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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
8/1998, de 07.10.1998
Data do Parecer: 
07-10-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território
Relator: 
ESTEVES REMÉDIO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CTT
EMPRESA PÚBLICA
SOCIEDADE ANÓNIMA
SOCIEDADE DE CAPITAIS EXCLUSIVAMENTE PÚBLICOS
PORTUGAL TELECOM
SOCIEDADE DE CAPITAIS MAIORITARIAMENTE PRIVADOS
TRABALHADOR
ESTATUTO DISCIPLINAR
SUBORDINAÇÃODO PODER ECONÓMICO
PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE INICIATIVA E DE ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL
PRINCÍPIO DA COEXISTÊNCIA
SECTOR PÚBLICO
SECTOR PRIVADO
SECTOR SOCIAL
SECTOR COOPERATIVO
SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL
NACIONALIZAÇÃO
PRIVATIZAÇÃO
EMPRESA DE CAPITAIS PÚBLICOS
EMPRESA DE ECONOMIA MISTA
EMPRESA PARTICIPADA
EMPRESA CONTROLADA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO DECLARATIVA
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA
Conclusões: 
1º Os regimes jurídicos ressalvados pelos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, e 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, são apenas os que se ocupam de aposentações, pensões de sobrevivência, segurança social e esquemas complementares (como fundos de pensões), estatutos remuneratórios, regime de antiguidade, duração do trabalho e outras regalias de carácter económico e social;

2º Não se incluem, portanto, nesses regimes jurídicos, o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril;

3º Os trabalhadores da Portugal Telecom, S.A. (PT, S.A.), sociedade anónima de capitais maioritariamente privados, estão sujeitos ao regime jurídico-disciplinar resultante da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969), da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e do Regulamento do Poder Disciplinar, constante do Acordo de Empresa entre a Portugal Telecom, S.A. e a FCTA - Federação Nacional dos Sindicatos das Comunicações, Telecomunicações e Audiovisual e outros.

4º A norma do nº 1 da cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT - Correios de Portugal, S.A., e o SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e outros, nos termos referidos no ponto nº 8, enferma de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 168º, nº 1, alínea q), e 214º, nº 3, da Constituição (3ª revisão), e é anulável, por violação do disposto nos artigos 26º a 31º da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969), 25º da Lei da Cessação do Contrato Trabalho e do Contrato de Trabalho a Termo (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e 5º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro.

5º Os vícios referidos na conclusão anterior apenas operam, em termos gerais, se e quando judicialmente declarados (artigos 282º da Constituição, 43º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, e 177º a 180º do Código de Processo do Trabalho).

6º Os trabalhadores dos Correios de Portugal, S.A. (CTT, S.A.), pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, nos termos do disposto na cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT - Correios de Portugal, S.A., e o SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e outros, estão sujeitos aos seguintes regimes jurídico-disciplinares:

a) Aos trabalhadores oriundos dos CTT, E.P. - enquanto vigorar o nº 1 da cláusula 20ª do Acordo de Empresa -, aplica-se o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria 348/87, de 28 de Abril;

b) Aos trabalhadores admitidos após 19 de Maio de 1992, aplica-se o regime jurídico-disciplinar resultante da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969) e da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho e do Contrato de Trabalho a Termo (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro do Equipamento, do
Planeamento e da Administração do Território,
Excelência:





1.


Com a anuência de Vossa Excelência foi remetida à Procuradoria-Geral da República a seguinte Informação ([1]):

«1. - A trabalhadora da Portugal Telecom, S.A. Maria Antónia Ameixa Trindade Pires veio, mediante petição apresentada, em 7/5/97, a Sua Excelência o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território “reclamar hierarquicamente da pena disciplinar de despedimento que lhe foi aplicada pelo C.A. da Portugal Telecom”.
Por solicitação desta Auditoria Jurídica, foi o processo disciplinar remetido, sem quaisquer comentários, pelo Conselho de Administração daquela sociedade.
Compulsado o processo, verificou-se que fora todo ele instruído nos termos do Acordo de Empresa da P.T. em vigor e ainda do D.L. nº 49408, de 24/11/69, com a aplicação da pena de despedimento com justa causa, em conformidade com o “regime dos nºs 1 e 2 alínea e) do artº 9º do D.L. nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro”, diploma que não acolhe obviamente a interposição de recurso para o Ministro da Tutela, como foi o caso.

2. - Como expressamente aí se assinalou, não se cuidou na informação que apreciou a aludida petição (inf. nº 65/97-AJ de 17/6) de reflectir sobre a questão geral de interposição do recurso tutelar dos actos que, em matéria disciplinar, são proferidos pelos Conselhos de Administração, quer da P.T., quer dos CTT.
Isto, sem embargo de se ter traçado um paralelismo entre os acordos de Empresa dos CTT e da P.T. e de se ter verificado que o regime disciplinar destes trabalhadores “obedece aos princípios consignados na Lei e no Regulamento Disciplinar constante do Anexo X do A.E. (artº 1º do nº 2 do Anexo)”, enquanto a sujeição ao poder disciplinar dos trabalhadores dos CTT admitidos até 19/5/92 é feita nos termos do R.D. aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28.4.
De todo o modo, concluiu-se não ser possível aplicar à trabalhadora em causa certo regime (R.D. dos CTT) do qual apenas se aproveitasse a existência de um recurso tutelar, e excluí-lo nos restantes aspectos, estes atinentes a outro contexto legal (LGT).
Daí que, sob pena de quebra da unidade do sistema jurídico, se tenha entendido não dever conhecer-se aquele recurso, devolvendo-se à Portugal Telecom o processo, a fim de ser devidamente definido o respectivo regime disciplinar da trabalhadora envolvida.

3. - Em resposta, por ofcº nº 59620 de 25 de Setembro passado, o Administrador da Portugal Telecom, S.A. reportando-se à questão suscitada por esta Auditoria Jurídica e, em especial, ao disposto no artº 5º nº 3 do D.L. nº 122/94, de 14 de Maio, no artº 9º nº 2 do D.L. nº 87/92, de 14 de Maio e ainda no artº 3º nº 2 do D.L. nº 277/92, de 15 de Dezembro vem dizer, perante a formulação extremamente genérica utilizada nestas normas:

“...importa determinar o âmbito de tal ressalva, ou seja, saber se a mesma abrange, indiferenciadamente, todos os regimes definidos na legislação aplicável, à data, ao pessoal dos CTT, E.P., inclusive o regime disciplinar aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, ou se, atendendo ao cunho publicístico e às soluções que este especificamente acolhe, bem como à sujeição ao direito privado, como sociedades anónimas das entidades em causa, nomeadamente a Portugal Telecom S.A., nela se incluem apenas os regimes que versam matérias respeitantes a segurança social e equiparáveis.”

Louvando-se, quer na doutrina, em parecer prestado pelo Prof. Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, quer no teor do acórdão proferido, em 30/04/97, pelo Supremo Tribunal Administrativo [*], a empresa emitiu a opinião de que o regime disciplinar aplicável à recorrente e naturalmente a todos os trabalhadores nas mesmas circunstâncias seria o constante da lei geral, nomeadamente nos artºs 27º e sgs. do D.L. nº 49408, de 24/11/69 e nos artºs 9º e segs. do D.L. nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, bem como no Regulamento que constitui o Anexo X ao Acordo de Empresa vigente na Portugal Telecom, S.A.
Independentemente da perspectiva em que nos situemos sobre o regime disciplinar aplicável, teremos de concluir que não deverá conhecer-se o presente recurso, tal como se sugeriu na informação 65/97-AJ, porquanto no caso concreto tudo se processou ao abrigo de um ordenamento jurídico que não prevê a existência de recurso tutelar.

4. - Muito embora a questão se tenha colocado agora com especial acuidade relativamente aos processos disciplinares instaurados a trabalhadores da P.T., por força das disposições ínsitas no respectivo Acordo de Empresa de 1996, incompatível com o Regulamento Disciplinar, não se pode ignorar que, subjacente a toda esta matéria, está também o regime disciplinar dos trabalhadores dos CTT.
Se é certo que até à data têm sido apreciados recursos tutelares interpostos por estes e se admite consensualmente a aplicação do regime previsto no respectivo Regulamento Disciplinar, em conformidade, aliás, com uma corrente jurisprudencial que se tem mantido praticamente uniforme tirada, em grande parte, a propósito das sucessivas leis de amnistia, é verdade também que, do ponto de vista teórico/doutrinal, muitas dúvidas se têm colocado quanto à legalidade deste procedimento.
E tanto assim que começam a surgir arestos que tendencialmente parecem poder vir alterar e inverter a anterior orientação jurisprudencial, concluindo que os tribunais competentes para julgar os conflitos decorrentes da aplicação das sanções disciplinares são os tribunais de trabalho e não os tribunais administrativos (x).
Aliás, o próprio parecer citado, por razões diferentes e assentando fundamentalmente no âmbito do jus laboral e do direito constitucional, vem defendendo a tese ora acolhida pelo STA.
Em causa sempre esteve a ampla formulação das normas que pretendem salvaguardar os regimes jurídicos (maxime de direito público) e, bem assim, os direitos e obrigações de que os respectivos trabalhadores fossem titulares, aquando das profundas transformações sofridas pelas empresas.
5. - Perante uma jurisprudência contraditória e a necessidade de um maior aprofundamento da matéria, delicada a vários níveis e com diversos tipos de implicações, atenta ainda a complexidade da questão e a futura ocorrência de múltiplos casos, sugere-se que seja solicitado, ao abrigo do artº 34º alínea a) da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em termos semelhantes aos da consulta oportunamente formulada pela então Telecom Portugal, S.A.:

a) - Deverá entender-se a ressalva genérica do artigo 9º[*]-2 do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro e 5º, nº 3 do D.L. nº 122/94, de 14/5, como abrangendo indiferenciadamente todos os “regimes definidos na legislação aplicável ao pessoal” dos CTT, E.P., nela se compreendendo designadamente o regime disciplinar próprio, que continuaria a vigorar nos CTT, S.A., e, bem assim, em decorrência dos efeitos próprios da cisão simples, na Telecom Portugal, S.A. [**], relativamente ao pessoal oriundo dos CTT, E.P., para aquela transferido?

b) - Ou, diversamente, e tendo em conta as características e especificidades próprias das matérias versadas nos diversos regulamentos especiais, bem como a natureza privada das sociedades anónimas CTT, S.A., e Telecom Portugal, S.A.[**] deverão considerar-se os preceitos em questão como respeitando tão-só aos regimes vigentes em matéria de aposentações, segurança social e benefícios sociais?

c) - Será compatível com os princípios constitucionais fundamentais e estruturantes do nosso ordenamento jurídico a aplicação das soluções de índole publicística contidas no regime disciplinar privativo dos CTT, E.P. constante no Regulamento aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, às sociedades anónimas P.T. e CTT, regidas no essencial pelo direito privado?» (Sublinhados na origem).


Cumpre emitir parecer.



2.

A sucessão dos entes jurídicos que, entre nós, têm assumido e assumem funções nas áreas dos correios, telégrafos, telefones e, agora mais abrangentemente, no domínio das telecomunicações, aconselha o esboço de um quadro descritivo do caminho percorrido nesta matéria.

Na evolução verificada na área das comunicações, a começar pelos Correios - entendidos como «organização de serviços que têm por objecto prevalente a satisfação da necessidade colectiva das “comunicações”» - é possível identificar diversas fases ([2]):

a) A criação dos correios públicos em Portugal remonta a 1520, constituindo nessa altura um sistema de monopólio a favor de particulares de nomeação régia.

b) Segue-se, em 1606, um sistema de monopólio a favor de particulares em regime de concessão vitalícia e transmissível.

c) Em meados do século XVIII, começa a ser questionado o sistema de monopólio a favor de particulares e em Abril de 1799 os correios são integrados na Administração Pública, como Superintendência-Geral, mantendo, porém, a estrutura privada.

d) Através do Decreto com força de Lei de 27 de Outubro de 1852, os correios são integrados numa Subinspecção-Geral, com estrutura pública, sendo o País dividido em dez administrações postais e estas em direcções e delegações.

e) Por Decreto de 30 de Dezembro de 1864, os correios passam a constituir uma Direcção-Geral; «foi precisamente neste estádio de evolução que se verificou um acontecimento decisivo, que marca verdadeiramente o alvorecer dos CTT (no sentido de serviço de correios e telecomunicações) portugueses: com a reforma de 7 de Julho de 1880, são reunidos numa única Direcção-Geral, os serviços até aí distintos dos correios e do telégrafo» ([3]); algum tempo depois, «em Abril de 1904, iniciou-se a exploração da primeira linha telefónica do Estado ligando as cidades de Lisboa e Porto» ([4]).

f) O Decreto de 24 de Maio de 1911 «transformou os CTT numa Administração-Geral, dotada de autonomia administrativa - isto é, com capacidade para prática de actos definitivos e executórios - e de autonomia financeira - passando a cobrir as suas despesas com as receitas próprias - sob a autoridade directa do Ministro da pasta competente» ([5]).

g) O Decreto-Lei nº 49368, de 10 de Novembro de 1969, determina, por um lado, que «A partir de 1 de Janeiro de 1970, a Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones passa a constituir uma empresa pública do Estado, denominada “Correios e Telecomunicações de Portugal”, regida pelo Estatuto constante do anexo I ao presente decreto-lei (...)» (artigo 1º), e, por outro, introduz alterações ao Estatuto dos Telefones de Lisboa e Porto, anexo ao Decreto-Lei nº 48007, de 26 de Outubro de 1967 (artigo 2º) ([6]).

A Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, aprovou o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, regulamentos assim justificados na nota preambular da Portaria:

«A empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal pode submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público.
Um destes aspectos é o exercício do seu poder disciplinar, considerada a importância dos interesses a prosseguir e que se prendem, nomeadamente, com a segurança e sigilo das correspondências.
Sempre os CTT tiveram a este propósito um regime privativo, mesmo quando faziam parte da administração geral do Estado.
As novas realidades sócio-laborais, designadamente a evolução do direito disciplinar na função pública criaram a necessidade de alterar o Regulamento Disciplinar no sentido de uma melhor adequação.»

O Regulamento Disciplinar apresenta particularidades a que convém fazer menção: assume (no preâmbulo) um certo paralelismo com o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, e estabelece um ritualismo detalhado no exercício da acção disciplinar - por ex., ao nível da enumeração das penas disciplinares (artigo 6º), da elaboração do registo disciplinar do trabalhador (artigo 7º), da repartição da competência disciplinar (artigo 10º), da correspondência entre a factualidade típica e a pena aplicável (artigos 11º a 18º), do elenco das circunstâncias atenuantes e agravantes (artigos 20º e 21º, respectivamente); prevê a existência de processos disciplinares especiais (artigos 52º a 55º), a par da tramitação do processo disciplinar comum por diversas fases - notícia da infracção, instauração do processo, instrução preparatória, eventualmente, instrução contraditória, e decisão (artigos 22º a 51º); ao nível da revogação e alteração das penas disciplinares, prevê o recurso hierárquico (artigos 56º e 57º), o recurso contencioso (artigo 58º), a revisão (artigos 59º a 64º) e a reabilitação (artigo 65º); termina com um capítulo sobre processos de inquérito, sindicância e inspecção (artigos 66º a 69º) e um outro sobre disposições transitórias (artigos 70º a 75º).

O Regulamento Disciplinar prevê ainda, designadamente, a interposição de recurso hierárquico para o ministro da tutela ou para o conselho de administração, consoante as decisões tiverem sido proferidas, respectivamente, por este órgão ou por órgãos inferiores (artigo 56º); prevê também que das decisões condenatórias e dos despachos que decidam recursos hierárquicos ou que não concedam revisão de processos, proferidos pelo conselho de administração em matéria disciplinar, cabe recurso contencioso para os órgãos judiciais competentes (artigo 58º).

O Regulamento do Conselho Disciplinar, por seu turno, prevê a existência e regula o funcionamento de um conselho disciplinar, com funções consultivas, presidido por «um magistrado dos tribunais judiciais».

h) O Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, transforma a empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT) «em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, passando a denominar-se CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., abreviadamente designada por CTT, S.A» (artigo 1º, nº 1). Este procedimento filia-se na preocupação de o Governo reduzir a dimensão do sector empresarial do Estado e preparar o sector das comunicações para a concorrência interna e externa; esta transformação dos CTT, E.P., em CTT, S.A., pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, é encarada como «a melhor forma de organização e gestão, que permitirá aos CTT continuar a preparar, progressivamente e com a prudência que todo o processo requer, a separação, em duas empresas distintas dos serviços que presta nas áreas fundamentais dos correios e das telecomunicações» (do preâmbulo).

A transformação operada repercute-se no regime jurídico do pessoal, interessando, desde já, destacar o disposto no artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92:

1 - Os trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os CTT, S.A., todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública.
2 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal vigentes nesta data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior.
3 - As relações entre os Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., e a Caixa Geral de Aposentações continuam a ser regidas pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, de 24 de Novembro de 1947, relativamente ao universo de trabalhadores previsto no nº 1.
4 - Os funcionários do Estado, dos institutos públicos e das autarquias locais, bem como os trabalhadores de empresas públicas ou de sociedades anónimas de capitais públicos, podem ser autorizados a exercer quaisquer cargos ou funções, em regime de requisição nos CTT, S.A., conservando todos os direitos e regalias inerentes ao seu quadro de origem.
5 - Os trabalhadores dos CTT, S.A., que sejam chamados a ocupar cargos nos órgãos da sociedade, bem como os que sejam requisitados para exercer quaisquer cargos ou funções em outras empresas ou serviços públicos, em nada serão prejudicados por esse facto, regressando aos seus lugares logo que terminem o mandato ou o tempo de requisição.» ([7])


i) O Decreto-Lei nº 88/92, também de 14 de Maio, cria a CN - Comunicações Nacionais, SGPS, S.A., que passou a agregar e a gerir todas as participações do Estado no sector das comunicações: CTT, S.A., Telefones de Lisboa e Porto (TLP), S.A., Companhia Portuguesa Rádio Marconi (CPRM), S.A., e Teledifusora de Portugal (TDP), S.A.

j) Pouco depois, correspondendo às intenções anunciadas no Decreto-Lei nº 87/92, o Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, criou por cisão dos CTT, S.A. ([8]) - que passou a dedicar-se, em exclusivo, à prestação do serviço público de correio - a Telecom Portugal, S.A., que «tem por objecto o estabelecimento, a gestão e a exploração das infra-estruturas e do serviço público de telecomunicações, bem como, directamente ou através da constituição ou participação em sociedades, o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas» (artigo 1º, n º 1).

Também no Decreto-Lei nº 277/92 deparamos com uma norma idêntica ao transcrito artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92 - o artigo 3º:

«1 - Os trabalhadores e pensionistas dos CTT, S.A., oriundos dos CTT, E.P., transferidos por efeito da cisão para a Telecom Portugal, S.A., mantêm, perante esta, todos os direitos e obrigações de que eram titulares na empresa cindida, ficando a Telecom Portugal, S.A., obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões a que se refere o nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, na quota-parte respectiva.
2 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal dos CTT, S.A., oriundo dos CTT, E.P., continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores, pensionistas e beneficiários abrangidos por esses regimes e transferidos para a Telecom Portugal, S.A.
3 - A Telecom Portugal, S.A., fica obrigada a assegurar, na quota-parte correspondente aos trabalhadores, pensionistas e beneficiários para ela transferidos, os encargos com os regimes referidos no número anterior.
4 - As relações entre a Caixa Geral de Aposentações e a Telecom Portugal, S.A., continuam a reger-se pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, de 24 de Novembro de 1947, relativamente ao universo de trabalhadores referidos no nº 1.
5 - O disposto no artigo 28º do Decreto-Lei nº 283/89, de 23 de Agosto [*], no artigo 8º do Decreto-Lei nº 88/92, de 14 de Maio, e no artigo 9º, nº 5, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, é aplicável aos trabalhadores transferidos para a Telecom Portugal, S.A.
6 - Os trabalhadores dos CTT, S.A., e da Telecom Portugal, S.A., que venham a ser integrados nos quadros de pessoal das outras entidades resultantes do processo de restruturação mantêm, perante estas, todos os direitos e obrigações de que eram titulares, nos termos previstos nos números anteriores.»


l) O Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, veio estabelecer «os termos em que a Telecom Portugal, S.A. (Telecom), os Telefones de Lisboa e Porto, S.A. (TLP), e a Teledifusora de Portugal, S.A. (TDP), criarão, por fusão, a Portugal Telecom, S.A. (Portugal Telecom)» (artigo 1º) ([9]), que «terá por objecto o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas de telecomunicações, prestação do serviço público de telecomunicações, os serviços de transporte e difusão de sinal das telecomunicações de difusão, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas, directamente ou através da constituição ou participação em sociedades» (artigo 3º).

E o artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/94 - disposição homóloga dos já transcritos artigos 9º do Decreto-Lei nº 87/92, e 3º do Decreto-Lei nº 277/92) - estabelece:

«1 - Os trabalhadores e pensionistas da Telecom mantêm, nos termos do presente diploma, perante a Portugal Telecom todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da fusão, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões a que se refere o nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, na quota-parte respectiva.
2 - Do fundo referido no número anterior serão autonomizadas as responsabilidades dos CTT - Correios de Portugal, S.A. (CTT), e da Telecom, substituindo-se a CN a esta última sociedade na sua responsabilidade solidária decorrente da cisão dos CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., nos termos do nº 2 do artigo 122º do CSC.
3 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável por virtude do disposto no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores, pensionistas e beneficiários abrangidos por esses regimes.
4 - As relações entre a Caixa Geral de Aposentações e a Portugal Telecom regem-se pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, de 24 de Novembro de 1947, relativamente aos trabalhadores da Portugal Telecom oriundos dos CTT, E.P.»

Disposições idênticas ao transcrito artigo 5º referem-se aos trabalhadores e pensionistas dos TLP e da TDP - artigos 6º e 7º do Decreto-Lei nº 122/94, respectivamente ([10]).

Para completar a teia legal em que forçosamente teremos que nos movimentar, convém ainda conhecer o teor dos artigos 8º e 9º do Decreto-Lei nº 122/94:

«Artigo 8º

Sem prejuízo do disposto nos artigos 5º a 7º, a Portugal Telecom tomará as medidas que forem adequadas à progressiva harmonização do regime e das condições de trabalho, bem como dos esquemas de protecção social complementares dos assegurados pelos sistemas públicos, aplicáveis aos trabalhadores da Telecom, dos TLP e da TDP.

Artigo 9º

1 - O disposto no artigo 8º do Decreto-Lei nº 88/92, de 14 de Maio, e nos nºs 4 e 5 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, é aplicável aos trabalhadores da Portugal Telecom.
2 - O disposto no artigo 28º do Decreto-Lei nº 283/89, de 23 de Agosto, é ainda aplicável aos trabalhadores da Portugal Telecom que sejam oriundos dos CTT, E.P.»


m) Presentemente, os CTT, S.A., continuam a ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, e a Portugal Telecom, S.A. - na sequência de sucessivas privatizações parciais -, é uma sociedade anónima de capitais maioritariamente privados, mantendo o Estado uma posição accionista de referência, com cerca de 25% do capital social ([11]).



3.


Interessa agora, no âmbito da organização económica do Estado, proceder à caracterização e enquadramento dos CTT, S.A., e da PT, S.A.

A organização económico-social do Estado obedece às prioridades definidas no artigo 81º e assenta nos princípios fundamentais enunciados no artigo 80º, ambos da Constituição, designadamente no princípio da subordinação do poder económico ao poder político democrático, no princípio da coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social dos meios de produção e na liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista [alíneas a), b) e c) do artigo 80º da Constituição].

É, consequentemente, garantida a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção - o sector público, «constituído pelos meios de produção cujas propriedade e gestão pertencem ao Estado ou a outras entidades públicas», o sector privado, «constituído pelos meios de produção cuja propriedade ou gestão pertence a pessoas singulares ou colectivas privadas», e o sector cooperativo e social (artigo 82º da Constituição).

A dinâmica e a importância relativa de cada um destes sectores variou muito no decurso dos últimos anos (atemo-nos apenas ao pós-25 de Abril).

As nacionalizações efectuadas no período anterior à aprovação da Constituição de 1976 determinaram, segundo PAULO OTERO ([12]), dois principais efeitos:

«(i) Alargamento do número das empresas públicas dotadas de uma personalidade de Direito Público, determinando a publicação de um estatuto jurídico comum (x);
(ii) Aumento das participações do Estado no capital social de múltiplas entidades dotadas de uma personalidade de Direito Privado, enquanto consequência principal de fenómenos de nacionalização indirecta.»

Mais tarde - acrescenta o mesmo Autor ([13]) -, a partir «de finais dos anos oitenta e, em especial, durante os anos noventa, a privatização das empresas públicas determinou em termos procedimentais uma primeira transformação em sociedades anónimas de capitais integralmente públicos e, posteriormente, a alienação (total ou parcial) do respectivo capital social a entidades privadas, gerando diferentes formas de empresas de capitais mistos ou mesmo empresas cujo capital tendo sido total ou maioritariamente privatizado passaram a integrar o sector privado».

Em termos gerais, este movimento é legalmente enquadrado pela Lei nº 11/90, de 5 de Abril (Lei Quadro das Privatizações) - que se aplica «à reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974, nos termos do nº 1 do artigo 85º da Constituição» - e tem como objectivos (artigo 3º daquela lei) a modernização, o aumento de competitividade e a restruturação empresariais, o reforço da capacidade empresarial nacional, a redução do peso do Estado na economia, o desenvolvimento do mercado de capitais, a participação dos cidadãos na titularidade do capital das empresas, a preservação dos interesses patrimoniais do Estado e a valorização de outros interesses nacionais, e a redução do peso da dívida pública na economia.

Há-de, porém, reconhecer-se que na transformação dos CTT, E.P., em CTT, S.A., e posteriores desenvolvimentos, não estamos perante um processo de reprivatização (os CTT eram já, desde 1969, uma empresa pública), sem embargo de as modificações estruturais operadas se terem filiado na mesma ordem de motivações e objectivos, bem como no reconhecimento de que «a crescente utilização de formas jurídicas privadas de organização do sector empresarial do Estado, em especial sob a forma de sociedade anónima, comporta a opção por um modelo que proporciona maior flexibilidade de gestão e uma maior transparência e veracidade em termos de rentabilidade económica ou social» ([14]).

É na ponderação destas referências que vai concretizar-se a delimitação do âmbito do sector empresarial do Estado. Este «é constituído pelas empresas públicas e outras empresas cuja orientação, controlo, tutela ou supervisão dependem do Governo e da Administração Central do Estado» ([15]).

O sector empresarial do Estado engloba, designadamente, as empresas públicas, as empresas de capitais públicos e as empresas de economia mista, cuja maioria do capital seja detida por entidades públicas (cf. artigo 82º, nº 3, da Constituição) ([16]).

O regime jurídico das empresas públicas consta do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, conhecido por Estatuto das Empresas Públicas ([17]).

Este Estatuto, nos termos do seu artigo 48º, não é aplicável às «sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial, em que se associem capitais públicos e privados nacionais ou estrangeiros (...) salvo na medida em que os respectivos estatutos mandem aplicar alguns dos princípios aqui consagrados» (nº 1) nem «às sociedades constituídas em conformidade com a lei comercial, associando o Estado e outras entidades públicas dotadas de personalidade de direito público ou de direito privado, salvo na medida em que os respectivos estatutos remetam para os princípios aqui consagrados» (nº 2).

Quanto ao estatuto do pessoal das empresas públicas, o nº 1 do artigo 30º estabelece que «deve basear-se no regime do contrato individual de trabalho, salvo quanto ao pessoal das empresas que explorem serviços públicos, para o qual, de acordo com o nº 2 do artigo 3º, pode ser definido, em certos aspectos, um regime de direito administrativo baseado no Estatuto do Funcionalismo Público, com as modificações exigidas pela natureza específica da actividade de cada empresa» (realce nosso) ([18]).

As sociedades de capitais públicos devem considerar-se incluídas no sector público de propriedade dos meios de produção (artigo 82º, nº 2, da Constituição), integrando, por isso, o sector empresarial do Estado, «ainda que não estejam sujeitas a regimes legais de direito público» ([19]).

Todavia, as empresas de capitais públicos, quer associem o Estado a outras entidades públicas, quer associem apenas entidades públicas distintas do Estado, quer sejam constituídas em conformidade com a lei comercial ou através de actos legislativos, são - enquanto «típicas formas organizatórias reguladas pelo direito privado» -, enquadradas na categoria de pessoas colectivas privadas; aliás nos preâmbulos dos actos legislativos que têm operado a transformação de empresas públicas em sociedades comerciais tem-se afirmado constantemente esta qualificação ([20]).

As sociedades de economia mista são também pessoas colectivas de direito privado, que associam capitais públicos e privados, podendo a participação social pública ser maioritária ou minoritária e, nesta segunda hipótese, ser ainda suficiente para garantir ao sócio público certa influência na direcção da sociedade ([21]).

Segundo SOUSA FRANCO ([22]), as empresas mistas podem assumir duas formas principais: simplesmente participadas e controladas.

A participação simples «não atribui à entidade pública a possibilidade de controlar a decisão na empresa, mas apenas a de participar com as restantes entidades privadas na formulação das decisões dos seus órgãos sociais».

A participação de controlo «atribui à entidade pública o poder ou a faculdade de ser predominante (o “domínio”) na formulação do conteúdo das decisões dos órgãos sociais».

Passemos a analisar os casos particulares dos CTT, S.A., e da PT, S.A.


3.1. Os CTT, E.P., criados pelo Decreto-Lei nº 49368, de 10 de Novembro de 1969, foram convertidos pelo Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio (logo, por acto legislativo) «em pessoa colectiva de direito privado, com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos» - CTT, S.A. (cfr. o preâmbulo e o artigo 1º do Decreto-Lei nº 87/92).

O Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, cria, por cisão dos CTT, S.A., a Telecom Portugal, S.A., que passa a ter por objecto social o estabelecimento, a gestão e a exploração das infra-estruturas e do serviço público de telecomunicações, do mesmo passo que contribui para a configuração dos CTT, S.A., que passam a dedicar-se à prestação do serviço público de correios (cfr. o preâmbulo e o artigo 1º do Decreto-Lei nº 277/92).

De acordo com os actuais Estatutos, os agora designados Correios de Portugal S.A. (CTT, S.A.) continuam a ser uma empresa de capitais exclusivamente públicos, cujas acções representativas do capital social - escriturais, tituladas, nominativas e preferenciais sem voto (artigos 4º, 5º e 7º dos Estatutos dos Correios de Portugal, S.A.) ([23]) - só podem ser transmitidas para o Estado, fundos autónomos, institutos públicos, instituições de segurança social, empresas públicas, sociedades de capitais exclusivamente públicos e sociedades de economia mista com maioria de capitais públicos [artigos 4º, nº 5, dos Estatutos, e 1º, nº 2, alínea e), da Lei nº 71/88, de 24 de Maio, diploma que estabelece o regime de alienação das participações do sector público].

De acordo com o artigo 3º dos Estatutos, a sociedade tem por objecto:

«a) Assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios;
b) O exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios;
c) A prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade parabancária a constituir na dependência desta sociedade.» ([24])

A expressão em regime de exclusivo, constante do nº 1 do artigo 46º do Decreto-Lei nº 49368, não consta dos estatutos actuais, cabendo nesta parte aos CTT, S.A., assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios.

Mas, paralelamente, importa atentar no disposto no artigo 1º da Lei nº 88-A/97, de 25 de Julho, que, conforme o sumário oficial, regula o acesso da iniciativa económica privada a determinadas actividades económicas:

«Artigo 1º

1 - É vedado a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza o acesso às seguintes actividades económicas, salvo quando concessionadas:
(...)
b) Comunicações por via postal que constituam o serviço público de correios;
(...)
(...)
4 - O serviço público de correios a que se refere a alínea b) do nº 1 será definido mediante decreto-lei.
(...).» ([25])

Os CTT, S.A., face aos Estatutos e ao disposto no artigo 1º, nºs 1, alínea b), e 4, da Lei nº 88-A/97, mantêm o exclusivo da exploração das comunicações por via postal que constituam o serviço público de correios; o que não exclui, para além deste domínio, a intervenção de empresas e entidades privadas.

O objecto social dos CTT, S.A., é prosseguido, nos termos dos Estatutos, pelos órgãos sociais (assembleia geral, conselho de administração e conselho fiscal).

Todavia, os artigos 23º e 24º dos Estatutos estabelecem a obrigação de prestação de informações especiais a órgãos da administração central do Estado. Assim, o Conselho de Administração, sem prejuízo do disposto na lei comercial quanto à prestação de informações aos accionistas, enviará aos Ministros das Finanças e do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, pelo menos 30 dias antes da Assembleia Geral anual, «o relatório de gestão e as contas de exercício», bem como «quaisquer outros elementos adequados à compreensão integral da situação económico-financeira da empresa e perspectivas da sua evolução, bem como à eficiência da gestão realizada» (artigo 23º); e o Órgão de Fiscalização enviará trimestralmente às mesmas entidades «um relatório sucinto em que se refiram os controlos efectuados e, se for caso disso, as anomalias detectadas e os principais desvios em relação ao orçamento aprovado» (artigo 24º).

Não obstante ser uma sociedade anónima de capitais públicos e integrar o sector empresarial do Estado, os CTT, S.A., são uma pessoa colectiva de direito privado, circunstância de que mais adiante procuraremos tirar as ilações devidas.


3.2. A Portugal Telecom, S.A., é o resultado de um processo de criação ex novo, envolvendo a aglutinação, por fusão, de empresas cujo capital era totalmente detido pelo Estado - a Telecom Portugal, S.A., os Telefones de Lisboa e Porto, S.A., e a Teledifusora de Portugal, S.A. (preâmbulo e artigo 1º do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio).

A PT, S.A., é presentemente uma empresa mista ou participada, alheia também ao Estatuto das Empresas Públicas (artigo 48º, nº 1), em que o Estado, com a detenção de acções privilegiadas (golden shares), mantém uma posição que lhe confere poderes de intervenção da empresa não proporcionais em relação aos direitos de propriedade por ele detidos ([26]).

Entre nós, para que uma sociedade seja qualificada de economia mista, basta que «tenha sócio(s) “público(s)” e sócio(s) privado(s) - não é necessário, designadamente, que a participação social pública seja maioritária, ou seja bastante (por si só ou não) para garantir ao sócio público certa influência na direcção da sociedade (-). Isto não obsta naturalmente a diferenças de regime determinadas pelo grau de participação das entidades públicas no capital social» ([27]).

A PT, S.A., tem por objecto social «o estabelecimento, a gestão e a exploração das infra-estruturas de telecomunicações, a prestação do serviço público de telecomunicações, dos serviços de transporte e difusão de sinal das telecomunicações de difusão, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias daquelas, directamente ou através da constituição ou participação em sociedades» [artigo 3º, nº 1, dos Estatutos da Portugal Telecom, S.A. ([28])].

Os órgãos sociais são a assembleia geral, o conselho de administração e o conselho fiscal (artigo 10º).

Sobre as categorias de acções, o artigo 5º estabelece que a Sociedade «tem, além das acções ordinárias, acções da categoria A, que serão detidas maioritariamente pelo Estado ou por entidades que pertençam ao sector público, e gozam dos privilégios resultantes das regras estabelecidas nos artigos décimo terceiro número dois e décimo oitavo número dois, dos presentes estatutos».

Vejamos em que consistem estes privilégios.

O artigo 13º, nº 2, estabelece que «as deliberações sobre a eleição da mesa da Assembleia Geral e dos membros do Conselho Fiscal, bem como sobre as matérias referidas nas alíneas c) a f), e i) a j) do artigo seguinte não serão aprovadas, em primeira convocação ou em convocações subsequentes, contra a maioria dos votos correspondentes às acções da categoria A» ([29]).

O artigo 18º versa sobre a eleição dos administradores: estes são eleitos por maioria dos votos emitidos (nº 1); mas logo o nº 2 acrescenta que «Para a eleição de um terço do número total de Administradores, que compreenderá o Presidente do Conselho de Administração, a maioria referida no número anterior deve incluir a maioria dos votos conferidos às acções pertencentes à categoria A».

Em suma: a PT, S.A., é, neste momento, uma empresa mista, de capitais maioritariamente privados, e simplesmente participada pelo Estado. Porque as suas propriedade e gestão pertencem maioritariamente a pessoas singulares ou colectivas privadas, tal empresa integra-se no sector privado de propriedade dos meios de produção (artigo 82, nº 3, da Constituição).


3.3. Sobre o nexo necessariamente existente entre a intervenção empresarial do Estado e o interesse público, afirma PAULO OTERO ([30]) que «pressupondo sempre a decisão de intervenção empresarial do Estado um estudo técnico e de viabilidade económica, pode afirmar-se que resulta da Constituição, enquanto expressão conjugada entre um princípio implícito de subsidiariedade (...) e um princípio expresso de eficiência da intervenção do Estado na concretização dos imperativos de bem-estar (-), a possibilidade de o legislador ordinário consagrar um modelo de intervenção empresarial do Estado fundado no respeito pelo princípio da proporcionalidade, especialmente na sua vertente de contabilização ou balanço custos-vantagens (...) como critério de decisão concreta de criação de empresas ou de participação no capital social de empresas já constituídas (...).»

A opção do legislador, quanto aos CTT, S.A., e à PT, S.A., por formas de organização jurídico-privadas é compatível com a prossecução dos interesses públicos constantes do objecto social de tais empresas, tendo o Estado assegurado uma posição societária e poderes que lhe permitem, em qualquer dos casos, acautelar a satisfação do interesse público.

Todavia, a opção do Estado por formas de organização jurídico-privadas, por entidades dotadas de uma personalidade jurídica de direito privado, condiciona o direito regulador da actividade a desenvolver por aquelas empresas - salvo se lhes forem atribuídos poderes de autoridade, regerão a sua actividade pelo Direito Privado. O que contém implicações diversas, algumas das quais importa aqui destacar ([31]):

a) As sociedades de capitais públicos e de capitais mistos apenas podem aplicar na sua actuação o direito privado, encontrando-se delas excluída a possibilidade de escolherem o direito administrativo como direito regulador da sua forma de actuação; assim, está, em princípio, vedado às empresas de capitais públicos e de capitais mistos o recurso a direito disciplinar público, bem como a resolução dos litígios, neste âmbito suscitados, mediante o recurso aos tribunais administrativos.

b) O interesse público - enquanto critério, fundamento e limite da actuação jurídico-pública do Estado - poderá implicar desvios àquele princípio geral, mas cremos que estes, nos casos em apreço, não precisam de ir além das já referidas posições sociais privilegiadas detidas pelo Estado.

c) A aplicação do direito administrativo a entidades privadas - integrantes ou não do sector empresarial do Estado -, só pode ter lugar quando, a título excepcional e precário, estas exercem poderes de autoridade. Não consta das normas organizatórias dos CTT, S.A., e da PT, S.A., a atribuição ao respectivo pessoal do exercício de poderes de autoridade ([32]).


3.4. De acordo com os elementos que acompanham o pedido de parecer, a trabalhadora em questão terá ingressado em 21 de Agosto de 1972 nos CTT, quando estes constituíam uma empresa pública (Decreto-Lei nº 49368, de 10 de Novembro de 1969), continuou a trabalhar nos CTT quando a empresa passou a sociedade anónima (Decreto-Lei nº 87/92, de 14 Maio), foi integrada depois na Telecom Portugal, S.A. (Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro) e, mais tarde na Portugal Telecom, S.A. (Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio).

A definição deste percurso individual de pouco interessa à delimitação do objecto do parecer, uma vez que as questões vêm colocadas genericamente quanto aos trabalhadores oriundos dos CTT, E.P., que agora se encontrem, quer nos CTT, S.A., quer na Portugal Telecom, S.A. ([33]).

Trata-se, pois, de definir e especificar, em termos gerais e perante o enquadramento jurídico que antecede, qual o alcance da expressão regimes jurídicos, utilizada no artigo 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, no artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92, e no artigo 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94; trata-se, por outras palavras, de saber qual ou quais os regimes jurídicos ressalvados por estas disposições e se entre eles se pode incluir o regime jurídico-disciplinar, constante do Regulamento Disciplinar e do Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, para, deste modo, estabelecer o(s) regime(s) disciplinar(es) a que estão sujeitos os trabalhadores dos Correios de Portugal, S.A., e da Portugal Telecom, S.A., oriundos dos CTT, E.P.



4.


Tentemos fazer um levantamento, forçosamente não exaustivo, da jurisprudência existente sobre estas questões, cujas soluções não têm sido nem uniformes nem unânimes.

Como se refere na informação que está na origem do pedido de parecer, até à data, têm sido apreciados recursos tutelares interpostos por trabalhadores oriundos dos CTT, E.P., e tem-se admitido a aplicação do regime previsto no respectivo Regulamento Disciplinar, «em conformidade, aliás, com uma corrente jurisprudencial que se tem mantido praticamente uniforme tirada em grande parte, a propósito de sucessivas leis de amnistia».

Logo se acrescenta, porém, que, «do ponto de vista teórico-doutrinal, muitas dúvidas se têm colocado quanto à legalidade deste procedimento (...) tanto assim que começam a surgir arestos que tendencialmente parecem poder vir a alterar e inverter a anterior orientação jurisprudencial, concluindo que os tribunais competentes para julgar os conflitos decorrentes da aplicação das sanções disciplinares são os tribunais de trabalho e não os tribunais administrativos».

A jurisprudência referida e a seguir identificada reporta-se maioritariamente a questões relacionadas com as amnistias decretadas pela Lei nº 23/91 (que se aplicava a factos praticados até 25 de Abril de 1991, altura em que os CTT ainda constituíam uma empresa pública) e pela Lei nº 15/94; outras decisões, ultrapassando o âmbito de aplicação das amnistias, abordam autonomamente a questão do regime disciplinar aplicável.

É possível identificar duas correntes jurisprudenciais.


4.1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo começou por ser tirada a propósito da Lei nº 23/91, de 4 de Abril, cujo artigo 1º amnistiava, desde que praticadas até 25 de Abril de 1991:

«(...)
gg) As infracções disciplinares puníveis pelo Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, directamente ou por remissão, quando a pena aplicável ou aplicada não seja superior a suspensão, e, bem assim, as infracções praticadas pelos funcionários ou agentes com estatuto especial, quando a sua gravidade não seja superior à das referidas no nº 1 do artigo 24º daquele Estatuto;
(...)
ii) As infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos, salvo quando constituam ilícito penal não amnistiado pela presente lei ou hajam sido despedidos por decisão definitiva e transitada;
(...).»

E o que se discutia era se as infracções disciplinares praticadas por trabalhadores dos CTT (então ainda empresa pública) eram subsumíveis à alínea gg) (de âmbito mais restrito), na qualidade de agentes com estatuto especial ([34]) ou à alínea ii) (mais abrangente), na qualidade de trabalhadores de empresas públicas ([35]). Em qualquer dos casos, os trabalhadores dos CTT, E.P., estavam sujeitos a um estatuto disciplinar especial de direito público, regulado pelo Decreto-Lei nº 49368 e pela Portaria nº 348/87 ([36]).

No âmbito da Lei nº 15/94, de 11 de Maio - cujo artigo 1º, no que interessa acentuar, amnistiou apenas, desde que praticadas até 16 de Março de 1994, «As infracções disciplinares puníveis pelo Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, directamente ou por remissão, quando a pena aplicável ou aplicada não seja superior a suspensão, e, bem assim, as infracções praticadas pelos funcionários ou agentes com estatuto especial, quando a sua gravidade não seja superior à das referidas no nº 1 do artigo 24º daquele Estatuto, salvo quando os factos imputados integrem ilícito criminal ou quando o infractor já tiver anteriormente sido punido com censura ou pena mais grave» [alínea jj) ] - a questão apresenta dados novos: por um lado, não são amnistiadas as infracções disciplinares cometidas por trabalhadores de empresas públicas ou de capitais públicos; por outro, os CTT, E.P., haviam, entretanto (Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio), sido transformados em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos; depois, por cisão dos CTT, S.A., é criada a Telecom Portugal, S.A. (Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro); por último, cria-se, por fusão da Telecom Portugal, S.A., com os TLP, S.A., e a TDP, S.A., a Portugal Telecom, S.A. (Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio).

O Supremo Tribunal Administrativo continuou a entender que os trabalhadores da Telecom Portugal, S.A., oriundos dos CTT, E.P., deviam ser considerados como agentes com estatuto especial, nos termos do Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria nº 348/87 ([37]).

Tal entendimento foi mantido em recursos interpostos no âmbito do exercício do poder disciplinar relativamente a trabalhadores da Portugal Telecom, S.A., oriundos também dos CTT, E.P., os quais continuariam a beneficiar da amnistia prevista na alínea jj) do artigo 1º da Lei nº 15/94 ([38]).

Depois, já fora do âmbito de aplicação das amnistias, o Supremo Tribunal Administrativo, em recursos interpostos em matéria disciplinar, continuou a aceitar, ainda que implicitamente, a aplicação aos trabalhadores dos CTT, S.A., do Regulamento Disciplinar e do Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria nº 348/87 ([39]).

Defende, neste entendimento, o Supremo Tribunal Administrativo que a transformação dos CTT, E.P., em CTT, S.A. (Decreto-Lei nº 87/92), bem como a criação da Telecom Portugal, S.A. (Decreto-Lei nº 277/92) e da Portugal Telecom, S.A. (Decreto-Lei nº 122/94), deixaram incólume o regime disciplinar dos trabalhadores oriundos dos CTT, E.P.

E justifica-se ([40]):

«De acordo com o Estatuto aprovado pelo DL nº 49.368, de 10.11.69, os CTT constituíam uma empresa pública do Estado, com personalidade jurídica de direito público (art. 1º), tendo por objectivo, nos termos do art. 2º, nº 1, “a exploração do serviço público de correios e telecomunicações, revestindo assim a natureza de instituto público na modalidade de empresa pública.
Quanto ao regime jurídico dos trabalhadores da empresa, estabelecia o art. 26º, nº 1 que o mesmo seria estabelecido em regulamentos especiais, mas dispondo-se, desde logo, no nº 4 que “permanecem sujeitos ao poder disciplinar da empresa, nos termos do regulamento respectivo”, cabendo ao respectivo Conselho de Administração “exercer em relação ao pessoal a competência até agora atribuída ao Ministro das Comunicações em matéria disciplinar, com as excepções previstas neste Estatuto”, cabendo das suas decisões “recurso hierárquico para o Ministro das Comunicações e recurso contencioso”.
O Regulamento Disciplinar referido veio a ser aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, nele se definindo para os trabalhadores da empresa um regime de direito público, pelo menos em matéria disciplinar, sendo eles portanto, para tal efeito, funcionários administrativos (cfr. Ac. do Pleno de 02.05.95 - Rec. 30.910).
É abundante a jurisprudência deste Supremo Tribunal, reportada a anteriores leis de amnistia, segundo a qual os funcionários dos CTT estavam sujeitos a um regime disciplinar de direito público, que constitui um estatuto especial, por força do disposto no DL nº 49.368, de 10.11.69, e nas Portarias nº 13.232, de 24.07.50 e nº 348/87, de 28 de Abril - cfr., entre outros, os Acs. do Pleno de 11.07.91, nos Recs. 25.326 e 21.066, e o de 02.05.95 atrás citado, e da Secção de 10.01.89, 02.05.89 e 20.11.90, nos Recs. 26.190, 26.192 e 28.064, respectivamente.
Os CTT não eram reconhecidamente uma simples empresa pública, mas uma empresa pública com estatuto especial de direito público, cabendo das deliberações do seu Conselho de Administração em matéria disciplinar recurso contencioso para os tribunais administrativos, o que não sucedia com as empresas públicas em geral (cfr. os Acs. do Pleno de 25.06.91 e 08.10.91, nos recs. 27.238 e 23.504, respectivamente).

2. Este regime jurídico, contrariamente ao pretendido pela agravante, não foi alterado pela posterior transformação dos CTT de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, operada pelo DL nº 87/92, de 14 de Maio, e também o não foi pela sua integração na Telecom Portugal, S.A., criada por cisão dos Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., nos termos do DL nº 277/92, de 15 de Dezembro, nem, finalmente, pela integração da Telecom Portugal, S.A., por fusão com os TLP e a TDP, na actual Portugal Telecom, S.A., nos termos do DL nº 122/94, de 14 de Maio.
Com efeito, os arts. 9º, nº 2, do DL nº 87/92, 3º, nº 2, do DL nº 277/92, e 5º, nº 3, do DL nº 12/94, diplomas atrás referidos, que operaram as sucessivas transformações na estrutura jurídico-organizativa da empresa, dispõem expressamente que se mantêm “os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal dos CTT”, nada se dispondo em tais diplomas que, expressa ou implicitamente, afaste o regime consagrado no art. 26º, nº 4, do DL nº 49368, de 10.11.69, e na Portaria nº 348/87, de 28 de Abril.
Ou seja, apesar das referidas transformações e ajustamentos, visando “a constituição de um operador nacional de telecomunicações (...) capacitado, em dimensão e estrutura, para a melhoria da qualidade e diversidade dos serviços a prestar aos utentes” (preâmbulo do DL nº 122/94, de 14 de Maio), os referidos trabalhadores continuam a estar, para efeitos disciplinares, sujeitos ao regime especial de direito público consagrado nos diplomas legais citados.»


4.2. Recentemente, outras decisões do Supremo Tribunal Administrativo, partindo de uma diversa fundamentação, chegam também a uma diversa solução ([41]).

Quanto à questão de saber se a Portaria nº 348/87 se encontra ainda em vigor, dela resultando a competência dos tribunais administrativos para resolver os litígios em matéria disciplinar que se coloquem entre a Portugal Telecom, S.A., e os seus trabalhadores oriundos dos CTT, E.P., do Escalão I, responde-se negativamente no acórdão de 30 de Abril de 1997 (cuja fundamentação é depois retomada nos acórdãos de 30 de Outubro seguinte e de 6 de Maio de 1998, referidos):

«O Decreto-Lei nº 49368, de 10 de Novembro de 1969, que criou a empresa pública dos CTT, estabelece no seu artigo 26º, nº 1, que “o pessoal dos CTT considera-se abrangido pelas disposições do artigo 36º do Estatuto do Trabalho Nacional e o seu regime jurídico será definido em regulamentos especiais” (...)
(...)
O regulamento especial publicado ao abrigo daquele diploma veio a ser a Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, aplicável a todos os trabalhadores dos CTT, com excepção dos assalariados, a quem é aplicável o estabelecido no direito comum do trabalho, como se afirma no artigo 1º daquela Portaria.
Tal diploma, com ligeiras alterações, reproduz aquilo que no Decreto-Lei nº 24/84 se dispunha para a função pública, confirmando o regime de recursos hierárquicos consagrado no diploma que lhe serviu de fundamento, atrás referido, e, no que toca ao recurso contencioso, no artigo 58º, dispôs que das decisões condenatórias e dos despachos que decidam recursos hierárquicos ou que não concedam revisão de processos proferidos pelo conselho de administração em matéria disciplinar cabe recurso contencioso para os órgãos judiciais competentes.
Com a transformação dos CTT, E.P. numa sociedade anónima de capitais públicos, operada pelo Decreto-Lei nº 87/92, este diploma ressalvou no artigo 9º os direitos dos trabalhadores oriundos dos CTT, E.P. dispondo que os trabalhadores e pensionistas “mantêm todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando a sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública” e no nº 2 acrescenta-se que “os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública vigentes naquela data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior”, ou seja, os trabalhadores e pensionistas da empresa pública CTT.
A primeira questão que importa resolver em face da redacção dada àquele nº 2 do artº 9º do DL 87/92 é a de saber que regimes jurídicos definidos na legislação aplicável são salvaguardados. Neles também está incluído o regime consagrado na Portaria 348/87?
É verdade que a forma ampla como está redigida aquela norma abrange qualquer regime. A expressão verbal é pois de molde a permitir uma interpretação declarativa ampla em que aquele regime se encontra igualmente incluído.
As soluções, no entanto, a que a interpretação conduz levam a ir além do elemento literal.
Com efeito a aceitação, sem qualquer limitação, desta interpretação implica a aplicação de um regime de natureza pública aos trabalhadores de uma empresa privada, sujeitando esta a um regime de tutela incompatível com a sua natureza privada. Os actos praticados no âmbito daquela portaria seriam actos administrativos sujeitos a recurso hierárquico e a recurso contencioso para os tribunais administrativos, em oposição ao princípio constitucional previsto no nº 1 do artigo 61º segundo o qual a “iniciativa privada se exerce livremente nos quadros definidos na Constituição e na lei tendo em conta o interesse geral”.
Por outro lado, a aplicação por via da portaria acima citada de um regime de direito público aos trabalhadores de uma empresa privada, fora do quadro geral do regime da função pública, mas também fora do quadro do regime do contrato individual de trabalho, altera o quadro geral de punição de infracções disciplinares, pelo que de acordo com a alínea d) do nº 1 do artigo 168º constitui reserva da Assembleia da República. À mesma conclusão chegaríamos, de resto, com a invocação da alínea q) do mesmo número e artigo da Constituição da República Portuguesa, em relação à atribuição de competência aos tribunais administrativos, decorrente do nº 4 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 49368, confirmada pelo artigo 9º atrás transcrito, se a interpretação a dar àquela norma abrangesse o disposto na Portaria 348/87.
Ora o artigo 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92 comporta outra interpretação mais restritiva, abrangendo unicamente os regimes jurídicos aplicáveis àqueles trabalhadores relacionados com o fundo de pensões ou outros igualmente estabelecidos para esses trabalhadores. A interpretação que assim decorre do nº 1 e 2 do artigo 9º é que no nº 1 o legislador quis acautelar os direitos de que já eram titulares os trabalhadores, à data de entrada em vigor deste diploma, e no nº 2 quis acautelar a aplicação desses regimes jurídicos com base nos quais esses direitos e obrigações foram atribuídos em relação aos trabalhadores em relação aos quais esses direitos ainda se não tinham vencido.
Trata-se da interpretação que por ser mais conforme com a Constituição deve ser adoptada, uma vez que ela salva aquela norma jurídica.
Mas esta interpretação que já nos parece ser aquela que resulta do disposto no artigo 9º atrás referido, não pode deixar de ser aquela que resulta do disposto no artigo 15º, alínea b), do Decreto-Lei nº 122/94, que transformou a natureza jurídica daquela sociedade de capitais públicos, por fusão, a Portugal Telecom, SA.
Com efeito, com a revogação do Decreto-Lei nº 49368, deixou de ter sustentáculo legal a portaria que continha o regime disciplinar, e isto constitui mais uma razão para, por razões de conformidade constitucional, aceitar aquela interpretação.
De resto, é visível essa preocupação do legislador quando procura englobar no nº 3 do artigo 5º desse diploma os trabalhadores, pensionistas e beneficiários ao definir o âmbito dos regimes jurídicos protegidos por aquela norma.
Julgamos pois, que hoje o regime do Decreto-Lei nº 49368, vertido na Portaria nº 348/87, não é aplicável aos trabalhadores oriundos dos CTT, que em tudo o que diz respeito ao processo disciplinar estão abrangidos pela lei geral aplicável ao trabalhadores das empresas privadas.
Sendo assim, os tribunais competentes para julgar os conflitos decorrentes da aplicação de sanções disciplinares são os tribunais de trabalho, e não os tribunais administrativos.»


4.3. De uma análise perfunctória das duas correntes jurisprudenciais, parece-nos possível inferir que a corrente maioritária assenta numa interpretação puramente literal das normas aplicáveis, subvalorizando a sua teleologia e o seu enquadramento sistemático; a corrente minoritária, por seu turno, vencendo a inércia naturalmente inerente a posições sedimentadas, colhe a nossa preferência na conclusão essencial a que chega - a de que a expressão regimes jurídicos, constante das disposições legais interpretandas, abrange unicamente os «relacionados com o fundo de pensões ou outros igualmente estabelecidos para esses trabalhadores», que não o regime disciplinar constante dos regulamentos aprovados pela Portaria 348/87, de 28 de Abril - muito embora entendamos dever ser desenvolvida a respectiva fundamentação.

É o que, na sequência do já exposto, procuraremos fazer de seguida.



5.


5.1. A transformação dos CTT, E.P., em pessoa colectiva de direito privado com o estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos (CTT, S.A.), a criação, por cisão dos CTT, S.A., da Telecom Portugal, S.A., e, por fim, a criação da Portugal Telecom, S.A., e respectiva privatização dão, no que interessa à solução do parecer, origem a problemas de sucessão de leis no tempo, que o legislador procurou solucionar através das normas transitórias citadas, normas cuja alcance importa agora ponderar.

O artigo 9º do Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969, diploma que aprovou o Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (doravante LCT), estabelece:

«Ficam sujeitos ao regime aprovado por este diploma quer os contratos celebrados depois da sua entrada em vigor, quer os celebrados antes, salvo quando aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.»


Defendem alguns Autores ([42]) que, a partir do preceito citado e do que se lhe segue, não é possível «construir um princípio geral em matéria de sucessão no tempo de regimes laborais. O princípio fundamental a ter em conta é, também no ordenamento juslaboral, o art. 12º do Código Civil, sendo que é frequente a inclusão, nos diplomas que versam o regime aplicável ao contrato de trabalho, de regras específicas».

Há, todavia, quem entenda que o dispositivo citado constitui a «emanação de um princípio geral válido para todos os diplomas de trabalho, mesmo quando neles não expresso»; assim, o «princípio dominante na matéria de aplicação das normas laborais no tempo é o da imediata sujeição às novas normas mesmo dos contratos de trabalho celebrados à sombra das normas anteriores» ([43]).

Mas, acrescenta BERNARDO XAVIER, trata-se de um desvio aparente às regras gerais do artigo 12º do Código Civil, que, com a epígrafe «Aplicação das leis no tempo. Princípio geral», dispõe:

«1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor.»

BERNARDO XAVIER justifica ([44]):

«Deve notar-se que, muito embora a regra geral de conflitos no tempo em matéria de contratos seja a já referida - em que a lei nova não se aplica aos contratos anteriores -, o artigo 12º do C. Civ. exceptua os casos em que a lei dispõe “directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem” e, portanto, abstraindo das vontades que resulta o contrato: nesses casos a nova lei aplica-se às “próprias relações já constituídas, que subsistem à data da sua entrada em vigor”.
Importa distinguir, a este propósito, no regime de contratos o chamado “estatuto contratual” do “estatuto legal”.
Na verdade, o princípio de não aplicação da nova lei aos contratos anteriores assenta grosso modo na ideia da confiança que as partes fizeram na estabilidade da regulamentação à data da celebração do contrato, regulamentação essa que é normalmente supletiva e que, portanto, teriam podido previamente alterar. Assim se pode dizer que certa regulamentação normativa do contrato é ainda referível à vontade das partes, já que estas teriam podido alterar tal regulamentação (“estatuto contratual”). Não é o que se passa com o contrato de trabalho, regido por normas imperativas (isto é, não supletivas) e em cuja possível regulamentação os contraentes têm diminuta capacidade de intervenção (“estatuto legal”). Não haveria assim que sufragar uma regra de conflitos no tempo relativa ao geral dos contratos que vive à base do respeito pela autonomia contratual (supletividade (x)), e em que, por esse respeito, a nova lei se não aplica aos contratos anteriores (matéria de estatuto contratual).
A questão é, pois, de estatuto legal, no caso do contrato de trabalho. É o que afinal diz o artigo 9º do diploma preambular à LCT: sujeitam-se à nova lei os contratos de trabalho celebrados antes da sua vigência (salvo quanto aos efeitos passados). Como dissemos, a regra da não aplicação das normas aos contratos anteriores refere-se apenas às disposições relativas ao estatuto contratual. Ora casos há em que a norma é pertinente a um estatuto legal, de modo a poder dizer-se que tal disposição se dirige às pessoas, não enquanto contraentes, mas enquanto indivíduos ligados por certo tipo de vínculo contratual (enquanto patrões e trabalhadores, senhorios ou inquilinos, etc.). Situações deste tipo ocorrem tipicamente no contrato de trabalho, de modo a poder dizer-se que a lei visa regular o estatuto laboral e não propriamente o clausulado contratual; - portanto, a nova lei é de aplicação imediata ao conteúdo e efeitos dos contratos já existentes. Nestes casos, a lei abstrai dos factos que deram origem ao contrato (artigo 12º do C. Civ.) (x1), isto é, do consenso das partes.»


A distinção entre estatuto contratual e estatuto legal encontramo-la já em BAPTISTA MACHADO, quando afirma ([45]) que «para que à LN fique vedada a aplicação imediata, é preciso que ela se refira a matéria contratual; se ela regula o estatuto legal das pessoas ou dos bens, tem efeito imediato sobre todas as SsJs pendentes, ainda que se trate de SsJs modeladas por cláusulas contratuais».

Mais adiante ([46]), BAPTISTA MACHADO sintetiza pelo modo seguinte esta matéria:

«De acordo com o exposto, a aplicação ou não aplicação imediata das disposições da LN ao conteúdo e efeitos dos contratos anteriores depende fundamentalmente duma qualificação dessas disposições: referirem-se elas a um estatuto legal ou a um estatuto contratual; ou então, na fórmula do nº 2 do art. 12º do nosso Código: depende fundamentalmente do ângulo de incidência dessas disposições sobre as SsJs visadas nas suas hipóteses legais, isto é, depende da resposta à questão de saber se elas abstraiem ou não dos factos constitutivos das mesmas SsJs. Podem na verdade tais disposições referir-se a contratos e, todavia não terem a natureza de regras próprias dum estatuto contratual: basta, por exemplo, que não encarem as partes, ou uma das partes, enquanto contratantes, mas enquanto membros de uma determinada classe ou enquanto pessoas que se encontram em dada situação (v.g., como operário, e não como contratante, isto é, como simples contraparte num contrato de prestação de serviços). Por outras palavras ainda: a disposição legislativa qualificar-se-á como pertinente a um “estatuto legal”, ou - o que é o mesmo - abstrairá dos factos constitutivos da SJ contratual, quando for dirigida à tutela dos interesses de uma generalidade de pessoas que se achem ou possam vir a achar ligadas por uma certa relação jurídica (p. ex., por uma relação jurídica de trabalho, por uma relação jurídica de arrendamento, etc.) - de modo a poder dizer-se que tal disposição atinge essas pessoas, não enquanto contratantes, mas enquanto pessoas ligadas por certo tipo de vínculo contratual (enquanto patrões e operários, enquanto senhorios e inquilinos, etc.).»


5.2. Em termos gerais, o poder disciplinar laboral encontra o seu fundamento normativo ou a sua legitimidade formal, no artigo 26º e segs. da LCT ([47]) e, atentos os seus conteúdo e natureza, faz parte do estatuto legal do contrato de trabalho.

Tradicionalmente, duas grandes correntes procuram explicar a natureza do poder disciplinar laboral.

Segundo as teorias contratualistas, o poder disciplinar adviria do próprio contrato de trabalho: ao celebrá-lo, as partes estabelecem esse poder, um pouco à semelhança de uma cláusula penal.

De acordo com as teorias institucionalistas ou comunitárias, o poder disciplinar resulta da organização empresarial em que o trabalhador se vai integrar.

A contraposição entre as teses apontadas tem sido objecto de críticas ([48]), optando a doutrina mais recente por soluções mais maleáveis e abrangentes.

Assim, MENEZES CORDEIRO ([49]) conclui que «o poder disciplinar traduz, hoje, um instituto autónomo do Direito do trabalho. Formado na base de várias transposições técnicas e culturais, o poder disciplinar não comporta reduções unitárias a institutos pré-existentes. Ele explica-se pelas necessidades técnicas e de fundo do processo de produção assente em trabalho subordinado mas devidamente controlado pelo Direito. Ele baseia-se na lei que, expressamente, o reconhece e admite o poder regulativo das convenções colectivas. Ele aplica-se mercê da celebração dum contrato de trabalho. E ele visa, por fim, sancionar o acatamento dos deveres laborais, seja qual for a sua origem - contratual, convencional ou legal.»

Não é, na sua essência, diferente a natureza do poder disciplinar aplicável nas empresas públicas, designadamente o previsto, quanto aos CTT, E.P., no Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria nº 348/87.

Em suma, o regime disciplinar laboral baseia-se na lei e faz parte do estatuto legal do contrato de trabalho; as normas que o regulam são de aplicação imediata e não são, em si mesmas, objecto da ressalva constante dos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, e 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio.

Qual ou quais, então, os regimes jurídicos que o legislador pretendeu ressalvar com estas disposições?



6.


6.1. Recordemos, dentro do enquadramento legal próximo, o teor das normas em causa.

Artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio (transforma os CTT, E.P., em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos - CTT, S.A.):

«1 - Os trabalhadores e pensionistas da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal mantêm perante os CTT, S.A., todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do presente diploma, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública.
2 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal vigentes nesta data continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores referidos no número anterior.
3 - As relações entre os Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., e a Caixa Geral de Aposentações continuam a ser regidas pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, de 24 de Novembro de 1947, relativamente ao universo de trabalhadores previsto no nº 1.
4 - Os funcionários do Estado, dos institutos públicos e das autarquias locais, bem como os trabalhadores de empresas públicas ou de sociedades anónimas de capitais públicos, podem ser autorizados a exercer quaisquer cargos ou funções, em regime de requisição nos CTT, S.A., conservando todos os direitos e regalias inerentes ao seu quadro de origem.
5 - Os trabalhadores dos CTT, S.A., que sejam chamados a ocupar cargos nos órgãos da sociedade, bem como os que sejam requisitados para exercer quaisquer cargos ou funções em outras empresas ou serviços públicos, em nada serão prejudicados por esse facto, regressando aos seus lugares logo que terminem o mandato ou o tempo de requisição.»


Artigo 3º do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro (criação, por cisão simples dos CTT, S.A., da Telecom Portugal, S.A.):

«1 - Os trabalhadores e pensionistas dos CTT, S.A., oriundos dos CTT, E.P., transferidos por efeito da cisão para a Telecom Portugal, S.A., mantêm, perante esta, todos os direitos e obrigações de que eram titulares na empresa cindida, ficando a Telecom Portugal, S.A., obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões a que se refere o nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, na quota-parte respectiva.
2 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal dos CTT, S.A., oriundo dos CTT, E.P., continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores, pensionistas e beneficiários abrangidos por esses regimes e transferidos para a Telecom Portugal, S.A.
3 - A Telecom Portugal, S.A., fica obrigada a assegurar, na quota-parte correspondente aos trabalhadores, pensionistas e beneficiários para ela transferidos, os encargos com os regimes referidos no número anterior.
4 - As relações entre a Caixa Geral de Aposentações e a Telecom Portugal, S.A., continuam a reger-se pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, de 24 de Novembro de 1947, relativamente ao universo de trabalhadores referidos no nº 1.
5 - O disposto no artigo 28º do Decreto-Lei nº 283/89, de 23 de Agosto [*], no artigo 8º do Decreto-Lei nº 88/92, de 14 de Maio, e no artigo 9º, nº 5, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, é aplicável aos trabalhadores transferidos para a Telecom Portugal, S.A.
6 - Os trabalhadores dos CTT, S.A., e da Telecom Portugal, S.A., que venham a ser integrados nos quadros de pessoal das outras entidades resultantes do processo de restruturação mantêm, perante estas, todos os direitos e obrigações de que eram titulares, nos termos previstos nos números anteriores.»


Artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio (criação, por fusão, da Portugal Telecom, S.A.):

«1 - Os trabalhadores e pensionistas da Telecom mantêm, nos termos do presente diploma, perante a Portugal Telecom todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da fusão, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões a que se refere o nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, na quota-parte respectiva.
2 - Do fundo referido no número anterior serão autonomizadas as responsabilidades dos CTT - Correios de Portugal, S.A. (CTT), e da Telecom, substituindo-se a CN a esta última sociedade na sua responsabilidade solidária decorrente da cisão dos CTT - Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., nos termos do nº 2 do artigo 122º do CSC.
3 - Os regimes jurídicos definidos na legislação aplicável por virtude do disposto no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, continuarão a produzir efeitos relativamente aos trabalhadores, pensionistas e beneficiários abrangidos por esses regimes.
4 - As relações entre a Caixa Geral de Aposentações e a Portugal Telecom regem-se pelo artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, de 24 de Novembro de 1947, relativamente aos trabalhadores da Portugal Telecom oriundos dos CTT, E.P.»


6.2. A sucessão destes diplomas enquadra-se num movimento de redução, organização e reestruturação da área das comunicações do sector empresarial do Estado (o artigo 3º do Decreto-Lei nº 277/92, sem embargo da sua relevância no processo interpretativo, perdeu, entretanto utilidade, face à integração da Telecom Portugal, S.A., na fusão que originou a P.T., S.A.).

As normas do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, do nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 277/92, e do nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/94 - que entre si constituem os elos de uma cadeia normativa -, incluem-se num conjunto mais vasto de normas que versam essencialmente sobre matérias de cariz económico e social.

Todas elas fazem parte do estatuto contratual do contrato de trabalho e assumem, no quadro geral do princípio da protecção da confiança, uma clara feição garantística - visam garantir a manutenção dos direitos adquiridos pelos trabalhadores; visam garantir direitos de pensionistas e de beneficiários; visam, em suma, a tutela de expectativas legítimas de funcionários, pensionistas e beneficiários.

Vejamos, em pormenor, as matérias abrangidas pelas disposições legais transcritas:

- Os trabalhadores e pensionistas dos CTT, E.P., mantêm perante os CTT, S.A., todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 87/92, ficando esta sociedade obrigada a assegurar a manutenção do fundo de pensões do pessoal daquela empresa pública (artigo 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 87/92) ([50]);

- Os trabalhadores e pensionistas dos CTT, S.A., oriundos dos CTT, E.P., transferidos por efeito de cisão para a Telecom Portugal, S.A., e depois integrados na Portugal Telecom, S.A., mantêm perante esta todos os direitos e obrigações de que antes eram titulares (artigos 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 277/92, e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 122/94);

- Tanto os CTT, S.A., como a Telecom Portugal, S.A., como a Portugal Telecom, S.A., ficaram obrigadas, na quota-parte respectiva, a assegurar a manutenção do fundo de pensões a que se refere o nº 1 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio (que, recorde-se, transformara os CTT de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) (artigos 3º, nº 1, do Decreto-Lei nº 277/92, e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 122/94);

- Estabelece-se um regime especial [o previsto no artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610 ([51])] de relacionamento entre a Caixa Geral de Aposentações, por um lado, e os CTT, S.A., a Telecom Portugal, S.A., e a Portugal Telecom, S.A, por outro (artigos 9º, nº 3, do Decreto-Lei nº 87/92, 3º, nº 4 do Decreto-Lei nº 277/92, e 5º, nº 4, do Decreto-Lei nº 122/94);

- Reconhece-se aos trabalhadores da Telecom Portugal, S.A. e da Portugal Telecom, S.A., oriundos dos CTT, E.P., os direitos aqui adquiridos e vigentes à data da integração, em matéria de antiguidades, diuturnidades, remunerações, duração do trabalho, regimes de aposentação e de sobrevivência e regalias de carácter social (artigos 3º, nº 5, do Decreto-Lei nº 277/92, 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 122/94, e 28º do Decreto-Lei nº 283/89, de 23 de Agosto);

- Consagração de regimes de mobilidade funcional (artigos 3º, nº 5, do Decreto-Lei nº 277/92, 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 122/94, 9º, nºs 4 e 5 do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, e 8º do Decreto-Lei nº 88/92, de 14 de Maio): exercício de cargos ou funções por funcionários, em regime de requisição nos CTT, S.A., sem perda de regalias e direitos inerentes ao lugar de origem; exercício pelos trabalhadores dos CTT, S.A., de cargos na própria ou em outras empresas ou serviços públicos, sem prejuízo da posição e direitos adquiridos;

- A expressão regimes jurídicos tem, no nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, como destinatários expressos (cf. o nº 1 do mesmo artigo) os trabalhadores e pensionistas dos CTT, E.P.; e, quer no nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 277/92, quer no nº 3 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 122/94, a mesma expressão tem como destinatários pessoais os trabalhadores, pensionistas e beneficiários oriundos dos CTT, E.P.; a querer reduzir-se o efeito útil de tal expressão à abrangência do regime disciplinar, não se descortina a pertinência e o acerto das menções feitas a pensionistas e beneficiários (ora, o intérprete há-de presumir que o legislador «soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» - artigo 9º, nº 3, in fine, do Código Civil);

- Aliás, se fosse essa a sua intenção, o legislador teria dito linearmente que o regime disciplinar dos CTT, E.P., se aplicaria aos trabalhadores dos CTT, S.A., e da PT, S.A., oriundos daquela empresa pública;

- Finalmente, registe-se o sumário oficial do Decreto-Lei nº 277/92: «Regula a criação da Telecom Portugal, S.A., por cisão simples dos Correios e Telecomunicações de Portugal, S.A., e define os mecanismos de garantia dos direitos dos trabalhadores dos CTT que vierem a ser integrados naquela empresa».

Não há, nas disposições legais em análise, qualquer referência a matérias de natureza disciplinar.

O contexto sistemático ou complexo normativo em que se integram as normas citadas está teleologicamente dirigido à tutela de direitos económicos e sociais dos trabalhadores, integrados no estatuto contratual do contrato de trabalho; é esta a sua razão de ser, a sua teleologia. Tais normas constituem, nesta perspectiva, concretizações quer de direitos económicos dos trabalhadores, quer de outros direitos sociais, consagrados, respectivamente, nos artigos 59º e 63º e segs. da Constituição ([52]).

O mesmo já não se pode dizer do Regulamento Disciplinar e do Regulamento do Conselho Disciplinar da então empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, que faz parte do estatuto legal do contrato de trabalho: sendo um regime essencialmente normativo, a regulamentação disciplinar não legitima expectativas fundadas quanto à sua manutenção num contexto de sucessão de regimes.

Isto é, as disposições legais interpretandas, atentos a sua teleologia e o respectivo enquadramento sistemático, visam, na concretização do princípio constitucional da confiança, tutelar os direitos e acautelar as legítimas expectativas dos trabalhadores, pensionistas e beneficiários oriundos dos CTT, E.P., e integrados, primeiro, nos CTT, S.A., depois, na Telecom Portugal, S.A., por fim, na Portugal Telecom, S.A.

E, na medida em que se ocupam de aposentações, pensões de sobrevivência, regimes remuneratórios, duração do trabalho, regalias de carácter económico e social e sub-sistemas de saúde, integram-se genericamente no designado direito da segurança social, ramo do direito que, não obstante a sua ductilidade, vem progressivamente afirmando a sua autonomia ([53]).

É esta a densificação do conceito regimes jurídicos, constante dos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, 3º, nº 2, do Decreto-Lei 277/92, de 15 de Dezembro, e 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio.

Chegámos a esta conclusão por uma via interpretativa que importa explicitar.

Nos termos do artigo 9º do Código Civil, a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas «reconstituir o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Escreveu-se, a propósito da interpretação, no parecer nº 61/91 do Conselho Consultivo ([54]):

«Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o “lugar sistemático” que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.»

Socorrendo-se o intérprete dos elementos ou subsídios mencionados, chegará a um dos seguintes resultados ou modalidades essenciais de interpretação:

a) interpretação declarativa - o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta; a interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados ([55]);

b) interpretação extensiva - a letra ficou aquém do espírito da lei, pelo que o intérprete alarga ou estende então o texto, por forma a fazer corresponder a letra da lei ao seu espírito;

c) interpretação restritiva - o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer, pelo que o intérprete o deve restringir em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo.

O legislador, ao utilizar nos diplomas citados a expressão regimes jurídicos, não quis atribuir-lhes a virtualidade de abranger todo e qualquer regime jurídico que tratasse ou abrangesse matérias relacionadas com os trabalhadores dos CTT, S.A., da Telecom Portugal, S.A., ou da Portugal Telecom, S.A.; pelo contrário, como procurámos demonstrar, quis, com essa expressão, abranger tão-só os regimes jurídicos que se ocupam de aposentações, pensões de sobrevivência, segurança social e esquemas complementares (como fundos de pensões), estatutos remuneratórios, regime de antiguidade, duração do trabalho e outras regalias de carácter económico e social. Fica, portanto, afastado o regime jurídico disciplinar constante da Portaria nº 348/87, de 28 de Abril.

Este resultado interpretativo respeita o elemento literal das normas e dá o devido relevo ao elemento sistemático (o contexto em que as normas se encontram inseridas) e ao elemento racional ou teleológico (o fim visado pelo legislador ao editá-las). Por esta via, o resultado alcançado - a fixação do alcance da expressão regimes jurídicos -, situa-se dogmaticamente no âmbito da interpretação declarativa restrita.

Esta conclusão, acentua a corrente minoritária do Supremo Tribunal Administrativo, é também a mais conforme com as disposições pertinentes da Constituição ([56]).

Uma última nota argumentativa, esta de natureza exógena, se poderá referir: em vez da aplicação de um regime disciplinar público a empresas privadas, a tendência actual aponta, essencialmente por razões de ordem pragmática, para a solução contrária - sujeição do pessoal de pessoas colectivas públicas a um regime jurídico-laboral de natureza privada ([57]).

Em conclusão, a expressão regimes jurídicos, constante dos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, e 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, abrange tão-só os regimes jurídicos que se ocupam de aposentações, pensões de sobrevivência, segurança social e esquemas complementares (como fundos de pensões), estatutos remuneratórios, regime de antiguidade, duração do trabalho e outras regalias de carácter económico e social ([58]).

Resta concretizar o(s) regime(s) jurídico(s)-disciplinar(es) a que estão sujeitos os trabalhadores dos CTT, S.A., e da PT, S.A., o que passa pela articulação da conclusão geral alcançada com especificidades próprias de cada uma destas empresas.



7.


Comecemos pelo caso da Portugal Telecom, S.A.


7.1. Ao que vem sendo exposto, acresce, expressamente no que se refere à Portugal Telecom, S.A., a revogação do Decreto-Lei nº 49368, de 10 de Novembro de 1969 (diploma que criara os CTT, E.P.) e o respectivo anexo I (Estatuto dos CTT), pelo artigo 15º, alínea b), do Decreto-Lei nº 122/94:

«Art.15º - A partir da data da produção de efeitos da fusão, são revogados:
(...)
b) Os Decretos-Leis nºs 49368, de 10 de Novembro de 1969, e o respectivo anexo I, na parte aplicável à Telecom (...).»


A Portaria nº 348/87, que, como sabemos, aprovou o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar dos CTT, E.P., regulamentava o artigo 26º do Estatuto dos CTT, anexo I ao Decreto-Lei nº 49368, «que dele se considera parte integrante».

E a questão que ora se coloca é a de saber qual a sorte do regulamento se, justamente, for revogada a lei regulamentada.

Questão idêntica foi colocada e analisada no parecer nº 68/91 do Conselho Consultivo ([59]), que, acompanhamos aqui de perto, por vezes textualmente.

«Uma vez entrados em vigor - pondera-se ([60]) -, os regulamentos, se não forem entretanto alterados, suspensos, revogados pura e simplesmente ou substituídos por outros, ou ainda anulados, terão eficácia por tempo indefinido, ou até à verificação da condição resolutiva ou do termo final que neles haja sido aposto (autoderrogação).»

O mesmo Autor afirma noutro passo ([61]) que a «revogação e a modificação do regulamento podem ser expressas ou tácitas, conforme o regulamento ou lei posterior declararem que revogam ou modificam um regulamento anterior ou se limitam a regular a mesma matéria de forma inovativa».

Portanto, «em princípio, a revogação da lei a que o regulamento sirva de complemento acarreta também a revogação deste» ([62]).

Na mesma linha de pensamento, há, porém, quem reconduza as situações aludidas à ideia de caducidade: o regulamento caduca, designadamente, «se for revogada a lei que ele vinha complementar ou executar, caso esta não seja substituída por outra» ([63]).

Em suma, face à revogação do diploma legal que visavam regulamentar, o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, encontram-se revogados ou, noutra formulação, caducaram, sendo insusceptíveis de aplicação, maxime ao pessoal da Portugal Telecom, S.A.


7.2. Coincidentemente, interessa referir o Acordo de Empresa entre a Portugal Telecom, S.A. e a FCTA - Federação Nacional dos Sindicatos das Comunicações, Telecomunicações e Audiovisual e outros, de 6 de Agosto de 1996 ([64]).

As fontes de Direito do Trabalho podem dividir-se em duas categorias fundamentais: as fontes internacionais e as fontes internas, sendo estas o «produto de mecanismos inteiramente regulados pelo ordenamento jurídico interno de cada país» ([65]).

Entre as fontes internas, é possível enumerar a Constituição (i.e., os preceitos constitucionais com incidência laboral), as leis do trabalho, o costume laboral, os usos laborais, a doutrina e a jurisprudência (com destaque para os acórdãos de uniformização de jurisprudência - cf. o artigo 180º do Código de Processo do Trabalho); é corrente autonomizar de entre as fontes laborais específicas, as convenções colectivas, a decisão arbitral e o acordo de adesão [cf. o artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 9 de Dezembro - Regime Jurídico das Relações Colectivas de Trabalho ([66])]; ao lado de instrumentos puramente laborais de regulação colectiva, surgem os instrumentos administrativos - portarias de extensão e portarias de regulamentação.

As convenções colectivas são acordos celebrados entre associações de entidades patronais e trabalhadores, ou entre empresas e organismos representativos de trabalhadores.

Subdividem-se em contratos colectivos, acordos colectivos e acordos de empresa.

Os acordos de empresa são convenções subscritas por associações sindicais e uma só entidade patronal para uma só empresa ([67]).

O Acordo de Empresa entre a PT, S.A., e a FCTA e outros contém no Anexo X o Regulamento do Poder Disciplinar, em cujo artigo 1º se estabelece:

«Artigo 1º
Poder disciplinar

1 - A empresa tem poder disciplinar sobre os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço.
2 - O exercício do poder disciplinar obedece aos princípios consignados na lei e neste Regulamento disciplinar.»


Sobre a hierarquia das fontes internas de Direito do Trabalho, afirma MONTEIRO FERNANDES ([68]) que as fontes enumeradas pelo artigo 12º da LCT «arrumam-se segundo uma ordem de prioridade na aplicação a atender nos casos em que se verifique coincidência nos domínios espacial, pessoal ou material de alguma delas».

E o nº 1 do artigo 13º da LCT dispõe:

«1. As fontes de direito superiores prevalecem sempre sobre as inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabelecem tratamento mais favorável.»


Especificamente quanto aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/92, de 2 de Outubro, estabelece que não podem, designadamente, limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, contrariar normas legais imperativas e incluir qualquer disposição que importe para os trabalhadores tratamento menos favorável do que o estabelecido por lei.

O exercício do poder disciplinar por via convencional está, naturalmente sujeito a estas limitações genéricas, bem como às limitações específicas constantes, por exemplo, dos artigos 21º e 27º a 32º da LCT ([69]).

A eventual violação destes limites pelo Regulamento do Poder Disciplinar, anexo X ao Acordo de Empresa entre a PT, S.A., e a FCTA e outros, está sujeita ao regime de impugnação previsto no artigo 43º do Decreto-Lei 519-C1/79, de 9 de Dezembro ([70]).

Podemos, pois, nesta parte, concluir que os trabalhadores da PT, S.A., estão sujeitos ao regime jurídico-disciplinar resultante da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969), da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e do Regulamento do Poder Disciplinar, anexo ao Acordo de Empresa entre a PT, S.A., e a FCTA e outros.



8.


Agora o caso dos CTT, S.A.

Também aqui, ao nível das fontes convencionais do Direito do Trabalho, foi celebrado, em 17 de Maio de 1996, o Acordo de Empresa entre os CTT - Correios de Portugal, S.A., e o SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e outros ([71]).

O Acordo contém a seguinte disposição relativa ao poder disciplinar:

«Cláusula 20ª
Poder disciplinar

1 - Os trabalhadores estão sujeitos ao poder disciplinar da empresa, nos termos do respectivo regulamento disciplinar e do regulamento do conselho disciplinar, aprovados pela Portaria 348187 [ter-se-á querido dizer 348/87], de 28 de Abril.
2 - Aos trabalhadores admitidos após 19 de Maio de 1992 aplica-se o regime disciplinar da lei comum do trabalho, até à definição de novo regulamento disciplinar.»


A data que serve de marco à diferenciação de regimes - 19 de Maio de 1992 -, é a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, diploma que transformou os CTT de empresa pública em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.

Valem aqui as considerações antes tecidas a propósito das fontes do Direito do Trabalho e respectiva hierarquia.

Vale igualmente o mesmo mecanismo de controlo da validade das cláusulas convencionais tidas por contrárias à lei.

Todavia, nos termos da transcrita cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT, S.A., e o SNTCT e outros, importará aqui fazer uma distinção:

a) Os trabalhadores oriundos dos CTT, E.P., estão sujeitos ao poder disciplinar da empresa, nos termos do Regulamento Disciplinar e do Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril;

b) Aos trabalhadores admitidos após 19 de Maio de 1992 (quando os CTT passaram a ser uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos) aplica-se, até à definição de novo regulamento disciplinar, o regime disciplinar da lei comum do trabalho - isto é, aplica-se-lhes o regime jurídico-disciplinar resultante da Lei do Contrato de Trabalho - LCT (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969) e da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho e do Contrato de Trabalho a Termo - LCCT (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro).


8.1. Defendemos atrás ([72]) que a expressão regimes jurídicos, constante dos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, e 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, não abrange o Regulamento Disciplinar nem o Regulamento do Conselho Disciplinar aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril.

Estes regulamentos consagram, como se referiu ([73]), um regime disciplinar de direito público.

Assim, a norma do nº 1 da cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT, S.A., e o SNTCT e outros, na parte em que, ex novo, sujeita trabalhadores da empresa privada Correios de Portugal, S.A., ao regime disciplinar de direito público, constante do Regulamento Disciplinar e do Regulamento do Conselho Disciplinar aprovados pela Portaria 348/87, enferma de inconstitucionalidade formal e orgânica, por violação dos artigos 168º, nº 1, alínea q), e 214º, nº 3, da Constituição (3ª revisão) ([74]) - enquanto norma repristinadora daqueles diplomas, recupera disposições legais atributivas de competências aos tribunais administrativos, fora até do âmbito de resolução de litígios emergentes de relações jurídico-administrativas ([75]).

Haverá, eventual e simultaneamente, violação do artigo 168º, nº 1, alínea d), da Constituição (3ª revisão) ([76]), se se entender que aquela norma repõe em vigor diplomas definidores do regime geral de punição das infracções disciplinares; concede-se que tal não acontece, sem embargo de algumas das suas disposições versarem sobre matéria atinente a tal regime geral.

A matéria relativa ao regime disciplinar laboral baseia-se na lei e faz parte do estatuto legal do contrato de trabalho ([77]). Cremos que nesta medida não se poderá afirmar a existência de um direito adquirido a um determinado regime disciplinar. Assim, a aplicação do regime disciplinar geral a todos os trabalhadores dos CTT, S.A., não violaria o princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático (artigo 2º da Constituição).

O que se poderá perguntar é se existe fundamento material bastante para a diferenciação de regimes consagrada na cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT, S.A., o SNTCT e outros, ou se, pelo contrário, não constituirá tal diferenciação uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição. Nesta parte, quanto aos trabalhadores oriundos dos CTT, E.P., afigura-se-nos defensável que tal circunstância constitui fundamento material bastante para um diferente tratamento jurídico-disciplinar.

As inconstitucionalidades referidas - tal como a da norma do nº 2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, na interpretação de que a expressão regimes jurídicos abrange os regulamentos disciplinares constantes da Portaria nº 348/87, de 28 de Abril - só operam, em termos gerais, com a sua declaração pelo Tribunal Constitucional (artigo 282º da Constituição).


8.2. A mesma norma do Acordo de Empresa entre os CTT, S.A. o SNTCT e outros, é ainda anulável, por violação do disposto nos artigos 26º a 31º da LCT, 25º da LCCT, e 5º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro.

Independentemente de concretas decisões judiciais, também aqui a anulação apenas produz efeitos gerais, se e quando for objecto, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, de acórdão para fixação de jurisprudência (cfr. artigos 43º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, e artigos 177º a 180º do Código de Processo do Trabalho).



9.


Em face do exposto, conclui-se:

1º Os regimes jurídicos ressalvados pelos artigos 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92, de 15 de Dezembro, e 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio, são apenas os que se ocupam de aposentações, pensões de sobrevivência, segurança social e esquemas complementares (como fundos de pensões), estatutos remuneratórios, regime de antiguidade, duração do trabalho e outras regalias de carácter económico e social;

2º Não se incluem, portanto, nesses regimes jurídicos, o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril;

3º Os trabalhadores da Portugal Telecom, S.A. (PT, S.A.), sociedade anónima de capitais maioritariamente privados, estão sujeitos ao regime jurídico-disciplinar resultante da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969), da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e do Regulamento do Poder Disciplinar, constante do Acordo de Empresa entre a Portugal Telecom, S.A. e a FCTA - Federação Nacional dos Sindicatos das Comunicações, Telecomunicações e Audiovisual e outros.

4º A norma do nº 1 da cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT - Correios de Portugal, S.A., e o SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e outros, nos termos referidos no ponto nº 8, enferma de inconstitucionalidade, por violação dos artigos 168º, nº 1, alínea q), e 214º, nº 3, da Constituição (3ª revisão), e é anulável, por violação do disposto nos artigos 26º a 31º da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969), 25º da Lei da Cessação do Contrato Trabalho e do Contrato de Trabalho a Termo (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e 5º, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro.

5º Os vícios referidos na conclusão anterior apenas operam, em termos gerais, se e quando judicialmente declarados (artigos 282º da Constituição, 43º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, e 177º a 180º do Código de Processo do Trabalho).

6º Os trabalhadores dos Correios de Portugal, S.A. (CTT, S.A.), pessoa colectiva de direito privado, com estatuto de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, nos termos do disposto na cláusula 20ª do Acordo de Empresa entre os CTT - Correios de Portugal, S.A., e o SNTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações e outros, estão sujeitos aos seguintes regimes jurídico-disciplinares:

a) Aos trabalhadores oriundos dos CTT, E.P. - enquanto vigorar o nº 1 da cláusula 20ª do Acordo de Empresa -, aplica-se o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar, aprovados pela Portaria 348/87, de 28 de Abril;

b) Aos trabalhadores admitidos após 19 de Maio de 1992, aplica-se o regime jurídico-disciplinar resultante da Lei do Contrato de Trabalho (regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969) e da Lei da Cessação do Contrato de Trabalho e do Contrato de Trabalho a Termo (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro).


VOTOS


(Carlos Alberto Fernandes Cadilha) – vencido quanto às conclusões 1.ª, 2.ª, 3.ªe 4.ª, nos termos da declaração anexa.
Para definir um critério interpretativo relativamente às normas do artigo 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, de 14 de Maio, e às disposições paralelas dos Decretos-Leis nº 277/92, de 15 de Novembro, e n.º 122/94, de 14 de Maio, o parecer arranca de princípios gerais contidos na LCT (Regime Jurídico do Contrato Individual do Trabalho), quer quanto à aplicação das leis no tempo (artigo 9º), quer quanto ao conteúdo e natureza do poder disciplinar laboral (artigo 26º), vindo a concluir que as normas que regulam a disciplina laboral, sendo integrantes do estatuto legal do contrato de trabalho, são de aplicação imediata, por um lado, e não consentem, por outro, a introdução de quaisquer regimes jurídicos privativos, como aqueles que poderiam ter sido ressalvados pela referida norma do nº 2 do artigo 9º e pelas disposições similares.
Deste modo, o parecer dá como demonstrado aquilo que se tornava necessário demonstrar, ao fazer derivar o sentido interpretativo de determinadas normas de um contexto jurídico-privatístico e ao excluir à partida, que os trabalhadores oriundos da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT) pudessem beneficiar de um regime disciplinar do direito público.
A questão sujeita a consulta não envolve qualquer problema de aplicação das leis no tempo, mas contende unicamente com a interpretação de normas relativas ao estatuto dos antigos trabalhadores da empresa pública CTT (contidas em diplomas que aprovam a transformação orgânica e a cisão dos CTT) e que assumem a típica natureza de normas transitórias.
No que concerne aos trabalhadores oriundos da empresa pública CTT, o problema de sucessão das leis no tempo suscitado pela entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 87/92, 277/92 e 122/94 foi directamente resolvido por esses mesmos diplomas através das referidas disposições dos artigos 9º, 3º e 5º de cada um desses complexos normativos.
Essas disposições estabelecem direito transitório formal no ponto em que, ao invés de instituírem para certas situações existentes no momento da entrada em vigor da nova lei uma regulamentação própria, não coincidente com a lei nova ou a lei antiga, se limitam a determinar a aplicação a essa situação de regimes jurídicos anteriormente vigentes.
Não havia pois que fazer apelo ao disposto no artigo 12º do Código Civil e no artigo 9º da LCT quanto a saber qual era o regime aplicável nos trabalhadores provenientes da empresa pública, visto que foi a própria lei nova que regulamentou especificamente essa questão.
A solução preconizada no parecer, baseando-se no falso pressuposto de que não era possível ressalvar, no âmbito das relações jurídicas entre a empresa e os trabalhadores, um regime disciplinar de direito público (quando as normas transitórias poderiam ter pretendido assegurar justamente a manutenção desse regime) assenta na ideia de que a expressão “regimes jurídicos” constante do artigo 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92, do artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 277/92 e do artigo 5º, nº 2, do Decreto-Lei n.º 122/94 se reporta apenas àqueles direitos dos trabalhadores (de natureza económica ou social) que integram o estatuto contratual do contrato de trabalho.
O que se constata, porém, é que o referido conceito, nessa formulação minimalista, acaba por ficar circunscrito às situações jurídicas que se encontravam já contempladas nos nºs 1, 3, 4 e 5 das citadas disposições legais, em que se faz já referência aos direitos de que os trabalhadores eram titulares e que abrangem, necessariamente, o direito à remuneração e ao regime de duração do trabalho e as demais regalias atinentes ao correspondente sistema de saúde e de segurançasocial.
As normas em causa, interpretadas restritivamente, ficariam assim destituídas de qualquer efeito útil, visto que a protecção de direitos económicos e sociais, a que pretensamente se dirigiriam, se encontrava já efectuado, de modo especificado, noutros comandos do mesmo articulado. O que fortemente sugere que a interpretação restritiva, propendendo a eliminar o sentido prático da norma, não é a que melhor se coaduna com o espírito da lei.
Tudo indica que a referência aos “regimes jurídicos definidos na legislação aplicável ao pessoal dos CTT, SA”, efectuada sem qualquer discriminação positiva, pretende salvaguardar, no plano do direito transitório, a regulamentação específica que era anteriormente aplicável, mormente no tocante ao regime disciplinar.
Deste modo, o Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, não pode considerar-se como tendo caducado por efeito da revogação do Decreto-Lei nº 49368, de 10 de Novembro de 1969, porquanto vem a constituir o regime jurídico que foi justamente repristinado nos termos da norma transitória do artigo 9º, nº 2, do Decreto-Lei nº 87/92 e das disposições paralelas.
Neste contexto interpretativo, o Acordo de Empresa celebrado entre os CTT e os Correios de Portugal, SA e o SMTCT - Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações, ao contemplar, na sua cláusula 20ª, uma duplicidade de regimes disciplinares (de direito público para os trabalhadores oriundos da empresa pública CTT e de direito privado para os trabalhadores admitidos após 19 de Maio de 1992) representa o mero reconhecimento, no plano da relação contratual, de que os antigos trabalhadores mantém o estatuto decorrente da sua originária inserção numa empresa pública de direito público e assume um valor indiciário próprio no sentido de uma interpretação declarativa das normas em causa.
Não se coloca, pois, em relação à norma do nº 1 da cláusula 10º do Acordo de Empresa a questão da sua inconstitucionalidade orgânica e formal ou da sua ilegalidade, visto que essa norma não pretendeu instituir ex novo um regime disciplinar de direito público para os trabalhadores da empresa privada Correios de Portugal, SA, mas unicamente remeter para o regime já decorrente do estatuto orgânico da empresa.
Por outro lado, não há suficiente motivo para considerar aquela disparidade de regimes disciplinares relativamente a trabalhadores da mesma empresa como sendo susceptível de ofender o princípio da igualdade. O fundamento material para a divergência de regimes radica na própria diferenciação das situações jurídicas que correspondem a cada um dos grupos de trabalhadores abrangidos. A manutenção do status quo ante quanto aos trabalhadores provenientes da empresa pública insere-se na linha tradicional do nosso direito, assenta num princípio de confiança, e visa evitar que trabalhadores que se encontravam anteriormente sujeitos a um regime disciplinar de direito público - de maior valor garantístico no plano processual - pudessem ver alterada a sua posição jurídica, por virtude da transformação orgânica da empresa, com eventual prejuízo para os direitos e garantias adquiridos.
(António Silva Henriques Gaspar) - Vencido pelas razões constantes do voto do meu Excelentíssimo Colega Dr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha.
(Luís Novais Lingnau da Silveira) - Vencido pelas razões constantes do voto do meu Exmº Colega Dr. Carlos Alberto Fernandes Cadilha.
______________


([1]) Informação nº 111/97, de 17 de Dezembro de 1997, da Auditoria Jurídica.
(*) Cópias do parecer, datado de 22 de Junho de 1993, pedido pela então Telecom Portugal, S.A., e do acórdão acompanham o ofício que estamos a transcrever.
Ao acórdão referir-nos-emos mais adiante.
O parecer aborda, no essencial, a questão de saber se o Regulamento Disciplinar e o Regulamento do Conselho Disciplinar da empresa pública Correios e Telecomunicações de Portugal, aprovados pela Portaria nº 348/87, de 28 de Abril, se aplicam aos CTT, S.A. e à Telecom Portugal, S.A., criada por cisão simples daquela (Decretos-Leis nºs 87/92, de 14 de Maio, e 277/92, de 15 de Dezembro). Conclui-se pela negativa, restringindo-se o âmbito da ressalva dos «regimes jurídicos» referidos, respectivamente, nos artigos 9º e 3º daqueles diplomas, às matérias de cariz social («aposentações e correspondentes pensões, segurança social, benefícios sociais de vária ordem», cujas natureza e características «fundam uma particular confiança dos trabalhadores, que contam com a sua manutenção, tendo em vista a efectivação das pretensões de carácter patrimonial correspondentes às expectativas e direitos, em curso de formação ou sob condição, que integram já a respectiva esfera jurídica»). A ressalva, porém, já não abrange o regime disciplinar especial contido naqueles regulamentos, cuja «manutenção em vigor no âmbito de entidades de natureza privada, como a Telecom Portugal, S.A., não decorre dos princípios gerais aplicáveis à sucessão no tempo de normas laborais, e muito menos é imposta pela salvaguarda de um qualquer interesse de confiança dos trabalhadores na permanência de um status normativo vigente».
(x) Vd. Ac. STA - Procº. 39 805 de 30/4/97. Ac. STA - Procº 38 121 de 30/10/97.
(*) Trata-se de lapso material: ter-se-á querido dizer 3º.
(**) Trata-se ainda de lapso material, confirmado junto da Auditoria Jurídica do MEPAT: quis-se dizer Portugal Telecom, S.A. A Telecom Portugal, S.A., como veremos adiante, foi, enquanto tal, extinta aquando da fusão operada pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 122/94, de 14 de Maio.
([2]) Seguimos de perto neste número JOÃO ALFAIA, “Correios e Telecomunicações de Portugal (CTT)”, em Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. II, págs. 209 e segs., bem como os pareceres do Conselho Consultivo nºs 95/85, de 22 de Maio de 1986 (Diário da República, II Série, nº 248, de 27 de Outubro de 1986) e 93/89, de 25 de Maio de 1990 (inédito).
([3]) JOÃO ALFAIA, ob. cit., pág. 218.
([4]) Ibidem, pág. 219.
([5]) Ibidem.
([6]) A empresa pública, administrativa e financeiramente autónoma, denominada Telefones de Lisboa e Porto (TLP), fora criada por este Decreto-Lei nº 48007 para passar a explorar o serviço público que constituía objecto da concessão outorgada à The Anglo-Portuguese Telephone Company, Ltd. (APT).
O Decreto-Lei nº 147/89, de 6 de Maio, transformou a empresa pública TLP, E.P., em sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, passando a denominar-se Telefones de Lisboa e Porto (TLP), S.A. [Sobre a evolução dos TLP, v. infra, alínea l).]
([7]) O artigo 25º do Decreto-Lei nº 36610, que adiante se voltará a referir, estabelece:
«Enquanto subsistir o actual regime de aposentações do pessoal dos CTT observar-se-á o seguinte:
1º Os CTT ficarão dispensados, a partir de 1 de Janeiro de 1948, do envio à Caixa Geral de Aposentações das relações a que se referem o artigo 38º do decreto-lei nº 26115, de 23 de Novembro de 1935, e o artigo 23º do decreto-lei nº 32691, de 20 de Fevereiro de 1943;
2º A Caixa Geral de Aposentações ficará, por sua vez, dispensada de fiscalizar os descontos dos subscritores enquanto funcionários dos CTT e de organizar e manter em dia, nesta parte, o respectivo cadastro;
3º A Administração Geral dos CTT fará enviar mensalmente à Caixa Geral de Aposentações, além dos boletins de inscrição a que se refere o artigo 3º deste decreto-lei, relações, em referência a cada distrito, das quais constem, com indicação dos nomes e números de subscritores:
a) Todas as mudanças de situação dos mesmos, enquanto ao serviço, com
indicação dos novos vencimentos, inclusive as de natureza provisória,
uma vez que estas impliquem a feitura de descontos fora dos CTT;
b) Os afastamentos definitivos e datas em que se verificaram, com indicação
do fundamento respectivo;
4º A prova de efectividade nos CTT nas várias situações e dos descontos ali suportados pelos funcionários será feita no processo de aposentação através de documento emanado dos CTT, com base em requerimento ou a requisição dos serviços responsáveis no caso de o aposentado já não pertencer àquele organismo;
5º A Administração Geral dos CTT reterá as importâncias descontadas em folha a título de quotas e indemnizações ou que directamente lhe forem pagas pelo seu pessoal e entregará à Caixa Geral de Aposentações o correspondente a 1,25 por cento dos abonos feitos pela mesma Caixa, como compensação das despesas com a realização do serviço de sua conta, além das verbas necessárias ao custeio das pensões que forem da sua responsabilidade.»
([8]) Sobre a cisão de empresas, cfr. o artigo 118º, nº 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais; RAÚL VENTURA, Fusão, Cisão, Transformação de Sociedades, Almedina, 1990, pág. 331 e segs., e LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, “Fusão, cisão de sociedades e figuras afins”, em Fisco, Ano 5, nº 57, Set. 93, pág. 18 e segs.
(*) Prevê que aos trabalhadores dos CTT, E.P., que venham a integrar os quadros do Instituto das Comunicações de Portugal, serão assegurados os seguintes direitos adquiridos naquela empresa pública: «a) Antiguidade; b) Diuturnidades; c) Remuneração; d) Duração semanal do trabalho; e) Manutenção dos regimes de aposentação e de sobrevivência; f) Regalias de carácter social vigentes à data da integração».
([9]) Sobre a fusão de empresas, v. os artigos 97º e segs. do Código das Sociedades Comerciais. Na doutrina, v., por exemplo, RAÚL VENTURA, ob. e loc. cits., LUÍS MANUEL TELES MENEZES LEITÃO, ob. e loc. cits., e ANTÓNIO CARLOS SANTOS, MARIA EDUARDA GONÇALVES e MARIA MANUEL LEITÃO MARQUES, Direito Económico, 2ª Edição (Reimpressão), Almedina, 1997, págs. 309-310.
([10]) «Art. 6º: - 1 - Os trabalhadores e pensionistas dos TLP mantêm, nos termos do presente diploma, perante a Portugal Telecom todos os direitos e obrigações de que forem titulares na data da fusão.
2 - Os trabalhadores e pensionistas a que se refere o número anterior mantêm perante a Caixa de Previdência do Pessoal dos Telefones de Lisboa e Porto, os direitos inerentes à posição de beneficiários.
3 - A Portugal Telecom fica obrigada a assegurar relativamente aos trabalhadores e pensionistas referidos no nº 1, o complemento de pensão de reforma ou de sobrevivência existente, bem como a manutenção do respectivo fundo de pensões.
Art. 7º: - 1 - Os trabalhadores e pensionistas da TDP mantêm, nos termos do presente diploma, perante a Portugal Telecom todos os direitos e obrigações de que eram titulares naquela sociedade à data da fusão.
2 - A Portugal Telecom fica obrigada a assegurar, relativamente aos trabalhadores e pensionistas referidos no número anterior, o complemento de reforma existente, bem como a manutenção do respectivo fundo de pensões.»
([11]) Sobre a privatização da Portugal Telecom, S.A., v. o Decreto-Lei º 44/95, de 22 de Fevereiro, e a Resolução do Conselho de Ministros nº 43-A/95, de 4 de Maio (1ª fase); o Decreto-Lei nº 34-A/96, de 24 de Abril, e as Resoluções do Conselho de Ministros nºs 67-A/96, de 10 de Maio, e 75-A/96, de 24 de Maio (2ª fase); e o Decreto-Lei nº 226-A/97, de 29 de Agosto, e as Resoluções do Conselho de Ministros nºs 149-A/97, de 11 de Setembro, e 167/97, de 6 de Outubro (3ª fase).
([12]) Vinculação e Liberdade de Conformação Jurídica do Sector Empresarial do Estado, Coimbra Editora, 1998, págs. 188-189.
«(x) Sobre o estatuto jurídico das empresas públicas, cfr. Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de Janeiro, e pela Lei nº 16/90 de 20 de Julho.»
([13]) Ibidem.
([14]) PAULO OTERO, ob. cit., pág. 190.
([15]) ANTÓNIO L. DE SOUSA FRANCO, Finanças Públicas e Direito Financeiro, volume I, 4ª edição, 3ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 184-185.
([16]) Para mais desenvolvimentos, v. PAULO OTERO, ob. cit., págs. 88-91.
([17]) Aquele decreto-lei foi alterado pelo Decreto-Lei nº 29/84, de 20 de Janeiro, e pela Lei nº 16/90, de 20 de Julho.
([18]) Estabelece-se no nº 2 do artigo 3º:
«2. Os estatutos das empresas que explorem serviços públicos, assegurem actividades que interessem fundamentalmente à defesa nacional ou exerçam a sua actividade em situação de monopólio podem submeter determinados aspectos do seu funcionamento a um regime de direito público bem como conceder-lhes especiais privilégios ou prerrogativas de autoridade.»
([19]) SOUSA FRANCO, ob. cit., pág. 188.
([20]) JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade - As Empresas no Direito, colecção teses, Almedina, Coimbra, 1996, págs. 134-135 e nota (345). Cfr. também ALBERTO ALONSO UREBA, La Empresa Publica - Aspectos jurídico- constitucionales y de Derecho Económico, Editorial Montecorvo, S.A., Madrid, 1985, págs. 302-349.
([21]) Cf. COUTINHO DE ABREU, ob. cit., págs. 150-151.
([22]) Ob. cit., págs. 189-190.
([23]) Para o desenvolvimento daqueles conceitos, v. ANTÓNIO PEREIRA DE ALMEIDA, Sociedades Comerciais, Coimbra Editora, 1997, pág. 216 e segs.
([24]) No que se refere ao serviço público de correios, núcleo essencial do objecto social dos CTT, S.A., será interessante lembrar que, nesta parte, o Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal, quando empresa pública (que constituíam o Anexo I ao Decreto-Lei nº 49368), dispunha no artigo 4º:
«1. O serviço público a cargo dos CTT, explorado em regime de exclusivo, abrange:
a) O transporte e distribuição de missivas ou outras correspondências fechadas e de quaisquer missivas abertas, incluindo os bilhetes postais;
b) A emissão e venda de selos e outros valores postais;
c) O estabelecimento, gestão e exploração, para uso público, dos serviços previstos nas anteriores alíneas a) e b) dos sistemas de telecomunicações compreendidos no objecto da empresa e dos demais meios electromagnéticos, ópticos, acústicos, pneumáticos ou de qualquer outra natureza, destinados à permutação de correspondências.
2. (...)» (itálico nosso).
O regime de exclusivo previsto era, então, temperado pelas excepções previstas no nº 2 do mesmo artigo: transporte particular e não lucrativo de correspondências efectuado pelo remetente dentro dos limites de uma localidade; transporte de correspondências que tenham sido franquiadas ou carimbadas nas estações do lugar de procedência; transporte de correspondência entre estabelecimentos, agências ou delegações de uma mesma empresa, efectuado por esta; estabelecimento de sistemas de comunicação filares ou pneumáticos em áreas circunscritas.
([25]) Não consta que tenha sido editado o decreto-lei aqui referido, a definir o serviço público de correios.
([26]) Cf. ANTÓNIO CARLOS SANTOS et alii, ob. cit, pág. 207, e artigo 15º, nºs 1 e 3, da Lei nº 11/90, de 5 de Abril.
([27]) COUTINHO DE ABREU, ob. cit., págs. 151-152.
([28]) Publicados no Diário da República, III Série, nº 209 (2º Supl.), de 10 de Setembro de 1997.
([29]) Transcreva-se, no que interessa, o artigo 14º (Competência da Assembleia Geral), para conhecimento da matéria referida naquelas alíneas:
«1. Compete designadamente à Assembleia Geral:
(...)
c) Deliberar sobra a aplicação dos resultados do exercício;
d) Deliberar sobre quaisquer alterações dos estatutos e aumentos de capital;
e) Deliberar sobre a emissão de obrigações, ou outros valores mobiliários e fixar o valor daquelas que o Conselho de administração pode autorizar, nos termos do artigo oitavo número três;
f) Deliberar sobre as autorizações a que se referem os artigos segundo, número dois, e nono, número um;
(...)
i) Aprovar os objectivos gerais e os princípios fundamentais das políticas da sociedade e opções estratégicas nomeadamente relativas à tecnologia a adoptar, desenvolvimento das redes e prestação de serviços;
j) Definir os princípios gerais de política de participações em sociedades, no âmbito do objecto social ou fora dele, nos termos do artigo terceiro, número dois, e deliberar sobre as respectivas aquisições e alienações quando, de acordo com aqueles princípios, devam ser autorizadas pela Assembleia geral;
(...)
2. (...).»
([30]) Ob. cit., págs. 202-203.
([31]) Continuamos a acompanhar PAULO OTERO, ob. cit., págs. 264-272 e 239.
([32]) Ao contrário do que acontecia quando os CTT eram empresa pública: por exemplo, no domínio do Estatuto dos Correios e Telecomunicações de Portugal (Anexo I ao Decreto-Lei nº 49368), os «servidores dos CTT» podiam prender em flagrante delito tanto os indivíduos que os ultrajassem no exercício das suas funções e os delinquentes por crimes comuns, conduzindo-os imediatamente à presença das autoridades competentes, podiam «usar armas para defesa própria, dos objectos de serviço e das instalações e valores à sua guarda, quando devidamente autorizados», e os «servidores» que desempenhassem funções de chefia, de inspecção ou de fiscalização, quando se encontrassem no exercício das suas funções, eram equiparados, para efeitos penais, aos agentes da autoridade ou da força pública [artigo 28º, nºs 1, alíneas a) e b), e 2].
([33]) Cfr. supra, nº 1, parte final.
([34]) Neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Maio de 1992, Recurso nº 28963 (Apêndice ao Diário da República, de 16 de Abril de 1996); de 27 e Outubro de 1992, Recurso nº 30783 (Apêndice..., de 17 de Maio de 1996); de 9 de Dezembro de 1992, Recurso nº 30910 (Apêndice..., de 17 de Maio de 1996); de 10 de Dezembro de 1992, Recurso nº 31181 (Apêndice..., de 17 de Maio de 1996); de 22 de Setembro de 1994, Recurso nº 33473 (Apêndice..., de 7 de Fevereiro de 1997), de 29 de Janeiro de 1997, Recurso nº 31181 (Pleno da 1ª Secção) e de 8 de Abril de 1997, Recurso nº 39753.
([35]) Neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26 de Maio de 1992, Recurso nº 30461 (Apêndice..., de 23 de Abril de 1996), e de 22 de Setembro de 1992, Recurso nº 30731.
([36]) Cf. também o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Novembro de 1997, Recurso nº 36082, relativo a infracções disciplinares praticadas em 1986 por trabalhador dos CTT.
([37]) Assim, os acórdãos de 23 de Maio de 1996, Recurso nº 33452, e de 8 de Abril de 1997, Recurso nº 39753.
Cfr. também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Abril de 1997, que considera incompetente, em razão da matéria a jurisdição comum (laboral) para conhecer de recurso interposto em matéria disciplinar por trabalhador dos CTT, S.A. (Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, Ano XXXVI, Novembro de 1997, nº 431, pág. 1351 e segs.).
([38]) Por exemplo, nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de Julho de 1995, Recurso nº 36939, de 9 de Maio de 1996, Recurso nº 39577, de 23 de Maio de 1996, Recurso nº 37767, de 14 de Novembro de 1996, Recurso nº 40417, de 8 de Abril de 1997, Recurso nº 39753, e de 3 de Março de 1998, Recurso nº 39315.
([39]) V., por exemplo, os acórdãos de 10 de Abril de 1997, Recurso nº 40674, de 18 de Novembro de 1997, Recurso nº 41357, e de 26 de Maio de 1998, Recurso nº 43301.
([40]) Acórdão de 23 de Maio de 1996, Recurso nº 37767, citado na nota (38), cuja argumentação é recentemente retomada pelo acórdão de 7 de Julho de 1998, Recurso nº 43868.
([41]) Referimo-nos aos acórdãos de 30 de Abril de 1997, Recurso nº 39805 (Boletim do Ministério da Justiça, nº 466, pág. 322 e segs.), de 30 de Outubro de 1997, Recurso nº 38121, e de 6 de Maio de 1998, Recurso nº 36355 (estes inéditos).
([42]) MÁRIO PINTO, PEDRO FURTADO MARTINS e ANTÓNIO NUNES DE CARVALHO, Comentário às Leis do Trabalho, Volume I, Lex, Lisboa 1994, pág. 20.
([43]) BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 1992, pág. 267 e nota 2.
([44]) Ob. cit., págs. 267-269.
«(x) Mesmo nos casos em que existam algumas normas imperativas, no comum dos contratos, as partes, quando contratam, confiam na estabilidade da regulamentação, não sendo pois justo que novas normas imperativas lhes sejam aplicáveis, sem mais. Esse princípio da confiança já não funciona no contrato de trabalho, em que - pelo menos o empregador - sabe que está sujeito a um constante realinhamento legislativo da política social.
(x1) V. para todo este assunto BAPTISTA MACHADO, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil (Coimbra, 1968), estudo 2, nºs 14 a 17, principalmente pp. 104 ss e 122 ss.»
([45]) J. BAPTISTA MACHADO, Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, Livraria Almedina, Coimbra, 1968, pág. 104.
([46]) Ob. cit., pág. 122.
([47]) O referido artigo 26º, com a epígrafe «Poder disciplinar», estabelece:
«1. A entidade patronal tem poder disciplinar sobre todos os trabalhadores que se encontrem ao seu serviço.
2. O poder disciplinar tanto é exercido directamente pela entidade patronal como pelos superiores hierárquicos do trabalhador, nos termos por aquela estabelecidos.»
([48]) V., a título exemplificativo, ANTÓNIO GARCIA PEREIRA, O Poder Disciplinar da Entidade Patronal - Seu Fundamento, Editora Danúbio, Lda, Lisboa, 1983, pág. 73 e segs.; PEDRO DE SOUSA MACEDO, Poder Disciplinar Patronal, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, pág. 7 e segs.; ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1991, pág. 760 e segs.; MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Do Fundamento do Poder Disciplinar Laboral, Livraria Almedina, Coimbra, 1993, págs. 307 e segs. e 350 e segs.; e ANTÓNIO DE LEMOS MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, I, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 257 e segs.
([49]) Ob. cit., pág. 763.
(*) Prevê, como vimos - supra, nº 2.l) - que aos trabalhadores dos CTT, E.P., que venham a integrar os quadros do Instituto das Comunicações de Portugal, serão assegurados os seguintes direitos adquiridos naquela empresa pública: «a) Antiguidade; b) Diuturnidades; c) Remuneração; d) Duração semanal do trabalho; e) Manutenção dos regimes de aposentação e de sobrevivência; f) Regalias de carácter social vigentes à data da integração».
([50]) Os fundos de pensões são considerados esquemas complementares das prestações de segurança social. O seu regime, inicialmente estabelecido no artigo 25º do Decreto-Lei nº 396/86, de 25 de Novembro, consta agora do artigo 36º do Decreto-Lei nº 415/91, de 25 de Outubro - cfr. ILÍDIO DAS NEVES, A Segurança Social Portuguesa / Problemas, Realidades e Perspectivas, Instituto Superior Politécnico Internacional (ISPI), 1993, pág. 23; e ARNALDO FILIPE OLIVEIRA, “Enquadramento dos Fundos de Pensões”, em Revista da Banca, nº 37, Janeiro-Março 1966, págs. 81-106.
([51]) Transcrito na nota 7.
([52]) Podemos, a propósito, referir que o Conselho da Europa, na Recomendação nº R(93)7, de 18 de Outubro de 1993, acentua a necessidade de, nos casos de transformação de empresas públicas em empresas privadas, dever ser dada particular atenção à protecção dos direitos, interesses e benefícios dos respectivos trabalhadores (The administration and you - A handbook, Council of Europe Publishing, 1996, pág. 494 e segs.).
([53]) Cfr. ILÍDIO DAS NEVES, Direito da Segurança Social, Coimbra Editora, 1996, nomeadamente, págs. 93 e 114.
Note-se que, por força da sua autonomia, o sistema da segurança social dispõe de orçamento próprio, embora formalmente integrado no Orçamento do Estado - artigo 105º, nº 1, alínea b), da Constituição.
([54]) Diário da República, II Série, nº 274, de 26 de Novembro de 1992.
([55]) Cf. FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, Colecção Cultura Jurídica, 2ª edição, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 1963, pág. 147. JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO (O Direito - Introdução e Teoria Geral, 10ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 418) afirma que a interpretação declarativa pode ser lata, restrita ou média, mas que «antes devíamos falar em interpretações declarativas médias, pois pode haver vários entendimentos intermédios possíveis».
([56]) Cf. supra nº 4.2.
([57]) Cfr., por exemplo, o artigo 30º do Decreto-Lei nº 388/86, de 18 de Novembro (aprova a orgânica do ICEP - Instituto do Comércio Externo de Portugal); o artigo 30º do Decreto-Lei nº 192/88, de 30 de Maio (Lei Orgânica do Instituto do Vinho do Porto); o artigo 32º do Decreto-Lei nº 387/88, de 25 de Outubro (cria o IAPMEI - Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento); o artigo 66º dos Estatutos do Instituto Nacional para Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores - INATEL (aprovados pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 61/89, de 23 de Fevereiro); o artigo 30º, nº 1, do Decreto-Lei nº 280/89, de 23 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei nº 118/94, de 5 de Maio (aprova os Estatutos do Instituto Nacional de Estatística); o artigo 24º do Decreto-Lei nº 283/89, de 23 de Agosto (aprova os novos Estatutos do Instituto das Comunicações de Portugal); e o artigo 25º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto).
([58]) Reconhece-se, todavia, que a falta de clareza das normas que procurámos interpretar - bem patente nas divergências de que o parecer dá conta -, a par da natureza das matérias envolvidas, são susceptíveis de justificar uma intervenção legislativa clarificadora.
([59]) De 25 de Maio de 1993, inédito.
([60]) AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, “Teoria dos Regulamentos”, 2ª parte, em Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano I, 2ª Série (1986), nº 1, Janeiro-Março, pág. 29; a 1ª parte está publicada na mesma Revista, Ano XXVII (1980), nºs 1,2,3 e 4, Janeiro-Dezembro, págs. 1 a 19.
([61]) Ibidem, pág. 25.
([62]) SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Lisboa, 1982, pág. 113.
([63]) DIOGO FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, volume III (Lições aos alunos do curso de direito em 1988/89), Lisboa, 1989, pág. 56; no mesmo sentido, JOÃO CAUPERS, Direito Administrativo I - Guia de estudo, Editorial Notícias, pág. 224.
Sobre esta matéria, pode ver-se ainda MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª Edição (5ª Reimpressão), Tomo I, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, pág. 111, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume I, Livraria Almedina, 1980, pág. 148 e segs.
([64]) Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, volume 63, nº 34, de 15 de Setembro de 1996.
([65]) MONTEIRO FERNANDES, ob. e vol. cits., pág. 55.
([66]) Este diploma foi alterado pelos Decretos-Leis nºs 87/89, de 23 de Março, e 209/92, de 2 de Outubro.
([67]) Para maiores desenvolvimentos da matéria das fontes de Direito do Trabalho, cf. MONTEIRO FERNANDES, ob cit. pág. 53 e segs.; MÁRIO PINTO et alii, ob. cit., págs. 59-67 (anotações aos artigos 12º e 13º da LCT); e MENEZES CORDEIRO, ob. cit., pág. 138 e segs., autores que estivemos a seguir.
([68]) Ibidem, pág. 101.
([69]) MONTEIRO FERNANDES, ob. cit., págs. 245-256.
([70]) Do seguinte teor:
«As associações sindicais e patronais, bem como os trabalhadores e entidades patronais interessados, podem propor acção de anulação, perante os tribunais do trabalho, das cláusulas dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que tenham por contrárias à lei.»
([71]) Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, volume 63, nº 21, de 8 de Junho de 1996.
([72]) Supra, nº 6.
([73]) Supra, nº 2.g).
([74]) Artigos 165º, nº 1, alínea p), e 212º, nº 3, da Constituição (4ª revisão).
([75]) Não é uniforme a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão de saber se as cláusulas de convenções colectivas de trabalho são normas para o efeito de serem submetidas ao sistema de controlo da constitucionalidade, constante dos artigos 280º e 281º da Constituição. Pela negativa, pronunciaram-se os acórdãos nºs 172/93 [Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º volume (1993), pág. 451 e segs.] e 98/95 (Diário da República, II Série, nº 137, de 16 de Junho de 1995); pela positiva, os acórdãos nºs 214/94 (Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1994) e 368/97 (Diário da República, II Série, nº 159, de 12 de Julho de 1997).
([76]) Artigo 165º, nº 1, alínea d), da Constituição (4ª revisão).
([77]) Cf. supra, nº 5.
Anotações
Legislação: 
CRP76 ART2 ART59 ART63 ART80 A B C ART81 ART82 N2 N3 ART85 N1
ART168 N1 D Q ART214 N3 ART282.
D DE 1852/10/27.
D DE 1864/12/30.
D DE 1911/05/24.
DL 49368 DE 1969/11/10 ART1 ART2 ART26 N4 ART46 N1.
DL 48007 DE 1967/10/26.
PORT 348/87 DE 1987/04/28 ART6 ART7 ART10 ART11-ART18 ART20 ART21 ART52-ART55 ART22-ART51 ART56 ART57 ART58 ART59-ART64 ART65 ART66-ART69 ART170-ART175 ART56 ART58.DL 87/92 DE 1992/05/14 ART1 N1 N2 E ART9 N1 N2 N4 N5.
DL 88/92 DE 1992705/14 ART8.
DL 277/92 DE 1992/12/15 ART1 N1 ART3 N1 N2 N4 N5.
DL 122/94 DE 1994/05/14 ART1 ART3 ART5 N1 N3 N4 ART6 ART7 ART8 ART9 N2 ART48 N1 ART15 B.
L 11/90 DE 1990/04/05 ART3.
DL 260/76 DE 1976/04/08 ART3 N2 ART30 N1 ART48 N1 N2.
L 71/88 DE 1988/05/24 ART1 N2 E.
L 88-A/97 DE 1997/07/25 ART1 N1 B N4.
L 23/91 DE 1991/04/04 ART1 GG II.
L 15/94 DE 1994/05/11 ART1.
PORT 13232 DE 1950/07/24.
DL 49408 DE 1969/11724 ART9 ART12 ART13 N1 ART21 ART26-ART31 ART27-ART32.
CCIV66 ART9 N3 ART12.
DL 283/89 DE 1989/08/23 ART28.CPT81 ART177-ART180.
DL 519-C1/79 DE 1979/12/09 ART2 N1 ART5 A B ART6 N1 ART43.
DL 519-C1/92 DE 1992/10/02.
DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ART25.
Jurisprudência: 
AC STA DE 1997/01/29 RECURSO N39753.
AC STA DE 1997/11/20 RECURSO N36082.
AC STA DE 1998/07/07 RECURSO N43868.
AC STA DE 1997/04/30 RECURSO N39805.
AC STA DE 1997/10/30 RECURSO N38121.
AC STA DE 1998/05/06 RECURSO N36355.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL * FUNÇÃO PUBL * DISC FUNC / DIR TRAB * DIR SIND / DIR SEG SOC.
Divulgação
Data: 
17-03-1999
Página: 
3938
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