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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
4/1999, de 31.03.1999
Data do Parecer: 
31-03-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
ISABEL PAIS MARTINS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
REVISÃO DE PROCESSO
Conclusões: 
O acidente sofrido por um militar que, ao proceder à limpeza e arrumação de uma caserna, quando arrasta uma mala que se encontrava debaixo de uma cama, acciona o detonador de uma granada e é atingido pelo seu rebentamento, não é enquadrável no disposto no n.º 4 do artigo 2.º, com referência ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:

1. 

Para emissão do parecer a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, determinou Vossa Excelência o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao soldado NIM (...) (...).
Cumpre, pois, emiti-lo.
2. 

2.1. Do processo extraem-se, com relevo, os seguintes elementos:
- no dia 5 de Agosto de 1966, durante uma comissão na ex-colónia da Guiné, o militar em causa, quando procedia à limpeza e arrumação de uma caserna, ao arrastar uma mala que se encontrava debaixo duma cama, accionou um detonador de granada de mão ofensiva, m/962, que explodiu, provocando-lhe ferimentos nas mãos, tronco e rosto;
- transportado ao Hospital Militar, ficou internado de 5 a 11 de Agosto de 1966, data em que foi transferido para o Hospital Militar Principal, permanecendo internado;
- submetido a exame médico, em 17 de Agosto de 1966, foi-lhe observada ferida perfurante no olho direito, com esvaziamento;
- a 18 de Outubro de 1966, a Junta Hospitalar de Inspecção (JHI) considerou-o incapaz de todo o serviço, por anoftalmo do olho direito;
- a Direcção do Serviço de Saúde do Ministério do Exército, por despacho de 20 de Fevereiro de 1967, considerou “que o motivo pelo qual a junta julgou esta praça incapaz de todo o serviço está em relação com as lesões sofridas no acidente descrito e ocorrido a 5/8/1966, algures na Guiné”;
- por despacho de 22 de Fevereiro de 1967, o acidente foi considerado como ocorrido em serviço;
- a 15 de Março de 1977, foi submetido a nova JHI a qual o considerou incapaz de todo o serviço militar, com a incapacidade parcial permanente para o trabalho de 33,5%;
- o parecer desta Junta foi homologado, por despacho de 12 de Maio de 1977.
2.2. A 8 de Junho de 1976, (...) requereu que o acidente por ele sofrido fosse considerado como ocorrido em campanha.
Por despacho do Chefe do Estado Maior do Exército, de 14 de Setembro de 1977, esse requerimento foi indeferido “uma vez que se acidentou numa explosão fortuita de detonador na caserna e não por circunstâncias de actividade operacional, perigosidade ou situação de risco equiparável”.
2.3. A 24 de Novembro de 1997, (...) veio requerer a revisão do seu processo, a fim de que o acidente de que foi vítima “venha a ser considerado como ocorrido em condições de risco agravado equiparável a campanha”, de modo a ser qualificado como DFA.

3.

3.1. Embora o acidente tenha  ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma – artigo 18.º, n.º 2 – e dos n.ºs 1 e 3 da Portaria n.º 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria n.º 114/79, de 12 de Março. 
3.2. No «reconhecimento do direito à plena reparação de con­sequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situação de perigo ou perigosidade», o Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, afirma o direito à reparação material e moral que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrifi­cando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumpri­mento do serviço militar e institui medidas e meios que concorram para a sua plena reintegração na sociedade ([1]).
Dispõe o n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n° 43/76:
           "2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
           No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
           quando em resultado de acidente ocorrido:
           Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
           Na manutenção da ordem pública;
           Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
           No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores,
           vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
           Perda anatómica; ou
           Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
           Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor
           Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
           Incapaz do serviço activo; ou
           Incapaz de todo o serviço militar."
           E acrescenta o artigo 2.º, n.º 1, alínea b):
           "1. Para efeitos da definição constante do n.º 2 do artigo 1.º deste decreto-lei, considera-se que:
           a) (...)
           b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei."
           Os n.ºs  2, 3 e 4 do mesmo artigo 2.° esclarecem:
           "2. O «serviço de campanha ou campanha» tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
           3. As «circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha» têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
           4. «O exercício de funções e deveres militares e por motivo do desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores», engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2° Suple­mento, de 26/6/76). A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.»

4.

4.1. O Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, procedeu ao «alargamento do regime jurídico dos DFA aos casos que, embora não relacionados com campanha ou equivalente, justifiquem, pelo seu circunstancialismo, o mesmo critério de qualificação» ([2]).
Entre tais situações encontram-se aquelas que são definidas nas referidas disposições do artigo 1.°, n.° 2, e 2.°, n.° 4, como resultan­tes de acidente ocorrido no exercício de funções e deveres militares, e por causa desse exercício, em circunstâncias que envolvam um risco agravado equiparável ao que é inerente às restantes actividades expressamente mencionadas na lei: serviço de campanha, prisioneiro de guerra, manutenção da ordem pública, prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública.
Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjuga­das dos artigos 1.°, n.° 2,  e 2.º, n.° 4, do Decreto-Lei n.º 43/76 no sentido de que “o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equipara­ção, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas.” ([3]) 
Sobre esta questão disse-se no parecer n.º 51/89 ([4]):
"Este corpo consultivo tem vindo a entender, uniformemente, em sucessivos pareceres, que, na interpretação das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, e 2.°, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, para além das  situações expressamente previstas na lei, o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas só é aplicável nos casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole e considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha ou equivalente.
Como já se salientou, o privilégio do regime dos deficientes das Forças Armadas tem, ínsita, a ideia de recompensar os que se sacrifiquem pela Pátria.
Não basta, por isso, o mero exercício de funções e deveres militares para que se estabeleça tal equiparação, tornando-se indispensável que no seu desempenho ocorra risco equiparável às situações de campanha ou equivalente, ou seja, às previstas nos três primeiros itens do n.º 2, do artigo 1.º.
Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.»
4.2. De acordo com tal doutrina, este corpo consultivo tem entendido, sem divergências, qualificar como actividade militar com risco agravado, equiparável nomeadamente à situação tipificada no primeiro “item” do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 43/76, a realização de exercícios e outras actividades militares que impliquem a manipulação ou manuseamento de engenhos explosivos ([5]).
Como se escreveu no parecer nº 47/85, de 16 de Maio de 1985:
"Uma primeira e importante achega consistirá, no entanto, em reafirmar a posição várias vezes defendida segundo a qual o militar que, necessária e obrigatoriamente, manuseia substâncias ou engenhos explosivos, em actos de instrução ou exercícios com esses meios ou de qualquer modo com eles lide, se encontra, por isso, em condições objectivas de risco superior ao normal das actividades castrenses.
"Não assim quando é vítima ocasional de um desses engenhos em circunstâncias assimiláveis às que se podem verificar relativamente a qualquer pessoa que os encontre e manipula imprevista ou inadvertidamente.
"Consequentemente, este corpo consultivo pronunciou-se desfavoravelmente no caso do militar que, na área do quartel, encontra uma espoleta de granada e manuseia-a incautamente, supondo-a inerte, até a fazer explodir (parecer n.º 145/77); o que é atingido pelo rebentamento ocasional de uma granada quando vazava lixo numa nitreira (parecer n.º 152/77); o que encontra um objecto para si desconhecido no chão do aquartelamento e dele se apodera, provocando a sua deflagração (parecer n.º 187/78); o que procedia à limpeza do alojamento dos oficiais e causa a explosão de uma granada que se encontrava no interior de um armário (parecer n.º 79/80); o que não respeita as condições de segurança estabelecidas (parecer n.º 186/81); o que, num pinhal, encontra um objecto que supõe de guerra e o manuseia de modo a provocar o rebentamento (parecer n.º 159/82); o que, por curiosidade, retirou de uma granada a cavilha de segurança (parecer n.º 107/83).”
4.3. No caso em apreço os ferimentos determinantes da incapacidade do requerente foram provocados pelo rebentamento de um engenho explosivo.
Todavia, a situação em que ocorreu o acidente não pode considerar-se como daquelas em que concorrem factores de risco superiores aos genéricos da actividade militar.
O requerente executava a limpeza e arrumação de uma caserna, actividade que não encerra, em si mesma, riscos especiais e que não envolvia o manuseamento de engenhos potencialmente perigosos.
Tratava-se de uma actividade com o risco próprio de qualquer actividade militar, de cariz rotineiro, e que só circunstâncias de manifesta imprevisibilidade - que o diploma não contempla - conduziram a semelhante evento.
Não pode, portanto, considerar-se tal actividade como implicando risco agravado necessário equiparável às situações tipicamente descritas na lei e, por isso, merecedora da protecção que é reconhecida aos que se sacrificam pela Pátria , exercendo funções e cumprindo deveres militares em condições identificáveis com o espírito da lei dos deficientes ([6]).

5. Em face do exposto, conclui-se:
O acidente sofrido por um militar que, ao proceder à limpeza e arrumação de uma caserna, quando arrasta uma mala que se encontrava debaixo de uma cama, acciona o detonador de uma granada e é atingido pelo seu rebentamento, não é enquadrável no disposto no n.º 4 do artigo 2.º, com referência ao n.º 2 do artigo 1.º, ambos do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.


[1])   Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro, e do artigo 1.º desse diploma.
[2])   Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43/76, de 20 de Janeiro.
[3])   Dos pareceres n.° 55/87, de 29.07.87, e n.° 80/87, de 19.11.87, homologados mas não publicados, reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também os pareceres n°.s 10/89, de 12.04.89, 33/91, de 24.04.91, 47/94, de 24.11.94, 46/95, de 12.10.95, 71/96, de 23.01.97, 4/97, de 6.03 97.
[4])   Votado na sessão de 7.12.89; cfr. também o parecer n.º 1/97, de 6.03.97.
[5])   A título meramente exemplicativo, podem ver-se os pareceres nº.s 187/76, de 16.12.76, 179/76, de 13.1.77, 209/78, de 19.10.78, 141/79, de 11.11.79, 164/80, de 23.10.80, homologados mas não publicados, 48/81, de 28.1.82, homologado e publicado no Diário da República, II Série n.º 196, de 25.8.82, 34/86, de 17.7.86, não homologado, 11/89, de 23.2.89, 19/90, de 5.4.90, 67/90, de 11.10.90, 3/92, de 28.5.92, todos homologados e não publicados; cfr., entre os mais recentes, os pareceres nº.s 71/96, de 23.1.97, 49/98, de 19.11.98, 77/98, de 17.12.97, 81/98, de 28.1.99.
[6])   Nos pareceres nº.s. 6/78, 188/78, 220/78, 13/79, 79/80, respectivamente de 26 de Janeiro, de 2 e 16 de Novembro de 1978, de 1 de Janeiro de 1979 e de 10 de Julho de 1980, foram apreciadas situações semelhantes à ora em causa, tendo-se concluído que elas se não enquadravam no disposto no n.º 4 do artigo 2.º do Decreto–Lei n.º 43/76, com referência ao artigo 1.º, n.º 2, deste mesmo diploma.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N1 N2 N3 N4 ART2 N3 ART18.
PORT 162/76 DE 1976/03/24.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Referências Complementares: 
DIR ADM / DEFIC FFAA
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