foi aprovado "no uso de autorização legislativa da Assembleia da República, não há colisão com qualquer outro preceito constitucional, designadamente com o referido artigo 167º, alínea p), da Constituição.

"O que este preceito pretende salvaguardar é a restrição de direitos dos militares enquanto tais".

Aceita-se, como se expôs supra, esta argumentação; ressalve-se, porém, uma pretensa parificação, que um passo do referido Acórdão parece sugerir, entre a reserva absoluta e a reserva relativa da Assembleia da República:

Afirma-se:

"O artigo 167º, alínea p), da Constituição preceitua:

"É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar (...) sobre "Restrições ao exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo".

"Só que também a matéria relativa a associação pública, como é o caso da Ordem dos Advogados Portugueses, é, como era, da exclusiva competência da Assembleia da República"..

Ora, o que distingue a reserva absoluta (art º 167º) da reserva relativa (art º168º) é o facto de as matérias que integram esta poderem vir a ser objecto de intervenção legislativa do Governo, mediante autorização da Assembleia da República.

As matérias consagradas no artigo 167º da Constituição não podem ser objecto de autorização legislativa, pelo que não faz sentido invocar a autorização para legislar sobre o EOA, pois esta autorização jamais podia abarcar a matéria da alínea m) do artigo 167º (1ª Rev.).

Ou seja, se o exercício da advocacia pelos militares fosse matéria contida na alínea m) do artigo 167º (1ª Rev.), esta matéria não poderia ser objecto de autorização legislativa.

E, uma lei de autorização que não respeitasse esse limite seria inconstitucional, como inconstitucional (inconstitucionalidade consequente) seria o decreto-lei autorizado que fosse emanado em seguida 5.

Aliás, a lei sobre a matéria da alínea m) do artigo 167º (1ª Rev.) estava sujeita a um processo genético particular, prevenido no nº 5 do artigo 171º (1ª Rev.):

"A lei prevista na alínea m) do artigo 167º carece de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções- 6.


4. O facto de a alínea j) do nº 1 do artigo 69º do EOA não ofender o disposto na alínea m) do artigo 167º da Constituição da República (1ª Rev.), não dispensa o intérprete de aferir da sua conformidade com outros preceitos constitucionais atinentes, porquanto, para além daquelas restrições específicas, as relações de serviço dos militares e agentes militarizados integram-se quanto aos seus direitos e deveres, nas relações de serviço do funcionalismo público 7.

Importa metodologicamente aprofundar a análise dos aspectos constitucionais que, na sua globalidade, a disciplina daquela alínea j) e o nº 2 do artigo 69º da EOA suscitam e que estão aflorados na exposição do requerente e no referido Acórdão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

As incompatibilidades consagradas no artigo 67º do EOA foram já, por diversas vezes, abordadas pelo Conselho Consultivo 8 e pelo Tribunal Constitucional 9, pelo que se vão colher ali subsídios para o exame da questão da constitucionalidade das referidas normas.


4.1. À alínea j) do nº 1 do artigo 69º poder-se-á contrapor, desde logo e em sede de direitos fundamentais, a "liberdade de escolha de profissão", garantida no artigo 47º, nº 1, da Constituição:

Estatui o referido preceito:

"Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade".

A liberdade de escolha da profissão 10 é, antes de mais, "liberdade de trabalho latissimo sensu e compreende :

- positivamente, a liberdade de escolha e de exercício de qualquer género ou modo de trabalho que não seja considerado ilícito pela lei penal, possua ou não esse trabalho carácter profissional, seja típico ou atípico, permanente ou temporário, independente ou subordinado, esteja estatutariamente definido ou não" 11

Debruçando-se sobre o mesmo preceito, escreve o Tribunal Constitucional 12:

"Consiste no direito de escolher a forma de actividade que se preferir; implica a faculdade de mudar de trabalho quando se desejar, e leva consigo a possibilidade de ajustar o que mais convier, tanto no que respeita a retribuição ou a quaisquer outras condições".

Mas já no citado Acórdão do Tribunal Constitucional se sublinhava que a lei podia regulamentar o exercício de determinadas profissões, designadamente fazendo exigências que sejam impostas "pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade".

Escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA 13:

"A liberdade de conformação do legislador depende porém do nível em que a restrição se verificar. Assim: a liberdade de escolha propriamente dita só comporta, em geral, as restrições decorrentes da colisão com outros direitos fundamentais; a entrada ou ingresso admite limites mais intensos, podendo a lei estabelecer certos pressupostos subjectivos condicionadores do direito de escolha (ex.: prova de qualificação profissional, provas de concurso, idade mínima, (etc.); o exercício da profissão pode estar sujeito a limites ainda mais intensos, principalmente quando da regulamentação do exercício não resulta quaisquer efeitos sobre a liberdade de escolha (ex.; estabelecimento de horário obrigatório). A consideração separada destes três momentos fundamentais não exclui a consideração materialmente unitária do direito de escolha, a qual é particularmente importante no caso de lei restritiva do exercício da profissão mas com implicação directa sobre a liberdade de escolha. Aqui os limites relativos aos pressupostos subjectivos (qualificação pessoal, capacidade, habilitações) são admissíveis, desde que, como é óbvio, sejam teleologicamente vinculados (interesse público) e não violem o princípio de proibição do excesso (necessidade, exigibilidade e proporcionalidade)"..

JORGE MIRANDA 14 adverte que estas restrições têm de se legais, não podem ser instituídas por via regulamentária ou por acto administrativo.

E esta lei terá de basear-se num fundamento razoável; aliás, continua o mesmo autor, o interesse colectivo deve ser compatível com os valores constitucionais - só pode projectar-se sobre a liberdade de profissão na medida do necessário.

No seu Acórdão nº 474/89 15, em consonância com esta doutrina reafirma o Tribunal Constitucional:

"Não podendo, assim, pôr-se em dúvida a legitimidade de princípio do legislador para condicionar ou restringir o exercício dos direitos fundamentais em causa, segue-se que uma regulamentação legal condicionante ou restritiva, seja do acesso a determinada actividade profissional, seja da iniciativa económica privada em determinado domínio, só será constitucionalmente censurável se não puder de todo em todo credenciar-se à luz do especificamente determinado nos citados artigos 47º, nº 1, e 61º, nº 1 (mormente no primeiro), ou se extravasar os limites que a Constituição, no seu artigo 18º, nºs 2 e 3, põe, em geral, às normas restritivas de direitos, a saber: o da necessidade e proporcionalidade da restrição; o seu carácter geral e abstracto, e não retroactivo, e o do respeito pelo conteúdo essencial do preceito constitucional consagrador do direito".

Este princípio da proporcionalidade em sentido amplo pode desdobrar-se em três subprincípios:

“a) principio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);

"b) princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tomarem-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias;

“c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa "justa medida", impedindo-se a adopção de medidas legais restritivas desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos" 16.


4.2. Tendo presente o conteúdo material da liberdade de escolha da profissão e as restrições que lhe podem ser aduzidas pelo legislador ordinário, haverá desconformidade constitucional na incompatibilidade entre o exercício da advocacia e a condição de militar acolhida na mencionada alínea j) do n º1 do artigo 69º do EOA?

É, desde logo, duvidoso que a liberdade de escolha abarque o direito de aceder a mais do que uma profissão 17.

Por outro lado, as restrições, em que se compreendem as incompatibilidades, estão expressamente admitidas no referido artigo 47º, nº 1 da Constituição.

Antes de continuar, consigne-se que importa averiguar se a incompatibilidade em análise se justifica pelo interesse público subjacente ao serviço de advocacia, função essencial na administração da justiça 18, ou se se compreende ela própria no exercício da função militar, incompatibilidade que ao legislador é legítimo estabelecer, nos termos do artigo 269º, nº 5 da Constituição da República.

O artigo 269º visa os trabalhadores da Administração Pública e demais agentes do Estado e outras entidades públicas, mas, como se verá oportunamente, os militares estão inseridos na Administração ainda que se apresentem como funcionários públicos especiais, ao menos no quadro dos direitos, liberdades e garantias.

Por isso, mesmo se a conjugação das duas actividades não fosse de rejeitar dentro da ideia força de independência e dignidade da profissão de advogado - art. 68º do EOA, seria, então, de ponderar se ela ainda seria compatível com os valores e os princípios por que se rege a "condição militar".

Abra-se um parêntesis para recordar que, no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 143/85 19, se sustentou que as incompatibilidades previstas no artigo 69º do EOA deviam ser apreciadas no contexto definido pelo artigo 69º do EOA, afirmando-se que, nesta norma, não poderá entrar em linha de conta nenhum interesse, no plano constitucional, sob o ponto de vista do estatuto da função pública, pois as incompatibilidades ali prevenidas pertencem ao estatuto da advocacia e não ao estatuto da função pública.

Porém, no citado Acórdão nº 169/90, o Tribunal Constitucional inflectiu na sua posição:

"É certo que as normas em causa fazem parte de um preceito que tem como rubrica "enumeração de incompatibilidades" e que vem a seguir a uma norma introdutória sobre a matéria (o artigo 68º). E verdade é também que este artigo 68º dispõe que "o exercício da advocacia é incompatível com qualquer outra actividade ou função que diminua a independência e a dignidade da profissão".

"Daí não decorre, porém - contrariamente ao que diz o requerente -, que as incompatibilidades com o exercício da advocacia só sejam constitucionalmente legítimas se puderem 'Justificar-se, ao menos quanto à sua extensão, à luz da defesa da independência e da dignidade da profissão, e não de outros valores".

"Isso seria assim, com efeito, se aquele artigo 68º do Estatuto da Ordem dos Advogados fosse uma norma constitucional e se a Constituição proibisse o legislador de, ao elencar as incompatibilidades do exercício de outras profissões ou actividades com a advocacia, tomar em consideração outros valores ou interesses -designadamente os valores ou interesses próprios dessas outras profissões ou actividades (v.g., os valores ou interesses próprios da função pública)".

"A verdade, no entanto, é que nem o mencionado artigo 68º é um preceito constitucional nem a Constituição proíbe o legislador de ao alinhar as incompatibilidades de outras funções ou actividades (v.g. funções públicas) com o exercício da advocacia, tomar em consideração os valores ou interesses dessas outras funções ou actividades. E, assim, do ponto de vista constitucional, o legislador, se quiser que o exercício de funções públicas seja, em regra, incompatível com o exercício da advocacia, enumera as funções ou actividades que com ela são incompatíveis, como quando trata do estatuto do pessoal da Administração Pública.

"A opção do legislador foi no primeiro sentido: ao enumerar as funções ou actividades incompatíveis com o exercício da advocacia, incluiu as funções públicas; e, ao tratar do estatuto do pessoal da Administração Pública, limitou-se a dizer que não são acumuláveis com o exercício de funções públicas as actividades que com elas sejam incompatíveis (cf. o artigo 32º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 427/89, atrás citado, e ainda o artigo 12º, nº 3, alínea a), do também citado Decreto-Lei nº 184/89).

"As incompatibilidades sub iudicio - incompatibilidades do exercício da advocacia com o desempenho de funções públicas -serão, assim, constitucionalmente legítimas se puderem justificar-se pela necessidade de preservar a independência e a dignidade da profissão de advogado ou se se mostrarem necessárias para a defesa dos valores e interesses próprios da função pública".


4.3. De acordo com a posição actual do Tribunal Constitucional, o legislador pode, ao traçar o estatuto da advocacia, tornar o seu exercício incompatível com o desempenho de certas actividades ou funções (por exemplo, a militar) em homenagem a valores de independência e da dignidade da profissão de advogado ou e a outros valores e interesses próprios que toquem com a função militar, desde que respeite os princípios da proporcionalidade e da necessidade.

Assim, toda a questão se traduz em saber se, no caso concreto, ao incompatibilizar o exercício da advocacia com a função militar, o legislador o faz no respeito do princípio da igualdade, pois se o legislador não está impedido de criar incompatibilidades torna-se necessário "que elas não sejam discriminatórias, tratando desigualmente situações iguais (ou vice-versa), afectando com a incompatibilidade categorias de pessoas que, sob o ponto de vista do funcionamento da incompatibilidade, se encontram em igualdade de situação com outras que não são atingidas por ela- 20.

Esta problemática foi já examinada pelo Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 169/90, devotado ao exame da incompatibilidade prevista na alínea i) do nº 1 do artigo 69º do EOA, da advocacia e do "funcionário ou agente de quaisquer serviços públicos de natureza central, regional ou local, ainda que personalizados, ......

Embora o EOA autonomize a situação militar 21, a verdade é que resulta do tratamento sistemático que a Constituição confere aos militares, nomeadamente da inserção do artigo 270º, já conhecido, no título VIII, "Administração Pública", e não no título IX, "Defesa Nacional", "que estes estão incluídos na "função pública" em sentido amplo ( ... ), não gozando de qualquer estatuto especial, sui generis, exclusivo deles. As relações de serviço dos militares e agentes militarizados integram-se, assim, quanto aos seus direitos e deveres, nas relações de serviço do funcionalismo público, havendo apenas necessidade de estabelecimento de restrições a alguns dos seus direitos, derivadas das exigências específicas do serviço militar ou militarizado- 22.

Permita-se, assim, que se adapte para os militares o que sobre a incompatibilidade dos funcionários e agentes administrativos com o exercício da advocacia afirmou o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 169/90, que se passa a seguir.

O princípio da igualdade, na dimensão antes definida, coloca duas questões:

1ª - proibir (em geral) o exercício da advocacia aos "militares", ao lado dos funcionários e agentes administrativos, mas permiti-lo aos trabalhadores por conta de outrem, tem suficiente justificação racional ou material, ou traduz-se, antes, no estabelecimento de uma distinção arbitrária?

2ª - proibir o exercício da advocacia aos "militares" e à generalidade dos funcionários e agentes administrativos, mas consenti-lo àqueles que, de entre esta última categoria, e exerçam funções docentes 23 ou desempenhem funções exclusivas de consulta jurídica, traduz-se no estabelecimento de uma distinção arbitrária?


4.3.1. Sobre a primeira, na vertente "exercício da advocacia", afirmou o Tribunal Constitucional:

"É que a distinção estabelecida pode justificar-se, desde logo, pela necessidade de preservar a independência da profissão de advogado.

"Os funcionários públicos estão, na verdade, adstritos aos deveres de isenção, imparcialidade e dedicação exclusiva ao interesse público; os trabalhadores por conta de outrem, esses, encontram-se vinculados por um dever de lealdade para com a respectiva entidade patronal.

"Ora, há-de convir-se que os deveres a que se acham adstritos os funcionários públicos são bastante mais limitativos da independência que se exige no exercício da advocacia - uma independência estatutária em relação aos "poderes" mais propriamente do que uma independência subjectiva de cada advogado - do que o dever de lealdade para com a entidade patronal que vincula os trabalhadores por conta de outrem. E são-no em termos de conferir fundamento material bastante à proibição de advogar imposta aos funcionários em geral".

E no caso específico dos militares, aqueles deveres devem surgir reforçados, pelo que mais premente se apresenta a incompatibilidade para assim se preservar a independência do advogado face à hierarquia militar.

A Lei de Bases "da condição militar", Lei nº11/89, consagrou um exigente estatuto funcional do militar, corporizado na consagração de uma permanente disponibilidade para lutar em defesa da Pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida, e para o serviço, seja em termos temporais, seja em termos de mobilidade territorial e na fixação de princípios deontológicos e éticos próprios em matérias muito importantes e sensíveis, como sejam, a hierarquia, a subordinação e a obediência, e o exercício do poder de autoridade -(cfr. extractos do proémio do Decreto-Lei nº 34A/90); e concretiza, nos artigos 9º e seguintes, os deveres dos militares, de que se destacam os de obediência, dedicação ao serviço e disponibilidade.

É óbvio um reforço da hierarquia e da disciplina no contexto militar em relação ao restante funcionalismo público, pelo que ali ainda mais limitativa se apresentaria a independência que se pretende garantir para o exercício da advocacia.

Considerando o problema do lado "militar", diga-se que, se o funcionalismo público em geral, "no exercício das suas funções", se acha exclusivamente ao serviço do interesse público" - artigo 269º, nº 1 da Constituição, o militar está em permanente disponibilidade para o serviço -artigo 12º do EMFA.

Visando os “funcionários”,pronunciou-se o Tribunal Constitucional:

"Desejam-se, na verdade, "funcionários" inteiramente dedicados à sua função e que a exerçam com absoluta isenção e imparcialidade, dando-lhe todo o seu esforço nos períodos de trabalho fixados pelo respectivo horário. Daí que - como se viu já - o pessoal dirigente exerça as suas funções em regime de exclusividade, só se lhe autorizando o exercício de funções privadas no caso de, entre o mais, ele não ser "susceptível de comprometer ou interferir com a isenção exigida para o exercício" do respectivo cargo (cfr. o artigo 9º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 323/89, de 26 de Setembro). E daí também -como atrás se assinalou igualmente - que os demais "funcionários" só possam acumular o exercício de actividades privadas com a função pública se, além do mais, "os horários a praticar não forem total ou parcialmente coincidentes", "se não ficarem comprometidas a isenção e a imparcialidade do funcionário no desempenho de funções" e "se não houver prejuízo para o interesse público e para os direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos" (cfr. artigo 32º, nºs 1 e 3, alíneas b), c) e d), do Decreto-Lei nº 427/89, de 27 de Dezembro).

"É que - repete-se - "o exercício de funções públicas é norteado pelo princípio da exclusividade" (cfr. o artigo 12º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 184/89)..

"A defesa dos apontados valores ou interesses, que são valores ou interesses próprios da função pública - defesa que, como se viu (cfr. supra, nº 7), o legislador pode assumir quando modela o estatuto da profissão de advogado, e não apenas quando legisla sobre o estatuto da função pública -, também, por sua parte, conferem justificação racional ou fundamentação material à distinção estabelecida entre os 'Funcionários públicos" e os profissionais de actividades privadas, proibindo àqueles, em geral (e não a estes) o exercício da advocacia".

Se o legislador podia ferir de incompatibilidade a função pública e o exercício de advocacia, para proteger interesses e valores de dedicação, exclusividade, isenção e imparcialidade dos funcionários, ter-se-á que reconhecer que, também aqui, o particular estatuto do militar postula um igual, se não reforçado, tratamento.


4.3.2. Sobre a segunda questão, a possibilidade aberta a determinados funcionários e agentes da Administração que desempenhem funções docentes ou exclusivas de mera consulta jurídica, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 169/90, começou por lembrar que a possibilidade de advogar só se efectiva se ao funcionário for concedida autorização pelo respectivo superior hierárquico, advertindo desde logo que essa autorização não pode ser concedida a quem desempenhe alguns dos cargos enumerados nas alíneas a) a p) do nº 1 do artigo 69º.

Sobre o fundo, relativamente aos "funcionários" que exerçam funções docentes, precisou:

“ a distinção estabelecida a seu favor pelas normas sub iudicio encontra, desde logo, justificação no facto de os professores, muito principalmente, os professores universitários gozarem de grande autonomia no desempenho das suas funções. É a chamada liberdade de cátedra.

"Ora, esta autonomia de que gozam os professores, mas de que, em geral, não desfrutam os funcionários públicos, é, de per si, bastante para justificar que aqueles sejam autorizados a advogar, pois que podem fazê-lo com verdadeira independência - com aquela independência que constitui uma das essentialia da advocacia enquanto profissão liberal".

E para os que exerçam funções de mera consulta jurídica, e Tribunal Constitucional:

“estes "funcionários", no exercício das suas funções, gozam de uma autonomia que - excepção feita aos professores - os outros funcionários não conhecem. Trata-se de uma autonomia de juízo ou técnica, que os coloca numa posição particular no âmbito da função pública.

"Ora, essa autonomia de juízo não pode deixar de importar um certo deslassamento do vínculo de dependência para com a Administração - o que, há-de convir-se, lhes permite exercer a advocacia com a necessária independência.

"Acresce que o conteúdo das respectivas funções é, ao cabo e ao resto, similar ao da actividade dos advogados - o que também contribui para justificar materialmente a distinção estabelecida e aqui sub iudicio.

"Quando, porém, se entenda que estas razões não são procedentes, então haverá que ponderar que a Administração deve visar "a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses protegidos dos cidadãos" (cfr. o artigo 266º, nº 1, da Constituição), e deve, bem assim, ser eficaz (cfr. o artigo 267º, nº 2) -o que, naturalmente exige que disponha de funcionários que, para além de dedicados à causa pública, sejam competentes.

"Ora - já se disse -, um jurista ganha, realmente, em competência testando os seus conhecimentos na prática judiciária. Daí que tenha toda a justificação que - acautelados os valores e interesses essenciais da função pública (a isenção, a imparcialidade, o estar ao serviço do interesse público ... ) - se autorizem a advogar aqueles “funcionários cujas funções são, exclusivamente, de consulta jurídica.


4.3.3. Se o tratamento da matéria relativamente aos funcionários "professores" não merece, na economia do parecer, maior reflexão, já, o segundo aspecto, o dos que exercem funções de mera "consulta jurídica" necessita que se pondere uma dúvida, suscitada aliás pelo requerente, a de saber se os militares que exercem funções de mera "consulta jurídica", se integram na excepção do nº 2 do artigo 69º do EOA.

O Acórdão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, já por várias vezes mencionado, arredou-a, primeiro, porque os militares "não são funcionários ou agentes administrativos para os efeitos do artigo 69º, nº 2, do EOA", segundo, porque o nº 1 do artigo 69º, quando pretende qualificar o "funcionário" ou "agente" di-lo expressamente, e, finalmente, "não se vê como possa um membro das Forças Armadas exercer a profissão do Advogado com independência quando lhe são aplicáveis regimes de hierarquia, de subordinação e de disciplina próprios da Instituição em que se integram".

Dificilmente se aceita em toda a sua extensão a fundamentação avançada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

Conhece-se já que os "militares" são "funcionários" com iguais direitos, liberdades e garantias, à parte a reserva de restrição inserida no artigo 270º da Constituição.

A circunstância do nº 1 do artigo 69º do EOA distinguir os "militares" e os restantes "funcionários" não basta para se concluir facilmente que o nº 2 daquele artigo ao referir-se aos "funcionários e agentes administrativos" pretende afastar os militares.

Note-se que no nº 2 se mencionam "as incompatibilidades atrás referidas", ou seja, todas as incompatibilidades que constam do nº 1, para lhe aduzir a conhecida ressalva.

Aliás, o EOA, ele próprio, inclui os militares na categoria de “funcionários e agentes administrativos", quando, alguns artigos depois, e dentro do mesmo capítulo IV, "Incompatibilidades e impedimentos", no artigo 73º, estabelece que estão impedidos de exercer a advocacia em quaisquer assuntos em que estejam em causa os serviços públicos ou administrativos a que estiverem ligados, os "funcionários ou agentes administrativos, na situação de aposentados, de inactividade, de licença ilimitada ou de reserva" (sublinhado agora).

Ora, a reserva é "uma situação privativa dos militares dos quadros permanentes, que, após abandonarem o activo e antes de atingirem a idade da passagem à reforma, devem manter-se na disponibilidade para prestarem serviço efectivo" - preâmbulo do Decreto-Lei nº 34-A/90.

Por tudo isto, pertinente será verificar se a eventual proibição do exercício da advocacia por um militar que desempenhe funções exclusivas de consulta jurídica tem suficiente justificação racional ou material, ou se traduz, antes, no estabelecimento de uma distinção arbitrária.

Seguramente que não há uma distinção arbitrária, como se afirmou no Acórdão do Conselho Geral da Ordem dos Advogados.

Se for possível encontrar no universo militar quem desempenhe funções exclusivas de consulta jurídica, sempre se deverá concluir que, apesar de trabalhar eventualmente com "autonomia de juízo ou técnica", não deixará de subsistir o regime específico da condição militar, de disponibilidade, de subordinação, de hierarquia e de disciplina, em suma, de dependência, manifestamente incompatível com o exercício da advocacia que pressupõe independência.

A exclusão, na ressalva do nº 2 do artigo 69º do EOA, dos militares tem justificação racional bastante, pelo que a distinção ali inserida entre "funcionários" e "militares" não se mostra desconforme com a Constituição, nomeadamente com o princípio da igualdade, antes se apresenta imbuída de objectividade, razoabilidade, e proporcionalidade.

Aliás, no caso concreto dos "juristas" da Força Aérea, examinando o conteúdo funcional desta especialidade, verifica-se que ele não se confina a "funções de consultadoria jurídica", mas se espraia, na alínea i) do artigo 284º do EMFA por outros campos:

- exercer a direcção superior especializada;

- dirigir, inspeccionar e executar actividades relacionadas com administração da justiça e disciplina;

- exercer funções nos tribunais militares e na Polícia Judiciária Militar.


5. A inscrição como advogado estagiário rege-se pelas mesmas disposições aplicáveis à inscrição como advogado (artigo 1642, nº 1, do EOA), e não podem ser inscritos os que estejam em situação de incompatibilidade ou inibição do exercício da advocacia, sendo suspensa ou cancelada a inscrição dos advogados ou advogados estagiários que se encontrem nessa situação (artigo 156º, nºs 1 e 2, do EOA).

A razão de ser desta equiparação foi já examinada no Parecer nº 35/45 24 em termos que interessa, pela sua permanente actualidade, recordar:

"Se a incompatibilidade estabelecida 25 não abrangesse o período do estágio, não só se não realizariam os fins que o legislador expressamente teve em vista, mas agravar-se-iam, pela própria inexperiência do candidato, as contingências que se pretendeu evitar.

"Com efeito, a multiplicidade de encargos e de preocupações do tirocínio que o natural entusiasmo e o amor próprio do candidato ainda avolumarão, mal se compreenderia compatível, no tempo, com o exercício de certas funções importantes e delicadas. Além disso a inexperiência do tirocinante que ainda, possivelmente, lhe não permitiu a perfeita consciência dos limites, ou das exigências, da profissão, poderá expor aquele que também for funcionário público a tomar, mais facilmente, atitudes ou iniciativas inconvenientes à função pública que simultaneamente exerce. De um modo geral, pode, pois, dizer-se, sem exagero, que os inconvenientes que o legislador pretendeu evitar, com o estabelecimento da incompatibilidade, se dão no caso do tirocinante à advocacia, e ainda sob forma mais grave".


6. O EOA veda ao militar no activo a inscrição na Ordem dos Advogados, como advogado ou advogado estagiário, e, consequentemente, a frequência do estágio para a advocacia.

Neste contexto, como valorizar as transcritas normas do EMFA que primo conspectu, parecem contrariar as disposições do EOA?


6.1. Numa primeira aproximação, afaste-se a tese avançada pelo Acórdão do Conselho Geral da OA:

.................................................................................................................................

"Assim, o Estatuto da Ordem dos Advogados Portugueses foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16-3, precedido de autorização legislativa concedida pela Lei nº 1/84, de 15-2, de acordo com o então disposto no artigo 168º, nº 1, al. f), da Constituição (agora alínea u) ).

"O Estatuto dos Militares da Força Aérea, por seu turno, foi aprovado por um simples Decreto-Lei do Governo de carácter regulamentar, decretado "No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 11/89, de 1 de Junho ( ... ).

"Não poderia, assim, ocorrer a revogação invocada pelo recorrente, improcedendo, por isso, a primeira conclusão do recurso".

Esquece-se, porém, que a nossa Constituição consagra, como regra, a paridade entre as leis e decretos-leis, prescrevendo no seu artigo 115º, nº 2:

"As leis e os decretos-leis têm igual valor, sem prejuízo da subordinação às correspondentes leis dos decretos-leis publicados no uso de autorização legislativa e dos que desenvolvem as bases gerais dos regimes jurídicos".

Assim, as leis e os decretos-leis podem, em princípio, livremente interpretar-se, suspender-se ou revogar-se, entre si ou reciprocamente 26.

E, isto porque todos os actos legislativos - dos órgãos de soberania 27, as leis e os decretos-leis - têm força de lei, ainda que, em certos casos, “mantendo embora a unidade essencial da força de lei, pode ser necessário discernir várias funções ou posições relativas das leis dentro do ordenamento- 28.

Toda a problemática da hierarquia dos actos normativos aparece focalizada nas relações entre os órgãos com competência concorrencial para os produzir, porquanto dificilmente se compreenderiam diferenças de colocação na "pirâmide jurídica" de actos normativos emanados do mesmo órgão, no uso dos mesmos poderes legislativos 29.

Acontece que os Estatutos da Ordem dos Advogados e dos Militares das Forças Armadas foram formulados em decretos-leis.

O relativo à Ordem dos Advogados foi publicado nos termos da alínea b) e o dos Militares, nos termos da alínea c), ambos do nº1 do artigo 201º da Constituição, que assim dispõe:

"Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:

...........................................................................................................................

b) Fazer decretos-leis em matéria de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta;

c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam".

Os dois decretos-leis em causa obedecem até a uma disciplina coincidente em diversos aspectos.

Assim, "os decretos-leis previstos nas alíneas b) e c) do nº 1 devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados" - nº 3 do artigo 201º da Constituição;” se o não fizerem, têm de ser considerados decretos-leis comuns, sendo inconstitucionais na mesma medida em que o seriam se não houvesse efectivamente qualquer lei autorizante ou qualquer lei-quadro” 30.

Por outro lado, ambos estão subordinados às leis, que os autorizam, no primeiro caso, ou que pretendem desenvolver, no segundo - nº 2 do artigo 115º da Constituição 31


6.2. Mas vistos a se, como diplomas que foram emanados pelo Governo, no âmbito da sua competência legislativa 32, eles têm o mesmo valor de lei, e, por isso, articulam-se de acordo com as regras da sucessão das leis.

Se têm previsões distintas não conflituantes, os dois diplomas mantêm-se plenamente em vigor; na hipótese contrária, isto é, se houver incompatibilidade entre as novas disposições do Estatuto dos Militares das Forças Armadas e o Estatuto da Ordem dos Advogados, poderiam prevalecer aquelas porque mais recentes - nº 2 do artigo 7º do Código Civil.

Aparentemente, e numa leitura descuidada, a contradição existe: o EOA proíbe a advocacia, o estágio para a advocacia e a inscrição na Ordem aos militares; o EMFA parece admitir a inscrição na Ordem dos Advogados, para a frequência do estágio para a advocacia e como advogados, a militares da Força Aérea, enquanto tais - cfr. o seu artigo 282º, já transcrito.

Se fosse de concluir por esta revogação parcial de algumas normas do EOA pelo EMFA, então algumas questões necessitariam de ser equacionadas e resolvidas.

Desde logo, as relações de subordinação do diploma que aprovou o EMFA com a lei de bases; depois, a própria conformidade constitucional do Decreto-Lei nº 34-A/90.


7. Os decretos-leis de desenvolvimento devem subordinar-se às leis de bases.

Estas limitam-se a consagrar os princípios vectores ou bases gerais de um regime jurídico, "deixando a cargo do executivo o desenvolvimento desses princípios ou bases- 33.

No caso concreto, a matéria, bases gerais de organização, do funcionamento e da disciplina das Forças Armadas, insere-se na competência exclusiva da Assembleia da República - alínea d) do artigo 167º da Constituição, pelo que se pode ultrapassar, na economia do parecer, o problema de saber se as leis de bases constituem sempre um parâmetro material superior vinculativo para os decretos-leis de desenvolvimento; na verdade, as hesitações neste domínio só são admissíveis quando as leis de bases incidem sobre matéria da competência legislativa concorrencial entre a Assembleia da República e o Governo 34.

Adquirida a necessidade de subordinação do EMFA à Lei de bases, na hipótese de desconformidade, verificar-se-á uma invasão de competência legislativa reservada da Assembleia da República, com violação directa da Constituição 35.

Tendo presente que o Governo "não pode, a título de desenvolvimento, com função de desenvolvimento, afectar os princípios e bases estabelecidos pela Assembleia- 36, é momento de conhecer como se articula a Lei nº 11/89, epigrafada "bases gerais do estatuto da condição militar", com o Decreto-Lei nº 34-A/90.

As referidas normas do EMFA podem ser vistas sob duas perspectivas: ou como disciplina da acumulação de funções - a de militar e a de advogado, ou, apenas como disciplina do ingresso na especialidade de "jurista" - ver artigo 276º e segs.

A acumulação de funções públicas ou públicas e privadas não está prevenida na Lei nº 11/89; já a progressão na carreira está normativamente precipitada naquele diploma, em moldes que interessa conhecer:

"Artigo 11º

1. É garantido a todos os militares o direito de progressão na carreira, nos termos fixados nas leis estatutárias respectivas.

2. O desenvolvimento das carreiras militares orienta-se pelos seguintes princípios básicos:

a) Relevância de valorização da formação militar;

b) Aproveitamento da capacidade profissional, avaliada em função de competência revelada e de experiência;

c) Adaptação à inovação e transformação decorrentes do progresso científico, técnico e operacional;

d) Harmonização das aptidões e interesses individuais com os interesses das forças armadas.

...............................................................................................................................

"Artigo 12

1. Os militares têm o direito e o dever de receber treino e formação geral, cívica, científica, técnica e profissional, inicial e permanente, adequados ao pleno exercício das funções e missões que lhes forem atribuídas..

2. Os militares têm ainda o direito e o dever de receber formação de actualização, reciclagem e progressão, com vista à sua valorização humana e profissional e à sua progressão na carreira".

Os militares têm o direito à progressão na carreira e o direito e o dever de receber treino e formação, inclusive científica e técnica, tendo em vista a sua progressão na carreira.

Se fossem de interpretar as referidas normas do EMFA como o desenvolvimento abrangente da formação científica e técnica que os militares da Força Aérea necessitam para ingressar na especialidade de Juristas", ter-se-ia então de concluir que o Decreto-Lei de desenvolvimento da Lei de Bases se ateve a esta, não ultrapassando as suas directrizes, princípios e parâmetros.


8. E, uma vez que da Lei de Bases nº 11/89 apenas prescreveu, no nº 2 do artigo 17º, que "em desenvolvimento da presente lei, e no prazo de seis meses a contar da sua entrada em vigor, serão aprovados por decreto-lei os estatutos respeitantes aos oficiais, sargentos e praças", não concedendo, por isso, qualquer suplementar autorização legislativa para o Governo invadir a esfera da competência reservada da Assembleia da República, o Decreto-Lei nº 34-A/90 teria de respeitar, não só a Lei de Bases, nos termos já precisados, como os princípios e regras inscritos na Constituição da República, sob pena de estar ferido de inconstitucionalidade 37 .

Inconstitucionalidade que se poderia desenhar desde logo pela eventual ofensa da reserva legislativa da Assembleia da República, corporizada nas alíneas b), "Direitos, liberdades e garantias", e u), "Associações públicas, garantias dos administrados e responsabilidade civil da Administração" - do nº 1 do artigo 168º; estas matérias incluem-se na competência legislativa da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo.


8.1. O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de apreciar uma questão paralela, relacionada com o Estatuto dos Solicitadores.

O artigo 204º do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, veio permitir a inscrição na Câmara dos Solicitadores a secretários judiciais, secretários técnicos, escrivães de direito e técnicos de justiça principais, "independentemente de quaisquer requisitos, desde que possuam classificação não inferior a Bom", contrariando o que dispunha o Estatuto dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei nº 483/76, de 19 de Julho (cfr. o seu artigo 49º).

Ou seja, como refere o Tribunal Constitucional, aquele artigo 204º veio regulamentar de maneira nova o acesso desse grupo de pessoas à profissão de solicitador, e porque está inserto num diploma emitido nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 201º da Constituição, - Compete ao Governo ... fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República -, é inconstitucional, por uma série de razões que foram assim sistematizadas:

“.................................................................................................................................

b) O direito de escolher livremente a profissão, consagrado no artigo 47º, nº 1, da CR, não impede a regulamentação do exercício de certas profissões;

c) A Câmara dos Solicitadores configura-se como uma organização profissional de direito público, sendo qualificada de associação pública;

d) A definição de quem reúne as condições legais de inscrição nessa Câmara inclui-se na reserva parlamentar - CR, artigo 168º, nº 1, alínea t), na redacção da 1ª revisão constitucional, a que hoje corresponde a alínea u);

e) O Governo, ao editar o Decreto-Lei nº 376/87 e, particularmente, o artigo 204º deste diploma, não possuía credencial parlamentar que a tal o habilitasse- 38.

Para o caso em apreço, assinale-se que a Ordem dos Advogados é uma associação pública, como a doutrina 39 e a jurisprudência do Tribunal Constitucional 40 pacificamente a classificam.

A Ordem dos Advogados é uma associação pública, instituída por lei e constituída pelos profissionais da correspondente actividade, à qual compete, fundamentalmente, representar estes últimos e disciplinar o exercício da advocacia, no respeito pelos respectivos princípios deontológicos 41

Escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA 42:

"Em matéria de associações públicas ( ... ) cabe à AR definir o seu regime (forma e condições de criação, atribuições típicas, regras gerais de organização interna, controlo da legalidade dos actos ... ).

E "há-de seguramente incluir-se na reserva parlamentar a definição das profissões cujo exercício obriga a inscrição em associação profissional; e incluir-se aí, bem assim, a definição de quem nessas associações pode e deve inscrever-se.

"As associações profissionais são - .. - o meio "mais idóneo" para assegurar a defesa dos interesses públicos que a regulamentação da respectiva profissão postula. Por isso, a definição de quem nelas se pode inscrever - e, assim, exercer determinada profissão - é matéria com relevo bastante para exigir a intervenção parlamentar" 43.


8.2. Note-se, aliás, que o artigo 47º, nº 1, da Constituição ao prescrever que 99 todos têm direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade", faculta ao legislador a possibilidade de impor condições ou limites ao exercício de certas profissões, desde que eles não se apresentem desproporcionados ou intoleráveis ou arbitrários 44.

Mas é matéria reservada da Assembleia da República legislar sobre direitos, liberdades e garantias - artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição da República.

E a reserva abrange quer um regime eventualmente mais restritivo do que o pré-existente quer um regime eventualmente ampliativo; e abarca todo o domínio legislativo de cada direito, liberdade e garantia, e não apenas as bases dos regimes jurídicos 45.

GOMES CANOTILHO escreve:

"Os direitos, liberdades e garantias só podem ser restringidos por lei. Articulando o art. 18º/2 com outros preceitos da Constituição (arts. 165º/2, 167º e 168º), a exigência da forma de lei para a restrição de direitos, liberdades e garantias tem o seguinte alcance jurídico-constitucional:

(1) exige-se a intervenção de um acto legislativo (e não de qualquer outro acto normativo) com a forma de lei da AR para a limitação de direitos, liberdades e garantias (art. 168º/1-c);

(2) a restrição pode, porém, ser efectivada por decreto-lei autorizado do Governo (art. 168º/1, 2, 3 e 4), devendo este decreto-lei estar em conformidade com a lei de autorização (cfr. arts. 115º/2 e 168º/2;

(3) existem outros direitos, liberdades e garantias que só podem ser restringidos por lei da AR (alude-se nesta hipótese a "reserva de lei do parlamento"), incluindo-se aqui todos os direitos cuja regulamentação é de reserva absoluta de competência legislativa da AR (cfr. art. 167º-a, d, f, 1, e m), 46.

A restrição e a ampliação à liberdade de escolha de profissão estão sob reserva de lei, apresentando-se como um dos casos expressamente previstos de restrições legais de "direitos, liberdades e garantias" 47.

Assim, o Decreto-Lei nº 34-A/90, porque emitido pelo Governo sem que detivesse autorização legislativa para modificar o regime de acesso à profissão de advogado acabaria, também por este ângulo, por se mostrar inconstitucional.


8.3. A inconstitucionalidade a assacar eventualmente ao DecretoLei nº 34-A/90, por invasão da competência reservada da Assembleia da República seria do tipo orgânico.

Inconstitucionalidade que não se apresentava sanada com a ratificação operada pela Lei nº 27/91, de 17 de Julho, que modificou diversos artigos, sem interesse na economia do parecer

Efectivamente, a ideia de que a ratificação "expressa" pode vir a sanar a norma organicamente inconstitucional por provir de órgão incompetente 49, deve hoje ser vista à luz da redacção que as revisões constitucionais imprimiram ao artigo 172º da Constituição.

Transcreve-se o nº 4 deste artigo:

"Se a ratificação for recusada o decreto-lei deixará de vigorar desde o dia em que a resolução for publicada no Diário da República e não poderá voltar a ser publicado no decurso da mesma sessão legislativa".

Não se pode falar, hoje em dia, em ratificação expressa ou tácita, dos decretos-leis.

"A AR não pode ratificar: só pode não ratificar ou alterar .... ; no caso de serem aprovadas alterações, esse facto não significa que a AR adopte como seu o diploma na parte não alterada, salvo se ele for globalmente renovado na lei de alteração da AR.
"Desse modo, a sujeição de decretos-leis ao controlo parlamentar não se traduz nunca numa confirmação parlamentar daqueles diplomas. Por isso, também não se verifica nenhuma convalidação dos eventuais vícios de inconstitucionalidade orgânica de que o decreto-lei padecesse (por invasão da competência legislativa reservada da AR),, 50.

E isto porque , como esclareceu Jorge Miranda 51, " o instituto da ratificação do decreto-lei não tem que ver com uma fiscalização jurídica, tem que ver com uma fiscalização de mérito, de oportunidade, e de conveniência política".

Resultaria assim que a inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei nº 34-A/90, apesar de ratificado pela Lei nº 27/91, se manteria.


9. Se se persistisse em ver nas normas do EMFA, mormente no seu artigo 282º, uma abertura aos oficiais "juristas" da Força Aérea para o exercício da advocacia, e, até, para alguns dos seus militares se inscreverem na Ordem dos Advogados e frequentar o estágio para advocacia, seria então o momento para testar a conformidade constitucional de tais normas, numa perspectiva global, no confronto com o princípio da igualdade, princípio que pretende conferir a todos os indivíduos que têm as mesmas características iguais situações ou resultados jurídicos 52.

O princípio da igualdade, reconduzido à ideia geral da proibição de distinções arbitrárias, desprovidas de justificação racional ou fundamento material bastante, impõe a ideia de que todos os militares que se encontrassem na mesma situação dos "juristas" da Força Aérea deveriam ter a possibilidade de exercer a advocacia.

Representar-se- ia, assim, uma situação de privilégio para os Juristas" e de discriminação para os restantes militares dos ramos das Forças Armadas, Marinha e Exército, que desempenhassem uma actividade de conteúdo funcional idêntica à referida na alínea j) do artigo 284º do EMFA.

E uma tal diferença de tratamento não teria um fundamento sério, nem um sentido legítimo, nem sequer um fundamento razoável 53 .

Forçoso seria concluir pela violação do princípio da igualdade, e consequentemente, pela inconstitucionalidade material das questionadas normas do EMFA.


10. Sublinhe-se, finalmente, e dentro da apreciação crítica da constitucionalidade daquela norma do EMFA, que a afirmação de uma eventual inconstitucionalidade orgânica ou material, não permite, em princípio, à Administração recusar a aplicação das normas eivadas desse vício.

Sendo a declaração de inconstitucionalidade de uma norma com força obrigatória geral da competência do Tribunal Constitucional, a Administração, enquanto tal vício não for declarado, deveria obediência a essa norma 54.


11. O caminho percorrido induziu um resultado paradoxal: a análise, destinada inicialmente a apurar da constitucionalidade de normas do EOA, permitiu concluir pela "perfeição" da alínea j) do nº 1 do seu artigo 69º, mas deixou pairar dúvidas sobre a "bondade" constitucional de normas do EMFA que pareciam querer contrariar a disciplina do exercício de advocacia plasmada naquele Estatuto.


11.1. Mas, afigura-se que as referidas normas do EMFA podem e devem ser vistas na sua verdadeira luz, enquadradas no contexto de todo o diploma.

O artigo 282º do EMFA, epigrafado "Ingresso na especialidade de juristas", limita-se a estabelecer as condições necessárias ao ingresso na referida especialidade criada no ramo da Força Aérea.

Uma das possibilidades de ingresso, prevenida no nº 1 daquele artigo 282º, pressupõe a inscrição na respectiva Ordem como advogado 55.

O nº 4 do artigo 282º ressalva o tempo consagrado ao "estágio necessário ao exercício da advocacia", tempo esse que influi na “antiguidade de alferes", segundo as circunstâncias, antecipando-a ou retardando-a.

Neste número, encontra-se a chave para a perfeita compreensão do modelo consagrado pelo legislador: se o estágio para a advocacia influi na antiguidade do militar, isto valerá por dizer que durante esse estágio o militar não se encontra inserido na "carreira".

Infere-se destes elementos que o estágio para advocacia deve ser concretizado fora de uma situação de serviço activo, pois de outro modo, se fosse cumulado com este tipo de situação, ele jamais poderia influenciar, positiva ou negativamente, a antiguidade.


11.2. O artigo 125º do EMFA reconhece a todos os militares o direito "ao acesso aos postos imediatos dentro da sua carreira, segundo as aptidões, competência profissional e tempo de serviço que possuem, de acordo com as modalidades de promoção e vagas existentes nos respectivos quadros especiais".

O artigo 139º do mesmo Estatuto define carreira militar como "o conjunto hierarquizado de postos em cada categoria, que se reflecte num dado quadro especial e a que corresponde o exercício de cargos e o desempenho de funções diferenciadas entre si".

O artigo 144º estabelece:

"1 - As carreiras militares designam-se:

a) De oficiais;

b) De sargentos;

c) De praças.

"2 - O militar dos QP, desde que reúna as condições previstas neste Estatuto e legislação complementar aplicável, pode candidatar-se à frequência de cursos que possibilitem o acesso à carreira militar de nível superior à sua".

A perfeita compreensão deste inciso exige que esquematicamente se desenhe a figura da "antiguidade".

"O funcionário público tem o direito a que lhe seja contado, para os devidos efeitos, o tempo de serviço prestado à Administração (-).

"O tempo de serviço conta-se continuamente a partir da data da posse, só podendo ser descontados os dias e os períodos que a lei determinar (faltas não justificadas, ..., licenças sem vencimento ou ilimitadas, etc.).

"O tempo de serviço tem relevância na carreira do funcionário sobretudo nos casos seguintes: ...; para determinação de antiguidade no serviço, na categoria ou no cargo; ..." 56.

A antiguidade pode ser equacionada relativamente ao serviço, à categoria ou ao cargo (ou posto).

O artigo 30º do EMFA dispõe:

"A antiguidade do militar em cada posto conta-se desde a data fixada no respectivo documento oficial de promoção, considerando-se de menor antiguidade o promovido com data mais recente, salvo disposição em contrário constante do presente Estatuto- 57.

O nº 1 do artigo 145º do EMFA precisa que "para o acesso à carreira de oficiais é exigida licenciatura ou formação militar e técnica equiparada a bacharelato".


11.3. O exponente, 1º sargento da Força Aérea, possuidor de uma licenciatura em direito, preenche assim uma das condições para acesso à carreira de oficial, e poderia, em princípio, também candidatar-se à frequência do estágio para a advocacia, "curso" que lhe possibilita ingressar como oficial na especialidade de "jurista".

Mas, o estágio para a advocacia, a concretizar num quadro de independência, não é compatível com o "activo", pelo que se efectivamente pretendesse realizá-lo, deveria interromper a sua actividade militar.

O artigo 221º do EMFA prevê:

"Licença para estudos"

" 1 - A licença para estudos é concedida pelo CEM do ramo respectivo, a requerimento do interessado, para efeito de frequência de curso, estágio ou disciplina em estabelecimentos de ensino nacionais ou estrangeiros estranhos às forças armadas, com interesse para as mesmas e de que resulte valorização profissional e técnica dos militares.

"2 - O militar dos QP a quem tenha sido concedida licença para estudos deverá apresentar nas datas que lhe forem determinadas os documentos comprovativos do respectivo aproveitamento escolar.

"3 - A licença para estudos pode ser cancelada sempre que a entidade competente considere insuficiente o aproveitamento escolar do militar.

"4 - A licença para estudos é concedida sem perda de vencimentos.

"5 - A licença para estudos apenas pode ser concedida ao militar dos QP do activo na efectividade de serviço.

"6 - A concessão da licença para estudos obriga o requerente, após a conclusão do curso, a prestar serviço nas forças armadas por um período a fixar no despacho de autorização, atento o disposto no nº 2 do artigo 207º- 58.

Poder-se-ia ensaiar uma aplicação directa do disposto neste artigo ao militar no activo que pretenda frequentar o estágio para a advocacia.

Veja-se em pormenor.

O estágio para a advocacia não será um curso de promoção referido no artigo 206º, nem tão pouco um curso de especialização ou qualificação consagrado no artigo 207º, ambos do EMFA: os militares que frequentarem estes cursos são nomeados pelo Chefe de Estado-Maior do ramo respectivo.

E, a frequência desses cursos não pressupõe a vontade do militar (embora ela possa coexistir), mas sobretudo necessidades próprias de cada ramo.

De outro modo, estágio para advocacia dependerá, em principio da iniciativa do militar interessado.

Mais: o estágio para a advocacia não decorre num estabelecimento de ensino, nem se poderá falar, nesse contexto, de aproveitamento escolar, e esse estágio compagina-se dificilmente com um cancelamento pela entidade militar competente no caso de insuficiente aproveitamento escolar.

O estágio para advocacia, afirmava-se já no Parecer nº 35/45, não é um prolongamento do curso universitário; é, diversamente, já o treino da advocacia.

O estágio apresenta-se, actualmente, organizado em dois períodos.

O primeiro, de dez meses, destina-se "a um aprofundamento de natureza essencialmente prática dos estudos ministrados nas universidades e ao relacionamento com as matérias directamente ligadas à prática da advocacia" - nº s. 1 e 2 do artigo 163º do EOA.

O segundo período, com a duração de 15 meses, "destina-se a uma apreensão da vivência da advocacia, através do contacto pessoal com o normal funcionamento de um escritório de advocacia, dos tribunais e de outros serviços relacionados com a aplicação da justiça e do exercício efectivo dos conhecimentos previamente adquiridos" - nº 3 do mesmo artigo.

Se, durante o primeiro período, o estagiário não pode praticar actos próprios de advogado ou de solicitador judicial senão em causa própria ou do seu cônjuge, ascendentes ou descendentes - nº 1 do artigo 164º, já " durante o segundo período do estágio, o estagiário pode exercer quaisquer actos da competência dos solicitadores e, bem assim:

a) Exercer a advocacia em quaisquer processos, por nomeação oficiosa;

b) Exercer a advocacia em processos penais, com excepção dos de querela;

c) Exercer a advocacia em processos não penais cujo valor caiba na alçada dos tribunais de 1ª instância e ainda nos processos da competência dos tribunais de menores;

d) Dar consulta jurídica" - nº 2 do mesmo artigo.

Ou seja, o estagiário pratica actos que não prescindem daquela mesma "independência" de acção que a actividade militar naturalmente condiciona.

Se se pretendesse a frequência do estágio para a advocacia, sem a suspensão do normal vínculo militar, de novo se perfilariam todas as dificuldades de harmonização com a Constituição.

O militar no activo que pretenda frequentar o estágio para a advocacia deve, antes de mais, colocar-se em situação de poder inscrever-se na Ordem dos Advogados como advogado estagiário - artigo 161º do EOA, removendo a incompatibilidade inerente à sua condição - nº 4 do artigo 161º e artigo 69º, nº 1, alínea j).

Se a hipótese do estágio para a advocacia não cabe na previsão do artigo 221º do EMFA, mesmo que se apele para uma interpretação extensiva, deverá, no entanto, reconhecer-se a manifesta similitude entre a situação decorrente daquele estágio e o estágio em estabelecimento de ensino, pelo que, e nestes termos, se afigura admissível o recurso à aplicação analógica da disciplina daquele inciso para, com as necessárias adaptações, vir a regular a licença para a frequência do dito estágio para a advocacia 59.

Obtida a licença para estágio, suspenso o laço de dependência hierárquica, àquele "militar" não pode ser oposta a incompatibilidade da referida alínea j) do nº 1 do artigo 69º do EOA, prescrita apenas para os militares no activo, e já não para aqueles que se encontrem numa das situações descritas no nº 3 do mesmo artigo, como, por exemplo, a licença ilimitada.

Como na licença ilimitada, o militar em licença para estágio ganha independência e autonomia técnica, elementos imprescindíveis para a frequência do estágio para a advocacia.

Concluído o estágio com boa informação, poder-se-á concretizar a inscrição na Ordem como advogado - artigo 170º do EOA.

Preenchido o requisito "inscrito na respectiva Ordem como advogado aprovado em concurso, de acordo com a legislação especial" - nº 1 do artigo 282º do EMFA -, esgotado o objecto e o fim da licença para estágio, o militar deve regressar obrigatoriamente ao activo.

Constitui seu dever suspender imediatamente o exercício da profissão e requerer, no prazo máximo de 30 dias, a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados face à superveniência da incompatibilidade pelo facto de ter readquirido a sua condição de militar no activo - alínea d) do artigo 75º do EOA.

O regresso ao activo é obrigatório, após a conclusão de estágio, devendo o despacho que concede a licença fixar o período de tempo em que terá de permanecer nas Forças Armadas - cfr. nº 6 do artigo 221º do EMFA.

Conclusão

12. Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª- A alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/89, de 16 de Março, não ofende a alínea m) do artigo 167º, (1ª Rev.), que só previa a competência exclusiva (reserva absoluta) da Assembleia da República para as restrições previstas no artigo 270º,. ambos da Constituição;

2ª -A incompatibilidade estabelecida na alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados aplica-se aos advogados estagiários, constituindo para estes obstáculo à sua inscrição na Ordem com vista à realização do estágio (artigo 156º, nºs. 1, alínea d) e, 2, do mesmo Estatuto);

3ª-A alínea j) do mencionado artigo 69º, nº 1 não viola o direito de igualdade de oportunidades na escolha de profissão, com assento no artigo 47º, nº 1 da Constituição;

4ª -A distinção que, por via da alínea j)do nº 1 e do nº 2 do citado artigo do Estatuto da Ordem dos Advogados, se estabelece entre os militares, incluindo os "juristas" da Força Aérea, e os funcionários e agentes de quaisquer serviços públicos que exerçam exclusivamente funções de consulta jurídica não é desproporcionada nem discriminatória relativamente aos primeiros, obtendo adequada justificação material à luz da defesa dos valores da independência no exercício da advocacia, pelo que aquela alínea não viola o princípio da igualdade inscrito no artigo 13º da lei fundamental;

5ª- O Decreto-Lei nº 84/84, emitido no uso de uma autorização legislativa, e o Decreto-Lei nº 34-A/90, de 26 de Janeiro, que desenvolveu as bases gerais da Lei nº11/89, de 1 de Junho, são diplomas legislativos colocados em paridade na hierarquia das fontes de direito, pelo que este último decreto-lei, mais recente, poderia revogar normas do primeiro que fossem incompatíveis com as suas ;

6ª- Se se pretendesse que as normas do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, nomeadamente o seu artigo 282º, teriam revogado parcialmente a alínea j) do nº 1 do artigo 69º do Estatuto da Ordem dos Advogados, permitindo aos "juristas" da Força Aérea inscreverem-se na Ordem como candidatos à advocacia e advogados, haveria então de se afirmar a inconstitucionalidade orgânica e material das referidas normas;

7ª-Afirmar-se-ia a inconstitucionalidade orgânica daquelas normas por invadirem a competência reservada da Assembleia da República, consagrada nas alíneas b) (Direitos, liberdades e garantias) e u) (Associações públicas, ... ), do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República;

8ª- A ratificação, com emendas, operada pela Lei nº 27/91, de 17 de Julho, no Decreto-Lei nº 34-A/90, não sanaria a sua eventual inconstitucionalidade orgânica;

9ª- Desenhar-se-ia também uma inconstitucionalidade de tipo material, por violação do princípio da igualdade, ao introduzir um privilégio para os "juristas" da Força Aérea, discriminando os restantes militares das Forças Armadas que desempenhassem uma actividade de idêntico conteúdo funcional;

10ª- O Estatuto dos Militares das Forças Armadas, e mormente, o nº 1 do seu artigo 282º, não padece todavia das inconstitucionalidades aludidas nas conclusões anteriores, porquanto admite apenas que os militares que pretendam ingressar na especialidade de "juristas" da Força Aérea venham a frequentar o estágio para a advocacia e a inscrever-se na Ordem como advogados;

11ª- Ao frequentar o estágio e ao inscrever-se na Ordem como advogado, para assim preencher um dos requisitos para o ingresso naquela especialidade, o militar da Força Aérea não pode estar no activo, mas no gozo de uma 1icença" análoga à licença para estágio prevista no artigo 221º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas;

12ª- Completado o estágio com boa informação e inscrito na Ordem, cessa para o militar a licença para estágio, pelo que está obrigado a regressar ao activo e a suspender o exercício da sua profissão "civil" e a inscrição na Ordem - alínea d) do artigo 79º do Estatuto desta.



_______________________________________________________

1) Ratificado, com alterações, pela Lei nº 27/91, de 17 de Julho.

2) Elege-se esta versão por ser a que estava em vigor aquando da publicação do EOA; hoje, após a segunda revisão constitucional, a alínea p) do artigo 167º reproduziu aquela disciplina.

3) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa", anotada, 2º volume, Coimbra 1985, pág. 194.

4) Ver a discussão no Diário da Assembleia da República, II Série, 3º Suplemento ao nº 19, de 25 de Novembro de 1981, pág. 432(65), 3º Suplemento ao nº 106, de 16 de Junho de 1982, pág. 1998(69) e segs, 2º Suplemento ao nº 114, de 30 de Junho de 1982, pág. 2076(14), e I Série, nº 130, de 30 de Julho de 1982, pág. 5484.

5) Cfr. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 2º vol., 2ª edição,..., pág. 165, e JORGE MIRANDA, "Funções, órgãos e Actos do Estado", Lisboa, 1990, págs. 476 e segs.

6) Após a 2ª revisão constitucional, para legislar sobre esta matéria exige-se não só a mesma maioria mas agora também a votação na especialidade pelo Plenário - artigo171º, nºs 4 a 6; cfr. JORGE MIRANDA, ob. cit., págs. 424 e segs.

7)GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 2º vol., .... pág. 442.

8) Ver, designadamente, os Pareceres nº 26/88, de 10 de Novembro de 1988, e 116/88, de 21 de Março de 1991.

9) Cfr., os Acórdãos nºs 143/85, no Diário da República, I Série, de 3 de Setembro de 1985, e 169/90, no Diário da República, II Série, de 11 de Setembro de 1990; ver ainda o Acórdão n9 497/89, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Fevereiro de 1990, que, embora não examinando as incompatibilidades, se debruçou sobre aspectos relevantes do EOA.

10) Cfr. o Parecer nº 14/90; publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Maio de 1991, que se passa a seguir de perto.

11) JORGE MIRANDA, "Manual de Direito Constitucional", vol. IV, Coimbra, 1988, pág. 408, que invoca GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 2ª edição, I, Coimbra, 1984, pág. 269. De JORGE MIRANDA ver também “Liberdade de trabalho e profissão", na Revista de Direito e Estudos Sociais, Abril-Junho, 1988, Ano XXX da 2ªSérie, nº 2, págs. 145 e seguintes.

12) Acórdão nº 46/84, publicado no Diário da República, II Série, de 13-7-1984; Cfr. o acórdão nº 433/87, de 4-11-1987, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 371, págs. 145 e seguintes.

13) Ob. cit., pág. 47.

14) Manual, cit., pág. 411.

15) De 12 de Julho de 1989, publicado no Diário da República, 11 Série, de 30-1-90.

16) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 1º vol., 2ª edição, Coimbra, 1984, págs. 170 e segs.

17) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 1º vol., pág. 271.

18) Afirmação assumida nalgumas passagens da Lei de autorização, Lei nº 1/84 dirigidas ao legislador do EOA: "reestruturar o exercício da advocacia, de modo à completa satisfação das disposições constitucionais, nomeadamente para a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 2º, alínea a)); assegurar "a função social do advogado como pleno servidor da justiça e do direito... alínea c); "reforçar os mecanismos de participação da Ordem nas formas de elaboração do direito e, bem assim, da intervenção institucional da mesma na administração da justiça" (alínea f).

19) Tese acolhida no Parecer nº 26/88, onde se transcreveu o seguinte passo do Acórdão: "A verdade é que o objecto da norma é estabelecer uma incompatibilidade do exercício de outras actividades (incluindo as funções públicas) com a advocacia e não de outras actividades (incluindo a advocacia) com a função pública. 0 sentido da norma é proteger a advocacia e não a função pública; visa defender a advocacia contra a função pública, e não a função pública contra a advocacia".

20) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 143/85.

21) Dir-se-á que essa autonomia se compreende ou, porque não se pretendeu abrir as excepções consagradas na parte final da alínea i) do nº 1, e nº 2 do artigo 68º do EOA aos "militares", ou no contexto apontado aquando da discussão do artigo 270º da Constituição: " ... os militares têm uma resistência muito grande a serem considerados funcionários públicos. É uma coisa terrível. Talvez tenham algumas razões, mas a última coisa que aceitam como normal, é serem considerados, ainda que implicitamente, funcionários públicos" - Almeida Santos, como Presidente da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, Diário da República, II Série, 3º Suplemento ao nº 106, de 16 de Junho de 1982, pág. 1998(69).

22) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 22 vol. pág. 442; ver também o deputado NUNES DE ALMEIDA, no decurso da discussão do artigo 270º- da Constituição, Diário da República, II Série, 3º Suplemento ao nº 106, de 16 de Junho de 1992, pág. 1998(71): "Não tenho a menor dúvida que nestes últimos (funcionários e agentes) se abrangem os militares e os agentes das forças militarizadas. São agentes do Estado. Suponho ser uma questão pacífica".

23) E não apenas a docência das "disciplinas de Direito", segmento da alínea i) do nº 1 do artigo 68º do EOA declarado inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 143/85.

24) De 26 de Abril de 1945 (inédito); o Parecer nº 116/88 recolheu também a sua argumentação.

25)Tratava-se da incompatibilidade definida no artigo 562º, nº 4, do Estatuto Judiciário aprovado pelo Decreto nº 33547, de 23 de Fevereiro de 1944, que assim dispunha:
"Artigo 562º
0 exercício da profissão de advogado é incompatível com as funções de:
(...)
(...)
(...)
4º Funcionários dos serviços centrais de todos os Ministérios;
(...)
(...)”

26) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., II .... pág. 57; J. J. GOMES CANOTILHO , "Direito Constitucional", 5ª edição, Coimbra, 1991, pág. 793.

27) Omite-se, por simplificação e por ser estranha à questão em análise, a produção legislativa regional.

28) JORGE MIRANDA, "Funções,...” pág. 285.

29) Isto em termos gerais; efectivamente, dentro da produção normativa da Assembleia da República dever-se-á distinguir certas leis de valor reforçado que a economia do parecer dispensa conhecer. Ver, sobre o tema, J. J. GOMES CANOTILHO, ob. cit., págs. 794 e segs., J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , "Fundamentos da Constituição", Lisboa, 1991, págs. 62 e segs., e JORGE MIRANDA, ob. cit., págs. 286 e segs., que fala em leis ordinárias reforçadas e leis ordinárias comuns.

30) J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , ob. cit., 2º vol., .... pág. 299.

31) Interessantes e de difícil resolução, por vezes, são as vicissitudes decorrentes das relações entre as leis e os decretos-leis subordinados, sobretudo quando estes desbordam os parâmetros fixados naquelas. É matéria que, na medida do estritamente necessário, oportunamente se terá de atentar.

32) Aliás, o Decreto-Lei nº 34-A/90 foi até ratificado pela Assembleia da República pela Lei nº 27/91 - (ver nota 1); ora só os diplomas legislativos do Governo estão sujeitos à ratificação da Assembleia da República e já não os decretos regulamentares - artigo 172ºda Constituição.

33) J. J. GOMES CANOTILHO , ob. cit., págs. 849 e segs., que se passa a seguir de muito perto.

34) Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO , ob. cit., págs. 859 e segs.; diga-se, sinteticamente, que mesmo aqui a generalidade da doutrina se inclina pela subordinação do decreto-lei à lei de bases. Ver, J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , ob. cit., pág. 58, ANTÓNIO A. NADAIS, ANTÓNIO VITORINO e VITALINO CANAS, "Constituição da República Portuguesa", Lisboa, 1982, anotação ao artigo 115º, e JORGE MIRANDA, ob. cit., pág. 293.

35) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA , ob. cit., pág. 59. Em caso de desconformidade com uma lei de bases sobre matéria alheia à reserva da competência legislativa “infringe-se a regra constitucional de subordinação dos decretos-leis de desenvolvimento às leis de bases (artigo 115º/2), mas não se viola directamente qualquer norma constitucional ( ... ). De forma directa, viola-se, sim, o parâmetro de uma lei de valor reforçado (ilegalidade)" - GOMES CANOTILHO, ob. cit., pág 856.

36) JORGE MIRANDA, ob. cit., pág. 252.

37) Cfr. GOMES CANOTILHO, ob. cit., pág. 856.

38) Acórdão nº 347/92, publicado no "Diário da República", I Série, de 3 de Dezembro de 1992, que declarou inconstitucional com força obrigatória geral a norma do artigo 204º do Decreto-Lei nº 376/87; ver também o Acórdão do mesmo Tribunal nº 283/91, publicado no "Diário da República", II Série, de 24 de Outubro de 1991.

39) Cfr. FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1987, pág. 373; JORGE MIRANDA, "As Associações Públicas no Direito Português", ed. Cognitio, Lisboa, 1985, pág. 20; ROGÉRIO EHRARDT SOARES, "A Ordem dos Advogados. Uma corporação pública", in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124º, págs. 161 e segs.

40) Cfr., por todos, o Acórdão nº 497/89, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Fevereiro de 1990.

41) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 497/89.

42) Ob. cit., 2º vol., ... pág. 202.

43) Acórdão do Tribunal Constitucional nº 283/91

44) Acompanha-se o Parecer nº 74/90, publicado no "Diário da República", II Série, de 7 de Março de 1991

45) JORGE MIRANDA, "Manual de Direito Constitucional", Coimbra, 1988, IV, págs. 331 e seguintes.

46) "Direito Constitucional", 4ª edição, Coimbra, 1986, pág. 484.

47) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 1, 2ª edição, .... pág. 270. A exigência de lei formal, no âmbito da lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado, para as restrições dos direitos, liberdades e garantias não é questionável - cfr. JORGE MIRANDA, "Manual", IV, pág. 330, VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", Coimbra, 1983, pág. 212, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, nº 78/86, no Diário da República, II Série, de 14-6-1986, e nº 248/86, no Diário da República, I Série, de 15-9-1986.

48) Sobre os efeitos da ratificação ver o recente Parecer nº 50/92, de 27 de Novembro de 1992.

49) Ver Rui Machete, "A ratificação de Decretos-Leis organicamente inconstitucionais", in "Estudos sobre a Constituição", I volume, Lisboa, 1977, págs. 281 e segs., e "Estudos de Direito Público e Ciências Políticas", Lisboa, 1991, págs. 363 e segs.

50) J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., 2ºvol....., pág. 222.

51) "Funções, órgãos e Actos do Estado; ..., pág. 515, que acrescenta, a pág. 520: Não se vê, portanto, como o facto de se chegar a uma lei com alterações ao decreto-lei possa trazer qualquer coisa de diverso relativamente à aprovação que antes se verifique. A única vontade legislativa que então se encontra é, não no sentido de manter ou assumir o decreto-lei, mas de o alterar"

52) GOMES CANOTILHO, ob. cit., pág. 575.

53) Ver, sobre estes elementos, GOMES CANOTILHO, ob. cit.... pág. 577.

54) Isto em tese geral; quando estão em causa os "direitos, liberdades e garantias",
admite-se alguma flexibilidade perante a evidência da inconstitucionalidade, sobretudo se for do tipo material. Cfr. Vieira de Andrade, "Direito Constitucional", Coimbra, 1977, págs. 226 e segs., e para uma visão global da posição do Conselho Consultivo, o Parecer nº80/89, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1990.

55) A outra possibilidade, sem interesse na economia do Parecer, está prevista no nº 2 do artigo 282º do EMFA: "O CEMFA pode também autorizar o ingresso nesta especialidadede militares do QP da Força Aérea que tenha as necessárias qualificações e o requeiram”.

56) MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", II, 9ªedição (Reimpressão), Coimbra, 1980, págs. 77 e segs.

57) Sobre a antiguidade dos militares, cfr. os artigos 133º e segs. do EMFA. 0 artigo 189º especifica diversas situações equiparadas a serviço efectivo; o estágio para a advocacia não está contemplado, mas, como mais próximas, indicam-se as previsões da alínea h) (frequência de estabelecimentos do ensino superior) -, e da alínea e): "De frequência de cursos de formação nos estabelecimentos de ensino militar que habilitem o ingresso nos quadros permanentes nas categorias de sargento e praça".

58) 0 nº 2 deste artigo 207º dispõe: "0 militar habilitado em curso de especialização ou qualificação não pode deixar o serviço efectivo antes do período mínimo previamente fixada pelo CEM de cada ramo, de acordo com a natureza desse curso, condições de ingresso, duração e estabelecimento de ensino, nacional ou estrangeiro, em que seja ministrado".

59) Para a interpretação extensiva e a analogia, cfr. os Pareceres nºs 40/86, publicado no
Diário da República, II Série, de 15 de Abril de 1987, e 90/88, publicado no Diário da República, Il Série, de 9 de Março de 1989, e os elementos de doutrina ali recenseados.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART47 N1 ART115 ART167 M P ART168 N1 B U ART171 N4 N5 N6 ART172 ART201 N1 A C N3 ART269 ART270.
CCIV66 ART7 N2.
L 1/84 DE 1984/02/15.
L 11/89 DE 1989/07/01 ART11 ART12 ART17 N2.
L 27/91 DE 1991/07/17.
DL 483/76 DE 1976/07/19 ART43.
EOA84 ART68 N1 I J N2 ART73 ART75 ART79 D ART156 ART159 ART161 ART163 ART164 ART170.
DL 376/87 DE 1987/12/11.
DL 184/89 DE 1989/02/06 ART12 N1.
DL 34-A/90 DE 1990/01/24 ART9 ART30 ART125 ART139 ART144 ART145 ART206 ART207 ART221 ART269 ART276 ART282 ART284.
Jurisprudência: 
AC TC 46/84 DE 1984/05/23 IN DR IIS DE 1984/07/13.
AC TC 433/84 DE 1984/11/04 IN BMJ 371 PAG145.
AC TC 474/89 DE 1989/07/12 IN DR IIS DE 1990/01/30.
AC TC 143/85 DE 1985/07/30 IN DR IS DE 1985/11/03.
AC TC 78/86 DE 1986/03/05 IN DR IIS DE 1986/06/14.
AC TC 248/86 DE 1986/07/16 IN DR IS DE 1986/09/15.
AC TC 497/89 DE 1989/07/13 IN DR IIS DE 1990/02/01 * CONT REF/COMP
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR ADM * ASSOC PUBL * FUNÇÃO PUBL.*****
* CONT REFJUR
AC TC 169/90 DE 1990/05/30 IN DR IIS DE 1990/09/11.
AC TC 283/91 DE 1991/06/19 IN DR IIS DE 1991/10/24.
AC TC 347/92 IN DR IS DE 1992/12/03.
Divulgação
7 + 8 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf