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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
94/1998, de 14.01.1991
Data do Parecer: 
14-01-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
EXERCÍCIO DE FUNÇÕES MILITARES
RISCO AGRAVADO
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
Conclusões: 
1º O exercício de tiro estático com metralhadora MG3 apoiada no solo, em carreira de tiro com normais condições de segurança, durante o qual a arma se encravou, e se procedeu ao desencravar da mesma, ocorrendo a explosão da munição, não corresponde a um tipo de actividade com risco agravado, equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2º O acidente de que foi vítima o 1º MAR FZ (...) enquadra-se no condicionalismo descrito na conclusão anterior, o que impede a qualificação daquele militar como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:
I
 
A fim de ser produzido parecer nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, Vossa Excelência ordenou o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao 1º Marinheiro Fuzileiro (...).
Cumpre pois emiti-lo.
II
Seleccionam-se com relevância os seguintes elementos de facto constantes do processo:
           a) O militar em causa foi incorporado na Armada em 4 de Outubro de 1989, integrando pouco depois o corpo de fuzileiros. Desde 1994 que pertenceu ao Destacamento de Acções Especiais, participando nessa qualidade num exercício de tiro na Carreira de Tiro de Pinheiro da Cruz, a 13.3.97 (Série 1351 (TIREX) do Exercício INSTREX 02/97).
           b) Durante um treino de tiro estático com a metralhadora ligeira MG3 apoiada no solo, uma das munições ficou encravada na arma, e foi ao desencravá-la que aquela explodiu, indo o projéctil atingir o requerente no olho esquerdo, causando-lhe ainda ligeiros ferimentos na mão direita.
           c) Como consequência do acidente, o 1 MAR FZ (...) sofreu definitivamente a perda do globo ocular esquerdo, e, portanto, da vista do olho esquerdo, do campo visual à esquerda e da visão binocular. Viria ainda a padecer de sequelas ao nível psicológico, caracterizadas como “stress post-traumático”.
           d) Submetido à Junta de Saúde Naval a 11.11.97, foi-lhe atribuída a desvalorização global de 61,73%, e considerado “insuficientemente apto para todas as funções que impliquem o normal desempenho de visão binocular”.
            Novamente submetido àquela Junta a 5.5.98, foi confirmada a incapacidade aludida, sendo o militar, porém, considerado, incapaz para todo o serviço militar. Ambos os pareceres foram superiormente homologados, respectivamente a 21.11.97 e 8.5.98.
           e) Elaborado o competente relatório técnico relativo ao acidente, sobre o mesmo viria a despachar o Comandante do Departamento de Acções Especiais da Marinha, a 22.4.97, o qual, entre o mais, considerou terem sido “cumpridos os procedimentos de segurança”, e que a ocorrência fora  “acidental e inesperada”.
           f) O acidente foi considerado “em serviço e por motivo do seu desempenho” pelos Serviços de Justiça da Marinha, posição com que concordou o Vice-Almirante Superintendente dos Serviços de Pessoal, a 23.6.98.
III
Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76:
           "2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
            No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
           quando em resultado de acidente ocorrido: 
           Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra; 
           Na manutenção da ordem pública; 
           Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
           No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
           vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em: 
    Perda anatómica; ou
           Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
           tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
           Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
           Incapaz do serviço activo; ou
           Incapaz de todo o serviço militar."
           E acrescenta-se no artigo 2º:
           "1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
           a)   (...)
           b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei."
           Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:
           "2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
           "3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
           "4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).
           A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria–Geral da República." 
IV
Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto–Lei nº 43/76, no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito – de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiros de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública –, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza  aquelas situações paradigmáticas".
"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" ([1]).
Do mesmo modo se tem ponderado que o risco agravado, necessariamente superior ao risco genérico da actividade militar não se compadece com o que resulta de circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se, como já se referia no parecer nº 18/92 de 28–5-92, a tal propósito, em sede de objectividade.
Foram vários os pareceres em que este Conselho Consultivo teve oportunidade de apreciar acidentes ocorridos nas carreiras de tiro. A doutrina que se firmou foi no sentido de, em regra, os mesmos não configurarem qualquer situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido  ao  nº 2 do  artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76 ([2]).
Tem-se ponderado, com efeito, que sendo o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança, e ponto de passagem obrigatória de qualquer militar, não ficam os utilizadores de carreiras de tiro expostos a um risco superior ao das normais actividades militares.
Reconhece-se ainda que tais exercícios de tiro pertencem à rotina da função militar não dando em regra lugar a acidentes.

No caso em apreço somos confrontados  com uma sessão de treino numa carreira de tiro, estático, e com a metralhadora apoiada no solo.
Durante tal sessão, o militar sofreu lesão provocada pela explosão de uma munição, que encravara numa espingarda automática MG3. Tal ocorrência foi considerada acidental e inesperada. O incidente derivou pois de circunstâncias anómalas relacionadas com o imprevisto mau funcionamento da arma.
Por último, o encravar de uma espingarda automática, dando origem à necessidade de a desencravar, não nos parece envolver  risco superior ao que acompanha a normal actividade castrense.
Vê-se assim que o sinistro se ficou a dever a uma circunstância fortuita, e além disso se enquadra num condicionalismo, e decorre de uma actividade concreta, que não pode ser equiparada ao serviço de campanha ou a circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha.
VI
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:
1º O exercício de tiro estático com metralhadora MG3 apoiada  no solo, em carreira de tiro com normais condições de segurança, durante o qual a arma se encravou, e se procedeu ao desencravar da mesma, ocorrendo a explosão da munição, não corresponde a um tipo de actividade com risco agravado, equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2º O acidente de que foi vítima o 1º MAR FZ (...) enquadra-se no condicionalismo descrito na conclusão anterior, o que impede a qualificação daquele militar como deficiente das Forças Armadas.

[1]) Dos pareceres nº 55/87, de 29 de Julho de 1987, e nº 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12-04-89.
[2]) Cfr., entre outros, os pareceres nºs 78/76 e 99/76, ambos de 30-7-76, 207/76 de 13-1-77, 102/77, de 7-12-77, 162/77 e 179/77, ambos de 27-10-77, 220/77 e 243/77, ambos de 2-12-77, 103/89, de 25-1-90, 46/90, de 27-9-90, o já referido Parecer nº 18/92, de 28-5-92, 12/94, de 28-4-94, ou ainda, 42/95, de 20-12-95.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N2 N3.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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