Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
12/2004, de 11.03.2004
Data do Parecer: 
11-03-2004
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente
Relator: 
FERNANDA MAÇÃS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
MINISTÉRIO DAS CIDADES, ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E AMBIENTE
RENÚNCIA
RENÚNCIA ABDICATIVA
RENÚNCIA SIMULTÂNEA
NEGÓCIO UNILATERAL
NEGÓCIO RECEPTÍCIO
REVOGAÇÃO
ELEITO LOCAL
MANDATO
ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS
DIREITO AO CARGO
SUPLENTE
INSTALAÇÃO
ÓRGÃO AUTÁRQUICO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Conclusões: 
1ª. A renúncia ao mandato constitui um direito genericamente atribuído aos titulares de cargos políticos, conatural ao direito de ser eleito, consubstanciada numa declaração unilateral de vontade do renunciante dirigida à entidade a que, segundo a lei, deva ser transmitida;
2ª. A renúncia pode ser exercida de forma simultânea desde que sejam observados os requisitos de validade, produzindo efeitos de forma automática a partir do momento em que chegue ao conhecimento da entidade competente para a receber, tornando-se a partir daí irrevogável;
4ª. Os eleitos locais gozam, segundo o nº 1 do artigo 76º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, do direito de renúncia ao respectivo mandato quer antes quer depois da instalação do órgão: antes da instalação podem renunciar ao direito ao cargo correspondente ao mandato para que foram legitimamente eleitos; depois da instalação passam a poder renunciar ao exercício efectivo do mesmo;
5ª. O direito ao exercício do cargo dos membros não eleitos da lista vencedora apenas emerge na sua esfera jurídica quando ocorrer vaga em relação a algum dos membros dos órgãos autárquicos;
6ª. Sendo apresentada renúncia simultaneamente por todos os elementos integrantes de uma lista, tenham ou não sido chamados à titularidade do cargo, a renúncia opera também em relação a estes últimos: como o conhecimento do pedido da renúncia dos eleitos precede, necessariamente, o da renúncia dos não eleitos, abre-se de imediato a vaga do cargo e, concomitantemente, emerge com essa vaga o direito ao cargo para o membro não eleito;
7ª. Tendo por referência o afirmado na conclusão anterior, a renúncia de dois membros suplentes, apresentada simultaneamente à dos restantes membros da lista, torna-se irretratável, nos termos do estabelecido na conclusão 3ª, observados os requisitos mencionados na conclusão 2ª.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente,
Excelência:



I

No decurso de um Inquérito realizado pela Inspecção-Geral da Administração do Território verificou-se a existência de opiniões divergentes dos serviços do Ministério das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente[1], a propósito do sentido e alcance do artigo 76º, nº 1, da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro.

Perante tal situação, tendo em vista a necessidade de uniformizar o entendimento do Ministério relativamente à interpretação do mencionado preceito, o Senhor Inspector-Geral da Administração do Território, em exposição dirigida a Vossa Excelência, propôs que fosse solicitado parecer urgente ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre as seguintes questões:

“1º Face ao art. 76º nº 1 da Lei nº 169/99 de 18 de Setembro, é legalmente possível a renúncia ao mandato de todos os elementos que integram a lista de uma coligação eleitoral, incluindo os que ainda não se encontram em exercício de funções de vereadores ?
2º Caso se conclua que, para além dos vereadores, também os restantes elementos da lista podiam renunciar ao mandato, é legalmente possível que dois membros suplentes dessa lista, após a dita renúncia, venham posteriormente, ao abrigo do nº 4 do art. 76º, a integrar o elenco camarário?”

Tendo a proposta sido aceite e a questão submetida a este Conselho, cumpre, com a urgência pretendida, emitir parecer.


II

As questões objecto do parecer giram em torno da renúncia ao mandato dos eleitos locais, cujo regime consta fundamentalmente do artigo 76º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro[2].

O nº 1 deste preceito confere aos “titulares dos órgãos das autarquias locais” o direito de renúncia ao respectivo mandato a exercer mediante manifestação de vontade apresentada, quer antes quer depois da instalação dos órgãos respectivos.

Antes de entrarmos na análise do regime estabelecido no mencionado preceito, impõe-se excurso, ainda que breve, sobre o enquadramento da figura da renúncia em geral no direito civil e, em particular, no direito público.


1. No direito civil, a renúncia é definida como um “[a]cto voluntário pelo qual uma pessoa perde um direito de que é titular, sem uma concomitante atribuição ou transferência dele para outrém: a renúncia é, pois, um acto abdicativo unilateral do direito”[3].

No mesmo sentido, também este corpo consultivo já teve oportunidade de versar a figura concluindo que a renúncia se traduz “num acto jurídico unilateral, de carácter abdicativo, o qual implica, em regra, a perda de uma vantagem ou interesse pessoal do renunciante”[4].

Temos assim que a causa ou objecto da declaração renunciativa[5], entendida em sentido estrito, assenta na pura abdicação, renúncia, demissão, despojamento de um direito de que se é titular.

Nas palavras de FRANCISCO PEREIRA COELHO[6], “(...) o titular do direito subjectivo, em lugar de o conservar, ou de o exercer, ou de não o exercer, declara renunciar a ele - declara pretender a produção desse efeito que se cifra na extinção (ao menos subjectiva) daquele direito, e a produção apenas desse efeito...”, abstraindo de qualquer efeito de subsequente e eventual aquisição do direito ou de uma vantagem conexa por terceiros[7].

Na verdade, tendo em conta a causa renunciativa, os autores tendem a distinguir entre o efeito negocial imediato – aquele a que se dirige a vontade do renunciante e que se traduz na extinção do direito a que se renuncia – e os efeitos legais ulteriores da declaração atribuídos por lei consoante a sorte do direito abdicado.

Efectivamente, além do efeito extintivo imediato, produz-se também, em regra, de forma mediata, a extinção objectiva do direito renunciado e a correlativa atribuição legal de uma vantagem ou do próprio direito abdicado a terceiro: efeito mediato atributivo[8].

Acontece porém que, em determinados negócios aparentemente renunciativos, verifica-se que o renunciante do direito não o faz com pura intenção abdicativa, mas sim com intenção atributiva[9] - intenção de atribuir uma vantagem ou o próprio direito renunciado em favor de alguém.

É por esta razão que, ao lado da renúncia propriamente dita ou abdicativa, alguns autores falam de uma renúncia “translativa”[10] [11] ou “atributiva”.

A doutrina converge, porém, que somente se pode falar em renúncia verdadeira e própria, abdicativa ou em sentido estrito, sobre a que tiver intenção e eficácia puramente abdicativas[12], uma vez que a atribuição dela resultante é mero efeito legal ulterior[13].

1.1. A declaração unilateral constitui o modo normal de se exprimir uma vontade abdicativa, considerando-se suficiente para a produção de um resultado jurídico abdicativo, um negócio unilateral.

Com efeito, representando a renúncia abdicativa uma forma de exercício do direito[14], há-de assentar, por definição, numa actuação unilateral do seu titular.

Por outro lado, como a renúncia abdicativa se limita pura e simplesmente a extinguir o direito, que constituiu o seu objecto sem afectar directamente a esfera jurídica ou os interesses de terceiros, não se justifica qualquer intervenção de uma declaração destes na produção do resultado abdicativo[15].


1.2. Uma distinção que impera nos negócios unilaterais[16] é a que se estabelece entre negócios unilaterais receptícios (recipiendos) e negócios unilaterais não receptícios. Os primeiros pressupõem que a declaração de vontade tenha de ser dirigida e comunicada a certa pessoa; enquanto nos segundos basta a emissão da declaração, sem ser necessário comunicá-la a quem quer que seja.

Nos negócios receptícios a declaração “só é eficaz se for e quando for dirigida e levada ao conhecimento de certa pessoa”[17], enquanto nos não receptícios a declaração produz efeitos logo que é emitida[18].

Na nossa ordem jurídica, existem casos em que o legislador submete a perfeição da declaração unilateral à recepção do destinatário e outros em que não é feita tal exigência[19].

Segundo FRANCISCO PEREIRA COELHO[20], “se há acto cuja eficácia deva prescindir da comunicação ou do conhecimento por parte do destinatário dos respectivos efeitos, esse acto é o acto abdicativo”[21].

Isto é assim designadamente em relação à denominada renúncia abdicativa propriamente dita, porque nunca está em jogo uma atribuição[22]: os efeitos típicos do negócio renunciativo esgotam-se na esfera jurídica do renunciante não exigindo, para a sua perfeição, qualquer comunicação a terceiros[23].

Toda a renúncia abdicativa[24], mesmo a remissão do crédito, basta-se com uma declaração por parte do renunciante, unilateral, que será por princípio não receptícia[25] - considera-se perfeita no momento em que a declaração correspondente é emitida.


1.3. Questão diferente, que pode colocar-se, é a de saber-se em que termos será possível admitir a revogabilidade da declaração renunciativa enquanto se não der a aquisição ulterior (ex lege) pelo terceiro beneficiário.

A resposta a esta questão encontra-se estreitamente ligada à natureza unilateral e não receptícia da renúncia.

Alguns autores, partindo do facto de a renúncia abdicativa não afectar directamente ninguém, defendem ser possível ao renunciante retractar-se, revogando o efeito extintivo da renúncia, antes que se dê qualquer aquisição ex lege.

Outros, porém, tendo por base precisamente a estrutura unilateral e não receptícia, apontam para o carácter irrevogável da renúncia.

Argumenta-se, em primeiro lugar, que normalmente a aquisição operada em favor de terceiros, ainda que indirecta e produzida por lei, “é automática ou imediata, pelo que, uma vez perfeita a declaração renunciativa, a circunstância de automaticamente se verificar a aquisição por parte de terceiros tornará irrevogável aquela declaração”[26].

Em segundo lugar, invoca-se o efeito «real», hoc sensu, reconhecido ao acto renunciativo (neste caso abdicativo).

Efectivamente, conquanto a renúncia verdadeira e própria não tenha por objecto um direito real, ela tem pelo menos o efeito real consistente na perda ou na extinção do direito renunciado[27].

Com efeito, “se a abdicação cria, ao menos directamente, um estado («real») de jacência do direito abdicado, não se compreende que esse efeito real, e a consequente aquisição ex lege (tendo-a havido) possam ser impedidos por uma declaração unilateral de revogação de uma abdicação que se tornara perfeita”[28] [29].

Podemos dizer, em relação a este aspecto, que a doutrina maioritária vai no sentido de que a renúncia integra-se nos negócios unilaterais não receptícios, “não carece de aceitação”[30] [31] e é irrevogável[32].


1.4. A terminar esta incursão pela estrutura e regime da renúncia importa abordar, mais detidamente, alguns aspectos do seu regime, em especial no que concerne ao objecto.

Pode afirmar-se, em tese geral, que todas as situações jurídicas subjectivas[33] podem constituir objecto de renúncia desde que se encontrem na livre disponibilidade do seu titular e não sejam proibidas por lei.

No entanto, os direitos absolutos[34], pela sua estrutura caracterizada por uma posição jurídica subjectiva activa de poder a que corresponde um dever genérico de abstenção, são os que melhor servem como objecto de um acto abdicativo[35].

De igual modo, constitui princípio geral a irrenunciabilidade dos direitos de personalidade[36] [37] bem como a renúncia, genérica, a direitos fundamentais, como melhor será analisado mais adiante.

Torna-se, porém, necessário precisar que uma coisa é renunciar a um direito em geral e outra bem diferente é a possibilidade de renunciar ao mesmo direito no caso concreto. Por outro lado, afigura-se igualmente pertinente a distinção entre renúncia ao direito enquanto tal e renúncia a um ou vários aspectos ou dimensões desse direito.

Na individualização das situações jurídicas renunciáveis, os autores discutem a renunciabilidade das meras expectativas e dos direitos futuros, por razões fundamentalmente de ordem técnica.

Com efeito, nestes casos, faltaria uma característica essencial da renúncia: a actualidade da situação jurídica objecto do negócio renunciativo[38].

A produção do efeito abdicativo típico da renúncia seria impossível no caso de direitos não existentes no património do renunciante no momento da renúncia, ainda que se tratasse de direito existente noutro património, por falta de um pressuposto indispensável traduzido na disponibilidade de direito.

Apesar deste argumento, a doutrina em geral trata de modo diferente as duas situações.

Em relação às expectativas[39] [40], admite-se que possam constituir objecto de renúncia, a menos que se trate de simples expectativas de facto, traduzidas na mera esperança da verificação de um evento ou de previsões genéricas e, como tais, desprovidas de relevância jurídica[41].

Mais complexa se afigura a admissibilidade da renúncia no caso de direitos futuros[42].

Em relação aos direitos futuros em sentido estrito[43], ou seja, aqueles direitos que não se encontram ainda consolidados na esfera jurídica do respectivo titular, vale aqui, efectivamente, segundo alguma doutrina, o princípio mediante o qual não se pode dispor, a título meramente abdicativo, de um direito futuro[44] [45], independentemente da natureza imperativa ou dispositiva da norma que atribui ou reconhece o direito em causa.

De modo diferente se passam as coisas no caso de direitos que, não existindo ainda formados na esfera do titular, devem ser equiparados a direitos actuais. É o que se passa com os direitos condicionais ou a termo, suspensiva ou resolutivamente.

Com efeito, se o direito já existe na sua conformação normal e é conhecido em toda a sua extensão pelo seu titular, faltando apenas para a sua plena eficácia a verificação de um elemento acessório ou exterior (a verificação de uma condição ou um de termo), não existem razões para que ao menos do ponto de vista estritamente técnico tal direito não possa ser objecto de renúncia abdicativa[46].

Outros autores, considerando a renúncia uma consequência natural, inerente ao conceito e estrutura do direito subjectivo, consideram a irrenunciabilidade dos direitos futuros imposta em geral por razões de ordem pública[47] ou técnica[48] ligadas à estrutura do direito em causa e não por se tratar de um direito futuro.

Nesta sequência tendem a admitir a renunciabilidade de um direito futuro mas a renúncia, neste caso, só produziria efeitos com a emergência do direito. Ou seja, a extinção do direito coincidiria neste caso com a sua aquisição pelo renunciante[49].


2. Mais controversa é a admissibilidade da figura da renúncia no direito administrativo que não recebe, neste âmbito, resposta uniforme[50].

Podemos dizer que também aqui o objecto principal da renúncia é ocupado pelas situações jurídicas subjectivas[51] [52].

No entanto, no lado dos tradicionalmente denominados direitos subjectivos públicos[53] consideram-se, de um modo geral, não renunciáveis aqueles que a lei garante tendo em vista não apenas o interesse privado mas, essencialmente, o interesse geral.

É, desta forma, delicada a admissibilidade da renúncia em relação àquelas posições jurídicas designadas por status[54], em que o seu titular é portador de um complexo de direitos, poderes e deveres ou de faculdades, que lhe conferem uma particular posição jurídica-–subjectiva uniforme e homogénea[55] embora diferenciada dos demais cidadãos.

Neste caso, a protecção conferida a tais situações não se encontra apenas pré-ordenada à salvaguarda dos interesses do titular, mas também ao serviço de superiores interesses da colectividade em geral ou de um grupo, donde resultar a irrenunciabilidade da própria natureza da situação jurídica que se mostra inidónea a constituir objecto de renúncia.

Por outro lado, a dificuldade da admissibilidade da renúncia do lado das posições subjectivas activas é dificultada neste caso pelo carácter unitário e consequente incindibilidade das várias componentes do estatuto.

Opostamente, consideram-se, de um modo geral, renunciáveis os direitos de conteúdo patrimonial, aqueles direitos a que corresponda uma obrigação de pagamento de uma quantia em dinheiro por parte da Administração bem como os direitos cuja emergência careça da adesão do interessado.


3. Em Direito Constitucional, de acordo com a doutrina tradicional assente na inalienabilidade dos direitos fundamentais, a renúncia considerava-se liminarmente rejeitada[56].

Ultrapassada a concepção liberal e reconhecida a liberdade individual como indissociável da solidariedade cívica e de uma ética de responsabilidade comunitária, a doutrina tende a defender que os direitos fundamentais apresentam uma dupla dimensão: subjectiva e objectiva[57].

A dimensão objectiva, enquanto complemento e suplemento da dimensão subjectiva, significa designadamente que se “retiram dos preceitos constitucionais efeitos que não se reconduzem totalmente às posições jurídicas subjectivas que reconhecem, ou se estabelecem deveres e obrigações, normalmente para o Estado, sem a correspondente atribuição de «direitos» aos indivíduos”[58].

A dimensão objectiva funcionaria, desta forma, como reforço da imperatividade dos «direitos» individuais e alargaria a sua influência normativa no ordenamento jurídico e na vida em sociedade[59].

A alteração mencionada não obsta, por conseguinte, a que se continue a proclamar que “os direitos fundamentais, como totalidade, são irrenunciáveis” e que “os direitos, liberdades e garantias, isoladamente considerados, são também irrenunciáveis, devendo distinguir-se entre renúncia ao núcleo substancial do direito (constitucionalmente proibida) e limitação voluntária ao exercício (...) de direitos”[60].

Enquanto no direito privado a renúncia surge, como vimos, como extinção de um direito dado o seu abandono voluntário por parte do seu titular, nos casos de renúncia a direitos fundamentais, como refere REIS NOVAIS, “raramente se coloca a questão da renunciabilidade de um direito fundamental como um todo, enquanto desaparecimento definitivo desse direito fundamental da esfera jurídica do seu titular” [61] [62].

O que acontece normalmente na renúncia a direitos fundamentais é o particular vincular-se “juridicamente a não invocar um seu direito fundamental perante as entidades públicas, nomeadamente, compromete-se, em geral, a não exercer, temporária ou pontualmente, algumas das pretensões, faculdades ou poderes que integram esse direito”[63].

Nesse sentido, o verdadeiro problema não deve ser hoje encarado na perspectiva da admissibilidade ou não da renúncia a direitos fundamentais[64].

A questão fundamental está em saber em que condições e limites a ordem jurídica admite a autolimitação, em geral por tempo limitado e com alcance parcelar, do exercício de um direito por vontade do respectivo titular num caso concreto[65].

De entre os pressupostos jurídicos de validade da disposição limitadora do exercício de direitos, liberdades e garantias destacam-se os respeitantes “à garantia da autenticidade e da genuinidade da manifestação de vontade do titular”[66].

A declaração de vontade só é válida quando emitida de forma consciente, livre e esclarecida.

É desde logo fundamental que a manifestação de vontade seja produzida pelo próprio titular e se apresente desprovida de qualquer coacção (física, moral ou até social).

A manifestação de vontade deve ainda ser esclarecida, isenta de erro e inequívoca, não bastando, em regra, o consentimento presumido.

Em termos gerais podemos concluir que a renúncia manifesta-
-se também aqui sob a forma de uma declaração unilateral, sendo-lhe aplicáveis as demais regras de direito civil, sem esquecer eventuais especificidades resultantes do facto de versar sobre matéria de direitos fundamentais[67] [68].

A renúncia a direitos fundamentais traduz-se, como vimos, no exercício de um direito mas não se esgota nesta dimensão consubstanciando, simultaneamente, uma restrição de direitos. Por esta razão, encontra-se sujeita aos mesmos requisitos estabelecidos em geral na Constituição para a lei restritiva, tais como a reserva de lei, respeito pelo princípio da proporcionalidade e pelo conteúdo essencial dos preceitos constitucionais[69].

Além dos limites apontados, a renúncia ou autolimitação de direitos encontra-se à partida condicionada pelo grau de disponibilidade do direito objecto de renúncia pelo seu titular, o que depende da estrutura e tipo de direito fundamental em causa.

Se em relação a alguns direitos fundamentais vale o princípio da indisponibilidade, como acontece em relação à inviolabilidade da vida humana, à integridade física e moral das pessoas, etc.[70], já em relação a outros a renúncia será admissível, tudo dependendo do tipo de direito fundamental em causa[71] e dos interesses envolvidos.

Em relação a determinados direitos fundamentais, verifica-se que embora relativos a direitos pessoais, se encontram ao mesmo tempo intimamente associados à defesa de valores ou bens comunitários, de carácter social, institucional ou estatal, a que subjaz um interesse público de que o titular do direito não pode dispor.

Nesta categoria vamos encontrar de um modo geral os direitos de participação na vida política[72].


3.1. O artigo 48º, nº 1, da CRP proclama que “todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”.

Por sua vez, o nº 1 do artigo 50º consagra o direito de acesso a cargos públicos, em condições de igualdade.

Segundo JORGE MIRANDA, “os direitos políticos dos cidadãos, entre os quais se conta o de ser eleito deputado e o de apresentar candidaturas, têm natureza mista de direitos subjectivos e poderes funcionais; não se reconduzem a meros poderes funcionais, pois também são conferidos para realização de interesses pessoais”[73].

Durante o período de tempo do mandato, nos termos fixados na lei ou na Constituição, o titular está adstrito a um dever de permanência, a um dever de zelar pelo cargo e de o manter até ao fim em homenagem ao interesse público[74].

No entanto, existe consenso na doutrina no sentido de o direito de renúncia a um cargo político constituir afloramento de um princípio geral[75], conatural ao direito de ser eleito.

Segundo esse princípio geral “o titular de um órgão governativo tem o direito de não se conservar no cargo, desde que sobrevenham fortes razões de carácter pessoal ou até institucional que devam mesmo prevalecer sobre o interesse público ao desempenho das funções públicas electivas por todo o tempo”[76] [77].

A renúncia ao mandato representa, para JORGE MIRANDA, um direito com estrutura composta ou mista: participa da natureza de direito fundamental como garantia de liberdade e como corolário ou reverso do próprio direito de acesso a cargos públicos (art. 50º, nº 1) e, ao mesmo tempo, “participa de situação funcional, porque, ao fim e ao resto, também para o interesse público é preferível que ninguém, diminuído ou contrariado, desempenhe um cargo público”[78].


3.2. Na nossa ordem jurídica, a renúncia ao mandato constitui um direito genericamente atribuído aos titulares de cargos políticos[79], através do qual podem declarar não pretender continuar a exercer as funções em que se encontram investidos[80].

No caso do Presidente da República a renúncia concretiza-se através de mensagem dirigida à Assembleia da República (nº 1 do artigo 131º da CRP [81] [82].

A renúncia não tem de ser fundamentada, não pode ser feita sob condição, e não depende da aceitação da Assembleia da República para produzir efeitos, tornando-se efectiva com o conhecimento da mensagem pelo Parlamento[83] (nº 2 do artigo 131º da CRP).

De seguida, a mensagem de renúncia é objecto de publicação no Diário da República, nos termos legais.

Por sua vez, os deputados podem renunciar ao mandato mediante declaração escrita apresentada pessoalmente ao Presidente da Assembleia da República ou com a assinatura reconhecida notarialmente (artigo 160º, nº 2, da CRP)[84].

No entanto, a renúncia só produz efeitos a partir do anúncio pela Mesa no Plenário da Assembleia da República[85] e não carece de publicação no Diário da República, exigindo-se apenas a sua publicitação no Diário da Assembleia da República.

Em relação aos deputados da Assembleia Regional dos Açores, a renúncia ao mandato é feita mediante declaração escrita apresentada ao Presidente da Assembleia (artigo 28º, nº 3, do Estatuto)[86], produzindo efeitos com a declaração pelo Presidente perante o Plenário.

A renúncia ao mandato dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira encontra-se sujeita às mesmas regras[87], o que dispensa a sua explicitação.

A conclusão que se retira deste breve percurso vai no sentido de que a renúncia ao mandato assenta numa declaração unilateral de vontade do renunciante dirigida à entidade a que deva ser transmitida a intenção de abandonar o cargo.

A renúncia não depende da aceitação do órgão ao qual deva ser comunicada, produzindo efeitos automaticamente com a mera comunicação.

No entanto, a manifestação unilateral de vontade do renunciante apenas se torna efectiva e eficaz quando chega ao conhecimento da entidade a que deva ser transmitida a declaração[88].

Verifica-se, desta forma, que a declaração de renúncia carece, para a sua completa relevância ou eficácia, de ser dada a conhecer a um destinatário, tornando-se essencial que o mesmo apreenda o conteúdo da declaração[89].

No direito público, a figura da renúncia aparece delineada, do ponto de vista estrutural, como uma declaração unilateral receptícia, afastando-se, por conseguinte, da natureza não receptícia reconhecida em geral à figura da renúncia no direito civil.

E compreende-se que assim seja pois, por um lado, a renúncia tem no direito público um significado diferente daquele que lhe é reconhecido pelo direito privado. Neste, a declaração de renúncia apenas diz respeito e interessa ao renunciante. No direito público, não pode deixar de relevar, além do interesse (direito) do renunciante, os eventuais efeitos negativos do acto em relação ao eleitorado e ao próprio partido que o elegeu. Sucessivas renúncias podem conduzir a um processo de desgaste e descrédito das instituições[90].

Por outro lado, é preciso ter igualmente em conta o relevante interesse público decorrente da necessidade de garantir a continuidade do funcionamento das instituições.

Assim sendo, não faz sentido que a renúncia comece a produzir efeitos antes que a declaração do renunciante chegue ao conhecimento da entidade competente, de modo que esta possa de imediato tomar as medidas necessárias a prover à substituição do eleito que pretenda exercer o direito de renúncia.

Outra característica a destacar é a irrevogabilidade da renúncia, já que a mesma, não carecendo de aceitação, torna-se definitiva e irretratável, a partir do momento em que a declaração se considere perfeita[91].


III

1. A resposta às questões formuladas exige que nos centremos agora na análise do regime da renúncia ao mandato dos eleitos locais.

Esse regime consta fundamentalmente do artigo 76º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, que tem o seguinte conteúdo:

“Artigo 76º
Renúncia ao mandato
1 - Os titulares dos órgãos das autarquias locais gozam do direito de renúncia ao respectivo mandato a exercer mediante manifestação de vontade apresentada, quer antes quer depois da instalação dos órgãos respectivos.
2 - A pretensão é apresentada por escrito e dirigida a quem deve proceder à instalação ou ao presidente do órgão, consoante o caso.
3 - A substituição do renunciante processa-se de acordo com o disposto no número seguinte.
4 - A convocação do membro substituto compete à entidade referida no nº 2 e tem lugar no período que medeia entre a comunicação da renúncia e a primeira reunião que a seguir se realizar, salvo se a entrega do documento de renúncia coincidir com o acto de instalação ou reunião do órgão e estiver presente o respectivo substituto, situação em que, após a verificação da sua identidade e legitimidade, a substituição se opera de imediato, se o substituto a não recusar por escrito de acordo com o nº 2.
5 - A falta de eleito local ao acto de instalação do órgão, não justificada por escrito no prazo de 30 dias ou considerada injustificada, equivale a renúncia, de pleno direito.
6 - O disposto no número anterior aplica-se igualmente, nos seus exactos termos, à falta de substituto, devidamente convocado, ao acto de assunção de funções.
7 - A apreciação e a decisão sobre a justificação referida nos números anteriores cabem ao próprio órgão e devem ter lugar na primeira reunião que se seguir à apresentação tempestiva da mesma.”

Do preceito transcrito decorre, em primeiro lugar, que o legislador reconhece aos “titulares dos órgãos das autarquias” o direito de renúncia ao respectivo mandato.

Trata-se de um direito que as sucessivas leis das autarquias locais têm reiterado[92].

Para renunciar ao respectivo mandato, deverá o eleito local dirigir a sua pretensão, por escrito, a quem proceder à instalação do órgão em causa ou ao presidente.

Esta exigência de uma comunicação escrita, através da qual o eleito manifesta a sua vontade de renunciar ao mandato, tem constituído uma constante[93].

A novidade está no facto de a actual Lei das Autarquias Locais, ao contrário das anteriores, prever expressamente dois momentos em que a renúncia pode ter lugar.

Com efeito, a manifestação de vontade do eleito renunciante pode ser apresentada quer antes quer depois da instalação dos órgãos respectivos (nº 1 do artigo 76º da Lei nº 169/99).

Se tiver lugar antes da instalação, a comunicação escrita de renúncia será apresentada e dirigida a quem tiver competência para proceder à instalação. Se ocorrer posteriormente, será apresentada e dirigida ao presidente do órgão[94] em causa.

Da análise do regime transcrito podemos extrair desde já uma primeira ilação conclusiva quanto ao regime da renúncia: o direito de renúncia deve ser exercido apenas mediante manifestação escrita da vontade de renunciar, dirigida às entidade indicadas na lei.


1.1. Verifica-se, em segundo lugar, que o legislador nada adianta sobre o momento a partir do qual a renúncia se deve considerar perfeita e apta a produzir os efeitos a que tende.

Ora, resulta das considerações anteriores que um dos problemas nucleares que se colocam nesta matéria gira em torno da determinação do momento a partir do qual a renúncia deve ter-se por eficaz.

A este propósito, afigura-se claro que se retira de forma imediata e directa da lei[95] que a eficácia da renúncia não está subordinada à aceitação ou recusa por parte do órgão de que o renunciante é membro[96].

Como vimos, no nº 2 do artigo 76º da Lei nº 169/99, a lei limita-
-se a exigir que a pretensão de renúncia seja dirigida à entidade competente para a receber. E, no nº 3 do mesmo preceito, alude-se à “comunicação da renúncia”, sem quaisquer outras exigências. O que aponta de forma inequívoca no sentido de que a produção de efeitos da renúncia não está condicionada a qualquer aceitação desta por aquele ou aqueles a que se dirige.

Afigura-se, desta forma, legítima a conclusão no sentido de que exteriorizada por escrito a manifestação de vontade no sentido da renúncia, dá-se a perda do mandato, de forma automática[97], com a mera comunicação da respectiva declaração[98] à entidade competente para a receber.

A favor desta interpretação, que tem na letra do preceito apoio inequívoco, militam outros argumentos não menos importantes.

Segundo alguma doutrina, seria inadmissível e incongruente fazer depender o exercício do direito de abandono de cargos políticos de uma decisão estranha à relação que se estabelece entre representantes e representados[99]: os primeiros, uma vez eleitos, só podem ser destituídos dos seus cargos por decisão dos representados ou manifestação de vontade própria, através, precisamente, da renúncia[100].

Esta é também a ilação que decorre naturalmente do carácter voluntário e não obrigatório do exercício de cargos representativos.

Por outro lado, a solução apontada é a mais consentânea ao enquadramento que é dado à figura no âmbito do direito civil, tendo designadamente em conta a sua natureza puramente abdicativa e estrutura unilateral, como vimos.


1.2. A solução alcançada não dispensa, porém, que se questione se as declarações de renúncia pressupõem ou não um destinatário, a cuja esfera de conhecimento devam ser levadas, ou se, pelo contrário, devem valer “logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada” (artigo 224º, nº 1, 2ª parte, do Código Civil).

Com efeito, impõe-se ainda averiguar se a eficácia da renúncia se basta com a mera declaração ou se, pelo contrário, a comunicação tem de ser dada a conhecer a um destinatário[101].

Se a declaração de renúncia coincidir com o acto de instalação ou de reunião do órgão, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 169/99, o problema não se coloca, já que o conhecimento por parte do destinatário se opera de imediato com a entrega da mesma, considerando-se a partir desse momento perfeita e eficaz a renúncia.

O problema fica no entanto em aberto para as demais situações, uma vez que o nº 2 do mencionado artigo 76º se limita a exigir, recorde-se, que a declaração de vontade de renúncia seja apresentada por escrito e dirigida à entidade competente para a receber.

Vimos que a renúncia no direito público, sem deixar de ser um direito, envolve interesses de ordem pública, dignos de consideração, que extravasam a mera esfera pessoal do renunciante.

Do mesmo modo, a renúncia ao mandato dos eleitos locais é um direito instituído em favor do eleito mas que serve igualmente superiores valores da comunidade, designadamente os ligados ao funcionamento contínuo e sem perturbação dos órgãos das autarquias.

E é em homenagem a esses valores que o lugar vago, deixado pelo renunciante, tem de ser imediatamente preenchido pelo substituto[102], evitando-se deste modo o recurso a eleições intercalares.

Como ficou sublinhado, são razões de interesse público semelhantes àquelas que fundamentam a configuração da renúncia aos cargos electivos em geral como uma declaração unilateral receptícia.

Ora, tendo presente a analogia substancial entre as situações, resultante fundamentalmente do mesmo tipo de interesses que a renúncia a cargos electivos políticos envolve, não vemos razão para tratar a renúncia ao mandato dos eleitos locais de modo diferente.

Cremos estar, também aqui, precisamente perante uma daquelas situações em que na “manifestação recipienda tem uma tal natureza a declaração que carece de ser dada a conhecer a um destinatário”[103].

Mesmo que não existissem outros argumentos, cremos que a necessidade de assegurar, de forma imediata, a substituição do renunciante permite, por si só, compreender a exigência no sentido de que a declaração de renúncia tenha de ser levada ao conhecimento da entidade encarregada de proceder à substituição.

Recebida a comunicação de renúncia, a entidade competente fica incumbida de convocar de imediato o membro substituto, devendo a convocação ter lugar no período entre a comunicação e a primeira reunião que a seguir se realizar (cfr. nº 4 do artigo 76º da Lei nº 169/99).

Torna-se também evidente que, neste caso, tal entidade não se pode considerar de modo algum o destinatário directo nem indirecto de eventuais efeitos da renúncia, nem se visa tão-pouco tutelar interesses que integram a sua esfera jurídica. Trata-se tão-só de um destinatário criado pela lei com a responsabilidade particular de receber a declaração de renúncia para o efeito de desencadear a substituição do renunciante.

Por tudo quanto foi exposto, afigura-se que o silêncio do legislador deve ser ultrapassado, no que respeita ao aspecto particular da eficácia da renúncia, pela aplicação do regime análogo[104] previsto para a renúncia a outros cargos electivos políticos.

Em sequência deve considerar-se a eficácia da renúncia subordinada também neste caso ao seu conhecimento pela entidade a que deva ser dirigida[105], nos termos gerais.


1.3. Um outro aspecto que importa apreciar, por estar intimamente relacionado com os anteriores, é o que respeita à possibilidade de retractração da renúncia.

A este propósito, a doutrina converge no sentido de que uma vez aperfeiçoada a declaração de renúncia, mostrando-se esta clara e precisa, na ausência de vícios da vontade e cumpridas as formalidades legais, deve entender-se que ela é irrevogável[106].

A irrevogabilidade da renúncia decorre desde logo da própria natureza unilateral e estrutura receptícia que é reconhecida à figura no Direito Público. Uma vez aperfeiçoada a declaração, verifica-se para o titular do direito renunciado a impossibilidade de a revogar por carência de objecto[107] [108].

Por outro lado, é a solução que decorre naturalmente do facto de nos situarmos no domínio de direitos que não se encontram na total disponibilidade do titular.


1.4. Finalmente, importa tecer algumas considerações sobre a validade da declaração de renúncia.

Tal como qualquer declaração jurídica unilateral, para produzir efeitos validamente, a manifestação de vontade de renúncia ao mandato tem de ser clara, precisa e incondicionada[109].

Constitui exigência fundamental para a correcta formação da vontade, como já ficou dito a propósito da renúncia a direitos fundamentais, que a respectiva declaração se manifeste de forma consciente e livre.

Em muitas situações a vontade do renunciante pode ser pressionada e condicionada por circunstâncias exteriores de vária natureza, que podem ir desde circunstâncias pessoais ou familiares até razões de ordem partidária[110].

Se tais circunstâncias forem de molde a afectarem a livre tomada de decisão, a declaração de renúncia pode ser inválida, por coacção.

Por outro lado, a manifestação de vontade também não pode assentar em informações erradas ou falta de conhecimentos, sob pena de invalidade por erro nas suas diversas modalidades.

O conteúdo da declaração pode ainda não se apresentar de forma clara e precisa ou encontrar-se sujeito a termo ou condição.

A comunicação de renúncia pode igualmente não produzir efeitos se não obedecer às formalidades legais, isto é, não for feita por escrito ou não for dirigida à entidade competente[111].

2. Outra questão que se impõe resolver, tendo em vista a resposta às perguntas que constituem objecto do parecer, é a de saber quando é que pode falar-se em “renúncia ao mandato”.

Mais concretamente, questiona-se se só os eleitos efectivamente investidos num mandato autárquico podem renunciar ao respectivo cargo.

Esta tese afigura-se, numa apreciação perfunctória, encontrar apoio no nº 1 do artigo 76º da Lei nº 169/99, quando refere que “os titulares dos órgãos das autarquias locais gozam do direito de renúncia ao respectivo mandato...”

Ao falar em “titulares dos órgãos”, o legislador está a reportar-–se às pessoas físicas que são o suporte do órgão.

A doutrina converge em que “o órgão é o elemento da pessoa colectiva que consiste num centro institucionalizado de poderes funcionais a exercer pelo indivíduo ou pelo colégio de indivíduos que nele estiverem providos com o objectivo de exprimir a vontade juridicamente imputável a essa pessoa colectiva”[112].

Os órgãos, enquanto centros abstractos de poderes, não podem exercer a sua competência, necessitando para esse efeito do concurso de pessoas físicas que são os titulares ou suportes do órgão[113].

Assim sendo, no caso de um órgão singular será um indivíduo apenas a desempenhar funções, se for um órgão colegial exige-se o concurso de uma pluralidade de indivíduos que funcionam conjuntamente em obediência a requisitos legais.

É em regra através dum acto especial, a investidura, que o sujeito individual se transforma em agente da pessoa colectiva[114].

Em relação aos órgãos das autarquias locais somente se pode falar em titulares de órgãos a partir da respectiva instalação.

Tomando como referência o órgão câmara municipal, rege o artigo 60º que, sob a epígrafe “Instalação”, tem o seguinte conteúdo:

“1 - A instalação da câmara municipal cabe ao presidente da assembleia municipal cessante ou, na sua falta, ao cidadão melhor posicionado na lista vencedora das eleições para a assembleia municipal, de entre os presentes, e deve ter lugar no prazo de 15 dias a contar do apuramento definitivo dos resultados eleitorais.
2 - Quem proceder à instalação verifica a identidade e a legitimidade dos eleitos e designa, de entre os presentes, quem redige o documento comprovativo do acto, que é assinado, pelo menos, por quem procedeu à instalação e por quem o redigiu.
3 - A verificação da identidade e legitimidade dos eleitos que hajam faltado, justificadamente, ao acto de instalação é feita, na primeira reunião do órgão a que compareçam, pelo respectivo presidente”[115].

Podemos dizer que através da instalação emerge o órgão e é ao mesmo tempo o eleito local investido nos direitos e deveres reguladores do exercício das suas funções como titular do órgão em causa, depois de verificada a sua identidade e legitimidade[116].

A figura da instalação desempenha aqui papel similar ao da investidura do funcionário ou agente, sendo que só a partir do acto formal de instalação o eleito local se considera investido no mandato e se dá o início efectivo do seu período, isto é, o mandato do eleito opera a sua eficácia[117] começando a contar os respectivos efeitos[118].

Repare-se, porém, que a lei admite que a renúncia possa operar antes da instalação do órgão.

A admissão expressa de que a renúncia possa ocorrer antes da instalação do órgão conjugada com a equivalência entre falta ao acto de instalação e renúncia consagrada na Lei nº 169/99[119], remete-nos para o problema de saber em que medida se pode efectivamente falar em renúncia ao mandato antes da ocorrência da instalação do órgão.

Na resposta à questão posta será analisada em primeiro lugar a situação dos candidatos eleitos e só posteriormente a dos candidatos não eleitos.


2.1. Vejamos, portanto, como se passam as coisas em relação aos candidatos eleitos.

Para esse efeito, importa começar por ter presentes as disposições pertinentes à eleição dos “titulares dos órgãos das autarquias locais”, constantes da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto[120], que irão servir para responder cabalmente às duas situações.

O artigo 11º da mencionada Lei, sob a epígrafe “Modo de eleição”, dispõe como se segue:

“[o]s membros dos órgãos deliberativos das autarquias locais e do órgão executivo do município são eleitos por sufrágio universal, directo, secreto e periódico e por listas plurinominais apresentadas em relação a cada órgão, dispondo o eleito de um voto singular de lista.”

Sobre a organização das listas, refere o artigo 12º, nº 1, que “as listas propostas à eleição devem conter a indicação dos candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de suplentes nos termos do nº 9 do artigo 23º”.

Por sua vez, o nº 9 do artigo 23º rege que “[a]s listas, para além dos candidatos efectivos, devem indicar os candidatos suplentes em número não inferior a um terço, arredondado por excesso”.

Ainda quanto à organização das listas, dispõe o nº 3 do mesmo preceito que “[o]s candidatos de cada lista consideram-se ordenados segundo a sequência constante da respectiva declaração de candidatura”.

Finalmente, importa considerar o artigo 146º, sobre o conteúdo do apuramento geral.

Segundo o mencionado preceito, a operação de apuramento geral consiste na verificação do número total de eleitores inscritos e de votantes; verificação dos números totais de votos em branco e de votos nulos; verificação dos números totais de votos obtidos por cada lista; distribuição dos mandatos pelas diversas listas; determinação dos candidatos eleitos por cada lista; e decisão sobre reclamações e recursos.

Esta última disposição normativa reveste-se de suma importância para a resposta à pergunta formulada.

Depois do apuramento dos resultados das eleições, os candidatos às eleições autárquicas consideram-se eleitos a partir do momento em que expirar o prazo para apresentação de recurso da decisão da Assembleia de Apuramento Geral, caso não tenha havido recurso, ou a partir do momento em que tenha sido proferida a decisão definitiva pelo Tribunal Constitucional[121], conforme previsto nos artigos 156º e seguintes da Lei Orgânica nº 1/2001.

Podemos desta forma dizer que em relação aos candidatos eleitos de cada lista o direito ao cargo correspondente ao mandato para que foram eleitos emerge na respectiva esfera jurídica, a partir desse momento.

É também a partir do apuramento geral que os candidatos eleitos gozam igualmente do direito a renunciar ao mandato que lhes foi conferido através do sufrágio a que se submeteram.

Neste sentido se compreende que o nº 1 do artigo 76º da Lei nº 169/99 admita que os “titulares dos órgãos das autarquias locais” possam exercer o direito de renúncia ao mandato antes da instalação dos órgãos respectivos.

Com efeito, antes da instalação o eleito já detém o direito ao cargo, mas ainda não pode exercê-lo efectivamente, o que apenas acontece com o acto de instalação.

A distinção operada entre direito ao cargo (mandato) e direito ao exercício efectivo do mesmo, permite-nos, desta forma, perceber que o objecto da renúncia difere consoante se processe antes ou depois da instalação do órgão.

Antes da instalação do órgão em causa, os eleitos locais podem renunciar ao direito ao cargo correspondente ao mandato para que foram legitimamente eleitos; depois da instalação, passam a poder renunciar ao exercício efectivo do mesmo.


2.2. Analisemos agora o que se passa em relação aos candidatos não eleitos incluindo os efectivos e os suplentes.

Em conformidade com disposto no nº 1 do artigo 14º da Lei Orgânica nº 1/2001, “[d]entro de cada lista, os mandatos são conferidos aos candidatos pela ordem de precedência indicada na declaração de candidatura”.

Num sistema caracterizado por listas fechadas, em que são discriminados tanto o elenco dos candidatos como a sua ordenação, os candidatos eleitos de cada lista são necessariamente os primeiros, até se esgotar o número de mandatos obtidos.

Sendo que, segundo o nº 2 do mesmo preceito, “[n]o caso de morte ou doença que determine impossibilidade física ou psíquica, de perda de mandato ou de opção por função incompatível, o mandato é conferido ao candidato imediatamente seguinte na referida ordem de precedência”.

Por sua vez, a Lei nº 169/99 prevê, além da renúncia, a possibilidade de suspensão do mandato[122], estabelecendo, quanto ao preenchimento de vagas ocorridas nos órgãos autárquicos, que as mesmas “são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga” (cfr. artigo 79º).

Temos, desta forma, quanto aos candidatos não eleitos, que estes somente terão possibilidade de vir a exercer o mandato e o cargo correspondente na hipótese de vacatura por ocorrência de alguma das situações mencionadas. Só então os candidatos não eleitos podem ser chamados a exercer o mandato, o que depende, no fundo, do que acontecer ao titular efectivo do mandato.

Tal significa, em consequência, que para os candidatos não eleitos o direito ao cargo só emerge nas suas esferas jurídicas quando se der uma vaga, podendo então renunciar ao exercício do cargo correspondente, quando convocados para o efeito[123].

Antes disso, não é possível configurar para os candidatos não eleitos a possibilidade de renúncia ao direito ao cargo.

Com efeito, antes da ocorrência de vaga, o direito ao cargo representa-se para eles como meramente eventual[124] e, como tal, insusceptível de renúncia, por carência de actualidade, segundo a doutrina maioritária.

2.3. Questão diferente que pode colocar-se, eventualmente mais complexa e controvertida, é a de saber se a posição que ocupam na lista não poderá constituir, por si só, uma situação susceptível de renúncia.

Se é verdade que a lei não lhes confere expressamente qualquer direito, estatuto[125], ou função particular, também não se pode concluir que os candidatos não eleitos estão em posição idêntica à do cidadão em geral.

Com efeito, analisando atentamente a situação, não podemos deixar de concluir que eles dispõem de uma posição singular.

Como vimos, figuraram nas listas na qualidade de candidatos efectivos ou de suplentes e são, nessa qualidade, submetidos a sufrágio, tendo que respeitar as mesmas condições de elegibilidade.

Por outro lado, tratando-se de listas fechadas, em caso de vacatura, não podem ser chamados outros cidadãos a não ser os candidatos que foram indicados nas listas como efectivos e suplentes e pela respectiva ordem.

Assim sendo, tendo em conta a sua posição na lista, eles podem ser chamados em qualquer altura para preencher vagas ocorridas nos órgãos autárquicos.

Ou seja, podemos dizer que os candidatos não eleitos gozam do direito a ocupar as vagas que surgirem por vicissitudes diversas dos candidatos eleitos.

E se a ocorrência de vaga está dependente de um acontecimento futuro e incerto (morte, doença que determine a impossibilidade física ou psíquica, renúncia, perda ou suspensão do mandato pelo titular), a verdade é que o direito a ocupar a vaga, se ela se verificar, é já um direito actual que decorre directamente da sua posição na lista.

Ora, a partir daqui afigura-se perfeitamente possível perspectivar o direito de renúncia por parte dos candidatos não eleitos, embora limitado à posição particular que detêm na lista, como corolário do direito de candidatura.

Com efeito, do mesmo modo que lhes assiste o direito de se candidatarem na posição de elementos efectivos ou suplentes, também se lhes deve reconhecer o correlativo direito de renunciarem, se o quiserem, a essa posição.

Afigura-se, pois, que eles não são obrigados a permanecer nas listas contra a sua vontade, o que seria contrário à liberdade de candidatura.


3. Analisemos, agora, à luz das considerações acabadas de fazer, o nº 1 do artigo 76º da Lei nº 169/99.

Em primeiro lugar, quando a lei fala em “direito de renúncia ao mandato” temos de entender a expressão em termos amplos, como pretendendo abranger quer o exercício efectivo do cargo correspondente ao mandato quer o direito ao cargo propriamente dito.

Nesta conformidade, se o eleito renunciar antes da instalação, deve entender-se que ele está a renunciar ao direito ao cargo.

Pelo contrário, se a renúncia ocorrer depois da instalação, neste caso o eleito já iniciou o exercício do mandato pelo que a renúncia tem por objecto o exercício efectivo do cargo ou do mandato.

Assim sendo, em rigor, quando a lei fala em renúncia dos “titulares do órgão” está a referir-se à renúncia ao exercício do respectivo mandato e a reportar-se, como não pode deixar de ser, à que opera em momento posterior à instalação do órgão.

Por sua vez, a renúncia que opera antes da instalação do órgão não pode reportar-se aos “titulares dos órgãos autárquicos” mas sim aos candidatos eleitos.

Tal não significa que os “titulares dos órgãos autárquicos” não sejam também eleitos locais. O problema reside em que a expressão tomada no seu sentido rigoroso técnico-jurídico, ou seja, tendo por referência os “membros dos órgãos autárquicos”, não se ajusta bem quando associada à admissibilidade da renúncia antes da instalação do órgão, como ficou sublinhado.

Se o legislador pretendia abranger as duas situações, como parece ter querido fazer ao referir-se à possibilidade de renúncia quer antes quer depois da instalação do órgão, a expressão “eleitos locais” seria a mais consentânea porque, sendo mais ampla, traduziria de forma mais correcta o pensamento do legislador.

Neste contexto, tomando por referência o preceito no seu todo, e tendo presente que o objectivo do legislador é o de regular a renúncia ao mandato dos eleitos locais, no pressuposto de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento, deve o intérprete entender a expressão “titulares dos órgãos autárquicos“ não no seu sentido estrito técnico-jurídico mas no mais amplo de “eleitos locais”.

Na actividade interpretativa, como ficou sublinhado, a letra da lei ou o texto desempenha um papel fundamental: é o primeiro estádio da interpretação, funcionando simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação[126].

No entanto, é-lhe de igual modo assinalada uma função positiva que intervém sobretudo quando, como é de regra, as fórmulas legislativas comportam mais que um significado.

Neste caso, socorrendo-nos das palavras de BAPTISTA MACHADO, ”a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita”.

Sempre no pressuposto de que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento deve o intérprete, segundo o mesmo autor, “optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas (...)”[127].


IV

Aqui chegados estamos agora em condições de ensaiar as respostas às questões colocadas no presente parecer.


1. Pergunta-se, em primeiro lugar, recorde-se, se é legalmente possível a “renúncia ao mandato de todos os elementos que integram a lista de uma coligação eleitoral, incluindo os que ainda não se encontravam em exercício de funções como vereadores”.

Começando, em primeiro lugar, pela admissibilidade da renúncia colectiva, desde já se adianta que a resposta se encontra facilitada, por existir sobre esta matéria jurisprudência do Tribunal Constitucional.

A Lei nº 169/99 não contempla expressamente a situação de renúncia simultânea de todos os membros de um órgão autárquico aos respectivos mandatos.

No entanto, concebida a renúncia como um direito dos eleitos, não se vêem razões para a impedir só pelo facto de a renúncia ser exercida simultaneamente.

O resultado que eventualmente se poderia pretender evitar com a sua proibição – realização de eleições intercalares – não deixa de ocorrer pelo facto de se proibir esta forma de renúncia.

No sentido da admissibilidade da renúncia simultânea, concluiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 523/98[128], de 22 de Julho de 1998, que “o direito de renúncia dos membros dos órgãos autárquicos não pode ser afastado pela circunstância de o exercerem simultânea ou sucessivamente todos os membros da lista vencedora das eleições. Ainda que conduza à impossibilidade de funcionamento daqueles órgãos, indirectamente afectando o direito ao exercício do cargo por parte dos membros eleitos pelas outras listas, a verdade é que o direito de renúncia tem expressa consagração legal (nº 1 do artigo 71º do citado Decreto-Lei nº 100/84)”[129].

Mas o facto de a renúncia se processar de forma simultânea não afasta, como é óbvio, a necessidade de observância dos requisitos de validade que foram analisados, designadamente a exigência de uma declaração unilateral de vontade escrita e expressa de forma livre e consciente por cada membro renunciante.

Questão diferente é a de saber se, nesta circunstância, podem também renunciar validamente os elementos que “ainda não se encontravam em exercício de funções de vereadores”.

Em relação aos membros da lista não eleitos e que não se encontram, por conseguinte, a exercer o mandato autárquico, o direito ao exercício do cargo apenas emerge na sua esfera jurídica, como vimos, quando ocorrer a vacatura em relação a algum dos membros dos órgãos autárquicos.

Adiantámos também que, por conseguinte, antes disso, a renúncia torna-se impossível por falta de objecto.

Acontece porém que, dando-se a renúncia de forma simultânea, o argumento da falta de objecto da renúncia deixa, a nosso ver, de existir.

Tendo em conta a forma como se encontra regulado o procedimento de substituição dos eleitos locais, a entidade competente tem de começar por conhecer a renúncia do vereador em exercício, para de imediato convocar o substituto, seguindo a ordem indicada na respectiva lista.

Como a ordem de preenchimento das vagas se encontra imperativamente fixada, o conhecimento da renúncia dos eleitos precede, necessariamente, o da renúncia dos não eleitos. Como a renúncia opera com o mero conhecimento, abre-se de imediato a vaga do cargo e, concomitantemente, dá-se a emergência do direito ao cargo para o membro não eleito.

Por conseguinte, quando chegar a oportunidade de a entidade competente conhecer o pedido de renúncia do membro não eleito, já não se pode, em rigor, invocar que ele está a renunciar a um direito que não tem, ou a um direito futuro.

Tudo isto sem prejuízo de eventualmente o membro não eleito ter direito de renunciar à sua posição na lista, nos termos que foram analisados atrás.

Afigura-se que o entendimento exposto foi acolhido, embora de forma indirecta, no mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional.

Com efeito, o problema concreto que foi posto ao Tribunal dizia respeito a uma situação em que tinha ocorrido a renúncia de todos os membros da lista vencedora das eleições, incluindo candidatos eleitos e a exercer funções autárquicas e candidatos não eleitos, de tal forma que se tornou impossível efectivar substituições no âmbito da mencionada lista.


2. A segunda questão posta respeita ao problema de saber se, tendo renunciado simultaneamente todos os elementos da lista, incluindo, por conseguinte, os membros suplentes, podem os mesmos vir posteriormente a integrar o elenco camarário, ao abrigo do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 169/99.

Ora, tendo presente os elementos colhidos, designadamente sobre a estrutura unilateral e eficácia receptiva da renúncia aos cargos electivos, desde que a declaração de renúncia não enferme de qualquer vício de ordem formal ou substancial, uma vez chegada ao conhecimento da entidade competente torna-se, como ficou dito, irretratável.

Só não será assim se puder assacar-se, à manifestação de vontade, algum vício de natureza formal ou substancial que torne inválida a declaração.


V

Termos em que se extraem as seguintes conclusões:

1ª. A renúncia ao mandato constitui um direito genericamente atribuído aos titulares de cargos políticos, conatural ao direito de ser eleito, consubstanciada numa declaração unilateral de vontade do renunciante dirigida à entidade a que, segundo a lei, deva ser transmitida;

2ª. A renúncia pode ser exercida de forma simultânea desde que sejam observados os requisitos de validade, produzindo efeitos de forma automática a partir do momento em que chegue ao conhecimento da entidade competente para a receber, tornando-se a partir daí irrevogável;

4ª. Os eleitos locais gozam, segundo o nº 1 do artigo 76º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, do direito de renúncia ao respectivo mandato quer antes quer depois da instalação do órgão: antes da instalação podem renunciar ao direito ao cargo correspondente ao mandato para que foram legitimamente eleitos; depois da instalação passam a poder renunciar ao exercício efectivo do mesmo;

5ª. O direito ao exercício do cargo dos membros não eleitos da lista vencedora apenas emerge na sua esfera jurídica quando ocorrer vaga em relação a algum dos membros dos órgãos autárquicos;

6ª. Sendo apresentada renúncia simultaneamente por todos os elementos integrantes de uma lista, tenham ou não sido chamados à titularidade do cargo, a renúncia opera também em relação a estes últimos: como o conhecimento do pedido da renúncia dos eleitos precede, necessariamente, o da renúncia dos não eleitos, abre-se de imediato a vaga do cargo e, concomitantemente, emerge com essa vaga o direito ao cargo para o membro não eleito;

7ª. Tendo por referência o afirmado na conclusão anterior, a renúncia de dois membros suplentes, apresentada simultaneamente à dos restantes membros da lista, torna-se irretratável, nos termos do estabelecido na conclusão 3ª, observados os requisitos mencionados na conclusão 2ª.







[1]) No dossier que acompanha o pedido de parecer faz-se referência a informações técnicas elaborados no seio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRCentro) e da Direcção Geral das Autarquias Locais às quais não foi possível aceder.
[2]) Alterada pela Lei nº 5-A/2002, de 11 de Janeiro, e objecto de rectificação pelas declarações de rectificação nºs 4/2002, Diário da República, I Série-A, nº 31, de 6 de Fevereiro de 2002, e 9/2002, Diário da República, I Série-A, nº 54, de 5 de Março de 2002.
[3]) Cfr. ANA PRATA, Dicionário Jurídico, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, p. 848. No mesmo sentido, no direito italiano: ANDREA TORRENTE/PIERO SCHLESINGER, Manuale di Diritto Privato, 12ª ed., Giuffrè Editore, Milão, 1985, p. 165; TIZIANA MONTECCHIARI, I Negozi unilaterali a contenuto negativo, Giuffrè Editore, Milão, 1996, p. 128; e FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, Enciclopedia Del Diritto, XL, p. 926; no direito francês: GEORGES GRAMMATIKAS, Théorie générale de la renonciation en Droit Civil, L. G. D. J., Paris, 1971, pp. 24 ss. Sobre a distinção entre renúncia e figuras afins, cfr. VAZ SERRA, “Remissão, reconhecimento negativo de dívida e contrato extintivo da relação obrigacional bilateral”, Boletim do Ministério da Justiça, nº 43, 1954, pp. 5 ss.
[4]) Cfr. os Pareceres nºs 7/76, de 4 de Fevereiro de 1986, e 43/90, de 27 de Dezembro de 1990.
[5]) Sobre a causa do negócio renunciativo, cfr. FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, cit., pp. 928 ss.
[6]) Cfr. A renúncia abdicativa no Direito Civil, Stvdia Ivridica, nº 8, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, p. 13.
[7]) Sobre os efeitos ulteriores, secundários e reflexos associados à declaração de renúncia, cfr. FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, cit., pp. 930 ss.
[8]) A atribuição operada por lei, que pode ser eventual ou automática, “pode consistir na devolução/translação a outra pessoa do direito que foi objecto de renúncia ou, diversamente, configurar uma atribuição restitutiva/liberatória, quer dizer, traduzida na reexpansão de um direito até então comprimido pelo direito que agora é objecto de renúncia, ou na liberação do titular passivo da relação afectada pela renúncia” (cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., p. 16). No mesmo sentido, cfr., entre outros, TIZIANA MONTECCHIARI, ob. cit., p. 129.
[9]) É o que se passa, em certas situações com a figura da remissão. “...a remissão é fundamentalmente a disposição extintiva do crédito – uma disposição que tanto pode ser feita com causa puramente abdicativa, como, por representar então uma atribuição, com qualquer (outra) causa de atribuição” (cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., p. 30). Segundo este autor passa-se o mesmo quer em relação à renúncia a direitos potestativos, quer na renúncia a direitos reais limitados, quer na renúncia a direitos em situações de contitularidade de direitos. Em todas estas situações “se deve admitir – tanto quanto na remissão de dívida –, ao lado de uma intenção e eficácia directamente extintivas ou abdicativas, uma intenção e eficácia atributivas” (cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ibidem).
[10]) A renúncia translativa em sentido amplo compreende situações tais como a prevista no chamado repúdio in favorem, regulado no artigo 2057º, nº 2, do Código Civil, “ a favor de algum ou alguns dos sucessíveis que seriam chamados na sua falta” (isto é, na falta do repudiante). E é também a que ocorre em determinadas situações de abandono liberatório, ou seja, naquelas situações em que o titular de um direito real, e devedor ob rem, abandona a coisa em favor do credor ob rem, titular de um direito real conexo, como acontece no caso especialíssimo do artigo 1567º, nº 4, do Código Civil (renúncia, pelo proprietário do prédio serviente que se obrigara a custear as obras, ao seu direito de propriedade em benefício do proprietário dominante). Para maiores desenvolvimentos, cfr. FRANCISO PEREIRA COELHO, ob. cit., pp. 34 ss.
[11]) Neste sentido, cfr. IGNACIO MARTÍNEZ DE VELASCO, La renuncia a los derechos, Bosch, Casa Editorial S.A, Barcelona, 1986, pp. 61 ss. Para ALDO BOZZI, a renúncia translativa configura, do ponto de vista substancial, uma alienação verdadeira e própria (cfr. “Rinunzia”, Digesto Italiano, XV, p. 1147). Sobre a controvérsia suscitada a propósito da natureza das renúncias translativas (in favorem), cfr. PASCUAL MARIN PEREZ, “La renuncia al beneficio de la ley en el derecho civil”, Anuario de Derecho Civil, Tomo XV, Fascículo IV, MCMLXII, p. 851.
[12]) Cfr. ALDO BOZZI, ob. cit., p. 1148; TIZIANA MONTECCHIARI, ob. cit., pp. 133 ss.; FRANCESCO MACIOCE, Il negozio di rinuncia nel diritto privato, Edizioni Scientifiche Italiane, Nápoles, 1992, pp. 87 ss.; PASCUAL MARIN PEREZ, ob. cit., p. 851; DIEGO ESPÍN, Manual de Derecho Civil Español, Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid, 1968, vol. I, p.367; GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., pp. 24 ss. e, em especial, pp. 32 ss.; e IBRAHIM NAJJAR, Le Droit D’Option Contribution a L’Étude du Droit Potestatif et de L’Acte Unilateral, L.G.D.J., Paris, 1967, pp. 38 ss.
[13]) A extinção objectiva do direito e a consequente atribuição operada pela lei não procedem de uma vontade negocial nesse sentido, antes produzindo-se “independentemente da verificação, por interpretação, da existência dessa vontade e da averiguação, por interpretação, dos termos ou do conteúdo dessa vontade” (cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., p. 31). No mesmo sentido, cfr. FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, cit., pp. 931 ss.; ANDREA TORRENTE/PIERO SCHLESINGER, ob. cit., p.166;TIZIANA MONTECCHIARI, ob. cit., pp. 127ss.; e PASCUAL MARIN PEREZ, ob. cit., p. 852; e GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 23.
[14]) De tal modo que legitimado a renunciar é tão-só o titular do direito subjectivo renunciado, cfr. ALDO BOZZI, ob. cit., p. 1141.
[15]) Na caracterização da estrutura da renúncia abdicativa seguimos de perto FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., pp. 103 ss. No sentido da estrutura unilateral da renúncia se pronuncia também FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia,” cit., pp. 934 ss.
[16]) Sobre os negócios jurídicos unilaterais, cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pp. 436 ss.
[17]) Cfr. MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1996, pp. 388 ss. No mesmo sentido, cfr. MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, p. 422; e MANUEL DOMINGUES DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, Coimbra, 1992, vol. II, p. 42.
[18]) A diferença entre declarações receptícias ou recipiendas e não receptícias ou não recipiendas, encontra o principal apoio legal no artigo 224º do Código Civil, cujo nº 1, 1ª parte, o qual determina que “a declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida”, terá recebido a teoria da recepção. Assim, segundo RUI DE ALARCÃO, nas declarações recipiendas “não é essencial o efectivo conhecimento da declaração recebida pelo destinatário, bastando a sua cognoscibilidade, traduzida na circunstância de ser possível ao mesmo destinatário apreender o conteúdo da declaração, por haver chegado à sua esfera de conhecimento e controle” (cfr. A Confirmação dos Negócios Anuláveis, Atlântida Editora, Coimbra, 1971, p. 179). As declarações não recipiendas têm apoio na 2ª parte do nº 1 do artigo 224º do Código Civil. Trata-se de declarações que não carecem para a completa relevância ou eficácia de ser dadas a conhecer a um destinatário, valendo “logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.
[19]) Assim, são não receptícios, isto é, não carecem de ser dirigidos e levados ao conhecimento de pessoa determinada, “o testamento, o acto de instituição das fundações, a promessa pública, a aceitação e o repúdio da herança”. Em relação “às renúncias a direitos reais limitados ou à prescrição e confirmação” já é discutida a sua natureza receptícia ou não receptícia” cfr. MOTA PINTO, ob. cit., p. 389, e CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., Universidade Católica Editora, 2001, p. 74. No sentido da natureza não recipienda da declaração confirmatória, cfr. RUI DE ALARCÃO, ob. cit., pp. 180 ss.
[20]) Cfr. ob. cit., p. 124.
[21]) Segundo alguns autores a remissão, em que há um beneficiário dos efeitos respectivos, e a renúncia, quando alguém beneficia da extinção do direito renunciado, são considerados negócios jurídicos unilaterais receptícios, tendo a comunicação de ser levada ao conhecimento desse beneficiário. Esta posição não é acompanhada por FRANCISCO PEREIRA COELHO (cfr. ob. cit., pp. 124/25).
[22]) Segundo FRANCISCO PEREIRA COELHO, estariam nesta situação a renúncia à propriedade, tanto à propriedade plena como à propriedade onerada, a renúncia à quota própria na compropriedade, a renúncia a direitos reais limitados, a renúncia a direitos potestativos, etc. Trata-se de casos em que mesmo que haja um benefício de terceiros, tal benefício é ulterior e legal (cfr. ob. cit., p. 107).
[23]) Cfr., entre outros, FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, cit., p. 937 e GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 11. Também para MOTA PINTO releva, para a carac-terização das renúncias unilaterais como negócios não receptícios, o facto de só reflexamente produzirem efeitos na esfera de terceiros (cfr. ob. cit., p. 389).
[24]) Em alguns casos, a declaração de renúncia pode ser excepcionalmente receptícia, como nos dá conta FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, cit., p. 938 e GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 12.
[25]) Ver, por todos, FRANCESCO MACIOCE, “Rinuncia”, cit., pp. 936 ss.
[26]) É o princípio que parece fundamentar a irrevogabilidade do repúdio hereditário (artigo 2066º do Código Civil), aplicável tanto à herança como ao legado. Note-se, porém, que tal princípio não constitui regra em direito comparado, admitindo-se a revogabilidade do próprio repúdio do legado em países como a França ou a Itália. Para maiores desenvolvimentos, cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., pp. 126 ss. No direito italiano, segundo FRANCESCO MACIOCE, os casos de negócios unilaterais revogáveis constituem excepção ao princípio geral da irrevogabilidade do negócio renunciativo, cfr. “Rinuncia”, cit., pp. 939.
[27]) No sentido do negócio abdicativo como negócio real quoad effectum, cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., pp. 64 ss.
[28]) Seguimos de perto, mais uma vez, FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., p.127.
[29]) Somente não será assim se a revogação da declaração de renúncia ocorrer em momento anterior à sua perfeição, cfr. ALDO BOZZI, “Rinunzia”, cit., p. 1147.
[30]) Cfr. o Parecer nº 7/76.
[31]) Além dos autores já citados, cfr. LUIZ DA CUNHA GONÇALVES, Tratado de Direito Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1932, Volume V, p. 136.
[32]) Cfr., entre outros, FRANCESCO MACIOCE, Il negozio di renuncia nel diritto privato, p. 182 e, do mesmo autor, “Rinuncia”, cit., p. 940; ALDO BOZZI, ob. cit., pp. 1146 ss.; e GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 147.
[33]) Sejam de natureza substantiva ou processual como os direitos potestativos, tais como, por exemplo, a renúncia à anulação ou revogação de um acto administrativo ilegal.
[34]) Cfr. entre outros, FRANCESCO MACIOCE, Il negozio..., cit., pp. 184 ss.; ALDO BOZZI, ob. cit., pp. 1141 ss.; LUCIO MOSCARINI, Rinunzia, Enciclopedia Giurídica, pp. 3 ss.
[35]) Cfr. LUCIO MOSCARINI, ob. cit., p. 3.
[36]) Em matéria de direito privado, considera-se contrária à ordem pública a renúncia a certos direitos da personalidade, assim como a capacidade civil, que constituem as condições elementares do ser humano e se encontram fora do comércio jurídico (cfr., entre outros, PASCUAL MARIN PEREZ, ob. cit., pp. 852 ss.; LUIS MARÍA DÍEZ-PICAZO, “Notas sobre la renuncia a los derechos fundamentales”, Persona y Derecho, 45/2001, p. 134; e GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 50). Sobre o conteúdo do bem jurídico da personalidade no âmbito da sua tutela no direito civil, cfr. RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pp. 118 ss.
[37]) Entre nós, o artigo 69º do Código Civil proíbe a renúncia à capacidade jurídica.
[38]) Diz-se que um direito é actual se todos os elementos necessários à sua formação se encontram reunidos na pessoa do titular. Neste sentido, um direito sujeito a termo suspensivo é actual, na medida em que só a sua exigibilidade se encontra diferida (cfr. GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 66).
[39]) Ainda que a situação jurídica subjectiva seja meramente potencial e instrumental em relação à aquisição futura do direito, consubstancia um complexo de efeitos preliminares, dirigidos à protecção de um efeito jurídico definitivo vantajoso para o interessado, que merece do ordenamento jurídico alguma tutela. Neste caso, diz-se que tal situação, por ser actual, pode constituir objecto de renúncia (cfr. FRANCESCO MACIOCE, Il negozio... cit., p. 185).
[40]) Sobre o conceito de expectativa, cfr. ALDO SANDULLI, Manuale di Diritto Amministrativo, XV, Edizione, Jovene Editore, Napoli, 1989, 1, pp. 118/119.
[41]) Cfr. ALDO BOZZI, ob. cit., pp. 1141-42. No mesmo sentido, assimilando o regime dos direitos futuros em sentido estrito às meras expectativas de facto, cfr. FRANCESCO MACIOCE, Il negozio...cit., pp. 185 ss., em especial, pp. 189/90.
[42]) Diz-se que um direito é futuro quando a sua formação se encontra em curso, em gestação e, por isso, não reúne ainda as condições legais da sua existência. Noutra perspectiva, pode falar-se em direito futuro em termos relativos ou absolutos. No primeiro caso, o direito já existe mas ainda não entrou na esfera jurídica do respectivo titular; no segundo, o direito ainda não existe de todo em todo.
[43]) No direito italiano, ALDO BOZZI pronuncia-se contra a admissibilidade da renúncia de bens futuros (cfr. ob. cit., pp. 1141 ss.). A questão é, porém, muito controversa e divide quer a doutrina quer a jurisprudência. Para maiores desenvolvimentos, cfr. LUCIO MOSCARINI, ob. cit., p. 5, e FRANCESCO MACIOCE, Il negocio...cit., pp. 188/89 e nota (279).
[44]) Por força da aplicação da regra da proibição da doação de bens futuros (artigo 942º do Código Civil).
[45]) No grupo dos direitos futuros stricto sensu devem incluir-se os designados direitos eventuais, incluindo os direitos a que corresponde uma simples expectativa bem como todos aqueles que, vindo só a surgir no futuro, todavia decorrem de uma relação contratual mais ampla já em execução (cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., p. 150).
[46]) Cfr. FRANCISCO PEREIRA COELHO, ob. cit., pp. 149/150; FRANCESCO MACIOCE, Il negozio...cit., p. 190; e GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 72.
[47]) Seria o caso da renúncia antecipada do trabalhador ao salário (GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 70).
[48]) A renúncia a um direito real pressupõe a sua existência material no momento da renúncia.
[49]) Neste sentido, cfr. GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., pp. 68-71. Note-se, porém, que o autor distingue entre o direito futuro, cuja realização futura é certa ou quase certa e direito eventual, em que a realização é incerta.
[50]) Como nos dá notícia CARLO FERRARI, debatem-se, nesta matéria, fundamentalmente duas teorias opostas. Para uns, todos os direitos públicos seriam renunciáveis, enquanto expressão de uma característica essencial dos direitos. Posição oposta defendem outros autores acentuando precisamente a dimensão pública dos direitos e a sua pré-ordenação à satisfação do interesse público, ainda que de forma secundária (cfr. “Rinunzia”, (Diritto Amministrativo) Enciclopedia Giuridica, pp. 2 ss.). Seguem a primeira posição, entre outros, IGNACIO MARTÍNEZ DE VELASCO, ob. cit., p. 76, para quem a figura da renúncia no direito administrativo não apresenta originalidade em relação ao direito civil. Para maiores desenvolvimentos sobre as mencionadas teorias, cfr. CARLO FADDA, “Sulla teoria delle rinunzie nel diritto pubblico”, Rivista di Diritto Pubblico e della Pubblica Amministrazione in Italia, 1909, pp. 24 ss.
[51]) Os autores contemporâneos preferem falar em “situação jurídica” em vez de “direito subjectivo”, por traduzir melhor a amálgama de prerrogativas e deveres que caracteriza hoje o direito subjectivo, embora com primazia para as prerrogativas (cfr. GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., p. 63, nota (2).
[52]) Segundo ALDO SANDULLI, a renúncia somente pode incidir sobre direitos subjectivos, excluindo-se os interesses legítimos porque indirectamente protegidos pela ordem jurídica (cfr. ob. cit., pp.160 ss.). Outros autores admitem, porém, a renunciabilidade dos interesses legítimos, em determinadas situações (cfr. GEORGES GRAMMATIKAS, ob. cit., pp. 56 ss.). Na nossa ordem jurídica, o artigo 110º do Código do Procedimento Administrativo, ao referir-se à renúncia do procedimento, fala em renúncia a “direitos ou interesses legalmente protegidos”.
[53]) No sentido de posições jurídicas activas do cidadão em face dos poderes públicos. Alguma doutrina tende a distinguir entre direitos subjectivos públicos e privados, integrando os primeiros naqueles direitos que encontram o seu fundamento em relações de direito público. Outros autores, considerando os direitos subjectivos como categoria jurídica unitária e geral do direito do ponto de vista estrutural, desvalorizam a distinção. A apreciação crítica destas posições pode ver-se em ROCCO GALLI/DOMITILLA GALLI, Corso Di Diritto Amministrativo, 3ª ed., CEDAM, Milão, 2000, 1º volume, pp. 71 ss. Sobre o tema, cfr. também MASSIMO GIANNINI, Diritto Amministrativo, 3ª ed., Giuffrè Editore, Milão, 1993, pp. 64 ss. e RUI DE MACHETE, “Contencioso Administrativo”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, p. 765. JORGE MIRANDA critica o emprego da expressão ”direitos subjectivos públicos como sinónimo ou em paralelo de direitos fundamentais” (cfr. Manual de Direito Constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 2000, Tomo IV, pp. 56 ss.).
[54]) Cfr., entre outros, FRANCESCO MACIOCE, Il negozio..., cit., p. 193; ALDO BOZZI, ob. cit., p. 1145; LUCIO MOSCARINI, ob. cit., p. 5.; e CARLO FERRARI, ob. cit., p. 5. Como observa GIUSEPPINO TREVES, em alguns casos, a lei admite a renúncia em relação a certos status, como, por exemplo, no caso da cidadania (cfr. “Il problema della rinuncia nel Diritto Amministrativo”, Studi in Memoria di Guido Zanobini, Giuffrè Editore, Milão, 1965, pp. 577 ss.
[55]) Veja-se o estatuto de cidadão, estrangeiro, funcionário público, etc. Sobre o conceito, cfr. ALDO SANDULLI, ob. cit., p. 104 e GIOVANNI MIELE, Principi Di Diritto Amministrativo, 2ª ed., CEDAM, Padova, 1966, I, pp. 65 ss.
[56]) Para maiores desenvolvimentos sobre os pressupostos desta teoria, cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª ed., Almedina, Coimbra, pp. 1344 ss.; VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, pp. 49 ss.; e REIS NOVAIS, “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas Constitucionais - Nos 20 anos da Constituição de 1976, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, volume I, pp. 292 ss.
[57]) A generalidade dos autores alude a uma «dupla natureza» ou a uma «dupla função», em qualquer dos casos, subjectiva e objectiva, individual e comunitária (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 110 ss.)
[58]) VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 111.
[59]) VIEIRA DE ANDRADE, ibidem.
[60]) Cfr. GOMES CANOTILHO, ob. cit., p. 453.
[61]) Cfr. “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas, p. 270 e, do mesmo autor, pode ainda ver-se “Renúncia a direitos fundamentais”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, pp. 409 ss. Sobre o tema da renúncia a direitos fundamentais, cfr. GOMES CANOTILHO, ob. cit., pp. 453 ss.; VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 318 ss.; e NUNO MANUEL PINTO OLIVEIRA, O Direito Geral de Personalidade e a “Solução do Dissentimento”, Coimbra Editora, Coimbra, 2002, pp. 137 ss.
[62]) Daí alguma doutrina propor o abandono da expressão renúncia a direitos fundamentais, preferindo falar em “autolimitação” ou “disposição”, cfr. REIS NOVAIS, “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas, p. 271. Para este autor “a renúncia é também uma forma de exercício do direito fundamental, dado que, por um lado, a realização de um direito fundamental inclui, em alguma medida, a possibilidade de se dispor dele, inclusive no sentido da sua limitação, desde que esta seja uma expressão genuína do direito de auto-determinação e livre desenvolvimento da personalidade individual e porque, por outro lado, através da renúncia o indivíduo prossegue a realização de fins e interesses próprios que ele considera, no caso concreto, mais relevantes que os fins realizáveis através de um exercício «positivo» do direito” (cfr. a obra atrás citada, p. 287).
[63]) Cfr. REIS NOVAIS, “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas, p. 273.
[64]) Deve distinguir-se entre renúncia de direitos e o não exercício fáctico de um direito ( não participação numa manifestação), cfr. GOMES CANOTILHO, ob. cit., p. 454.
[65]) GOMES CANOTILHO, ob. cit., p. 454, destaca ainda que “a autolimitação voluntária de um direito num caso concreto deve considerar-se sempre sob reserva de revogação a todo o tempo”. No mesmo sentido, cfr. LUIS MARÍA DÍEZ-PICAZO, ob. cit., p. 137.
[66]) Cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 320. Também segundo GOMES CANOTILHO, “a renúncia a direitos fundamentais, mesmo a admitir-se, pressupõe sempre como conditio sine qua que o titular do direito disponha sobre a sua posição jurídica de forma livre e autodeterminado” (cfr. ob. cit., p. 453).
[67]) Dos artigos 81º e 340º do Código Civil e 38º e 39º do Código Penal colhem-se igualmente regras sobre as condições de validade e os limites de relevância da disposição e consentimento em matéria de direitos fundamentais.
[68]) Cfr. REIS NOVAIS, “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas, pp. 303 ss.
[69]) Cfr. REIS NOVAIS, “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas, pp. 310 ss.; e VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 321.
[70]) No mesmo sentido, veja-se o caso de normas constitucionais que consagram direitos simultaneamente como deveres fundamentais, o que exclui a renúncia. É o caso do direito/dever dos pais educarem e manterem os filhos (artigo 36º, nº 5, da CRP), ou direito/dever de defesa da Pátria (cfr. artigo 276º, nº 3, da CRP).
[71]) Segundo VIEIRA DE ANDRADE, “o problema da disponibilidade em geral dos direitos fundamentais põe-se especialmente no que respeita aos «direitos-direitos», isto é, aos direitos sobre bens pessoais”, e não pode ser resolvido de forma abstracta, mas apenas no caso concreto. Para maiores desenvolvimentos, cfr. VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., pp. 321ss., e REIS NOVAIS, “Renúncia a direitos fundamentais”, Perspectivas, pp. 322 ss.
[72]) Para GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra Editora, 1993, p. 267, “Os direitos políticos (ou de participação política) são direitos dos indivíduos enquanto cidadãos (enquanto membros da «república»), ou seja, da colectividade politicamente organizada (...) e são simultaneamente parte integrante e garantia do princípio democrático, constitucionalmente garantido”.
[73]) Cfr. Estudos de Direito Eleitoral, Lex, Lisboa, 1995, pp. 64/65.
[74]) Cfr. JORGE MIRANDA, Direito Constitucional III, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2003, pp. 237/38.
[75]) Cfr. JORGE MIRANDA, “Deputado”, Dicionário Jurídico da Administração Pública, p. 503. No mesmo sentido, louvando-se na jurisprudência do Tribunal Constitucional Espanhol, cfr. ENRIQUE BELDA PÉREZ-PEDRERO, Los representantes locales en España, Centro de Estudios Políticos Y Constitucionales, Madrid, 2000, p. 402.
[76]) Cfr. JORGE MIRANDA, ibidem.
[77]) Segundo jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol (Acórdão 81/1994), a renúncia a um cargo político constitui um direito do titular e muitas vezes uma exigência ética, cfr. JOSÉ MARIA MORALES ARROYO, “La renuncia como medio para finalizar el mandato parlamentario”, Parlamento y Justicia Constitucional, Aranzadi Editorial, Pamplona, 1996, p. 285.
[78]) Cfr. JORGE MIRANDA, Direito Constitucional, cit., p. 238.
[79]) A Constituição de 1933 consagrou, pela primeira vez, a possibilidade de renúncia ao mandato por parte dos Deputados (desde a Lei nº 1963), cfr. JORGE MIRANDA, “Deputado”...cit., pp. 503 ss., e A.M. REBORDÃO MONTALVO, “A Renúncia ao Mandato nos Órgãos Autárquicos”, Revista de Administração Local, nº 9-10, 1978, pp. 900 ss. Tradicionalmente, a recusa da renúncia fundava-se no carácter obrigatório do exercício do cargo.
[80]) Cfr. DICIONÁRIO DE LEGISLAÇÃO ELEITORAL, Comissão Nacional de Eleições, Lisboa, 1995, Volume I, pp. 318 ss.
[81]) O artigo 131º da CRP, sob a epígrafe “Renúncia ao mandato”, tem o seguinte conteúdo: “1. O Presidente da República pode renunciar ao mandato em mensagem dirigida à Assembleia da República.
2. A renúncia torna-se efectiva com o conhecimento da mensagem pela Assembleia da República, sem prejuízo da sua ulterior publicação no Diário da República.”
[82]) Cfr. GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 577 e DICIONÁRIO DE LEGISLAÇÃO ELEITORAL, “Renúncia ao Mandato”, Comissão Nacional de Eleições, Lisboa, 1995, p. 318.
[83]) O conhecimento da mensagem de renúncia supõe a sua transmissão ao plenário da AR.
[84]) Ver também o artigo 7º do Estatuto dos Deputados, aprovado pela Lei nº 7/93, de 1 de Março, alterada pelas Leis nºs 24/95, de 18 de Agosto; 55/98, de 18 de Agosto; 8/99, de 10 de Fevereiro; 45/99, de 16 de Junho; 3/2001, de 23 de Fevereiro; e Lei nº 24/2003, de 4 de Julho. O artigo 7º, sob a epígrafe “Renúncia ao mandato”, tem o seguinte conteúdo: “1 - Os Deputados podem renunciar ao mandato mediante declaração escrita apresentada pessoalmente ao Presidente da Assembleia da República ou com a assinatura reconhecida notarialmente.
2 - Não será dado andamento ao pedido de renúncia sem prévia comunicação ao presidente do respectivo grupo parlamentar, quando o houver.
3 - A renúncia torna-se efectiva com o anúncio pela Mesa no Plenário, sem prejuízo da sua ulterior publicação no Diário da Assembleia da República.”
[85]) Na Constituição de 1933 a renúncia carecia de aceitação pela Assembleia Nacional, cfr., para maiores desenvolvimentos, JORGE MIRANDA, “Deputado”...cit., p. 504.
[86]) Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei nº 39/80, de 5 de Agosto, alterado pelas Leis nºs 9/87, de 26 de Março e 61-98, de 27 de Agosto.
[87]) Cfr. artigo 32º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, com as alterações introduzidas pela Leis nºs 130/99, de 21 de Agosto e 12/2000, de 21 de Junho.
[88]) Cfr. DICIONÁRIO DE LEGISLAÇÃO ELEITORAL, p. 318.
[89]) No Direito espanhol, JOSE LUIS RIVERO YSERN define a renúncia como “uma declaração de vontade unilateral receptícia e pessoal” (cfr. Manual De Derecho Local, Civitas, Madrid, 1997, p. 111).
[90]) Cfr. A . M. REBORDÃO MONTALVO, ob. cit., p. 901.
[91]) Referindo-se à possibilidade de o Presidente da República renunciante retirar a mensagem de renúncia antes de ela ser transmitida aos deputados, GOMES CANOTILLHO/VITAL MOREIRA consideram que depois disso ela é seguramente irretratável (cfr. ob. cit., p. 577). No sentido da irrevogabilidade da renúncia, cfr. DICIONÁRIO DE LEGISLAÇÃO ELEITORAL., p. 318, e VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit., p. 320.
[92]) No Decreto-Lei nº 100/84, a matéria encontrava-se regulada no artigo 71º que, sob a epígrafe “Renúncia do mandato”, prescrevia no nº 1: “Os membros eleitos de órgãos autárquicos gozam do direito de renúncia ao respectivo mandato.”
[93]) Segundo o nº 2 do artigo 71º do Decreto-Lei nº 100/84, a renúncia devia ser “comunicada, por escrito, ao presidente do órgão representativo”.
[94]) Se o renunciante for o próprio presidente do órgão, deverá dirigir a sua comunicação escrita ao órgão a que preside. Neste sentido, cfr. ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, Direito Administrativo das Autarquias Locais, Lisboa, 1992, p. 193.
[95]) A letra da lei é, naturalmente, o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, como assinala BAPTISTA MACHADO, uma função negativa: eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei (cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1994, p. 182). Nas palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO, “ a letra não é só o ponto de partida, é também, um elemento irremovível de toda a interpretação” (cfr. O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350), funcionando, tal como este corpo consultivo tem por diversas vezes salientado, simultaneamente como ponto de partida e limite de interpretação (cfr., entre outros, o Parecer nº 326/2000, de 29 de Maio de 2002;80/2003, de 15 de Janeiro de 2004; e 59/2003, de 12 de Fevereiro de 2004.
[96]) De forma diferente se passam as coisas na suspensão do mandato. Neste caso, o pedido fica sujeito à apreciação do plenário do órgão (cfr. o nº 2 do artigo 77º da Lei nº 169/99).
[97]) Cfr. JOSÉ MARÍA MORALES ARROYO, ob. cit., p. 285 e JUAN CANO BUESO “Problemas de la representación política en el ámbito municipal”, Revista del Poder Judicial, nº 50, 1998, pp. 70 ss. A questão dividiu a jurisprudência espanhola, tendo o Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 214/1998, de 11 de Novembro, fixado jurisprudência no sentido do carácter receptício da declaração de renúncia. Esta torna-se efectiva de forma automática, isto é, não carece de aceitação, a partir do momento em que seja levada ao conhecimento do “Pleno del Ayuntamiento”. Para uma abordagem desenvolvida sobre o Acórdão do Tribunal Constitucional espanhol, cfr. Manual del Concejal, 5ª ed., El Consultor, Madrid, 2003, pp. 259 ss.
[98]) Neste sentido, cfr. ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, ob. cit., p. 193 e GUIA DO ELEITO LOCAL, 2, Edições Asa, Lisboa, 1994, p. 288.
[99]) Cfr. JOSÉ MARÍA MORALES ARROYO, ob. cit., p. 288 e, no mesmo sentido, JUAN CANO BUESO, ob. cit., pp. 64 ss.
[100])Isto sem excluir, como é óbvio, a possibilidade de perda de mandato por decisão judicial.
[101]) No sentido de que a exigência da “aceitação” não é o único aspecto em que reside a natureza receptícia ou não da declaração unilateral, cfr. TIZIANA MONTECCHIARI, ob. cit., p. 213
[102]) É de salientar que, se a substituição ocorrer após a instalação do órgão, os titulares mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos, por força do princípio da continuidade do mandato consagrado no artigo 80º da Lei nº 169/99.
[103]) Cfr. RUI DE ALARCÃO, ob. cit., p. 178.
[104]) Sobre o conceito de lacuna, cfr., entre outros, os pareceres nºs 68/2002, de 5 de Dezembro de 2002; 65/97, de 14 de Maio de 1998; 142/2001, de 14 de Fevereiro de 2002, e 80/2003, de 15 de Janeiro de 2004. O recurso aos lugares paralelos, como ficou consignado no Parecer nº 12/2003, de 27 de Fevereiro de 2003, “pode revestir grande utilidade pois parte-se do princípio de que dois ou mais casos previstos, quando análogos, devem ter também uma regulamentação análoga. Sucede com frequência que num desses casos a fórmula legislativa emerge mais clara e explícita, pelo que, em homenagem à coerência de todo o sistema jurídico, a interpretação deve realizar-se recorrendo à norma mais clara para fixar o sentido da outra mais ambígua, supondo-se que o legislador, sendo coerente consigo mesmo, terá querido consagrar soluções semelhantes para casos semelhantes”. Cfr., também, JOSÉ DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1994, pp. 143-144, e BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pp. 183-184.
[105]) Neste sentido, cfr. A. M. REBORDÃO MONTALVO, ob. cit., p. 901; JUAN CANO BUESO, ob. cit., p. 78; Manual del Concejal, p. 257, e ENRIQUE BELDA PÉREZ-PEDRERO, ob. cit., p. 403.
[106]) Cfr., entre outros, A. M. REBORDÃO MONTALVO, ibidem; JOSÉ MARÍA MORALES ARROYO, ob. cit., p. 285; e JUAN CANO BUESO, ob. cit., p. 78.
[107]) Esta é também a orientação sufragada pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol, cfr. JUAN CANO BUESO, ob. cit., pp. 69 ss.
[108]) Alguma doutrina admite que o autor possa revogar a declaração de renúncia antes desta chegar ao conhecimento do destinatário, ou seja, antes de se tornar eficaz (cfr. JOSE LUIS RIVERO YSERN, ob. cit., p. 111). O Tribunal Constitucional espanhol admitiu a revogação da renúncia numa situação em que ela teve lugar antes de ter chegado, ao conhecimento da entidade competente, a correspondente declaração, cfr. Manual del Concejal, p. 259.
[109]) Sobre as características que deve revestir a declaração de renúncia para ser válida, cfr. JUAN CADARSO LALAU, “Actos proprios y renuncia de derechos”, Poder Judicial, nº 9, 1998, p. 76.
[110]) Alguns autores denunciam algumas práticas partidárias que vão ao ponto de fazerem contratos ou acordos com os deputados através dos quais os mesmos se obrigam, se forem eleitos, a renunciar ao respectivo mandato quando o partido o exigir (denominadas renúncias em branco). Sobre o tema, cfr. PEDRO DE VEGA, “Significado Constitucional de la Representacion Política”, Revista de Estudios Políticos, nº 44, 1985, pp. 40 ss.; FRANCISCO CAAMAÑO DOMINGUEZ, El Mandato Parlamentario, Publicaciones del Congreso de los Diputados, Madrid, 1991, p. 268; e GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 646.
[111]) Sobre as causa de invalidade da declaração de renúncia, cfr. ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, ob. cit., p. 193.
[112]) Cfr. SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Editora Danúbio, Lda., Lisboa, 1982, volume I, p. 163; ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo, Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra, no ano lectivo de 1977/78, edição policopiada, Coimbra, 1978, pp. 239 ss.; FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, Vol. I, pp. 589 ss.; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1980, vol. I, p. 225; e JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, 5ª ed., Âncora, Editora, 2000, pp.108 ss.
[113]) Fala-se em titulares do órgão para exprimir a ligação duma pessoa, ou dum colégio de pessoas, a um órgão, cfr. ROGÉRIO SOARES, ob. cit., p. 241.
[114]) Cfr. ROGÉRIO SOARES, ob. cit., pp. 240/41. A investidura constitui “o acto administrativo através do qual a entidade competente confere ou atribui aos indivíduos, previamente providos, o complexo de poderes, direitos, deveres e incompatibilidades inerentes aos lugares para que foram designados, - investindo-os, assim, na situação jurídica de funcionários ou de agentes em regime de direito público” (cfr. JOÃO ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Almedina, Coimbra, 1985, 1º volume, p. 383).
[115]) Sobre a instalação, cfr. o artigo 225º da Lei Orgânica nº 1/2001.
[116]) Para esse efeito, refere o nº 1 do artigo 43º da Lei nº 169/99 que o acto de instalação “deve ser conjunto e sucessivo”.
[117]) Note-se, porém, que não é a investidura que confere o direito ao cargo, pois este provém da eleição. A doutrina moderna reserva o conceito de eficácia para pôr em relevo a qualidade daqueles actos que são capazes de imediatamente produzirem os efeitos a que tendem e manifesta-se normalmente com a perfeição do acto. Por vezes, não obstante se encontrar preenchido o tipo legal, não se desencadeiam de imediato os efeitos que a ordem jurídica lhe assinala. Nas palavras de ROGÉRIO SOARES, “O acto é potencialmente produtor de consequências, mas elas estão comprimidas ou em estado latente. Torna-se então necessária uma terceira fase, constituída por actos que, não podendo acrescentar nada à validade do acto principal, vão, todavia, conferir-lhe a força que os liberte do letargo. Ou, como já se disse, trata-se de actos que vão ‘suscitar a energia operativa própria dos elementos constitutivos’ ” (cfr. Direito Administrativo, Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, pp. 171 ss.). Sobre o conceito de eficácia, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, Almedina, Coimbra, 1980, vol. I, pp. 510 ss.; SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Editora Danúbio, Lisboa, 1982, pp. 334/335, e ALDO SANDULLI, ob. cit., pp. 715 ss.
[118]) Nesse sentido, cfr. A .M. REBORDÃO MONTALVO, ob. cit., p. 902.
[119]) No nº 5 do artigo 76º, a lei faz equivaler a falta de eleito local ao acto de instalação do órgão a renúncia de pleno direito.
[120]) Rectificada por Declaração de Rectificação nº 20-A/2001, Diário da República, I Série-A, nº 237, de 12 de Outubro de 2001, e alterada pela Lei Orgânica nº 5-A/2001, de 26 de Novembro.
[121]) Neste sentido, cfr. JOÃO PAULO ZBYSZEWSKI, Regime de atribuições e competências das autarquias locais, JVS, Lisboa, 2001, p. 46.
[122]) Cfr. artigo 77º.
[123]) O que não significa que o candidato substituto tenha de esperar pela convocatória para emitir declaração de renúncia. O direito ao exercício do cargo surge logo que se dê a vacatura podendo de imediato os candidatos não eleitos apresentar a respectiva declaração de renúncia.
[124]) Neste sentido, tendo embora por referência outra realidade político-eleitoral, cfr. PHILIPE LIGNEAU, “La Suppléance Parlementaire”, Revue du Droit Public et de la Science Politique, nº 96, p. 132. Por sua vez, JEAN-CLAUDE MASCLET, Droit électoral, PUF, Paris, 1989, p. 118, considera que as funções que um candidato suplente possa vir a desempenhar são meramente “virtuais”.
[125]) O denominado Estatuto dos Eleitos Locais aplica-se tão-só aos membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios (cfr. nº 2 do artigo 1º da Lei nº 29/87, de 30 de Junho).
[126]) Cfr. Parecer nº 326/2000, de 29 de Maio de 2002. Sobre interpretação da lei cfr., do Conselho Consultivo, entre outros, os pareceres nºs 70/99, de 27 de Janeiro de 2000 (Diário da República, II Série, nº 115, de 18 de Maio de 2000); 61/91, de 14 de Maio de 1992 (Diário da República, II Série, nº 274, de 26 de Novembro de 1992); 66/95, de 20 de Março de 1996, nº 8/98, de 7 de Outubro de 1998 (Diário da República, II Série, nº 64, de 17 de Março de 1999); e 53/99, de 11 de Novembro de 1999.
[127]) Cfr. ob. cit., p. 182.
[128]) Disponível no sítio http:www.tribunalconstitucional.pt. No mesmo sentido da doutrina do Acórdão, cfr. “Prática Administrativa”, Revista de Administração Local, Nº 11-12, 1997, p. 1075.
[129]) Hoje o direito de renúncia encontra consagração no artigo 76º da Lei nº 169/99 em termos que não afectam a actualidade da doutrina vazada no Acórdão.
Anotações
Legislação: 
CCIV66 ART69 ART81 ART224 N1 ART340 ART942 ART1567 N4 ART2057 N2 ART2066
CONST76 ART36 N5 ART48 N1 ART50 N1 ART131 N1 N2 ART160 N2 ART276 N3
L 39 DE 05/08/1980 ART28 N3
DL 100 DE 29/03/1984 ART71 N1 N2
CP886 ART38 ART39
L 29 DE 30/06/1987 ART1 N2
L 9 DE 26/03/1987
CPADM91 ART110
L 13 DE 05/06/1991 ART32
L 7 DE 01/03/1993 ART7 N1 N2 N3
L 24 DE 18/08/1995
L 55 DE 18/08/1998
L 61 DE 27/08/1998
L 8 DE 10/02/1999
L 45 DE 16/06/1999
L 130 DE 21/08/1999
L 169 DE 18/09/1999 ART43 N1 ART60 N1 N2 N3 ART76 N1 N2 N3 N4 N5 N6 N7 ART77 N2 ART79 ART80
L 12 DE 21/06/2000
LO 1 DE 14/08/2001 ART11 ART12 N1 ART14 N1 N2 ART23 N3 N9 ART146 ART156 ART225
L 3 DE 23/02/2001
LO 5-A DE 26/11/2001
RECT 20-A DE 12/10/2001
L 5-A DE 11/01/2002
RECT 4 DE 06/02/2002
RECT 9 DE 05/03/2002
L 24 DE 04/07/2003
Jurisprudência: 
AC TC 214 DE 11/11/1998
AC TC 523 DE 22/07/1998
Referências Complementares: 
DIR CONST* DIR FUND/DIR ELEIT/DIR CIVIL*TEORIA GERAL*DIR PERSON*****
AC TC ESPANHOL 81/1994
Divulgação
Data: 
28-04-2004
Página: 
6544
1 + 4 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf