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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
39/1997, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
ACIDENTE DE AVIAÇÃO
Conclusões: 
1ª O voo em grande velocidade e a baixa altitude de aviões a reacção, durante um exercício de simulação de um ataque ao solo, corresponde a um tipo de actividade de risco agravado que se enquadra no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, em referência ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma, face ao perigo que envolve de colisão com aves;

2ª O acidente de que foi vítima o Capitão Piloto Aviador NIM (...)E (...), e de que lhe resultou uma desvalorização de 76%, deu-se dentro do condicionalismo referido na conclusão anterior.
Texto Integral
Texto Integral: 
 
Senhor Secretário de Estado da Defesa        Nacional,
Excelência:
 
 
 
1 - Para que fosse produzido parecer nos termos do nº 4, do artigo 2º, do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, Vossa Excelência ordenou o envio à Procuradoria-Geral da República do processo respeitante ao Capitão Piloto Aviador NIM (...), (...).
 
Cumpre, pois, emiti-lo.
 
2 - Seleccionam-se com relevância os seguintes elementos de facto constantes do processo:
 
           a) O militar em causa ingressou na instituição militar em 6.10.82, como cadete aluno. Já como Capitão Piloto Aviador, interveio numa missão de treino, no dia 26.2.93, pilotando um avião T-38A.
 
           b) Tal missão consistia em voo a baixa altitude a partir da Base Aérea 11, em Beja, simulando um ataque ao aeródromo da Amareleja.
 
           c) Quando seguia no rumo final do ataque (214 graus), à velocidade de 420 Kts, a 250 pés AGL, e a cerca de 5 milhas náuticas do alvo, foi avistado um bando de aves e o Capitão (...) fez uma manobra para as evitar. No entanto, um desses animais embateu no “Windshield” do “cockpit” penetrando nele pela frente.
 
           d) Foi atingir o militar na face e hemicrâneo direito fazendo-o perder de imediato os sentidos, providenciando um colega, que também seguia a bordo, por assumir o controlo do aparelho e regressar à BA11.
 
           e) Em consequência do acidente, o Capitão (...) sofreu várias lesões, entre as quais um hematoma epidural extenso com efeito marcado de massa e a destruição traumática do olho direito. Removido de helicóptero para o Hospital de Santa Maria em Lisboa aí deu entrada em coma profundo, estado em que se manteve por 15 dias.
 
           f) No exame final de sanidade a que foi submetido, apuraram–se, como lesões permanentes, a perda do globo ocular direito com epífona, cicatrizes da face, região infraciliar, pálpebra superior e canto externo do olho direito, afundamento do molar direito, ptose com ectropion da pálpebra inferior direita, a perda de substância óssea da região paríeto–occipital direita, hemiplegia esquerda e perturbação do foro psíquico.
 
           g) Declarado incapaz para todo o serviço militar, foi atribuído ao Capitão Piloto Aviador (...) um coeficiente global de incapacidade de 0,7605. A Junta de Saúde da Força Aérea afirmou que houve relação entre o acidente e as condições de serviço, na sequência do que, este militar, a 22.8.97, manifestou a pretensão de ser qualificado D.F.A.
 
           h) A Junta de Saúde da Força Aérea veio a confirmar o seu anterior parecer, reiterando a atribuição daquele coeficiente de desvalorização, e a Direcção de Saúde da Força Aérea considerou haver “relação das lesões com o acidente”. O Serviço de Justiça da Força Aérea entendeu que as lesões sofridas são resultantes de acidente em serviço, e que não houve no sinistro responsabilidade do averiguando ou de outrem.
 
           i) Em informação de 28.4.97, o Serviço de Justiça e Disciplina da Força Aérea foi de parecer que estavam reunidos todos os requisitos  exigidos pelo Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, para a qualificação do militar em causa como D.F.A. no que foi acompanhado pelo Chefe do Estado-Maior da Força Aérea em despacho de 12.5.97.
 
           j) O Comando Operacional da Força Aérea, em parecer técnico subscrito pelo respectivo Comandante, relativo ao acidente em questão, forneceu informação que no essencial se considera útil transcrever e que é do teor seguinte:
 
           “Os voos de treino de baixa altitude e os voos de aves usam o mesmo espaço, ou seja as altitudes dos voos de aeronaves e aves é coincidente. Desta constatação resulta como possível e previsível a colisão entre aves e aeronaves.
 
           Assumindo as Forças Aéreas em geral e a Força Aérea Portuguesa em particular, como necessário o treino de baixa altitude (a fim de manter a proficiência necessária ao cabal cumprimento das missões militares e de interesse público), tendo-se a consciência do perigo de colisão, foram estabelecidos procedimentos tendentes a minimizar os efeitos de tal evento e a diminuir a probabilidade da sua ocorrência, a saber:
           - todas as tripulações reportam os avistamentos de concentrações de aves que possam perigar a segurança de voo, de forma a que os mesmos sejam divulgados por todas as Esquadras de voo;
 
           - estas informações sobre movimentos e concentrações de aves são tidas em consideração no planeamento dos voos de baixa altitude;
 
           - os voos em áreas de provável colisão (exemplarmente, linha de costa, lixeiras, zonas pesqueiras) são limitados ao mínimo necessário para o cumprimento das missões militares;
 
           - não existia qualquer reporte de avistamento e concentração de aves na área da ocorrência em apreço, nem a mesma é tida como uma zona de provável colisão;
 
           - nos voos de baixa altitude as aeronaves, sempre que possível, voam com as luzes acesas, de forma a tornarem-se mais visíveis para as aves, proporcionando a possibilidade de evitamento da colisão por estas;
 
           - nos voos de baixa altitude os tripulantes voam com capacete e com a viseira descida.
 
           - nos voos de baixa altitude, na medida do possível, os tripulantes baixam os assentos de forma a reduzir os efeitos de eventuais colisões.
 
           No caso em apreço, as medidas acima enunciadas foram tomadas pelo tripulante.
 
           Ora, atendendo ao carácter relativamente aleatório do voo e concentração de aves, à sua diminuta dimensão e à velocidade das aeronaves militares, a eventualidade de colisão é uma componente de risco considerada nas missões aéreas de baixa altitude.
 
           Não se pode estabelecer um grau de probabilidade, o que se pode afirmar é da probabilidade da ocorrência e da existência de procedimentos operacionais tendentes a minimizar o risco.
 
           A dificuldade no evitamento da colisão, resulta de um conjunto de circunstâncias, em que pontificam a velocidade da aeronave e a dimensão da ave ou bando de aves, as condições de visibilidade horizontal, a posição relativa da aeronave e aves em relação ao solo, sol e evolução destas. Acresce dizer que as operações de pilotagem e a manobra técnica em execução é um outro factor a considerar (no caso uma aproximação para largada simulada de bombas, é muito exigente quanto à operação de pilotagem).
 
           Estes factores determinam o momento do avistamento das aves pelo piloto.
 
           No concreto, pode dizer-se que o avistamento foi imediatamente seguido da operação de afastamento, ainda que sem sucesso.
 
           Os efeitos de uma colisão são imprevisíveis, visto depender, da dimensão da ave, da velocidade, do local do embate na aeronave.
 
           No caso vertente, deve atender-se ao facto da colisão ter sido frontal e o ponto de embate ser dos mais frágeis (o vidro frontal do “cockpit”).
 
           Nos últimos seis anos ocorreram 31 colisões com aves, sempre com danos materiais, de valor e gravidade muito variável, sendo o caso em apreço dos de maior gravidade dos registados e o único com danos pessoais.”
 
3 - Procedendo ao enquadramento jurídico destes factos, referir-se-á que os nºs 2 e 3 do art. 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dispõem:
 
           "2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
 
           No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
 
           quando em resultado de acidente ocorrido:
 
           Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
 
           Na manutenção da ordem pública;
 
           Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
 
           No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
 
vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
 
           Perda anatómica; ou
 
           Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
 
           Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
 
           Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
 
           Incapaz do serviço activo; ou
 
           Incapaz de todo o serviço militar.
 
"3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente  provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas."
 
E, segundo o nº 4 do artigo 2º:
 
"4. O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores, engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
 
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".
 
Por último, a alínea b) do nº 1 do artigo 1º, sempre do Decreto–Lei nº 43/76, refere:
 
"b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei."
 
4 - Chamado a interpretar aquele nº 4 do artigo 2º  do Decreto-Lei nº 43/76, conjugado com a parte da previsão do nº 2 do artigo 1º a que se refere, este Conselho sempre entendeu que o mesmo só se aplica aos casos que
 
           "pelo seu circunstancialismo justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando a sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
 
Assim sendo de exigir,
 
             "não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" ([1]).
 
 
5.1. Este corpo consultivo já por mais de uma vez se debruçou sobre acidentes ocorridos durante o voo de aeronaves, firmando-se também a tal propósito o entendimento de que “o risco agravado necessário  implica uma actividade arriscada por sua própria natureza e não por efeito de circunstâncias imprevisíveis e ocasionais”. De tal modo que a raridade ou a probabilidade muito baixa de terem lugar as circunstâncias que ocasionaram o sinistro, levarão a afastar aquela situação de risco agravado ([2]). Por isso é que, aplicada esta doutrina a acidentes envolvendo aeronaves, se entendeu que o simples voo normal de instrução envolve sempre um risco, designadamente de avaria mecânica, mas que tal risco não se apresenta superior ao da normal actividade castrense ([3]).
 
Aliás, igualmente se passarão as coisas se o voo for de helicóptero e por isso é que no Parecer nº 85/89 ([4]) se concluiu:
 
           “O transporte em helicóptero da Força Aérea, de dia, decorrido em condições de visibilidade normal, ainda que tenha surgido em dada altura uma zona de nevoeiro e envolva o risco de avaria mecânica, não caracteriza um tipo de actividade militar com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto–Lei nº 43/76.”
 
As falhas mecânicas que estiveram na origem de acidentes de aviação, concretamente à descolagem, foram apreciadas nos Pareceres nº 18/93, de 1.4.93, e nº 66/96, de 10.4.97, ambos homologados, e inéditos, e entendeu-se, em coerência com as anteriores  posições do Conselho, que o condicionalismo que envolveu a queda dos aviões aí em causa era insusceptível de configurar uma situação de risco agravado.
 
 
5.2. Vejamos agora se o acidente que vitimou (...) ocorreu em condicionalismo tal  que a conclusão a extrair não deverá ser exactamente a inversa.
 
Importa na verdade realçar que o sinistro teve lugar durante uma missão em que se simulava um ataque a uma base em terra. Que esse tipo de missão envolve a prática de alta velocidade ([5]), e voo a baixa altitude. Ou seja, a utilização de um espaço que pode ser também usado por aves.
 
Ora, assim sendo, a colisão entre a aeronave e uma ou mais aves surge como eventualidade possível e à partida previsível. De tal modo que se estabeleceram procedimentos preventivos a observar pelos pilotos sempre que voem nas condições reportadas ao caso em apreço.
 
E por isso é que a eventualidade de colisão com aves é uma componente de risco própria de missões a baixa altitude. Independentemente do grau de probabilidade com que esse tipo de acidente possa ocorrer, parece-nos ser de afastar a excepcionalidade do evento, e, consequentemente, a sua imprevisibilidade ([6]).
 
Tal nos parece suficiente para que se propenda a achar que se está perante um tipo de actividade que envolve em si uma perigosidade superior à das normais actividades castrenses, equiparável a serviço de campanha.
 
6. Termos em que se formulam as conclusões seguintes:
 
 
           1ª O voo em grande velocidade e a baixa altitude de aviões a reacção, durante um exercício de simulação de um ataque ao solo, corresponde a um tipo de actividade de risco agravado que se enquadra no nº 4 do artigo 2º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, em referência ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma, face ao perigo que envolve de colisão com aves;
 
 
           2ª O acidente de que foi vítima o Capitão Piloto Aviador NIM (...), (...), e de que lhe resultou uma desvalorização de 76%, deu-se dentro do condicionalismo referido na conclusão anterior.



[1]) Cfr. parecer deste Conselho nº 21/79, de 15.2.79, homologado a 5.3.79, reflectindo doutrina constantemente afirmada, v.g. também nos pareceres nºs 19/90, de 5.4.90, 94/90, de 25.10.90, e 57/93, de 22.10.93, homologados, respectivamente, a 18.5.90, 7.12.90, e 2.12.93.
[2])   Cfr. Parecer nº 56/76, homologado a 29.12.76, publicado no B.M.J. nº 272, a pág. 33, e segs., em que estava em causa um acidente ocorrido durante um voo normal de instrução e foi recusada a qualificação do requerente como D.F.A.
     Diferentemente, no Parecer nº 44/76, publicado no B.M.J. nº 267, a pág. 18 e segs., foi qualificado como D.F.A. o piloto de um avião em que, durante o voo, deflagrou um incêndio, e, para evitar o despenhamento da aeronave numa povoação, e ainda para salvar o próprio  material, o militar optou por se não ejectar em voo, antes conduziu o avião para um aeródromo perto, aterrando de emergência e sofrendo um acidente aquando dessa aterragem.
[3])   Para além dos citados Parecer nº 44/76 e 56/76, poderão ver-se v.g. os Pareceres nº 23/77, de 3.3.77, homologado a 14.3.77, e nº 272/77, homologado a 16.1.78, ambos inéditos.
[4])   Inédito, homologado a 16.1.90.
[5])   À velocidade referida de 420 nós corresponde a velocidade de 777,840 Km/h. Um nó equivale a uma milha marítima por hora, a qual por sua vez é igual a 1.852 m.
[6])   Como já se referiu, a previsibidade de colisão com aves origina a adopção de precauções específicas. Refere-se no parecer técnico atrás transcrito que as medidas em questão foram de facto tomadas pelo tripulante. Por outro lado, no processo de averiguações elaborado, o oficial averiguante concluiu  estar provado que “não existiu culpabilidade do averiguando nem de quaisquer outros elementos, pelo que não houve procedimento disciplinar”. Esta mesma posição foi assumida pelo Serviço da Justiça da Força Aérea, como se viu.
     A afirmação daquele parecer técnico segundo a qual “o tripulante” observou as medidas de precaução aconselháveis, conjugada com a exclusão de qualquer responsabilidade do sinistrado no acidente, pelo Serviço de Justiça da Força Aérea, leva-nos, evidentemente, a partir do princípio de que o Capitão (...) tinha a viseira descida na ocasião do embate.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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