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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
17/1999, de 11.11.1999
Data do Parecer: 
11-11-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Plano e da Administração do Território
Relator: 
CÂNDIDA DE ALMEIDA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
INSTITUTO PORTUGUÊS DE CARTOGRAFIA E CADASTRO
DIRECÇÃO REGIONAL DA AGRICULTURA
FRACCIONAMENTO
ESCRITURA PÚBLICA
PRÉDIO RÚSTICO
PARECER
PARECER OBRIGATÓRIO
PARECER NÃO VINCULATIVO
FUNDAMENTAÇÃO
ACTO ADMINISTRATIVO
OPERAÇÃO MATERIAL
VÍCIO DE FORMA
NULIDADE
ANULABILIDADE
IMPUGNAÇÃO
RECLAMAÇÃO
RECURSO CONTENCIOSO
ACTO RENOVÁVEL
RETROACTIVIDADE
EXECUÇÃO
SENTENÇA
Conclusões: 
1ª. Os pareceres constituem manifestações de juízos emitidos no exercício da função consultiva, a qual tem como escopo iluminar e aconselhar o órgão da Administração activa competente para a tomada da decisão final;

2ª. O parecer da Direcção Regional da Agricultura previsto no artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março, condiciona o fraccionamento de prédio rústico e, como tal, produz efeitos jurídicos externos;

3.ª Nessa medida, quando produzido através da intermediação do competente órgão administrativo, preenche as características de um acto administrativo contenciosamente recorrível e é sindicável com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação;

4.ª A anulação contenciosa do parecer favorável da Direcção Regional da Agricultura possibilita a propositura de acção judicial de anulação do acto de fraccionamento de prédio rústico que tenha tido como pressuposto esse parecer;

5.ª A emissão de um novo parecer favorável, expurgado do vício que afectava o acto antecedente, em sede de execução de sentença, não impede a propositura da acção de anulação nos termos da conclusão anterior, mas justifica que se avalie a oportunidade da providência judiciária, em face da manutenção, para futuro, por efeito do acto renovável, das condições jurídicas que tornam viável o fraccionamento;

6ª. Na decisão a proferir pela Direcção Regional de Agricultura, ao abrigo do disposto no já citado artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90, têm de constar todas as razões e fundamentos de facto e de direito que levaram àquela decisão, atentos os requisitos constantes das várias alíneas do nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro;

7ª. Nos termos conjugados dos artigos 190º, 269º e 275º e § único, todos do Código de Contribuição Predial e Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), o parecer dos técnicos do IPCC a emitir se e quando a Direcção Geral das Contribuições e Impostos o entender necessário, para efeitos de decisão no processo de reclamação das matrizes prediais, tem de responder aos factos alegados pelos reclamantes, pelo que só em face dos mesmos o conteúdo daquele parecer poderá ser densificado.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Administração
Local e Ordenamento do Território:
Excelência:
1.
No âmbito de um processo disciplinar instaurado a alguns funcionários do Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC) ([1]) em exercício de funções na delegação regional do Alentejo, em Beja, a respectiva instrutora do processo teve por bem sugerir a V. Exª que fosse ouvido o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre as seguintes questões:

“a) Natureza jurídica do parecer da Direcção Regional da Agricultura nos processos de reclamação administrativa (PRA) para fraccionamento de prédio rústico;

“b) Se naquele parecer deverá constar a deslocação dos técnicos da Direcção Regional de Agricultura aos novos prédios, unidade de cultura e demonstração da viabilidade técnico-económica dos mesmos;

“c) Se, nos mesmos processos, o parecer dos técnicos do IPCC para além de considerar o requerimento do interessado, escritura de fraccionamento e demarcação dos novos prédios, deverá aludir, ainda às culturas realmente existentes à data da deslocação aos mesmos, estado que apresentam, o aspecto do solo e, ainda, se se integram em área da RAN.

“d) Nulidade ou anulabilidade das escrituras de fraccionamento por falta de requisitos (insuficiente instrução).”

Concordando com a sugestão, dignou-se V. Exª solicitar parecer urgente a este Corpo Consultivo, que cumpre emitir, com as condicionantes de investigação resultantes da urgência invocada ([2]).

2.
2.1. De acordo com o relatório que sustenta a sugestão de audição deste Conselho Consultivo, a Senhora Instrutora pondera:

“estão em causa, numa primeira fase, pedidos formulados pelos proprietários de prédios rústicos, junto do Senhor Chefe de Repartição de Finanças de Évora para, através de um processo de reclamação administrativa (PRA) conseguirem a alteração cultural do respectivo prédio para horta - Cfr. nº 10 do artigo 269º do Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA).

“É então, que a DGCI/DDF, nos termos do § único do art. 275º daquele Código e nº 2, do art. 7º do Decreto-Lei n.º 172/95, de 18/07, solicita parecer ao IPCC que, no caso, é prestado por técnicos da Direcção Regional do Alentejo de Beja.

“Estes devem deslocar-se ao terreno a fim de aí constatarem, designadamente, se as culturas que estão a ser efectivamente praticadas são hortícolas, se ocupam todo o terreno ou, apenas parte, e, neste caso, se o solo está removido, indiciando a sua preparação para novas culturas (hortícolas também) e, ainda, se as disponibilidades hídricas existentes são suficientes para uma intensificação cultural, característica de horta.
“Seguir-se-á, pelo IPCC, uma alteração à ficha do prédio e mapa cadastral.

“Sendo o parecer favorável à pretensão do proprietário, o seu pedido será deferido pelo Senhor Chefe de Repartição de Finanças, emitindo este Serviço nova caderneta predial (…)

“É, assim, que um terreno de sequeiro, com cultura arvense (CA), ou arvense de regadio (CAR) passa a ter a qualificação cultural de horta.

“Num segundo momento o mesmo proprietário, através de um novo processo de reclamação administrativa (PRA), requer ao Senhor Chefe de Repartição de Finanças o fraccionamento do prédio, já qualificado como hortícola (…)

“(…)”

“O requerimento teve de ser instruído, a par de outros documentos, com um parecer favorável da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, emitido a seu pedido – n.º 1 do art. 45º, do Decreto-Lei n.º 103/90, de 22/03.

“(…)

“Em todos os PRA para divisão de prédio rústico que estão a ser analisados pela signatária, (…), o parecer respectivo, emitido pela Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, limita-se a afirmar que os novos prédios respeitam a Unidade de Cultura fixada e regulamentada pela Portaria n.º 202/70 e que ficam com viabilidade técnico-económica.

“Em nenhum deles está demonstrada a alegada viabilidade.

“Mais: em todos é referida a análise dos elementos constantes do processo, o que denota que, mesmo para a unidade de cultura, não há uma deslocação ao terreno com vista à sua verificação.

“Ora, é este parecer favorável que vai servir de base à escritura de fraccionamento.

“Realizada esta, a DGCI/DDF solicita parecer ao IPCC, a emitir pela Direcção Regional competente (n.º 7, do art. 269º; § único do art. 270º ([3]) e 190º, todos do CCPIIA).

“Os técnicos deste Serviço visitam os novos prédios e, considerando, apenas, o requerimento do interessado, a escritura de fraccionamento e a demarcação de cada um desses prédios, emitem parecer em que o Senhor Chefe de Repartição se arrima para deferir o pedido.
“(…)”

“Neste tipo de pareceres do IPCC que integram os PRA, para divisão, (…) não existe qualquer referência às culturas praticadas, à data da deslocação desses técnicos, aos terrenos.

(…)

“Em suma: “não dizem se se mantêm os pressupostos da divisão, para terrenos qualificados culturalmente como sendo de horta: respeito pela unidade mínima de cultura para o terreno e região e se as culturas efectivamente praticadas são hortícolas, evidenciando estarem a ser devidamente tratadas.”

2.1.1. Mais refere a Senhora Instrutora, no ponto 3 do mesmo relatório, que:

“3. No decurso da instrução veio às mãos da signatária fotocópia do despacho 1/98, de 98/07/20, do Exmº Procurador da República da Comarca de Évora, que incorpora as conclusões de um parecer jurídico de um consultor jurídico da C.M. de Évora (…).

“Nos items a, b e c dessas conclusões, o autor do parecer denuncia o fraccionamento da grande propriedade agrícola, principalmente no Alentejo e Ribatejo para dar lugar ao aparecimento de “quintinhas”.

Por outra banda,

“O Exmo Procurador da República coloca o assento tónico na questão jurídica do parecer (favorável) da Direcção Regional de Agricultura, podendo ler-se a fls. 24, 25 e 26:

“O parecer favorável da direcção regional de agricultura, sem o qual não pode haver lugar a fraccionamento é, sem dúvida, se não um acto constitutivo de direitos, todavia e sempre será um acto constitutivo de interesses legalmente protegidos, isto é, sendo o parecer favorável, os interessados obtêm o direito de legalmente fraccionarem o prédio ou prédios.

“(…)

“Com efeito, dispõe o art. 140º do Código do Procedimento Administrativo, no seu n.º 1, que os actos administrativos válidos são livremente revogáveis excepto quando forem constitutivos de direitos ou interesses legalmente protegidos.

“Ou seja: sendo o parecer da direcção regional de agricultura validamente favorável, a Administração já não o pode revogar e, por maioria de razão, nem tal acto pode ser sindicável contenciosamente nos tribunais administrativos por falta de um qualquer dos vícios que permitam a sua impugnação contenciosa, (…) nem, muito menos, nos tribunais comuns, desde logo pela incompetência material destes.

“Outra questão, porém, é se o acto administrativo é ilegal.

“Mesmo sendo ilegal ou inválido, será sempre, como vimos, constitutivo de direitos ou interesse legalmente protegidos do particular.

“Dispõe o art. 141º do C. Procedimento Administrativo que os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo respectivo do recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida (n.º 1) – cfr. tb. Art. 18º, 2 da LOSTA) e, havendo prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar (n.º 2).

“Note-se que os actos nulos nem sequer são revogáveis (art. 139º, n.º 1, a) do CPA), por impossibilidade jurídica, embora possam ser impugnados contenciosamente a todo o tempo (arts. 88º, n.º 2 do DL 100/84, de 29 de Março e 363º do Código Administrativo), junto dos tribunais administrativos e, nos tribunais comuns, exclusivamente pela defesa e nunca por via de autoria de acção, por incompetência material (idem)”.

“Sendo que o recurso contencioso de actos administrativos anuláveis tem o prazo máximo de interposição de um ano (art. 28º do DL 267/85, de 16 de Julho – Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA, o parecer da direcção regional de agricultura favorável ao fraccionamento (…) só poderia ser impugnado contenciosamente no decurso do ano posterior à sua emissão.

“Transcorrido este prazo a situação legalmente está cristalizada”.

2.1.2. Não é esse o entendimento da Senhora Instrutora que defende:

“O parecer da Direcção Regional de Agricultura afigura-se-nos não consubstanciar um acto administrativo.

“Esse parecer, (…) mais não será do que um daqueles actos que a doutrina apelida de actos de trâmite ou preparatório, embora obrigatoriamente inserido no respectivo procedimento.

“(…)”

“Assumirá, quanto a nós, a natureza de acto interno de procedimento, não sendo imediatamente constitutivo de direitos, nem produzindo imediata lesão do interesse do proprietário, interessado na divisão.

“Será um acto interno, de carácter opinativo, não havendo lugar, quanto a esse acto, a recurso contencioso de anulação.

(…)

“As escrituras de fraccionamento que têm por base parecer da Direcção Regional de Agricultura que viole o art. 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, conjugado com os nºs 2 e 3, do art. 44º do Decreto-Lei n.º 103/90 serão (…) anuláveis tendo legitimidade para propôr a acção, entre outras Entidades, o Exmº Magistrado do Ministério Público, caducando o respectivo direito decorridos 3 anos sobre a celebração da escritura – art. 47º, do Decreto-Lei n.º 103/90.”


2.2. A Senhora Instrutora justifica a urgência do pedido de parecer deste Conselho Consultivo:

“necessidade de se evitar, se for o caso, a caducidade do direito de acção de anulação das escrituras atrás mencionadas, cujo prazo de 3 anos se iniciou a contar da data da respectiva celebração;

“habilitar os órgãos dirigentes do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e do IPCC a emitirem instruções, respectivamente, às Direcções Regionais e Delegações Regionais quanto ao conteúdo dos futuros pareceres, em processos de fraccionamento.”

3.

3.1. De anotar que a problemática do fraccionamento de terrenos agrícolas nas vulgarmente chamadas “Quintinhas” fora já trazida ao conhecimento e consideração da Procuradoria-Geral da República ([4]) pelo Sr. Presidente da Câmara de Évora que, juntando um parecer da autoria de um consultor jurídico da autarquia, aludia ao despacho do Ministério Público de arquivamento de uma das “queixas” que a Câmara apresentara por “ilegalidade” do fraccionamento de uma proriedade agrícola, e solicitava, se fosse caso disso, a superior sensibilização dos Magistrados do Ministério Público nas comarcas em que o fenómeno tem ou pudesse vir a ter incidência”.
3.2.1. O processo a que se referia o Sr. Presidente da Comarca de Évora na sua exposição será, certamente, o processo administrativo n.º 18/98, no qual o Senhor Procurador da República do Círculo e Comarca de Évora exarou, em 20 de Julho de 1998, o despacho n.º 1/98. Na fundamentação do mesmo, o Senhor Procurador desenvolve além de outras, as considerações a que se refere a Senhora Instrutora no seu relatório e extractadas supra, no ponto 2, ordenando em síntese e no que ora importa relevar:

1º O arquivamento de vários processos administrativos por caducidade do direito “de impugnação contenciosa ou revogação administrativa dos pareceres da D.R.A. que “autorizaram” o fraccionamento de vários terrenos”;

2º Remessa de um dos processos ao Colega junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para, se fosse caso disso, impugnação contenciosa do parecer n.º 1788/97, de 15 de Outubro de 1997 da D.R.A. do Alentejo, por violação de lei, “designadamente dos pressupostos e requisitos de qualificação e classificação agrícola de uma quinta dada como hortícola, sem correspondência com a realidade actual (…) e violação eventual do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 348/88, de 25 de Outubro” ([5]).

3.2.2. Sobre a mesma problemática se pronunciou também o Sr. Procurador junto do Tribunal da Relação de Évora, a solicitação do respectivo Procurador Distrital, elaborando a Informação n.º 2/98 na qual conclui, além do mais:

“(…) nos termos do artigo 19º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, ao fraccionamento e à troca de terrenos com aptidão agrícola e florestal se aplicam, além das disposições desse Decreto-Lei, “as regras dos artigos 1376º e 1379º do Código Civil” pelo que a acção de anulação prevista no artigo 1379º do Código Civil somente caduca no fim de três anos, a contar da celebração das escrituras em causa – cfr. n.º 3 do artigo.

“Ora, a questão da “alteração da qualificação cultural para “horta” (…), tendo em vista a determinação da unidade de cultura correspondente é prévia em relação à da verificação dos pressupostos estabelecidos no artigo 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, não se vendo que o parecer a que alude o artigo 45º do Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, tenha implicações na acção de anulação a que alude o artigo 1379º do Código Civil” ([6]).

3.2.3. Tendo por base estes elementos e tomadas de posição acabadas de referir, um dos Senhores Assessores do Gabinete do Procurador-Geral da República elaborou “Nota informativa”, que mereceu a concordância do Senhor Procurador Geral da República, na qual conclui:

“6. As questões colocadas pelo exponente que versam sobre as alterações da legislação vigente sobre o emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos extravasam a esfera de atribuições da Procuradoria-Geral da República e, como já se viu, foram suscitadas junto do ministro da tutela.

Por outro lado, eventuais questões concretas que se suscitem naquele domínio deverão ser colocadas em processos já pendentes, quando a representação das autarquias locais tenha sido solicitada ao Ministério Público e por este assumida, e ainda esteja em curso o prazo de três anos a que alude o n.º 3 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março.”

3.3.1. São estes os contornos da problemática relativa ao fraccionamento da propriedade fundiária nas chamadas “Quintinhas”, na zona do Alentejo e que estão na génese do presente pedido de consulta.

3.3.2. Antes, porém, e porque o relatório da Srª Instrutora a que nos reportámos no ponto 2 pode permitir uma leitura equívoca e incorrecta sobre o objectivo a alcançar com o segundo processo de reclamação administrativa (PRA), instaurado após a obtenção da alteração de cultura do prédio rústico, há que realçar que a intervenção do Chefe de Repartição de Finanças se destina à alteração dos mapas parcelares, à actualização das inscrições matriciais e do registo predial, com exclusivas finalidades fiscais, e não para eventual autorização do fraccionamento daquele prédio, como resulta do disposto nos artigos 190º, 195º e 279º, todos do Código de Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA) ([7]), atento ainda o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 172/95, de 18 de Julho, que aprovou o regulamento do cadastro predial.

Esta questão foi já tratada, aliás, por este Conselho Consultivo no parecer 93/85 ([8]) em cuja conclusão 1ª se pode ler:

“1º O proprietário de prédio rústico, situado em zona na qual vigora o cadastro geométrico, pode proceder ao seu fraccionamento, sem transmissão de propriedade em parcelas de área não inferior à unidade de cultura fixada, mediante escritura pública, processando-se, depois, a alteração dos mapas parcelares e do registo predial;
2º (…)
3º (…).”

O Acórdão da Relação de Évora de 16 de Maio de 1991 ([9]) afirma expressamente “o que opera o fraccionamento de um terreno não é a passagem das cadernetas referentes aos artigos matriciais correspondentes às diversas parcelas, de que passe a ser composto, ainda que definidas pelos serviços de cadastro, nem tão pouco o despacho do Chefe de Repartição de Finanças que tenha ordenado essa passagem, mas sim a escritura pública do acto de disposição de uma parte do terreno (…)”

As inscrições matriciais têm uma finalidade essencialmente fiscal, não tendo potencialidades para atribuir o direito de propriedade sobre os prédios, assim o decidiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Maio de 1995 ([10]).

Esta doutrina e jurisprudência não são postas em crise pelo teor do artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março, pelo que devem manter-se.

Consequentemente, não é correcta a passagem do relatório a que nos referimos quando afirma que “num segundo momento o mesmo proprietário através de um novo processo de reclamação (PRA), requer ao Senhor Chefe de repartição de Finanças o fraccionamento do prédio, já qualificado como hortícola (…).”

O que está agora em causa é a divisão do prédio para fins matriciais e fiscais, para o que se deve juntar àquele PRA certidão da escritura pública de fraccionamento do prédio rústico ([11]).

Esclarecido este ponto, importa, então, proceder ao enquadramento legal das questões que em concreto nos são colocadas.

4.
4.1.1. Pelo Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, foram definidas e estabelecidas as bases gerais do emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, relevando do respectivo preâmbulo a intenção do legislador de, com este diploma, procurar “adaptar o regime jurídico das operações de emparcelamento ao quadro constitucional vigente e introduzir as alterações que a experiência na aplicação da actual legislação de emparcelamento aconselha, tendo em vista os seguintes objectivos:

“(…)

“Aperfeiçoar e ampliar os mecanismos reguladores do fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas, sem prejuízo da preservação dos recursos naturais, nomeadamente através da intervenção disciplinadora dos organismos do Estado competentes na matéria, sempre que se reconheça necessário exercê-la para melhorar a estrutura fundiária (…)”

4.1.2. O diploma que acompanhamos trata “do fraccionamento” no capítulo II – artigos 19º a 21º, inclusivé -, estatuindo no

“Artigo 20º
Fraccionamento de exploração agrícola

1- A divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos que formem uma exploração agrícola economicamente viável só poderá realizar-se:
a) Para efeitos de redimensionamento de outras explorações, operada nos termos da presente lei;
b) Para reconversão da própria exploração ou se a sua viabilidade técnico-económica não for gravemente afectada;
c) Se da divisão resultarem explorações com viabilidade técnico-económica;
d) Se do fraccionamento não resultar grave prejuízo para a estabilidade ecológica.
2- O disposto no número anterior aplica-se à partilha de herança de que façam parte prédios nas condições nele referidas.”

4.1.3. Nas disposições finais e transitórias - Capítulo III - o artigo 24º do mesmo diploma dispõe que o “Governo, através de decreto-lei, regulamentará a matéria do presente diploma no prazo de 60 dias”.

4.2.1. A regulamentação daquele diploma veio a ser concretizada pelo Decreto-Lei n.º 103/90, de 22 de Março, rectificado em 30 de Junho do mesmo ano por declaração da Presidência do Conselho de Ministros ([12]).

4.2.2. No artigo 44º do mesmo diploma definem-se os “conceitos” estabelecendo-se que:

“1- Para os efeitos do disposto no artigo 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, considera-se exploração agrícola o prédio rústico ou o conjunto de prédios rústicos contíguos explorados em comum por uma pessoa singular ou colectiva.
2- A exploração agrícola é considerada economicamente viável quando assegure um rendimento de trabalho por unidade homem de trabalho (UHT) superior ao salário mínimo nacional para os sectores não agrícolas.
3- Por UHT entende-se a quantidade de trabalho que um trabalhador activo agrícola está apto a prestar, durante um ano e em condições normais, num período correspondente a 2400 horas”.

4.2.3. O artigo 45º, sob a epígrafe “Fraccionamento de exploração agrícola”, dispõe:

“Artigo 45º
Fraccionamento de exploração agrícola

1- A divisão a que se refere o artigo 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, só se pode realizar sob parecer favorável da respectiva direcção regional de agricultura ([13]), emitido a requerimento do interessado.
2- Decorridos 30 dias sem que o parecer a que se refere o número anterior seja emitido, considera-se para todos os efeitos a existência de parecer favorável.
3- Verificada a situação prevista no número anterior, a direcção regional de agricultura respectiva deve, a pedido dos interessados, passar de imediato certidão comprovativa de tal facto.”

4.2.4. As sanções são as previstas no artigo 47º:

“Artigo 47º
Sanções

“1- São anuláveis os actos de fraccionamento ou troca de terrenos com aptidão agrícola ou florestal que contrariarem o disposto do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro.
2- Têm legitimidade para a acção de anulação o Ministério Público, a DGHEA ou qualquer particular que goze de direito de preferência no âmbito da legislação sobre emparcelamento e fraccionamento.
3- O direito de acção de anulação caduca decorridos três anos sobre a celebração dos actos referidos no n.º 1.
4- A DGHEA tem igualmente legitimidade para a acção de anulação a que se refere o artigo 1379º do C.C.”

5.
5.1. Dispõe o artigo 98º do Código do Procedimento Administrativo:

“1. Os pareceres são obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei; e são vinculativos ou não vinculativos, conforme as respectivas conclusões tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão.
2. Salvo disposição expressa em contrário, os pareceres referidos na lei consideram-se obrigatórios e não vinculativos”.

ESTEVES DE OLIVEIRA e outros ([14]) comentam:

“Pareceres são estudos fundamentados com as respectivas conclusões, sobre questões científicas, técnicas ou jurídicas, elaborados por serviços, colégios ou instâncias administrativas, funcionalmente vocacionadas (apenas ou também) para exercício de tarefas consultivas, emitidas por determinação da lei ou a solicitação dos órgãos com competência para a instrução ou decisão do procedimento, para auxiliarem a tomada dessa decisão ou a solução de outra questão procedimental.”

FREITAS DO AMARAL ([15]) escreve que o parecer constitui, na categoria dos actos da Administração, um acto pelo qual um órgão de administração emite o seu ponto de vista sobre uma questão jurídica ou técnica, elaborado, ou por entes especializados, ou por órgãos colegiais de natureza consultiva.

ROGÉRIO SOARES ([16]) diz que este tipo de actos, traduz uma apreciação de carácter jurídico ou relativa à conveniência administrativa ou técnica, a propósito de um acto em preparação ou de realização eventual:

Em síntese, os pareceres constituem manifestações de juízos emitidos no exercício da função consultiva, a qual tem como escopo iluminar e aconselhar o órgão da administração activa competente para a tomada de decisão ([17]).

5.1.1. Os pareceres assim definidos, são, nos termos da lei, obrigatórios ou facultativos.

“Obrigatórios são aqueles pareceres cuja solicitação ao (ou emissão pelo) órgão consultivo a lei preveja como formalidade do procedimento administrativo; facultativos, aqueles que ela prevê poderem ser pedidos ou que a autoridade administrativa pode, no âmbito dos seus poderes de direcção da instrução, solicitar.

“Quanto aos pareceres vinculativos há uns que o são em absoluto, qualquer que seja o respectivo conteúdo, porque a decisão final tem sempre que se acolher às suas conclusões, e outros que só o são relativamente, se a sua conclusão for em certo sentido (negativa ou positiva), ficando o órgão com competência decisória, na hipótese contrária, “livre” para agir, como entender mais adequado à realização dos interesses públicos envolvidos.” ([18])

No caso dos pareceres vinculativos, quando emitidos, o órgão decisório é obrigado a acatá-los quer nas suas conclusões, quer nos seus fundamentos, “…homologando-os ou transpondo-os para a fundamentação da sua decisão, no caso da sua vinculatividade absoluta. Sendo relativamente vinculativos, a autoridade procedimental só esta obrigada a segui-los na sua decisão, se eles forem no sentido que legalmente a vincula.

“A decisão procedimental que vá contra o parecer vinculativo está afectada de ilegalidade insuprível, quer o respectivo vício se qualifique como sendo de “forma” ou de “violação de lei”.

“Por outro lado, a falta do parecer vinculativo gera também vício de forma da decisão final, não havendo aqui lugar à aplicação da excepção do n.º 3 do art. 99º do CPA” ([19]).

ROGÉRIO SOARES ([20]) apela ainda a uma outra modalidade de pareceres vinculantes: os pareceres conformes.

“Os pareceres conformes são vinculantes apenas num sentido: o de que impedem uma decisão positiva se o parecer é negativo (caso de necessidade de parecer favorável) ou impedem uma decisão negativa se o parecer é positivo (caso de recusa só é possível com apoio num parecer).”

MASSIMO SEVERO GIANNINI ([21]) distingue ainda os pareceres quanto ao conteúdo, em pareceres de oportunidade ou pareceres técnicos, sendo que na prática, a mais das vezes, assumem um conteúdo misto.

5.2. Os pareceres devem sempre ser fundamentados, prevê o artigo 99º, n.º 1, do CPA:

“1. Os pareceres devem ser sempre fundamentados e concluir de modo expresso e claro sobre todas as questões indicadas na consulta.
2. ………………………………………………………………..….”

Um parecer sem fundamentação ou sem conclusões, com as respostas às questões colocadas no pedido de consulta, não preenche a exigência legal de determinada decisão ser tomada com a sua ponderação e, por isso, sujeita, ao regime aplicável à ausência do mesmo.

E se nele se apoiar, em absoluto, a decisão do procedimento administrativo ela ficará inquinada de ilegalidade, por falta de fundamentação (ou de decisão) clara, suficiente ou congruente ([22]).

5.3. Mas a lei igualmente impõe o dever de fundamentação do acto administrativo, nos casos previstos no artigo 124º do CPA:

“Artigo 124º
Dever de fundamentação

1. Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente:
a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;
b) Decidam reclamação ou recurso;
c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial;
d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais;
e) Impliquem revogação, modificação ou suspensão de acto administrativo anterior:
2. Salvo disposição da lei em contrário, não carecem de ser fundamentados os actos de homologação de deliberações tomadas por júris, bem como as ordens dadas pelos superiores hierárquicos aos seus subalternos em matéria de serviço e com a forma legal.”

Em comentários ao normativo, escrevem ESTEVES DE OLIVEIRA e outros ([23]):

“o dever de fundamentação do acto administrativo foi “repescado” para o Código com minúsculas alterações em relação ao regime constante do Decreto-Lei n.º 256-A/77, havendo, por isso, sobre a matéria, doutrina aprofundada e jurisprudência consistente.

“O dever de fundamentação (nos casos em que é exigido) é um importante sustentáculo da legalidade administrativa e instrumento fundamental da respectiva garantia contenciosa, para além de elemento fundamental da interpretação do acto normativo (…).”

O artigo 268º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa impõe que os actos administrativos que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos sejam fundamentados.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA ([24]) comentam:

"A fundamentação é aqui entendida, não só como motivação, traduzida na indicação das razões que estão na base da escolha operada pela administração, mas também como justificação, traduzida na exposição dos pressupostos de facto e de direito que estão na base do procedimento administrativo.

“Trata-se de um princípio fundamental da administração do Estado de direito, pois a fundamentação não só permite captar com transparência a actividade administrativa (princípio da transparência da acção administrativa), a sua correcção (princípio da boa administração), mas também, e principalmente, possibilita um controlo contencioso mais eficaz do acto administrativo, sobretudo quanto aos vícios de violação da lei (legalidade dos pressupostos) e de desvio de poder. Em relação aos actos praticados no exercício de poderes discricionários, a fundamentação é mesmo um requisito essencial, visto que sem ela ficaria substancialmente frustrada a possibilidade de impugnar com êxito os seus vícios mais típicos. Nesse domínio, a fundamentação é uma garantia do próprio direito ao recurso contencioso (nº 3)”.

Para MARCELLO CAETANO ([25]) a fundamentação consiste em exprimir os motivos (de facto e de direito) por que se «resolve de certa maneira e não de outra, exercendo, no acto resultante do exercício de poderes vinculados, o mesmo papel que na sentença: mostra como os factos provados justificam a aplicação de certa norma e a dedução de determinada conclusão, esclarecendo o objecto do acto. Se o acto for praticado no uso de poder discricionário, a fundamentação tem ainda maior importância, pois vem revelar as razões que levaram o órgão a escolher uma solução em vez de outra, de entre as que lhe estavam facultadas.

JOSÉ OSVALDO GOMES ([26]) defende que a fundamentação de um acto administrativo, deve ser entendida como a obrigação de enunciar expressamente os motivos de facto e de direito que determinaram o seu agente, ou seja, “o dever de enunciar expressa e sucintamente as razões ou motivos de facto e de direito do acto administrativo”, ou “de indicar as premissas do silogismo em que a decisão corresponde à conclusão”.

A fundamentação de um acto deve ser clara, isto é “deve permitir que através dos seus termos se possa ter um perfeito conhecimento do processo lógico e jurídico que conduziu à decisão” ([27]).
Deve também ser suficiente, de tal modo que permita o conhecimento preciso e concreto da motivação ([28]).

A fundamentação do acto há-de, por último, ser congruente, isto é, a decisão deve surgir como a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados; se existir contradição entre a fundamentação e a decisão, essa incongruência não pode deixar de influir na validade do acto ([29]).

Segundo FREITAS DO AMARAL ([30]), a fundamentação tem de preencher os seguintes requisitos:

tem de ser expressa;

tem de consistir na exposição, ainda que sucinta, dos fundamentos de facto e de direito da decisão;

tem de ser clara, coerente e completa, isto é, será ilegal se for obscura, contraditória e insuficiente

No mesmo sentido VIEIRA DE ANDRADE ([31]) diz que a fundamentação tem de ser clara, congruente e suficiente".

6.
6.1. MARCELLO CAETANO ([32]) define acto administrativo como a conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto.

Sendo da essência do acto administrativo a produção de efeitos jurídicos num caso concreto, se da conduta do órgão da Administração não resultam tais efeitos, estamos perante uma operação material e não em face de um acto jurídico; actos técnicos, ou operações materiais, são as intervenções dos agentes administrativos tendentes à formação da vontade que os órgãos hajam de exprimir ou à execução da vontade por eles declarada ([33]).

As operações materiais pelas quais se executa o imperativo decorrente de um acto administrativo não são, pois, actos jurídicos, mas simples factos.

FREITAS DO AMARAL ([34]) define-o como o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual num caso concreto.

E porque o acto administrativo é um acto jurídico em sentido próprio, isso significa - acrescenta o referido autor - que ficam de fora do conceito, nomeadamente, as operações materiais.MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA ([35]) entende por acto administrativo toda a declaração voluntária e unilateral da Administração emanada no exercício de um poder de autoridade e destinada a produzir efeitos jurídicos imediatos numa relação concreta em que ele é parte; e porque não criam, por si sós, efeitos jurídicos, os actos materiais não são actos administrativos.
Para ROGÉRIO SOARES ([36]) acto administrativo é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de direito administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos.

Hoje, o Código do Procedimento Administrativo, dá-nos o conceito de acto administrativo, no artigo 120º:

“Para efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

No respectivo comentário, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros ([37]) consideram excluídas do conceito as operações materiais, na medida em que se restringem a transportar para o mundo real as alterações jurídicas já introduzidas (em sede declarativa) pelo acto administrativo.

6.2. Relativamente à natureza jurídica dos pareceres, MARCELLO CAETANO ([38]) classifica os pareceres obrigatórios de um órgão consultivo como actos administrativos internos e os pareceres facultativos de meros actos técnicos.

No que concerne aos pareceres vinculantes, MARCELLO CAETANO ([39]) escreve que:

“Em certos casos, porém, a lei atribui aos pareceres dos órgãos consultivos carácter vinculante obrigando a autoridade consultante a homologar as propostas que dele constem: em tais casos (...), não se está em rigor, em face de um parecer e sim perante um acto definitivo carecido de homologação para se tornar executório. A homologação é um simples requisito de executoriedade.”

ESTEVES DE OLIVEIRA ([40]) inclui os pareceres, quer os facultativos, quer os vinculativos, na categoria de actos externos não definitivos.

FREITAS DO AMARAL ([41]) classifica os pareceres facultativos e obrigatórios não vinculantes de actos anteriores ao acto administrativo, na sub–categoria de actos pré-decisórios, enquanto fazem parte do processo de decisão e condicionam ou preparam de modo imediato o conteúdo da decisão final, não sendo, também, horizontalmente definitivos por não conterem a decisão final sobre a questão.

Aos pareceres obrigatórios vinculantes, o mesmo Autor atribui--lhes, pelo seu conteúdo, função e pela autonomia material e subjectiva que revelam, natureza materialmente análoga a um acto de co-decisão ou de co-autoria: o acto final poderá consistir, tão-só, em um acto integrativo da respectiva eficácia ([42]).

ROGÉRIO SOARES, ([43]) porém, escreve: “Discutiu-se na doutrina menos recente se os pareceres vinculantes seriam autênticos pareceres ou se o elemento vinculativo que contêm não os deslocaria dos actos instrumentais para a sede dos actos administrativos. Assim é que para dada corrente seriam autorizações ou actos híbridos. Todavia hoje a doutrina comum decide-se pela inclusão desta figura no mesmo género dos pareceres facultativos”.

7.
Se faltar a fundamentação num acto que deve ser fundamentado, ou se a fundamentação existir mas não corresponder aos requisitos exigidos pela lei, a generalidade da doutrina e da jurisprudência sustentam que o acto administrativo será ilegal por vício de forma e, assim, anulável.

No nosso direito, a nulidade tem, na verdade, carácter excepcional enquanto a anulabilidade tem carácter geral. A regra é, pois a de que todo o acto administrativo inválido é anulável, só sendo nulo excepcionalmente. – cfr. artigos 133º e 135º do CPA.

VIEIRA DE ANDRADE ([44]) escreve, a esse respeito, que “o vício da falta ou da insuficiência de fundamentação é um vício que, em virtude da especificidade da estrutura e, sobretudo, da função do dever respectivo, sempre terá de ser compreendido como um vício especial, seja no contexto da forma em sentido restrito, seja, embora aí por maioria de razão, no quadro mais amplo das «formalidades».

E justifica esta posição, porquanto de outro modo se inviabilizaria “total e automaticamente actos que, na generalidade dos casos, visarão até produzir efeitos permitidos ou desejados pela ordem jurídica só assim não sendo nos casos em que, segundo um critério de gravidade ou intensidade especial da lesão jurídica se deverá então sustentar a consequência da nulidade”.

Em oposição, mas isoladamente, ESTEVES DE OLIVEIRA e outros ([45]), em anotação ao artigo 124º do CPA, propendem para a solução da nulidade da falta de fundamentação dos referidos actos, assim a justificando:

“É claro que a tese da mera anulabilidade, que pode pragmaticamente ser muito valiosa, exige alguns (des)equilíbrios arriscados face ao disposto no art. 268º, n.º 3 da Constituição, havendo também, ao nível dos constitucionalistas, algumas dúvidas – como revelam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, (ob. cit., págs. 935 e 936) – a apontar no sentido de a falta de fundamentação cair na hipótese da alínea d) do n.º 2 do art. 133º do Código e implicar a nulidade do acto administrativo, por força da dimensão “subjectivo-garantística” da sua protecção constitucional, bem visível, aliás, no facto de constitucionalmente só se exigir que sejam fundamentados os actos que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos. Por essas razões, mais jurídicas e menos pragmáticas, preferiríamos a solução da nulidade da falta de fundamentação dos referidos actos.”

No sentido da anulabilidade do acto por vício de forma pela falta de fundamentação se tem pronunciado repetidamente esta instância consultiva ([46]).Também com uniformidade tem este corpo consultivo entendido que o vício pode resultar da falta de fundamentação de um acto preparatório com que o acto definitivo mostre concordância, como é o caso dos Pareceres ([47]).

O Supremo Tribunal Administrativo tem, na sua jurisprudência, igualmente sufragado os princípios expostos. Assim:

"A carência total da fundamentação em matéria de facto, por o despacho lhe não fazer referência, nem sequer ter sido lançado sobre qualquer parecer ou informação, importa vício de forma, que conduz a anulação do despacho recorrido" ([48]);

"Há vício de forma se, através do despacho recorrido ou de informação que o antecede, não é possível acompanhar o itinerário cognoscitivo e valorativo, a lógica que orientou o seu autor" ([49]);

"Importa não esquecer que o fim visado pelo legislador tanto no n.º 2 do artigo 268º (hoje n.º 3) da ... CRP, como no artigo 1º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, é captar com transparência a actividade administrativa (princípio da transparência), a correcção (princípio da boa administração) da mesma actividade e, principalmente tornar possível um controlo contencioso mais eficaz do acto administrativo;"

"Como é jurisprudência deste SUPREMO, há falta de fundamentação quando, perante um acto administrativo, um destinatário normalmente diligente não fica em condições de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo do seu autor" ([50]);

"Não está fundamentado o despacho que, decidindo pretensão do administrado, se limita à palavra "indefiro";

"A fundamentação por referência, por remissão ou "per relationem", para ser válida, tem de consistir numa declaração expressa e inequívoca de concordância com anterior parecer, informação ou proposta;

"A suficiência e clareza da fundamentação são noções que dependem do tipo legal do acto e das circunstâncias do caso concreto, designadamente da situação do interessado, considerado como um destinatário normal, e da sua possibilidade real de compreender os motivos da decisão, em ordem a ficar habilitado a defender conscientemente os seus direitos e interesses legítimos" ([51]).

Sobre o acto anulável escreveu MARCELLO CAETANO ([52]):

"O acto anulável produz efeitos até à anulação: enquanto não for anulado, é um acto eficaz e obrigatório, não apenas para os funcionários mas também para os particulares a que se destine (-).

"Se vier efectivamente a ser anulado, a anulação tem eficácia rectroactiva, e tudo se passa, na Ordem jurídica, como se o acto nunca tivesse sido praticado (-).

"Não sendo impugnada a sua validade dentro do prazo de recurso, não pode mais invocar-se a invalidade, por ataque directo ou em defesa, o que equivale à eliminação do vício, à conversão do acto viciado em acto são e ao desamparo dos direitos subjectivos ofendidos, uma vez que se verificou a caducidade do direito de acção que lhes respeita."

O prazo para a impugnação dos actos anuláveis é normalmente curto, por razões de certeza e segurança jurídicas.

Decorrido o prazo de impugnação sem interposição do recurso contencioso de anulação, o vício de que o acto enferme considera-se sanado e o acto fica consolidado.

SÉRVULO CORREIA escreve ([53]):

"A anulabilidade é decretada mediante sentença de anulação proferida em recurso contencioso administrativo. O particular afectado só pode interpor recurso antes de precludido o prazo para o efeito restabelecido na lei (…).
“Decorrido o prazo aplicável sem que o recurso tenha sido interposto, ou se o acto tiver sido tácita ou expressamente aceite pelo particular (art. 47º do RSTA), o acto torna-se inatacável, convalidando-se para todos os efeitos."

ESTEVES DE OLIVEIRA defende que ([54]):

"Nestes casos diz-se que o acto está ferido de invalidade relativa e que é anulável ou pode ser anulado: o acto produz os seus efeitos, mas não os produz "estavelmente", dado que a sua manutenção (do acto e dos seus efeitos) está condicionada resolutiva e retroactivamente à sua anulação posterior. Se esta vier, o acto tem-se por inválido, como se o fosse de início; se não, o acto ganha consistência e passa a ser tratado definitivamente como um acto válido (artº 204º, nºs 1 e 3 do CPAG-P)." ([55])

"Destes pontos merece um esclarecimento complementar o relativo à sanação da invalidade relativa por decurso do prazo ou aceitação do interessado: é usual, de facto, ouvir-se falar em sanação da invalidade relativa por decurso do prazo ou por aceitação do interessado.

"Esclarece-se em primeiro lugar, que a aceitação do interessado não sana a invalidade (objectiva) do acto: apenas impede que aquele que o aceitou expressa ou tacitamente dele recorra contenciosamente, mas não prejudica o direito ao recurso de outros interessados, ou do M.P.”

"O mesmo se passa quanto ao decurso do prazo; só depois de esta ter decorrido para todos os interessados e para o M.P., é que a invalidade relativa se pode considerar sanada.

"Em terceiro lugar, a sanação da invalidade relativa reporta-se, é evidente, apenas aos efeitos do acto e não directamente à ilegalidade ou vício verificado - como parece sugerir a lei, no artº 364º, § 2º do CA.”

E mais adiante, afirma ([56]):

"Já atrás se viu que o decurso do prazo maior do recurso contencioso, ou a prática por todos os interessados de actos que traduzem a aceitação expressa ou tácita do a.a. destroem os efeitos relativamente invalidantes da sua ilegalidade.

"Vamos ver agora quais são os instrumentos de que a Administração dispõe para convalidar o a.a. inicialmente inválido, pela supressão da própria ilegalidade de que ele estava ferido.

"Há, portanto, desde já a assinalar um ponto comum e outro divergente ente os dois institutos: divergente porque, enquanto nos primeiros casos, a ilegalidade perdeu a sua força invalidante mas o acto continua ilegal, nos segundos casos é a própria ilegalidade que é suprimida desaparecendo com isso a invalidade do acto."

ERNST FORSTHOFF ([57]) entende que:

"El defecto que le era inherente, queda subsanado con el transcurso del tiempo, como suele decirse con expresión no del todo exacta; pues un defecto que radica en la infracción del Derecho, o sea un defecto objectivo, no puede desaparecer por una conducta subjectiva como es el dejar de hacer uso de un recurso. El acto administrativo subsiste, pues, como defectuoso, pero su defectuosidad deja de ser estimada por el ordenamiento jurídico."

FREITAS DO AMARAL discorre ([58]):

"Antes de terminar a matéria da invalidade do acto administrativo, importa fazer uma breve referência ao fenómeno da sanação dos actos ilegais.

"Dissemos acima que os actos anuláveis - ao contrário dos actos nulos - são sanáveis, isto é, podem transformar-se em actos válidos.

"O fenómeno da "sanação" consiste precisamente na transformação de um acto ilegal, e por isso inválido, num acto válido perante a ordem jurídica.
“Qual a razão de ser deste fenómeno, aparentemente ilógico?
“O fundamento jurídico da sanação dos actos ilegais é a necessidade da segurança na ordem jurídica. Não é possível suportar durante anos sem fim a incerteza sobre se cada acto jurídico é legal ou ilegal, válido ou inválido – e portanto a insegurança dos seus beneficiários sobre se tal acto vai ou não ser mantido, virá ou não a ser revogado pela Administração, será ou não impugnado nos tribunais por quem se considere prejudicado, etc.
“Se assim fosse, a vida jurídica tornar-se-ia impossível, e a própria actividade económica e social ficaria completamente paralisada (...).
“É pois necessário que, decorrido algum tempo sobre a prática de um acto administrativo, se possa saber com certeza se esse acto é legal ou ilegal, válido ou inválido.
“(…)

"A sanação dos actos administrativos pode operar-se por um de dois modos:

- por acto administrativo secundário;

- por efeito automático da lei (ope legis).

(…)

"Quanto à sanação ope legis, ela resulta no direito português do facto de decorrer integralmente o prazo fixado para a interposição de recurso contencioso sem que nenhuma das entidades com legitimidade para tanto interponha efectivamente o recurso. É o que estabelece o n.º 3 do artigo 89º da LAL, que diz o seguinte:

"Decorrido o prazo sem que se tenha deduzido impugnação em recurso contencioso, fica sanado o vício da deliberação".

ROGÉRIO SOARES ([59]) defende:
“O que de facto se passa é que o vício do acto fica sanado sob a espécie de invalidade, isto é, a partir desse momento, com base nesse vício não poderá mais deixar de se acatar o acto como produtor dos efeitos a que se dirigia. O acto não só tem de vir a ser considerado desde a sua origem um acto válido, como de facto o é. Vícios de legalidade ou de mérito que porventura existissem não podem mais ser tidos em conta para os efeitos em causa; deles não podem mais extrair-se quaisquer consequências no que toca à eficácia normal e directa do acto.”

8.
8.1. É tempo de ensaiarmos as respostas às questões concretas que nos foram colocadas.

8.2.1. Importa, para já, recuperar aqui o teor do artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março, que já transcrevemos:

“Artigo 45º
Fraccionamento de exploração agrícola

1- A divisão a que se refere o artigo 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro, só se pode realizar sob parecer favorável da respectiva direcção regional de agricultura, emitido a requerimento do interessado.
2- Decorridos 30 dias sem que o parecer a que se refere o número anterior seja emitido, considera-se para todos os efeitos a existência de parecer favorável.
3- Verificada a situação prevista no número anterior, a direcção regional de agricultura respectiva deve, a pedido dos interessados, passar de imediato certidão comprovativa de tal facto.”

8.2.2. Da leitura deste normativo, integrado com o disposto nos artigos 46º e 47º do mesmo diploma e artigo 80º do Código do Notariado - aprovado pelo Decreto-Lei nº 250/96, de 24 de Dezembro –, resulta claro que o parecer da Direcção Regional de Agricultura é título suficiente e necessário à escritura pública de fraccionamento.

A decisão tomada pela Direcção Regional de Agricultura não assume a natureza e características jurídicas de parecer, antes se caracterizando, em rigor, como um acto administrativo definitivo e executório.

Com efeito, aquele parecer possui um efeito conformativo ou preclusivo, possibilitando ou impedindo, consoante o seu sentido favorável ou desfavorável, que o interessado efectue uma divisão em substância de um prédio rústico ou de um conjunto de prédios rústicos que formam uma exploração agrícola.

Esta autonomia funcional do parecer não exclui que este se mantenha como um juízo critico apreciativo ou valorativo de uma certa realidade ([60]). O parecer não tem uma função definitória, mas destina-se a averiguar se o fraccionamento da exploração agrícola atinge certas finalidades (redimensionamento de outras explorações ou reconversão da própria exploração) ou preenche certas condições (viabilidade técnica económica das explorações e inexistência de prejuízo para a estabilidade ecológica).

Os efeitos externos e imediatos deste parecer deslocam-no, no entanto, do âmbito da função administrativa de natureza consultiva para o domínio de um poder dispositivo de administração activa. Na medida em que produz esses efeitos, condicionando a realização de um acto final de fraccionamento de prédio rústico que é já exterior ao procedimento administrativo, o conteúdo do parecer deverá poder ser sindicado judicialmente através de recurso contencioso por parte dos interessados lesados.

Mas, para esse efeito, o parecer, quando emitido por um funcionário subalterno, carece de estabilidade jurídica, mediante a intermediação de um órgão administrativo susceptível de exprimir a vontade da Direcção Regional de Agricultura, seja através de um acto homologatório do respectivo director regional, seja por via de uma intervenção decisória na sequência de um procedimento de impugnação administrativa ([61]).”

8.2.3. O parecer da Direcção Regional da Agricultura, quando produzido pelo competente órgão administrativo, preenche as características de um acto administrativo contenciosamente recorrível e, como tal, está sujeito ao dever legal de fundamentação.

Com efeito a alínea a) do nº 1 do artigo 124º do CPA impõe a fundamentação dos actos administrativos que, total ou parcialmente neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.

Como ponderam ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, em anotação ao normativo ([62]), o facto de o artigo se referir aos direitos ou interesses legalmente protegidos “por qualquer modo…” sugere ser qualquer projecção do acto que conta para o dever de fundamentação, sempre que o mesmo produza efeitos sobre a esfera jurídica de qualquer interessado, mesmo que para o destinatário sejam favoráveis.

É com essa extensão que deve fazer funcionar-se o dever geral de fundamentação do acto administrativo, pois só assim a Administração cumpre o dever jurídico de garantir – objectiva e subjectivamente – o direito ao recurso contencioso, que não é um exclusivo do destinatário mas de todo aquele cuja esfera jurídica seja lesada.

Se a decisão não fôr fundamentada, padecerá de vício de forma, sendo susceptível de recurso contencioso de anulação – cfr. artigos 136º e 141º do CPA.

8.2.4. A competência para emissão do parecer sobre a possibilidade de divisão a que se refere o artigo 20º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro, apenas é atribuída no artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90 às direcções regionais de agricultura, não se lhes referindo nem a lei orgânica do Ministério da Agricultura e Pescas nem a Lei quadro das direcções regionais de Agricultura, tão-pouco as leis orgânicas das respectivas direcções regionais.

As Direcções Regionais de Agricultura integram-se nos chamados serviços periféricos do Estado, dispondo os seus órgãos dirigentes de competência própria ([63]).

No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Outubro de 1991 ([64]) considerou-se integrarem as direcções regionais de agricultura os chamados serviços periféricos do Estado (serviços locais de Administração Central), fazendo “parte da administração directa, mas desconcentrada, do Estado, configurando um modelo organizativo que decorre de imperativos constitucionais a aproximação dos serviços às populações, devendo a lei, para este efeito, estabelecer adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativa (artigo 267º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).

A “desconcentração é conseguida, no caso específico das direcções regionais de agricultura, através da criação do serviço local e da autonomia que lhe é conferida por lei – é, pois, uma forma de desconcentração originária.

“Desconcentração ou concentração não deixam de ser “padrões organizatórios”, formas “puras” de estruturar a Administração Pública (Afonso Queiró, no Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. II, pág. 578).

“Quer isto dizer que a realidade, impondo-se que a ela se adapte o modelo organizativo, exige sempre a combinação de elementos daqueles padrões.

“Daí que o facto de, conceitualmente, se não conceber a desconcentração administrativa sem a hierarquia não dispense a definição, em concreto, dos poderes que se encabeçam em determinado serviço desconcentrado para dispor sobre determinada situação.

“Mas isto importa ao caso porque a desconcentração pode atingir um grau tal que a hierarquia desapareça, ou pelo menos o poder do superior de rever, oficiosamente ou sobre recurso, os actos do subalterno.

“Ora, o sentido da apontada evolução das direcções regionais de agricultura é, claramente, o de se atribuir maiores poderes de decisão aos seus órgãos dirigentes.

“Definida superiormente a política agrária, mantidos os poderes do Ministro de emitir instruções ou directivas, coordenar e fiscalizar a acção dos serviços, compreende-se que, numa área, mais do que qualquer outra, sensível às especificidades locais e onde se exige, muitas vezes, a proximidade física e temporal das decisões às situações em causa, a competência dispositiva, em último grau, se encabeçe, em determinadas matérias, nos órgãos dirigentes das direcções regionais de agricultura.

“Mal se compreendia, na verdade, o esforço, inequivocamente assumido, de “regionalização” dos serviços se, em todos os casos, os administrados se vissem obrigados, para atingir a via contenciosa, a apelar para o poder de supervisão do Ministro de quem dependem as direcções regionais de agricultura”.

À mesma conclusão chegou o Acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 30 de Junho de 1992, no Processo nº 025718:

“Da economia do Decreto-Lei nº 223/84, de 6 de Junho, designadamente do seu artigo 3º, nº 1, que estabeleceu o regime jurídico das direcções regionais de agricultura, do Decreto-Lei nº 190/86, de 16 de Julho, que reestruturou esses serviços, decorre que estes departamentos gozam de autonomia administrativa, pelo que a hierarquia vertical tem o seu topo no órgão superior de direcção e superintendência da própria direcção regional, ou seja no respectivo Director Regional de Agricultura” ([65])

Não obstante estes arestos terem sido proferidos no âmbito de legislação já revogada, a sua doutrina mantém-se, por irrelevantes nesta matéria as alterações introduzidas pelas novas leis orgânicas e lei quadro do Ministério da Agricultura e das Direcções Regionais de Agricultura ora em vigor ([66] ).

Neste contexto legal e com particular realce para o conteúdo do artigo 45º, nº 1, do Decreto-Lei nº 103/90, haverá que concluir pela competência própria e exclusiva da direcção regional de agricultura na emissão do parecer contemplado naquele normativo, estabilizado que seja no órgão superior de direcção e superintendência – o respectivo Director Regional.

Das decisões das direcções regionais de agricultura tomadas ao abrigo e nos termos do nº 1 do artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90, de 22 de Março, cabe, assim, recurso contencioso.

9.
9.1. Devendo ser fundamentada a decisão da Direcção Regional de Agricultura por forma a permitir aos interessados conferir o iter lógico e valorativo seguido por aquela para alcançar a conclusão, necessariamente terá de, na sua fundamentação e motivação, pronunciar-se sobre a verificação, ou não, dos requisitos exigidos para a divisão em substância de prédio rústico ou conjunto de prédios rústicos a que se reporta o artigo 20º, n.º 1, e respectivas alíneas, do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro.

9.2. Provavelmente para poderem responder de forma clara e cabal ao requisitório elencado no citado artigo 20º, nº 1, os técnicos da DRA terão de deslocar-se ao(s) terreno(s) a fraccionar, mas tal deslocação não é exigida por lei, não constitui condição sine qua non da prolação e sentido de decisão a tomar.
Fundamental, é que responda, com conhecimento de facto e de direito, às condicionantes do fraccionamento expressas no citado artigo 20º.

10.
10.1. Outra das questões que nos é colocada, recorde-se, é a de saber se nos Processos de Reclamação Administrativa, “o parecer dos técnicos do Instituto Português de Cartografia e Cadastro (IPCC) para além de considerar o requerimento do interessado, escritura de fraccionamento e demarcação dos novos prédios, deverá aludir, ainda, as culturas realmente existentes à data de deslocação dos mesmos, estado que apresentam, o aspecto do solo e, ainda, se se integram em área de Ran.”
10.2. Prevê o corpo do artigo 190º do Código de Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola (CPPIIA) ([67]) ([68]).

“Art. 190º - As modificações que sobrevenham nos limites dos prédios para (...) parcelamento ou qualquer outra causa deverão ser comunicadas pelas Repartições de Finanças ao serviço respectivo da Direcção Geral de Contribuições e Impostos que promoverá junto do Instituto Geográfico e Cadastral que se proceda às correspondentes alterações nos mapas parcelares e seus duplicados.
(...)”
Por seu lado o artigo 275º do mesmo diploma dispõe:
“Art. 275º O processo das reclamações previstas no artigo 269º, com excepção das que sejam apresentadas com qualquer dos fundamentos dos nºs 13º e 15º do mesmo artigo, será formado pela petição inicial e documentos juntos pelo reclamante, pelas informações, pelas informações prestadas pelos serviços de fiscalização acerca dos factos alegados, bem como pelos demais elementos pertinentes que existam na repartição de finanças, devendo a decisão ser exarada no próprio documento que der origem ao processo.

§ único. Quando as reclamações relativas a matrizes cadastrais tiverem fundamentos diversos previstos nos nºs 2º, 5º e 6º do artigo 269º, deverão os respectivos processos, depois de instruídos, ser enviados aos serviços competentes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, que promoverá, quando for caso disso, que o Instituto Geográfico e Cadastral emita parecer sobre os factos alegados pelos reclamantes.”

Interessa ainda transcrever o que dispõe o artigo 269º do mesmo Código:
“Capítulo VIII
Reclamações e Recursos

Art. 269º. Os contribuintes poderão reclamar das matrizes prediais com os fundamentos seguintes:
1º Indevida inclusão do prédio na matriz;
2º Erro na designação das pessoas e residências ou na descrição dos prédios;
3º Erro na transcrição dos elementos cadastrais ou das inscrições das cadernetas de avaliação;
4º Duplicação ou omissão dos prédios ou das respectivas parcelas;
5º Omissão, modificação ou extinção de quaisquer foros, censos, pensões ou outros encargos a estes equiparáveis;
6º Não averbamento de isenção já reconhecida;
7º Alteração na composição dos prédios, em resultado de divisão, anexão de outros confinantes, rectificação de estremas ou arredondamento de propriedades;
8º Não discriminação do rendimento dos prédios urbanos por andares ou divisões susceptíveis de arrendamento separado;
9º Passagem de prédio ao regime de propriedade horizontal;
10º Erro na representação topográfica, confrontações e características agrárias dos prédios rústicos, em regime de cadastro;
11º erro nos mapas parcelares, cometido na divisão dos prédios referidos no número anterior;
12º Erro na correcção dos rendimentos matriciais;
13º Fixação insuficiente das percentagens a deduzir na renda dos prédios urbanos, ou no rendimento bruto dos prédios rústicos inscritos nas matrizes não cada trais;
14º Erro na aplicação da tabela de encargos;
15º Exagero na atribuição do rendimento colectável quando se trate de matrizes não cadastrais.
§ 1º As reclamações com qualquer dos fundamentos previstos nos nºs 1º a 12º poderão ser deduzidas a todo o tempo, mas serão tomadas em conta no lançamento seguinte quando hajam sido atendidas até 30 de Junho.
§ 2º Quando a reclamação tenha por fundamento algum dos factos especificados nos nºs 13º a 15º, deverá ser apresentada durante o mês de Janeiro.”
10.3. Resulta claro da leitura e interpretação integradas dos normativos acabados de transcrever, que os processos relativos às reclamações das matrizes cadastrais, com fundamento no n.º 7 do artigo 269º do Código citado, deverão ser enviados, depois de instruídos, aos serviços competentes da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

Esta entidade, quando for caso disso, isto é, quando entender necessário – e só àquela Direcção-Geral competirá aferir dessa necessidade – promoverá que o I.P.C.C. emita parecer sobre os factos alegados pelos reclamantes.

É em face da ponderação sobre a necessidade de ouvir o I.P.C.C e dos factos alegados pelos reclamantes que o parecer a emitir por esta entidade deverá conformar o seu conteúdo.

Não é possível em abstracto e por forma genérica responder-se à questão colocada, porquanto o conteúdo do parecer, a ser emitido, dependerá dos concretos factos alegados pelo reclamante.

11.
11.1. Importa, finalmente, afrontar a problemática da nulidade ou anulabilidade das escrituras de fraccionamento por falta de requisitos (insuficiente instrução).
Não vamos analisar a questão da anulabilidade dos actos de fraccionamento que contrariem o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei n.º 384/88, de 25 de Outubro – cfr. artigo 47º do Decreto-Lei n.º 103/90.
Nem tão pouco nos debruçaremos sobre a acção de anulação a que se refere o artigo 1379º do Código Civil.
Atenta a delimitação e contornos do problema, tal como nos foi colocado, iremos tão-só tratar da nulidade ou anulabilidade da escritura de fraccionamento, sustentada no “parecer” a que se refere o n.º 1 do artigo 45º do Decreto-Lei n.º 103/90, já citado.

11.2. A decisão de anulação do acto administrativo por vício de forma proferido pelo competente Tribunal Administrativo tem, como é evidente, efeitos erga omnes.
Como refere FREITAS DO AMARAL ([69]), da existência de Tribunais Administrativos concebidos como autênticos tribunais, decorre necessariamente que as decisões por eles proferidas se devem qualificar como verdadeiras sentenças, revestidas de autoridade de caso julgado. E citando MARCELLO CAETANO ([70]) conclui que da circunstância de esses tribunais possuirem jurisdição própria, num sistema que se não reconduz ao modelo do administrador juiz, resulta que tais sentenças obrigam por si mesmas, sem necessidade de qualquer homologação por parte das autoridades administrativas.

Porém, na situação ora em análise, a decisão administrativa alcançada não tem a virtualidade de por si e de imediato determinar a nulidade ou a anulação dos actos de fraccionamento, entretanto objecto de escritura pública. Sempre haverá que instaurar a competente acção de anulação daqueles actos na competente jurisdição cível.

Obtida decisão de anulação do acto administrativo por vício de forma por falta de fundamentação, quem para tal tiver legitimidade, nos termos do artigo 47º do Decreto-Lei nº 103/90, que vimos citando, ponderará, face às vicissitudes e circunstancialismos concretos do caso, se e quando deverá instaurar a competente acção cível, se entretanto já não tiver sido instaurada por violação dos requisitos previstos no artigo 20º do Decreto-Lei nº 384/88, de 25 de Outubro.

Em abstracto e nesta fase é impossível determinar a melhor solução para cada situação em concreto a ocorrer nas diversas zonas do País abrangidas pelas várias direcções regionais de agricultura, isto sem prejuízo da necessária ponderação acerca das consequências que ocorrerão na fase da execução da decisão de anulação do acto administrativo.

Acompanhando FREITAS DO AMARAL ([71]), “Uma vez que o acto ilegal foi anulado, parece que num ponto todos estarão de acordo quanto à definição do que deve ser o conteúdo da execução da sentença que o anulou: a Administração não pode ficar inactiva, sem nada para fazer, deixando subsistir a situação produzida pelo acto ilegal (x).

“Este acto é decerto um acto renovável e isso quer dizer que a autoridade que o praticou pode legalmente praticá-lo de novo, definindo a sua situação jurídica ou a do particular interessado nos mesmos termos em que ela foi definida no acto anterior, desde que não repita o vício que determinou a anulação.”
“(...)”
A Administração “...tem de fazer alguma coisa de positivo – tem de praticar um novo acto administrativo, com efeitos retroactivos, que suscitou o acto ilegal”.

E questiona-se o mesmo autor, de seguida: “mas como (...) se o acto ilegal é renovável? Fará sentido dizer-se que a Administração, a exemplo do que acontece na hipótese de o acto anulado ser irrevogável, tem de substituir-lhe um acto legal no sentido contrário?
(...)”
Nada disso.

“A Administração tem o dever de, em execução da sentença definir de novo a sua situação jurídica ou a do particular interessado, mas agora de harmonia com a lei.

“Não importa que o acto a praticar seja idêntico ou não ao acto anulado, pois já se sabe que este é renovável desde que se não repita o vício que determinou a sua anulação. Essencial é, apenas, que a Administração reintegre a ordem jurídica, resolvendo o caso concreto considerado pelo primeiro acto administrativo com um novo acto, que seja legal.”

No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA ([72]): “Em princípio, anulações desse tipo (por vícios formais e de procedimentos) – que não se projectam directamente sobre a possibilidade de o acto vir a ser substituído (ou renovado), mas apenas impedem, quando muito, que se proceda à substituição com base nos elementos recolhidos (ou nos critérios de decisão fixados) no curso dos procedimentos, na legitimidade, ou incorrecção dos quais se baseou a anulação -, revelando apenas que o poder não foi exercido tomando em conta todos os elementos que deveriam ser tomados em consideração, não precludem o reexercído do poder nas condições legalmente impostas.”
Esta é também a posição reiterada deste Conselho ([73]).
No mesmo sentido vai também a juriprudência do S.T.A. ([74]).

11.3. Assim sendo, transitada em julgado a decisão de anulação do acto administrativo pelo vício de forma por falta de fundamentação do parecer a que alude o n.º 1 do artigo 45º do Decreto-Lei n.º 103/90, que já citamos, à Administração – Direcção Regional de Agricultura – cabe dar integral execução à sentença anulatória no prazo de 30 dias –cfr. artigo 5º do Decreto–Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho ([75]).
Baseando-se a anulação contenciosa em mero vício de forma, nada obsta a que a Administração pratique, em execução de sentença, um novo acto com o mesmo sentido do acto anulado, desde que expurgado do vício que o afectava.
Dispõe o artigo 128º, nº 1, alínea b), do CPA, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, que têm eficácia retroactiva os actos administrativos que dêem execução a decisões dos tribunais, anulatórias de actos administrativos, salvo tratando-se de actos renováveis.
Segundo o entendimento corrente, a ressalva contida na parte final da citada norma pretende significar que os actos renováveis (ao contrário dos restantes actos executivos) não têm eficácia retroactiva, o que parece justificar-se pela necessidade de evitar que, reportando-se os efeitos do acto renovado ao momento da prolação do acto anulado, tudo se passe como se a ilegalidade não tivesse ocorrido.

FREITAS DO AMARAL e outros ([76]), em comentários ao normativo referem que o inciso salvo tratando-se de actos renováveis acrescentado pela primeira revisão ao Código, pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, clarificou que “nesse caso, os actos praticados em execução de sentença apenas têm eficácia prospectiva”, assim se pondo termo a uma interpretação jurisprudêncial da norma “segundo a qual também no caso de actos renováveis a reconstituição da situação actual hipotética se faria retroagindo os actos praticados em execução de sentença os seus efeitos ao momento da prática do acto ilegal”.
Comentando o preceito, ESTEVES DE OLIVEIRA e outros ([77]) opinam que “o que se quis dizer com a parte final do preceito da alínea b) não é que os actos renováveis (rectius, renovadores) não têm eficácia retroactiva – (…) – mas sim, que, no caso de o acto anulado ser renovável os actos de execução de sentença anulatória já não têm o efeito retroactivo que a primeira parte dessa alínea lhes assaca, em geral.

E isso porque, nessas circunstâncias, “a questão da projecção dos efeitos (destrutivos ou reconstrutivos) da sentença anulatória já não é resolvida ao nível dos actos da sua execução, mas pelo próprio acto renovador (…)”.

“Entender o preceito no sentido de que, no caso de actos renováveis, já não haveria lugar à reposição da situação actual hipotética, resultaria no absurdo (…) e vai contra tudo o que se tem entendido em matéria de reposição das situações atingidas pelo acto que foi objecto da sentença anulatória”.

E mais adiante continuam os mesmos autores:

“Como também há casos em que não se suscitam dúvidas sobre a irretroactividade do acto renovado: é o caso do acto desfavorável ao particular anulado com base em vício de forma, que a Administração depois renova, expurgando-o do vício formal de que padecia.”

Em abono desta posição citam AFONSO QUEIRÓ ([78]):

“…o novo acto, porém, não obstante se inserir na execução da sentença segue a regra da irrectroactividade do acto administrativo. Aliás, se assim não fosse frustar-se-ia a reintegragão da ordem jurídica violada, pois tudo se passaria como se o acto ilegal, anulado continuasse a produzir efeitos desde a data da sua emissão, tornando na prática inútil um recurso contencioso que mereceu provimento. Por outro lado, a retroactividade dos efeitos do novo acto deixaria sem efectiva sanção jurídica a actuação ilegal da Administração, permitindo ainda manter uma situação, criada por essa actuação, lesiva de direitos ou interesses legítimos do recorrente.”

Deve acentuar-se que o interesse a ter em conta na reintegração da ordem jurídica violada é o do recorrente contencioso – interessado - e não também o do contra-interessado, visto que não são os interesses deste que a execução de sentença visa acautelar ([79]).

Em todo o caso, os efeitos de direito que derivam do acto renovado não repristinam o parecer favorável que foi objecto de sentença anulatória, nem convalidam o acto de fraccionamento que teve por pressuposto esse parecer. Ou seja, a renovação do parecer favorável não obsta à propositura da acção da anulação da escritura pública de fraccionamento, havendo apenas que ponderar a vantagem ou oportunidade da providência judiciária se, por efeito do novo acto, se mantém a possibilidade jurídica de efectuar a divisão do prédio rústico.

Solução diferente se alcancará se a Direcção Regional de Agricultura em execução de sentença de anulação do acto administrativo por falta de fundamentação, vier a produzir um acto de sentido contrário ao anulado, emitindo decisão desfavorável à pretensão do requerente.

Nesta hipótese, à escritura pública de fraccionamento realizada oportunamente passaria a faltar o suporte legal que determinou a sua feitura, pelo que haveria de ser impugnada no competente foro cível.

12.
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª. Os pareceres constituem manifestações de juízos emitidos no exercício da função consultiva, a qual tem como escopo iluminar e aconselhar o órgão da Administração activa competente para a tomada da decisão final;
2ª. O parecer da Direcção Regional da Agricultura previsto no artigo 45º do Decreto–Lei nº 103/90, de 22 de Março, condiciona o fraccionamento de prédio rústico e, como tal, produz efeitos jurídicos externos;
3.ª Nessa medida, quando produzido através da intermediação do competente órgão administrativo, preenche as características de um acto administrativo contenciosamente recorrível e é sindicável com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação;
4.ª A anulação contenciosa do parecer favorável da Direcção Regional da Agricultura possibilita a propositura de acção judicial de anulação do acto de fraccionamento de prédio rústico que tenha tido como pressuposto esse parecer;
5.ª A emissão de um novo parecer favorável, expurgado do vício que afectava o acto antecedente, em sede de execução de sentença, não impede a propositura da acção de anulação nos termos da conclusão anterior, mas justifica que se avalie a oportunidade da providência judiciária, em face da manutenção, para futuro, por efeito do acto renovável, das condições jurídicas que tornam viável o fraccionamento;
6ª. Na decisão a proferir pela Direcção Regional de Agricultura, ao abrigo do disposto no já citado artigo 45º do Decreto–Lei nº 103/90, têm de constar todas as razões e fundamentos de facto e de direito que levaram àquela decisão, atentos os requisitos constantes das várias alíneas do nº 1 do artigo 20º do Decreto–Lei nº 384/88, de 25 de Outubro;
7ª. Nos termos conjugados dos artigos 190º, 269º e 275º e § único, todos do Código de Contribuição Predial e Imposto sobre a Indústria Agrícola (CCPIIA), o parecer dos técnicos do IPCC a emitir se e quando a Direcção Geral das Contribuições e Impostos o entender necessário, para efeitos de decisão no processo de reclamação das matrizes prediais, tem de responder aos factos alegados pelos reclamantes, pelo que só em face dos mesmos o conteúdo daquele parecer poderá ser densificado.


VOTO


(Luís Novais Lingnau da Silveira) – Votei o parecer, com a declaração, relativa ao teor das conclusões 4ª e 5ª, de que considero que a anulação do “parecer” da Direcção Regional da Agricultura, por falta de fundamentação, torna ilegal o acto (privado) de fraccionamento, por carência daquele pressuposto legalmente exigido, pelo que tal acto resulta ferido de nulidade, nos termos do artigo 294º do Código Civil – vício esse insanável e invocável, a todo o tempo, por qualquer interessado.

Assim, a eventual renovação daquele parecer, agora devidamente fundamentado, não dispensa a realização de novo acto de fraccionamento (se o(s) interessado(s) continuar(em) a querer realizá-lo).

Este novo acto de fraccionamento pode, ao abrigo do artigo 47º do Decreto-Lei nº 103/90, ser objecto de anulação, por falta de algum dos requisitos materiais constantes do artigo 20º do Decreto-Lei nº 384/88 – tal como o originário acto de fraccionamento o poderia ter sido, se antes não houvesse sido anulado, por falta de fundamentação, o “parecer” da Direcção Regional da Agricultura que era seu pressuposto legal.

_________________
NOTAS

[1]) Criado pelo Decreto-Lei nº 74/94, de 5 de Março, cujo artigo 19º, nº 1, extingue o Instituto Geográfico e Cadastral, considerando feitas ao Instituto Português de Cartografia Cadastral todas as referências efectuadas àquele Instituto em lei, contrato ou documento de outra natureza.
[2]) Ofício do Gabinete do Secretário de Estado, de 12 de Março de 1999.
[3]) Certamente por lapso de escrita fez-se constar o artigo 270º, § único, querendo referir-se ao artigo 275º, § único.
[4]) Cfr. procº 1024/97, Lº 115.
[5]) O processo, que no tribunal do Círculo de Lisboa tomou o nº 33/98-L-Rec. (processo administrativo) foi arquivado por despacho da Exmª magistrada do Ministério Público, de 15-10-98, por irrecorrível, contenciosamente, o parecer da Direcção Regional de Agricultura.
[6]) Foi já instaurada uma acção de anulação pelo Ministério Público, segundo informação da Procuradoria-Geral Distrital de Évora.
[7]) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 45104, de 1.6.1963, várias vezes alterado com especial relevo pelos Decretos-Leis nºs 141/78, de 12.7; 138/81, de 30.5; 154/82, de 5.5.; 73/84, de 2.3; 172/95, de 18.7.
[8]) Publicado no Diário da República, II Série, nº 202, de 3.9.87.
[9]) In Colectânea de Jurisprudência, Ano XVI, tomo III – 1991, pág. 289 e segs.
[10]) Mesma Colectânea, Ano III, tomo II – 1995, pág. 75.
[11]) Consultar PRA junto ao processo.
[12]) Em Diário da República, I Série, nº 149, de 30 de Junho de 1990.
[13]) A Lei Orgânica do Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas – Decreto-Lei nº 74/96, de 18-6, alterado pelo Decreto-Lei nº 128/97, de 24 de Maio – dispõe no artigo 4º, nº 4 que “os serviços regionais com funções de participação na formulação da política agro-alimentar e do desenvolvimento rural e da sua execução nas respectivas regiões são as seguintes:
…………………………………………………………………………………
f) Direcção Regional de Agricultura do Alentejo;
..…………………………………………………………………..…….”.
O Decreto-Lei nº 75/96, de 18 de Junho, fixa a lei quadro das direcções regionais de agricultura, estabelecendo no artigo 1º que “As direcções regionais de agricultura, a que se refere o Decreto-Lei nº 74/96, abreviadamente designadas por DRA, são serviços do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (MADRP) dotados de autonomia administrativa, que dependem directamente do Ministro.” O artigo 2º dispõe relativamente às atribuições das DRA, das quais releva a participação “na formulação da política agro-alimentar e desenvolvimento rural, em conjunto com os serviços centrais do MADRP (alínea a)); realizar o levantamento e o estudo sistemático das características e das necessidades dos subsectores agrícola, pecuário e florestal na respectiva região, com vista à formulação da política agro-alimentar e do desenvolvimento rural e à elaboração dos respectivos planos de desenvolvimento regional; (alínea d)); executar, de acordo com as nomas funcionais definidas pelos serviços centrais, as acções necessárias à protecção das culturas, à defesa da saúde animal, à fiscalização e controlo da higiene e qualidade dos produtos agro-alimentares (alínea I)); executar, com as normas funcionais definidas pelos serviços centrais, as acções necessárias ao acompanhamento e validação dos projectos de investimento apoiados por fundos públicos, bem como o controlo físico das acções de intervenção e ajudas à produção e ao rendimento (alínea j)).
Em cumprimento do disposto no nº 1 do artigo 16º deste diploma, o Decreto Regulamentar nº 17/97, de 7 de Maio, aprovou a Lei Orgânica da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo, estabelecendo-se nos artigos 1º e 2º:
“Artigo 1º
Natureza
A Direcção Regional de Agricultura do Alentejo (DRAAL) é um serviço na dependência directa do Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas dotado de autonomia administrativa, cuja acção se desenvolve na região agrária definida no anexo IV do Decreto-Lei nº 46/89, de 15 de Fevereiro, que se ocupa do apoio ao sector agrário e florestal, a nível regional e local, com vista à sua dinamização e maior aproximação aos agricultores e suas organizações representativas, numa perspectiva integrada e de acordo com a política e os objectivos definidos para o sector agro-florestal nacional.
Artigo 2º
Atribuições
São atribuições da DRAAL as constantes do artigo 2º do Decreto-Lei nº 75/96, de 18 de Junho.”
A intervenção das DRA no âmbito do fraccionamento de prédio rústico está exclusivamente prevista no artigo 45º do Decreto-Lei nº 103/90, como resulta da análise dos diplomas supra referidos.
[14]) In “Código do Procedimento Administrativo”, comentado, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 441.
[15] “Direito Administrativo”, vol III, ed. cop., pág. 144 e segs.
[16]) “Direito Administrativo”, ed. Cop., pág. 136-137.
[17]) Parecer nº 49/92 deste Conselho Consultivo, publicado do Diário da República, II Série de 23 de Setembro de 1993.
[18]) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. citada, pág. 444. Cfr. ainda Parecer n.º 28/90, e bibliografia ali recenseada, publicado no Diário da República, II Série, n.º 231, de 8 de Outubro de 1991.
[19]) ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. cit., pág. 445.
[20]) “Direito Administrativo”, pág. 138.
No mesmo sentido, PIETRO VIRGA, “Diritto Amministrativo – Atti e ricorsi” –2º Guiffré, editore, Milano, págs. 29 e segs.
[21]) “Diritto Amministrativo”, vol. 2º, 2ª edição, 1988, pág. 565.
[22]) ESTEVES DE OLIVEIRA e outros, ob. citada, notas ao artigo 99º, pág. 446.
[23]) “Código do Procedimento...”, págs. 589 e segs.
[24]) “Constituição da República Portuguesa anotada”, 3ª edição revista, Coimbra Editora.
[25]) “Manual de Direito Administrativo”, tomo I, 10ª ed., pág. 447.
[26]) “Fundamentação de acto administrativo”, Coimbra, 1980, págs. 32 e segs. Cfr., também, quanto aos pareceres, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Novembro de 1978, in “Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo”, Ano XVIII, Janeiro de 1979, pág. 32 e de 23 de Fevereiro de 1984, in “Apêndice ao Diário da República”, de 5 de Dezembro de 1986, pág. 1027.
[27]) Cfr. J. OSVALDO GOMES, op. cit., pág. 79.
[28]) Cfr., ibidem, pág. 80.
[29]) Cfr., ibidem, pág. 84.
[30]) FREITAS DO AMARAL , "Direito Administrativo", vol. III, pág. 257.
[31]) “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Colecção Teses, Almedina – Coimbra, 1991, pág. 232.
[32]) Ob. cit., 10ª ed., tomo I, pág. 428.
[33]) MARCELLO CAETANO, ob. e loc. e cits., págs. 435 e 442.
[34]) “Direito Administrativo”, Lisboa, 1989, vol. III, pág. 66.
[35]) “Direito Administrativo”, Livraria Almedina, 1980, págs. 372, 373 e 389.
[36]) “Direito Administrativo”, Coimbra, 1978, pág. 76.
[37]) “Código do Procedimento Administrativo”, pág. 547 e segs.
Cfr., também, as anotações ao artigo 120º no “Código do Procedimento Administrativo Anotado”, 2ª ed., Livraria Almedina, 1995, de DIOGO FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, PEDRO SIZA VIEIRA e VASCO PEREIRA DA SILVA, e no “Código do Procedimento Administrativo Anotado – Comentado”, Livraria Almedina, 1992, de JOSÉ MANUEL DOS SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO.
[38]) Obra citada, tomo I, págs. 441 e segs.
[39]) Obra citada, tomo II, pág. 1320.
[40]) “Manual de Direito Administrativo”, vol. I, pág. 414.
[41]) Obra citada, vol. III, págs. 138 e segs.
[42]) Obra citada, III vol., pág. 146, no mesmo sentido obra citada, MASSIMO SEVERO GIANNINI, “Diritto Amministrativo”, pág. 565.
[43]) Obra citada, págs. 138 e 139.
[44]) Ob. cit., pág. 287.
[45]) Ob. cit., pág. 590.
[46]) Cfr., entre outros os pareceres nºs 163/81; 197/81; 181/83, publicados em DR, II Série, de 28-2-82 e BMJ nº 319 – 83; DR, II Série, de 9-6-83 e BMJ nº 323-101 e DR, II Série, de 16-3-84 e BMJ nº 331 – 166, respectivamente.
[47]) Cfr., entre outros os Pareceres nºs 163/81; 197/81 e 181/83, localizados na nota anterior.
[48]) Acórdão nº 20589 (Processo 15226), de 26/09/89. Veja-se, em sentido idêntico, o acórdão nº 23567 (Processo nº 19357), de 13/01/87.
[49]) Acórdão nº 22942 (Processo nº 17514), de 16/06/87.
[50]) Acórdão nº 27910 (Processo nº 25563), de 16/05/89. No mesmo sentido, veja-se o Acórdão nº 30035 (Processo nº 5583), de 24/10/1990, ambos não publicados.
[51]) Acórdão do Tribunal Pleno de 5 de Abril de 1990, publicado em "Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo", Ano 29, nº 346, Outubro de 1990, págs. 1253 a 1258.
Acrescenta-se no texto do aresto que a relatividade do conceito não respeita ao elemento congruência que é uma noção absoluta, mas à clareza e suficiência, que dependem do tipo legal do acto e das circunstâncias do caso concreto.
[52]) Ob. cit., pág. 518.
[53]) “Noções de Direito Administrativo”, 1982, pág. 367.
[54]) Ob. cit., págs. 542/544.
[55]) Artigo 204º do Projecto do Código de Processo Administrativo Gracioso:
"1. O acto administrativo anulável só pode ser impugnado pelos titulares de direitos ou interesses legítimos por ele directamente prejudicados, ou no exercício de acção pública ou popular prevista na lei, e apenas nos prazos estabelecidos para o efeito.
2. O acto administrativo anulável pode ser revogado nos termos previstos no artigo 219º.
3. O acto anulável produz efeitos até à anulação, mas esta tem eficácia retroactiva.”
[56]) Ob. cit., pág. 589.
[57]) Tratado de Derecho Administrativo, publicação do I.E.P., Madrid (1958), pág. 316.
[58]) Direito Administrativo, vol. III, 1989, págs 341 e segs.
[59]) Ob. cit., pág. 277.
[60]) ver, neste sentido, PEDRO GONÇALVES, “Apontamento sobre a função e a natureza dos pareceres vinculantes”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, pág. 3. Com interesse, cfr. os Acórdãos do STA de 7.5.96 e de 4.10.95, loc. cit., págs. 30 e 35, respectivamente.
[61]) PEDRO GONÇALVES, loc. cit., pág. 10-11; Cfr. JOÃO CAUPERS, “A Administração Periférica do Estado Estudo de Ciência da Administração, págs. 426 e segs; 495 e segs.
[62]) Ob. cit., pág. 594.
[63]) Cfr. JOÃO CAUPERS, obra citada, págs. 426 e 495 e segs.
[64]) BMJ 410-527.
[65]) Do respectivo sumário.
[66]) Cfr. nota 13, fls. 14; Decreto-Lei nº 310-A/86, de 23 de Setembro e Decreto-Lei nº 190/86, de 16 de Julho.
[67]) O Decreto–Lei nº 172/95, de 18 de Setembro, alterou e revogou alguns dos seus artigos, sem relevância para a economia do parecer e considera feitas à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos as referências ao IPCC, criado pelo Decreto–Lei nº 74/94, de 5 de Março.
[68]) Cfr. o artigo 7º do Decreto–Lei nº 172/95, de 18 de Julho, rectificado por declaração inserta no D.R. de 30 de Setembro de 1995.
[69]) “Execução das sentenças dos Tribunais Administrativos”, 2ª edição, Almedina, págs. 25 e segs.
[70]) “Manual de Direito Administrativo”, vol. II, págs 1371 e segs.
[71]) “A Execução das Sentenças…”, págs 91 e segs.
x) Prosfer Weil, “Recours pour excès de pouvoir..., nº 14).
[72]) “Sobre a autoridade do caso julgado das sentenças de anulação de actos administrativos”, Coimbra, 1994, pág. 145.
[73]) Cfr. Pareceres nºs 183/81; 73/86; 1/87; 85/88; 25/92; publicados, respectivamente nos Diários da República, II Série de 12 de Maio de 1982; 30 de Julho de 1987; 4 de Junho de 1987; 26 de Setembro de 1989; e parecer 9/97.
[74]) Cfr. Acórdão de 3 de Novembro de 1998, processo 43923; de 2 de Abril de 1998, Processo 42563; Acórdão de 2 de Outubro de 1997, processo 23255.
[75]) In “Direito Administrativo”, Colectânea de Legislação Básica, 1ª Edição –Lisboa, 1998, de JOSÉ MIGUEL SARDINHA; Cfr. ainda parecer nº 86/92, deste corpo consultivo, D.R., II, de 25 de Setembro de 1993.
[76]) “Código do Procedimento Administrativo – anotado”, 3ª edição, Almedina, Coimbra, págs 235 e 236.
[77]) Código do Procedimento Administrativo, já citado, pág. 621.
[78]) Revista de Legislação e de Jurisprudência, 119, págs. 302 e segs.
[79]) Loc. cit. nota anterior.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART268 N3.
CCP63 ART190 ART195 ART269 N1 N2 N3 N4 N5N6 N7 N8 N9 N10 N11 N12 N13 N14 N15 §1 §2 ART275 §ÚNICO ART279.
DL 172/95 DE 1995/07/18 ART7.
DL 130/90 DE 1990/03722 ART44 N1 N3 N3 ART45 N1 N2 N3 ART46 ART47 N1 N2 N3 N4.
DL 384/88 DE 1988/10/25 ART20 N1 A B C D N2 ART24.
CPADM91 ART98 N1 N2 ART99 N1 ART120 ART124 N1 A B C D E N2 ART128 N1 B ART133 ART135 ART136 ART141.
CNOT96 ART80.
CCIV66 ART294 ART1379.
DL 256-A/77 DE 1977/06/17 ART5.
DL 6/96 DE 1996/01/31
Jurisprudência: 
AC DA RE DE 1992/05/16 IN CJ ANO XVI TIII-1991 PAG289.
AC STJ DE 1995/05/11 IN CJ ANO III 1995 PAG75.
AC STA DE 1991/10/22 IN BMJ N410 PAG527.
AC STA DE 1992/06/30.
AC STA N 20589 DE 1989/09/26.
AC STA N 27910 DE 1987/06/16.
AC STA DE 1989/05/16.
AC STA DE 1990/10/24.
Referências Complementares: 
DIR CONST * ORG PODER POL / DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * DIR REAIS.
Divulgação
Data: 
08-03-2001
Página: 
4379
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