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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
5/1995, de 09.02.1995
Data do Parecer: 
09-02-1995
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
SERVIÇO DE CAMPANHA
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
Conclusões: 
1 - O exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no n 4 do artigo 2, referido ao n 2 do artigo 1, ambos do Decreto-Lei n 43/76, de 20 de Janeiro;
2 - A qualificação como deficiente das Forças Armadas, exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3 - O acidente de que foi vítima o ex-soldado pára-quedista NIM (...), ocorreu em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1, mas não lhe determinou incapacidade, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado
da Defesa Nacional
Excelência:

I

(...), casado, electricista, residente na Rua (...) Entroncamento, ex-soldado pára-quedista, requereu, em 15 de Setembro de 1993, ao Chefe do Estado Maior da Força Aérea, a revisão do processo relativo ao acidente que o envolveu, a fim de o mesmo e a desvalorização que sofreu serem considerados ocorridos em condições de que resultou, necessariamente, risco agravado equiparado ao serviço de campanha.

Fundamentou a sua pretensão na fractura da rótula do joelho esquerdo, no dia 10 de Junho de 1966, na cidade da Beira-Moçambique, ao embater no solo, no termo de um salto de avião em pára-quedas sob fortes rajadas de vento, e no agravamento progressivo e irreversível do resultado daquela lesão (1).

Deferida a reabertura do processo e realizada a respectiva instrução, determinou Vossa Excelência a sua remessa à Procuradoria-Geral da República com vista à emissão de parecer pelo Conselho Consultivo.

Cumpre, pois, emiti-lo.

II

A factualidade disponível constante do processo é a seguinte:

1. No ano de 1966, em Moçambique, cumpria (...) como soldado pára-quedista, nº (...), o serviço militar obrigatório.

2. No dia 19 de Junho de 1966, às 09.30 horas, na Beira, participou o requerente numa sessão superiormente programada de saltos de avião em pára-quedas.

3. No termo do salto que então empreendeu,(...), sem culpa dele nem de outrem, embateu com o joelho esquerdo no solo (2).

4. Sofreu, em consequência, fractura marginal externa da rótula - condromalácia.

5. O Comandante da 3ª Região Aérea declarou, em 26 de Agosto de 1966, que o aludido evento ocorreu em serviço.

6. A Junta de Saúde da Aeronáutica, em 17 de Abril de 1967, considerou (...) apto para o serviço de pára-quedismo, e pronto para todo o serviço, sem desvalorização, e, em 22 de Setembro de 1994, confirmou aquele resultado;

7. A Direcção de Saúde da Força Aérea declarou, em 11 de Outubro de 1994, a relação entre a lesão referida em 4, sem desvalorização, e o acidente e o serviço mencionados em 5.

8. O Serviço de Justiça e Disciplina da Força Aérea emitiu, em 25 de Outubro de 1994, parecer no sentido da existência de relação entre as lesões e o serviço sem responsabilidade do lesionado nem de outrem, com o qual concordou, em 14 de Novembro de 1994, o Comandante do Pessoal.

III

1. Alinhados os factos, vejamos o direito aplicável.
1.1. O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, é aplicável aos cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após a revisão do processo (artigo 18º, nº 2).

O requerimento de revisão do processo é dirigido, independentemente de prazo, ao Chefe do Estado Maior do respectivo ramo (nº 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março (3) .

O requerente cumpriu, assim, ao abrigo da lei, o princípio do pedido.

1.2. Dispõe, por outro lado, o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:
"2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):
"É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo esclarecem:

"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.

"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais aí não previstos, que, pela sua índole, considerando o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei".

IV

Apesar de ao requerente não haver sido atribuída incapacidade - facto que só por si inviabilizava a sua pretensão -, à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, abordar-se-á, sumariamente embora, a questão da qualificação do acidente em causa.

V

1. Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ele relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos,
àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".
"Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (4).

2. Ademais tem vindo a entender-se que o risco inerente ao salto em pára-quedas de uma aeronave surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei.

Nesta orientação tem-se afirmado que "o salto em pára-quedas de uma aeronave em voo, não obstante todas as condições de segurança de que possa ser rodeado e a perícia, por mais apurada que seja, de quem o executa, é, desde o seu início, um verdadeiro salto no desconhecido porque dominantemente sujeito aos mais diversos imponderáveis que escapam ao controle humano, o que objectivamente configura uma situação de risco tal que, pela sua gravidade, o deixa identificar naturalmente com o das situações de campanha" (5).

Com efeito, na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes - fortes e súbitas rajadas de vento, dificuldades na abertura do pára-quedas ou «enganche: noutros -, factores que aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais (6).

3. No caso em apreço não há qualquer indício de que (...) tenha contribuído, com o seu descuido ou inobservância das regras de segurança, para as lesões sofridas.
Pelo contrário, está assente que o acidente ocorreu, sem culpabilidade tanto do sinistrado como de outrem, isto é, à margem da circunstância impeditiva de classificação como D.F.A. consistente no desrespeito injustificado das condições de segurança, prevista no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.

Assim, o caso dos autos enquadra-se numa situação de risco agravado necessário, equiparável ao resultante do serviço de campanha, no quadro do condicionalismo próprio do salto em pára-quedas duma aeronave em voo.

4. O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das Forças Armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

Como do acidente não resultou para (...) incapacidade, é legalmente inviável a qualificação de deficiente das Forças Armadas, que pretende.

VI

Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:

1. O exercício de salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade com risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2. A qualificação como deficiente das Forças Armadas, exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3. O acidente de que foi vítima o ex-soldado pára-quedista NIM (...), ocorreu em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1ª, mas não lhe determinou incapacidade, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.

VOTOS

(António Gomes Lourenço Martins) Votei o parecer com a seguinte declaração. Na esteira do que disse no voto junto ao Pº nº 3/95, apreciado na mesma sessão, não é indiferente saber se no processo causal do acidente se intrometeram ou não as fortes rajadas de vento a que o requerente se refere. Em nossa opinião, só depois de se apurar essa matéria de facto, segundo as regras hoje impostas pelos artigos 87º a 93º, do Código do Procedimento Administrativos, maxime, de ónus de prova (artigo 88º, nº 1), se poderá obter a concçlusão de uma qualificação ou não de deficiente das Forças Armadas. Sobre prova - cfr. o Parecer nº 125/85, de 30-01-86).

(António Silva Henriques Gaspar) Votei em conformidade com o meu Exmº Colega Lourenço Martins.


NOTAS

1) A referência à data de 10 de Junho parece derivar de lapso, certo que a prova constante do processo é no sentido de que o evento ocorreu no dia 19 do referido mês.

2) (...) afirmou, aquando da sua audição no processo instaurado na sequência do evento, que o embate no solo resultou de forte rajada de vento, mas ninguém mais se pronunciou, no quadro probatório, sobre tal circunstância.

3) Redacção resultante do nº 1 da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

4) Pareceres nºs. 55/87, de 29 de Julho de 1987,
80/87, de 19 de Novembro de 1987, 10/89, de 2 de Abril de 1989, 19/90, de 5 de Abril de 1990, 94/90, de 25 de Outubro de 1990, 57/93, de 22 de Outubro de 1993, e 57/94, de 27 de Outubro de 1994, entre outros.

5) Cfr., neste sentido, entre outros, os pareceres nºs. 285/77, de 12 de Janeiro de 1978, e 42/82, de 1 de Abril de 1982.

6) Pareceres nºs. 4/80, de 7 de Fevereiro de 1980,
86/81, de 11 de Junho de 1981, 147/81, de 22 de Outubro de 1981, 219/81, de 4 de Março de 1982, 42/82, de 1 de Abril de 1982, 6/86, de 27 de Fevereiro de 1986, 33/86, de 29 de Julho de 1987, 44/89, de 11 de Maio de 1989, 25/90, de 12 de Julho de 1990, 89/90, de 6 de Dezembro de 1990, 89/91, de 30 de Janeiro de 1992, 24/92, de 9 de Julho de 1992, 12/93, de 1 de Abril de 1993, e 24/93, de 20 de Abril de 1993.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20.
PORT 162/76 DE 1976/03/24.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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