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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
57/1993, de 22.10.1993
Data do Parecer: 
22-10-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
1 - Os exercícios de treino militar com vista à preparação duma operação subsequente, e em que se produzem rebentamentos de granadas de mão, de morteiro e de lança-granadas foguete, constituem um tipo de actividade militar com risco agravado, que se equipara às três primeiras situações referidas no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A movimentação dos militares e a não determinação precisa do local dos rebentamentos criam um risco de lesões de foro otológico, entre muitos outros, risco que não se pode considerar remoto e imprevisível;
3 - O acidente de que foi vítima o 1º Sargento NIM (...) (...) ocorreu num condicionalismo que integra a situação descrita nas conclusões precedentes.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,

Excelência:



1- Na sequência do requerimento de revisão do processo, subscrito por (...), 1º Sargento NIM (...), com vista à sua qualificação como Deficiente das Forças Armadas, Vossa Excelência ordenou o envio do processo à Procuradoria-Geral da República, para que este Conselho Consultivo produzisse parecer, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76 de 20 de Janeiro.

Cumpre, assim, emiti-lo.

2- Seleccionam-se com interesse os seguintes elementos de constantes do processo:

a) O militar em causa cumpria em Agosto de 1968 uma segunda comissão nas forças armadas destacadas em Angola com a especialidade "armas pesadas", razão pela qual lhe estava cometido o tratamento do material de guerra da Companhia de Caçadores 1723, em que se integrava;

b) Em certo dia não concretizado daquele mês e ano, tiveram lugar exercícios de treino com vista a uma operação militar de vulto que teve lugar a seguir, e durante os quais se procedeu a vários rebentamentos de granadas, quer de lança-granadas foguete 8,9, quer de morteiros 81, bem como de granadas de mão.

c) O militar (...) participou naqueles exercícios de treino, porque, na qualidade de encarregado do material de guerra, procedia à fiscalização dos rebentamentos.

d) No dia seguinte ao dos exercícios em referência, (...) queixou-se de dores nos ouvidos e de ter ficado a ouvir mal, facto que nunca lhe tinha ocorrido antes.

e) A Companhia de Caçadores 1723, estava sediada numa zona de operações e não tinha médico na ocasião, razão pelo qual foi o respectivo Comandante que tratou logo o militar (...), sobretudo para lhe minorar as dores;

f) Ficando sempre a ouvir mal, depois de regressar à Metrópole, o militar em causa deslocou-se em terceira comissão para Moçambique, e aí, já em 1970, foi-lhe diagnosticada surdez bilateral com zumbidos;

g) A 19 de Junho de 1972, o Comandante Interino do Batalhão de Caçadores 17 considerou que aquela doença havia sido causada por acidente, em serviço, e sem que tivesse havido culpabilidade tanto do sinistrado como de qualquer outro militar.

h) A 28 de Dezembro de 1990, a JHI/HMR 1 julgou (...) incapaz de todo o serviço militar, com 45% de desvalorização por surdez bilateral com zumbidos, sendo o parecer daquela Junta homologado a 26 de Março de 1992, por despacho do DSP.

i) A 10 de Janeiro de 1992, a Comissão Permanente para Informação e Pareceres (CPIP/DSS) considerou que a incapacidade do militar era resultante das lesões sofridas no acidente ocorrido em serviço, o que mereceu homologação a 9 de Junho de 1993 do Exmº Director de Justiça e Disciplina, com o aditamento de que havia ocorrido em condições das quais havia resultado risco agravado equiparável ao serviço de campanha.


3 - Procedendo ao enquadramento jurídico destes factos disponíveis,dir-se-á que:

a) O nº 2 do artigo l8º do Decreto-Lei nº 43/76 de 20 de Janeiro, considera o diploma aplicável aos
Cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo",
sendo certo que, do nº 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, na redacção dada pelo nº 1 da Portaria nº 114/79, de 12 de Março, resulta que tal revisão depende de requerimento do interessado dirigido ao Chefe do Estado-Maior do ramo respectivo e sem limitação de prazo.

b) Por outro lado, o nº 2 do artigo lº do referido Decreto-Lei nº 43/76 estabelece que:

É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função; tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez;
ou Incapaz do serviço activo;

ou Incapaz de todo o serviço militar.

E a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do mesmo diploma diz que:

É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei."

Por último, o nº 4 daquele artigo 2º (1) prescreve que:

O exercício de funções e deveres militares e por motivo de seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
..............................................................................................................................”

c) No processo de averiguações levado a cabo não há qualquer indício, de que (...) tenha contribuído com o seu descuido ou a inobservância das regras de segurança, para a lesão sofrida. Pelo contrário, e como já se notou, (2) o acidente ocorreu "sem culpabilidade tanto do sinistrado como de qualquer outro militar", o que nos afasta da circunstância impeditiva, da consideração como DFA, resultante do desrespeito injustificado das condições de segurança, que o nº 3 do artigo lº do Decreto-Lei em causa prevê.


Por outro lado, os exercícios de treino durante os quais sobreveio a lesão não são nenhum dos casos concretamente contemplados no nº 2 do artigo 1º do diploma, pelo que interessará apurar se se está perante um condicionalismo que integre, também, necessariamente, um risco agravado e equiparável neste caso ao que caracteriza o serviço de campanha.

Antes, importa referir que este corpo consultivo vem entendendo uniformemente, quando chamado a interpretar as disposições combinadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, que só se aplica o regime de DFA, para além dos casos expressamente mencionados no primeiro daqueles artigos, àqueles outros que,
“pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas. "

Importando portanto,

”não só que o acidente tenha ocorrido em serviço mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas." (3).

Ora, ao facto de se saber se se está ou não, perante um condicionalismo que integre risco agravado necessário, interessa uma análise objectiva da situação, que num primeiro momento, prescinde da consideração das lesões que de facto tenham tido lugar. A situação deve ser de tal modo, que acarrete um risco maior do que o que caracteriza as normais actividades militares, bastando que em risco fique a vida ou a saúde de militar, sem qualquer limitação, quanto às modalidades de lesão ou prejuízo que se reputassem só elas relevantes.

E por isso é que interessa recordar a extensa lista de pareceres, também deste corpo consultivo, em que se conclui corresponder a um tipo de actividade. militar com risco agravado, para o efeito do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei em foco, o exercício de campo, o exercício de treino militar ou a instrução militar, que envolvam lançamento de granadas de morteiro, ou de granadas de mão, ou lançamento de granadas, por meio de lança-granadas foguete.(4)

As lesões do foro otológico integram também elas o risco normal de operações de treino com rebentamentos de granadas. Os militares envolvidos nessas operações podem ter que suportar rebentamentos de tal modo próximos, que quer a deslocação de ar, quer o estampido produzidos, lhes podem provocar lesões ao nível auditivo, sem que se possam considerar tais lesões uma consequência esporádica e imprevisível da participação na operação. Diferentemente se passarão as coisas se os rebentamentos ocorrem em sítios pré-determinados, sem deslocação dos militares, e por maioria de razão em carreiras de tiro (5)

Acresce que os exames médicos disponíveis mencionam uma causa traumática, para a surdez de que o militar (...) passou a padecer, sem qualquer alusão a antecedentes que o predispusessem para tal, sendo certo que também nenhuma outra lesão se assinala, como podendo ter concorrido para a incapacidade registada.

4. No parecer 154/88, de 9/2/89 concluiu-se que:

“Para que se possa qualificar como deficiente das Forças Armadas o militar autor de actos subsumíveis nos diversos itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 é necessário que exista um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o acto, (situação) e o acidente e entre este último e a incapacidade;"

Recorrendo, agora aos elementos fácticos disponíveis , poder-se-á afirmar, que no caso em apreciação está satisfeita aquela dupla exigência. Em 1968, em Angola, numa zona de operações militares onde nem médico havia, a Companhia onde se integrava (...) preparou uma operação fazendo um exercício de treino, com rebentamento de granadas e com utilização de armas pesadas (6). Dentre os riscos que tal treino oferecia, as lesões de foro otológico não podiam considerar-se uma consequência imprevisível e meramente acidental, podendo aliás sobrevir do mesmo modo que em campanha.

Como já se apontou, por um lado atribui-se nos autos a surdez ao único acidente aí referido. Por outro, nenhuma notícia existe de deficiências auditivas anteriores do militar, bem como de outros factos posteriores que pudessem ter concorrido para o efeito produzido.



Conclusão:



5 - Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1ª Os exercícios de treino militar com vista à preparação duma operação subsequente, e em que se produzem rebentamentos de granadas de mão, de morteiro e de lança-granadas foguete, constituem um tipo de actividade militar com risco agravado, que se equipara às três primeiras situações referidas no nº 2 do artº 1 do Decreto-Lei nº 43/76 de 20 de Janeiro;

2ª A movimentação dos militares e a não determinação precisa do local dos rebentamentos criam um risco de lesões de foro otológico, entre muitos outros, risco que não se pode considerar remoto e imprevisível;

3ª O acidente de que foi vítima o 1º Sargento (...) ocorreu num condicionalismo que integra a situação descrita nas conclusões precedentes.





1) Consoante rectificação publicada no Diário da República, I série, 2º Suplemento, de 26 de Junho de 1976.

2) Vide supra al. d) do nº 2.

3) Do Parecer deste Conselho nº 21/79, de 15/2/79, homologado por despacho de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional de 5/3/93.

4) Assim v.g. os Pareceres nº 148/76 e 184/76 publicados respectivamente no nº 269 a pág. 39 e nº 272 a pág. 62, ambos do Boletim do Ministério da Justiça, Pareceres nºs 231/77 de 17/11/77, 251/77 de 2/12/77, 106/78 de 8/5/78, 114/78 de 1/6/78, 185/78 de 2/11/78, 221/78 de 2/11/78, 255/78 de 4/1/79, 264/78 de 4/1/79, 172/79 de 8/11/79, 62/80 de 8/5/80, 70/80 de 28/8/80, 11/81 de 12/2/81, 82/81 de 28/5/81, 26/84 de 23/5/84, 55/85 de 4/7/85, 10/88 de 23/6/88, 154/88 de 9/2/89, 10/89 de 12/4/89, 11/89 de 23/2/89, 82/89 de 23/11/89, 19/90 de 5/4/90, 94/90 de 25/10/90, 114/90 de 6/12/90, 18/91 de 21/2/91, e 76/92 de 28/1/93, todos inéditos.

5) Como se afirmou no parecer deste Conselho nº 18/92, de 28 de Maio desse ano "Pondera-se, com efeito, que o tiro realizado nesses locais especialmente adequados e apetrechados, rodeados de requisitos de segurança, não expõe os instruendos a risco superior ao do comum da actividade militar.
Reconhece-se que esses exercícios de tiro, como qualquer outra actividade própria da rotina da função militar, só excepcionalmente dão lugar a acidentes".
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 N2 N3 N4 ART18 N2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.*****
* CONT REFPAR
P000551985
P000101988
P001541988
P000101989
P000211979
P000621980
P000701980
P000111981
P000821981
P000261984
P000111989
P000821989
P000191990
P000941990
P001141990
P000181991
P000181992
P000761992
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