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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
82/1992, de 10.03.1993
Data do Parecer: 
10-03-1993
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Plano e da Administração do Território
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
PLANO MUNICIPAL
PLANO DIRECTOR MUNICIPAL
LICENCIAMENTO
LICENCIAMENTO DE OBRAS
LOTEAMENTO URBANO
ACTO ADMINISTRATIVO
NULIDADE
ANULABILIDADE
ILICITUDE
SANAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO
CASO RESOLVIDO
CASO JULGADO
AMBIENTE
DIREITOS FUNDAMENTAIS
APLICAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL
APLICAÇÃO DIRECTA
AUTARQUIA LOCAL
TUTELA ADMINISTRATIVA
ILEGALIDADE GRAVE
ÓRGÃO AUTÁRQUICO
DISSOLUÇÃO
PERDA DE MANDATO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Conclusões: 
1 - Durante o período que mediou entre a entrada em vigor do Decreto-Lei n 69/90, de 2 de Março, e a entrada em vigor dos Decretos-Leis ns 445/91, de 20 de Novembro, e 448/91, de 29 de Novembro, não existia norma específica que definisse a natureza do vício que afectava os actos administrativos de licenciamento de "obras particulares" ou de "operações de loteamento e de obras de urbanização" que violassem os planos municipais;
2 - Antes da entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, (aprovado pelo Decreto-Lei n 442/91, de 15 de Novembro) este Conselho Consultivo, acompanhando a generalidade da doutrina, considerava nulo por "natureza", mesmo na falta de lei expressa, um acto administrativo que violasse o conteúdo essencial de um direito fundamental;
3 - Na aplicação da tese referida na conclusão anterior, o acto administrativo de licenciamento de obras violador de um plano municipal, mesmo na falta de lei expressa, seria considerado nulo - nulidade por natureza - se atingisse o núcleo essencial do direito ao ambiente (artigo 66 da Constituição da República), isto é, aquele mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir;
4 - Decorrido o prazo para a impugnação de um acto de licenciamento de obras ferido de mera anulabilidade, não se pode aplicar o regime previsto no artigo 26 do Decreto-Lei n 69/90, por ter entretanto ocorrido a sanação do vício;
5 - O disposto no artigo 24 do Decreto-Lei n 69/90 aplica-se ao acto de licenciamento de obras violador do plano municipal plenamente eficaz, violação que é classificada de ilegalidade grave para efeitos de perda de mandato do membro de órgão e de dissolução de órgão autárquico;
6 - O regime previsto no artigo 24 do Decreto-Lei n 69/90 é aplicável mesmo que o acto referido na conclusão anterior seja considerado "anulável" e já tenha decorrido o respectivo prazo de impugnação;
7 - A sanação do acto "anulável" pelo decurso do tempo, só constitui caso decidido em relação aos seus efeitos directos, no caso concreto, o licenciamento de obras, mantendo o acto violador do plano municipal todas as características que levam o legislador a considerá-lo de ilegalidade grave para os efeitos previstos no artigo 24 do Decreto-Lei n 69/90;
8 - Porque o n 3 do artigo 52 do Decreto-Lei n 445/91 se apresenta com um conteúdo mais favorável do que o do artigo 24 do Decreto-Lei n 69/90, para que o acto administrativo do licenciamento de obra particular violador do plano municipal seja considerado "ilegalidade grave" deve, independentemente do tempo em que tiver sido proferido, preencher ainda os requisitos previstos naquela norma, isto é, afectar a qualidade do meio urbano e da paisagem ou implicar a degradação do património natural ou construído.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território,
Excelência:


1. Numa informação elaborada no Gabinete de Vossa Excelência sobre a «Aplicação dos artigos 24º e 26º do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março - Violação de planos municipais de Ordenamento do Território», analisava-se, criticamente, a posição da Inspecção Geral da Administração do Território, segundo a qual o regime previsto nos referidos artigos não seria aplicável às situações em que os actos de licenciamento de obras padecessem de mera anulabilidade já sanada pelo decurso do tempo, e propunha-se que fosse obtido parecer deste Conselho Consultivo sobre as seguintes questões:
«1. O regime previsto nos artigos 24º e 26º do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, aplica-se aos actos de licenciamento feridos de mera anulabilidade e já consolidados pelo decurso do tempo? Ou aplica-se apenas aos actos nulos?
«2. Os actos administrativos que violem planos municipais de ordenamento do território estão feridos de mera anulabilidade, quando não exista norma específica que imponha a sua nulidade?

Vossa Excelência concordou com esta sugestão, pelo que cumpre emitir parecer.

2. O Decreto-Lei nº 69/90 (alterado pelo Decreto-Lei nº 211/92, de 8 de Outubro) veio disciplinar o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.
No artigo 2º especifica-se que os planos municipais compreendem os planos directores municipais, que abrangem todo o território municipal, os planos de urbanização, que abrangem áreas urbanas e urbanizáveis, podendo também abranger áreas não urbanizáveis intermédias ou envolventes daquelas e os planos de pormenor, que tratam, em detalhe, áreas referidas nas alíneas anteriores.
O artigo 4º do diploma confere a natureza de regulamento administrativo aos planos municipais.

O artigo 24º estabelece:
«O licenciamento de obras em violação do plano municipal plenamente eficaz constitui ilegalidade grave para efeitos do disposto na alínea c) do nº 1 e nº 3 do artigo 9º e na alínea g) do nº 1 do artigo 13º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro».1.

O artigo 26º do mesmo diploma, sob a epígrafe «Embargo e demolição», estatui:
«1. Sem prejuízo do disposto na alínea l) do nº 2 do artigo 53º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, na redacção dada pela Lei nº 18/91, de 12 de Junho, pode o Ministro do Planeamento e da Administração do Território, em casos que considere de relevante interesse público, determinar o embargo de trabalhos ou a demolição de obras que violem plano municipal plenamente eficaz.
«2. As obras de demolição referidas no número anterior não carecem de licença municipal.
«3. As despesas com a demolição correm por conta do dono das obras a demolir e, sempre que não forem pagas voluntariamente no prazo de 20 dias a contar da notificação para o efeito, são cobradas coercivamente, servindo de título executivo certidão passada pelos serviços competentes, donde conste, além dos demais requisitos exigidos, a identificação do dono das obras e o montante da dívida.
«4. A cobrança é efectuada através do competente tribunal, nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos.
«5. A ordem de embargo ou de demolição é objecto de registo na conservatória do registo predial competente, mediante comunicação pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território do despacho que os determinou, procedendo-se aos necessários averbamentos» 2.

O Decreto-Lei nº 208/82, de 26 de Maio, (revogado pelo Decreto-Lei nº 69/90), que definia o quadro regulamentar dos planos directores municipais, dispunha no seu artigo 25º:
«São nulas e de nenhum efeito as resoluções que violem as disposições do plano director municipal».
Não tendo sido reproduzida no Decreto-Lei nº 69/90 uma norma deste teor, compreende-se a pertinência da 2ª questão, sobre a natureza do vício que afecta o acto administrativo que viole os planos municipais de ordenamento, quando não exista norma específica que imponha a sua nulidade.
Permita-se, aliás, que se inverta a ordem das questões, estudando-se, antes de mais, Segunda, pois a primeira contém já implícita a ideia de que poderá haver actos violadores de planos municipais feridos de mera anulabilidade.


3. O acto de licenciamento de obras em violação do plano director municipal era, como se viu, nulo e de nenhum efeito, no âmbito da vigência do Decreto-Lei nº 208/82.
O Decreto-Lei nº 69/90 deixou em aberto o vício que afectaria um acto com tal conteúdo, embora o considere «ilegalidade grave».
O Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, que entrou em vigor 90 dias após a sua publicação (artigo 75º), revogou o Decreto-Lei nº 166/70, de 16 de Abril, e aprovou um novo regime de licenciamento de obras particulares.

Deste diploma interessa conhecer as seguintes disposições:
«Artigo 52º
Nulidade do licenciamento
1 São nulos os actos administrativos que:
a) Não tenham sido precedidos de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis ou não estejam em conformidade com os mesmos, quando de natureza vinculativa e sem prejuízo do disposto no presente diploma;
b) Violem o disposto em plano regional de ordenamento do território, plano municipal de ordenamento do território, normas provisórias, área de desenvolvimento urbano prioritário, área de construção prioritária ou alvará de loteamento em vigor.
2 Constitui negligência grave deixar de promover a consulta às entidades a que se refere a alínea a) do número anterior, nos prazos fixados neste diploma.
3 As situações previstas na alínea b) do nº 1 que afectem a qualidade do meio urbano e da paisagem ou impliquem a degradação do património natural e construído constituem ilegalidade grave, para os efeitos do disposto na alínea c) do nº 1 e do nº 3 do artigo 9º e na alínea g) do nº 1 do artigo 13º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro.
4 Nas situações previstas no nº 1, o município fica obrigado a indemnizar os prejuízos causados».
...........................................................................................................

«Artigo 57º
Embargo
1. O presidente da câmara municipal, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei a outras entidades, é competente para embargar as obras executadas em violação ao disposto no presente diploma, com excepção daquelas a que se refere a alínea c) do nº 1 do artigo 3º 3.
................................................................................................................»

«Artigo 58º
Demolição da obra e reposição do terreno

1. O presidente da câmara municipal, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei a outras entidades, pode ainda, quando for caso disso, ordenar a demolição da obra e ou a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da data de início das obras referidas no artigo anterior, fixando para o efeito o respectivo prazo.
2. Sempre que, em caso de violação de instrumento de planeamento territorial, se verifiquem razões de interesse público, o Ministro do Planeamento e Administração do Território pode ordenar a demolição da obra e ou a reposição do terreno, notificando previamente a câmara municipal para actuar em conformidade.
...........................................................................................................»

Por seu turno, o Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, (que entrou em vigor, salvo algumas disposições sem interesse na economia do parecer, 120 dias após a sua publicação - artigo 73º), aprovou o regime jurídico dos loteamentos urbanos.
No Decreto-Lei nº 448/91 encontram-se disposições paralelas às já transcritas do Decreto-Lei nº 445/91.

Assim, o artigo 56º do Decreto-Lei nº 448/91, sob a epígrafe nulidades, estabelece:
«1. São nulos os actos administrativos respeitantes a operações de loteamento, a obras de urbanização e a quaisquer obras de construção civil:
a) Que não tenham sido precedidas de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis ou não estejam em conformidade com os mesmos quando de natureza vinculativa;
b) Que violem o disposto em instrumento de planeamento territorial, normas provisórias, áreas de desenvolvimento urbano prioritário ou áreas de construção prioritária.
2. As situações previstas na alínea b) do número anterior constituem ilegalidade grave para efeitos do disposto na alínea c) do nº 1 e do nº 3 do artigo 9º e na alínea g) do nº 1 do artigo 13º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro.
3. São nulos os actos jurídicos praticados em violação ao disposto no artigo 53º».

E continua o artigo 61º:
«Embargo de obras
Os presidentes das câmaras municipais e das comissões de coordenação regional, sem prejuízo das atribuições cometidas por lei a outras entidades, são competentes para embargar operações de loteamento, obras de construção e urbanização, executadas com desrespeito das normas legais e regulamentares em vigor».

Conheça-se ainda o artigo 62º:
«Demolição e reposição do terreno
1. O Ministro do Planeamento e da Administração do território e os presidentes das câmaras municipais podem ordenar a demolição das obras referidas no artigo anterior e a reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes da infracção, fixando, para o efeito, o respectivo prazo.
...................................................................................................................».

Verifica-se assim que a partir da entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 445/91 e 448/91, os actos administrativos de licenciamento de obras particulares ou de loteamento urbanos que violem os planos municipais do ordenamento de território são nulos.
As obras que eventualmente se venham a realizar podem ser embargadas pelos presidentes das câmaras municipais e pelo Ministro do Planeamento e Administração do Território, que têm também competência para ordenar a demolição das obras e a reposição do terreno nas condições em que se encontrava anteriormente 4.
Porém, durante o período que medeou entre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 69/90 e a entrada em vigor dos Decretos-Leis nos 445/91 (para o licenciamento de obras) e 448/91 (para o licenciamento de loteamentos), não existia norma que definisse a natureza do vício que afectava o acto administrativo que violasse os planos municipais, sendo certo que antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 69/90 um tal acto apresentar-se-ia ferido de nulidade 5.


4. Ainda que manifestando estranheza por esta flutuação legislativa 6, é momento de, cingindo-nos à pergunta, verificar que vício afecta um acto administrativo que viole um plano municipal de ordenamento do território, quando não exista norma específica que imponha a sua nulidade.

4.1. Uma primeira tentativa de resposta debalde poderia ser procurada no Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, que no seu artigo 133º define como nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei assine expressamente essa forma de invalidade - nº 1, acrescentando no nº 2 que são actos nulos, designadamente, os que enumera numa série de alíneas de que interessa conhecer a alínea d): «Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental»7.
Acontece, porém, que o Código referido só entrou em vigor seis meses após a publicação do diploma que o aprovou - artigo 2º do Decreto-Lei nº 442/91, ou seja, em momento ulterior ao dos referidos Decretos-Leis nºs 445/91 e 448/91, e a legalidade do acto é de aferir pelo quadro jurídico vigente ao tempo da sua prolação.

4.2. Antes da entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, a jurisprudência e a doutrina debatiam-se com o problema de saber se o princípio, segundo o qual os vícios do acto determinam a mera anulabilidade, só se verificando a respectiva nulidade nos casos expressamente previstos na lei, se mantinha como regra geral do nosso direito administrativo 8.
A ideia de que a nulidade só decorria nos casos expressamente previstos na lei tinha até, e face ao artigo 363º do Código Administrativo, um carácter mais restrito, dado que só seriam nulas «unicamente» as deliberações ali indicadas 9.
Contudo, o artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, deixando cair o advérbio «unicamente» ao referir-se aos casos de deliberações que seriam nulas, arredou o pretenso carácter taxativo das nulidades; aliás, embora o diploma se reporte directamente às deliberações dos órgãos autárquicos, sempre o preceito foi aplicado por analogia «aos actos de todos os órgãos da Administração pública portuguesa» 10.
Estas nulidades, previstas no referido artigo 88º e noutras leis especiais, seriam as nulidades por determinação da lei, a que se juntariam as nulidades que «por natureza consubstanciam casos em que, por razões de lógica jurídica, o acto não pode deixar de ser nulo, por isso que seria totalmente inadequado o regime da simples anulabilidade» 11.


Aliás a generalidade da doutrina defendia esta tese 12 e 13.
E, neste mesmo sentido, propendia o Conselho Consultivo. No Parecer nº 36/89 14, invocando a doutrina de FREITAS DO AMARAL e MARCELO REBELO DE SOUSA15, concluiu-se que, mesmo sem lei expressa, a violação do conteúdo essencial de um direito fundamental, ou seja, daquele mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir, constitui nulidade 16.

4.3. Sintetizando e aplicando esta doutrina, dir-se-á que o acto administrativo que viole um plano municipal, mesmo na ausência de lei expressa, será nulo na medida em que venha atentar contra o «conteúdo essencial de um direito fundamental».
Os planos municipais, como planos de ordenamento do território, serão um dos múltiplos elementos que contribuem para a realização do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado que a nossa Constituição consagra no seu artigo 66º.
É o próprio legislador que claramente assume esta postura, quando, por exemplo, no artigo 5º da Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente), aponta a integração da expansão urbano-industrial na paisagem como factor condicionante da qualidade de vida, e define ordenamento do território como «processo integrado da organização do espaço biofísico, tendo como objectivo o uso e a transformação do território, de acordo com as suas capacidades e vocações, e a permanência dos valores de equilíbrio biológico e de estabilidade geológica, numa perspectiva de aumento da sua capacidade de suporte de vida» - alínea b) do nº 2 do referido artigo 5º 17 .
Mais à frente, o nº 2 do artigo 17º daquela Lei precisa que «o ordenamento do território e a gestão urbanística terão em conta o disposto na presente lei, o sistema e orgânica do planeamento económico e social e ainda as atribuições e competências da administração central, regional e local».

O artigo 18º da Lei de Bases do Ambiente estabelece:
«1º Em ordem a atingir os objectivos consignados na presente lei, no que se refere à defesa da paisagem como unidade estética e visual, serão condicionados pela administração central, regional e local, em termos a regulamentar, a implantação de construções, infra-estruturas viárias, novos aglomerados urbanos ou outras construções que, pela sua dimensão, volume, silhueta, cor ou localização, provoquem um impacto violento na paisagem preexistente, bem como a exploração de minas, pedreiras, evacuação e acumulação de resíduos e materiais usados e o corte maciço do arvoredo» 18.

E o artigo 27º daquele diploma consagra como instrumento de política de ambiente e do ordenamento do território, entre outros, os planos regionais de ordenamento do território, os planos directores municipais e outros instrumentos de intervenção urbanística - alínea e).

O artigo 51º dispõe:
«Todos os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto no presente diploma serão obrigatoriamente publicados no prazo de um ano a partir da data da sua entrada em vigor» 19 .

Enquanto o artigo 52º estabelece:
«1 Na parte que não necessita de regulamentação, esta lei entra imediatamente em vigor.
«2 As disposições que estão sujeitas a regulamentação entrarão em vigor com os respectivos diplomas regulamentares».

Perante uma falta de regulamentação desta Lei de Bases, poder-se-ia pretender ver o artigo 66º da Constituição como uma norma programática ainda não devidamente concretizada pelo legislador.
Mesmo que assim se quisesse 20, sublinhe-se que o artigo 66º da Constituição está integrado no Capítulo II - «Direitos e deveres sociais» - do Título III - «Direitos e deveres económicos, sociais e culturais» - da Parte I - «Direitos e deveres fundamentais» 21.
Escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em anotação àquele artigo :
«Na verdade, não se trata apenas de um direito positivo a uma acção do Estado, no sentido de defender o ambiente e de controlar as acções poluidoras do ambiente (nº 2). Trata-se também de um direito negativo, isto é, de um direito à abstenção, por parte do Estado ou de terceiros, de acções atentatórias do ambiente
..........................................................................................................
«As tarefas estaduais impostas pela realização do direito ao ambiente traduzem-se em não perturbar o ambiente ou impedir que ele seja ofendido e em repor o equilíbrio fundamental, quando perturbado ou degradado»22.
Segundo o artigo 18º, nº 1, 1ª parte, da Constituição, as normas sobre os direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis, «o que quer dizer que a sua aplicação não está dependente de intermediação legislativa» 23 .
De acordo com o artigo 17º da Constituição, «o regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no Título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga».
Para conhecer quais os direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, torna-se necessário aprofundar o conhecimento da sua estrutura, tarefa complexa, pois os mesmos são heterogéneos, não sendo possível encontrar um denominador comum, «sendo temerário avançar com um critério geral e abstracto de solução. O máximo até onde se poderá porventura ir é que beneficiarão, em princípio, do regime específico dos direitos, liberdades e garantias os restantes direitos fundamentais que se apresentem como direitos negativos (como direitos à abstenção do Estado) ...» 24.

Visando directamente os «direitos económicos, sociais e culturais», precisam aqueles autores:
«... a maior parte dos chamados direitos sociais possui, além da sua característica componente positiva, também uma componente negativa, que se traduz num direito à abstenção do Estado (ou de terceiros)» 25.

Por isso, no Parecer nº 36/89, se afirmou:
«Viola, pois, o preceito fundamental em causa (o artigo 66º) o acto administrativo do Estado que não respeite o direito aí consagrado, como seja aprovando obras ou construções que contribuam para a poluição e degradação do ambiente.
.......................................................................................................
«Ora, cabendo ao Estado, por um lado, abster-se da prática de actos atentatórios do ambiente, do direito ao ambiente, deve igualmente entender-se que desrespeitam o referido preceito fundamental os actos administrativos do Estado que não respeitem o conteúdo essencial do direito em causa, segundo as circunstâncias do caso concreto.
«Esses actos devem, é certo, ser confrontados, em primeiro lugar, com as leis publicadas em conformidade com o referido preceito constitucional. Mas, na falta de lei mediadora, os actos devem entender-se que o violam se, como se disse, não respeitarem o conteúdo essencial do direito, isto é, aquele mínimo sem o qual esse direito fundamental não pode subsistir («(x) Com interesse, e em sentido idêntico, cf. a anotação de MARIA JOSÉ CIAURRIZ, em Anuário de Derecho Eclesiástico del Estado, vol. III, 1987, p. 274, a propósito da falta de regulamentação do preceito constitucional que, em Espanha, consagra «la objeción de conciência»:
«Y en relación con este precepto hace las siguientes consideraciones: «El hecho de que el artículo 30, 2, disponga que la ley regulará con las debidas garantías la objeción de conciencia mientras el legislador ordinario no desarrolla dicho precepto constitucional. El desarrollo normativo de este derecho se requiere para la plena operatividad y eficacia del derecho, no para su reconocimiento que se deduce ya de los preceptos invocados. La demora en la regulación del derecho por el legislador ordinario no puede impedir la protección del derecho constitucional cuanto menos en un contenido mínimo, ya que lo contrario supondría la negación de un derecho reconocido por la Constitución; en consecuencia, y mientras no se produzca la regulación legal, el objector tiene derecho a que se aplace su incorporación a filas [...]».
x) .
......................................................................................................
«Na sequência do exposto, tanto basta para se qualificar de nulidade, e não de mera anulabilidade (-), o vício dos actos administrativos que violem, nos precisos limites atrás apontados, o referido preceito fundamental».

4.4. Assente que um acto administrativo que atente contra a componente negativa do direito ao ambiente constitucionalmente consagrado estará ferido de nulidade se afectar o conteúdo essencial deste direito, e, concretamente, que um acto administrativo que viole os planos municipais poderá eventualmente estar ferido de nulidade se a violação atingir a própria essência do direito ao ambiente, independentemente de lei expressa que fulmine com a nulidade o dito acto, permitam-se algumas considerações mais.
A nulidade e a anulabilidade têm regimes e consequências jurídicas profundamente distintas.

Segundo FREITAS DO AMARAL são traços característicos da nulidade:
O acto nulo é totalmente ineficaz desde o início;
A nulidade é insanável;
Os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um acto nulo;
Os particulares têm o direito de resistência passiva;
O acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo;
O pedido de reconhecimento da existência de uma nulidade num acto administrativo pode ser feito junto de qualquer tribunal.

A anulabilidade - escreve o mesmo autor, - «tem características contrárias» às da nulidade, a saber:
O acto anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado em tribunal administrativo;
A anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão;
O acto anulável é obrigatório, não sendo possível opor-lhe qualquer resistência;
O acto anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo estabelecido por lei, normalmente um prazo curto 26.
Além do mais, a nulidade permanece no tempo, a anulabilidade é sanável pelo decurso do tempo.
O interesse prático desta diferença para o caso concreto ver-se-á infra (nº 5), mas adiante-se desde já que ela é fundamental nas relações entre Administração e administrados.
Ponderando que «o conteúdo essencial de um direito fundamental» de contornos tão fluídos como o direito ao ambiente «sadio e ecologicamente equilibrado» se apresenta de difícil e complexa equação, e tendo presente que a nossa jurisprudência, a quem esta confiada a sindicabilidade dos vícios dos actos administrativos, tem resistido a considerar situações de nulidade fora de um quadro de lei expressa, o intérprete deverá ser moderado na avaliação do desvalor de um acto que atinja o referido direito fundamental.
A ordem de valores e interesses públicos que o integram devem mostrar-se gravemente subvertidos, em situação tal que a própria natureza das coisas postule para o acto administrativo um irrecusável regime de «nulidade».
Será, por certo, situações-limite, de agressões insuportáveis ao ambiente, que a lógica jurídica induzirá, com segurança, a aplicação das consequências decorrentes da nulidade a um acto administrativo violador de um plano municipal, produzido num quadro normativo que não contemple expressamente para a hipótese a nulidade.
Ainda aqui a prudência aconselha que a execução das medidas decorrentes do reconhecimento desta nulidade por «natureza» e que se destinem a atingir os direitos ou interesses dos particulares, nomeadamente a demolição, só ocorra após se ter concedido o tempo necessário para que os tribunais, se o interessado assim o demandar, se pronunciem ou não sobre a eventual suspensão da eficácia do acto 27, salvo se os interesses públicos e os valores em causa se desenharem de um modo que permita esperar que a conhecida tendência jurisprudencial não virá a reafirmar-se no caso concreto 28.


5. Está subentendido que, na falta de lei expressa, uma violação de um plano municipal sem que se atinja o «conteúdo essencial do direito ao ambiente» determinará a mera anulabilidade do acto administrativo em causa 29.
Com esta referência, é momento de abordar a primeira questão:
«O regime previsto nos artigos 24º e 26º do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, aplica-se aos actos de licenciamento feridos de mera anulabilidade e já consolidados pelo decurso do tempo? Ou aplica-se apenas aos actos nulos?».

5.1. A pergunta contém ínsita uma premissa que importa antes de mais circunscrever: o decurso do tempo deixa intocada a «nulidade» do acto administrativo.

É o que está consagrado no nº 2 do artigo 134º do Código do Procedimento Administrativo:
«A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal».

Note-se, no entanto, o nº 3 do mesmo artigo:
«O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito».
Ressalvam-se com este preceito certas situações de facto surgidas à sombra de actos nulos, «em homenagem ao princípio de justiça e ao princípio de tutela da confiança» 30.
Esta limitação poderá vir a condicionar, por exemplo, a aplicação do disposto no artigo 26º do Decreto-Lei nº 69/90, quando a obra, ainda que construída à sombra de um acto nulo, estiver há largos anos concluída 31.

5.2. «O acto anulável é eficaz e obrigatório até que ocorra a sua revogação ou seja contenciosamente anulado.
Decorrido o prazo para a impugnação, sem que tenha sido interposto recurso contencioso, o vício de que o acto enferme considera-se sanado e o acto fica consolidado» 32.
O prazo para a impugnação dos actos anuláveis é normalmente curto 33, por razões de certeza e segurança jurídica, evitando-se que paire «indefinidamente a dúvida sobre se os actos da Administração são legais ou ilegais, são válidos ou inválidos. É preciso que ao fim de algum tempo, razoavelmente curto, cessem as dúvidas e os actos da Administração possam claramente ser definidos como válidos ou inválidos» 34.
De outro modo, «a vida jurídica tornar-se-ia impossível, e a própria actividade económica e social ficaria completamente paralisada, acumulando-se prejuízos para todos.
...........................................................................................................
«A sanação dos actos administrativos pode operar-se por um de dois modos:
por acto administrativo secundário;
por efeito automático da lei (ope legis);
...........................................................................................................
«Quanto à sanação ope legis, ela resulta no direito português do facto de decorrer integralmente o prazo fixado para a interposição de recurso contencioso sem que nenhuma das entidades com legitimidade para tanto interponha efectivamente recurso.
............................................................................................................
«Tudo se passa, a partir daí, como se o acto nunca tivesse sido ilegal - o acto já não pode ser revogado com fundamento em ilegalidade, já não poderá ser contenciosamente impugnado, etc». 35.

Ou, como já precisava MARCELLO CAETANO:
«Não sendo impugnada a sua validade dentro do prazo de recurso, não pode mais invocar-se a invalidade, por ataque directo ou em defesa, o que equivale à eliminação do vício, à conversão do acto viciado em acto são e ao desamparo dos direitos subjectivos ofendidos, uma vez que se verificou a caducidade do direito de acção que lhes respeita» 36.
Sanado o acto anulável, tudo se passa, em princípio, entre a Administração e os particulares que com ela entraram em relação, como se o acto fosse válido.
E, na circunstância de o acto ser constitutivo de direitos ou de interesses legalmente protegidos, como será o caso de um acto de licenciamento de uma obra, o acto é irrevogável, salvo o acordo do interessado 37.
O particular, beneficiário de acto «anulável» de licenciamento de obra, decorrido o prazo de impugnação, viu definitivamente estabilizada a sua relação jurídica com a Administração, adquiriu o direito que aquele acto lhe quis atribuir, direito de que só poderá ser despojado com a sua concordância.
A doutrina hesita sobre se a sanação do acto opera no plano da legalidade ou também no da licitude, quando pretende inquirir se cessou ou não a obrigação de indemnizar que em princípio recai sobre a Administração no caso de o acto ter causado prejuízos a outrem.
Escreve FREITAS DO AMARAL:
«Para certos autores, a sanação torna válido o acto no plano da legalidade, mas não apaga a sua ilicitude; sanado o acto não é mais possível revogá-lo com fundamento em ilegalidade ou anulá-lo contenciosamente, mas a Administração continua obrigada a indemnizar os particulares pelos prejuízos que lhes tiver causado por ter praticado um acto ilícito.
«Para outros, a sanação faz desaparecer globalmente o carácter antijurídico do acto, apagando a ilegalidade e a ilicitude, mas a responsabilidade da Administração mantém-se, não já nos termos da responsabilidade por acto ilícito, mas a título de responsabilidade por acto lícito (....).
«Enfim, para uma terceira corrente de opinião, a sanação não convalida o acto administrativo ilegal, isto é, não elimina a sua ilegalidade nem a sua ilicitude - apenas significa que todos os interessados perderam o direito de recorrer contenciosamente do acto, e nada mais» 38.
A economia do parecer dispensa, (ver, porém, infra nº 5. 4. 3), um compromisso com qualquer das apontadas soluções 39, que interessam, além do mais, para determinar a responsabilidade da Administração pelos prejuízos que o acto ilícito venha a causar aos particulares que não sejam os destinatários dos seus efeitos directos.
No plano das relações com a Administração, o particular pode exigir que os seus direitos e interesses legalmente protegidos, outorgados em acto administrativo anulável, decorrido o prazo da impugnação, sejam respeitados; assim o exigem a certeza e a segurança jurídica.

5.3. Deixando para análise posterior a situação contemplada no artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90, recorde-se que, nos termos do artigo 26º do mesmo diploma, o Ministro do Planeamento e da Administração do Território, em casos que considere de relevante interesse público, pode determinar o embargo de trabalhos ou a demolição de obras que violem um plano municipal plenamente eficaz 40.

Escreve LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, em anotação a este artigo:
«1. A ordem de embargo dos trabalhos e de demolição das obras a que se refere o nº 1 do presente artigo depende do reconhecimento, que deve ser devidamente fundamentado, de que a mesma se destina a satisfazer relevante interesse público. Afigura-se, porém, que este interesse público relevante há-de ser de ordem supramunicipal, sem o que o Governo se limitaria a substituir-se à câmara municipal na gestão dos interesses que a esta estão confiados (Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, artigo 56º, nº 2, alínea g) ), o que violaria o disposto no nº 1 do artigo 243º da Constituição.
.....................................................................................................
3. Os trabalhos podem ser embargados e as obras podem ser demolidas, nos termos do nº 1 do preceito, independentemente de se encontrarem, ou não licenciados pelo município. Efectivamente, a ordem de embargo ou de demolição pode ser produzida, com observância dos requisitos fixados, precedendo simples constatação de desconformidade com plano municipal plenamente eficaz, o que pode verificar-se ainda que ocorra o citado licenciamento».

A hipótese equacionada cinge-se a um acto de licenciamento para uma operação de loteamento ou para uma obra particular produzido em desconformidade com o plano municipal, num quadro normativo que considere um tal acto administrativo apenas «anulável».
Ainda que o simples decurso do tempo não venha a harmonizar a «obra» licenciada com o «plano», permanecendo naturalisticamente a desconformidade, e, por isso, o pressuposto fáctico para a actuação daquele membro do Governo, a verdade é que, ao nível jurídico, o particular, decorrido o prazo para a impugnação, passa a deter um licenciamento válido e intocável.
Ou seja, a referida desconformidade torna-se irrelevante no plano jurídico, perdendo assim o Governo o suporte jurídico para poder intervir, emitindo a ordem de embargo ou de demolição.
A segurança e a certeza jurídica, a imperiosa estabilidade das relações jurídico-económicas postulam que o particular, decorri-do o prazo de impugnação de um licenciamento ferido de mera anulabilidade, ganhe a tranquilidade de prosseguir e concluir os trabalhos e obras para os quais possui autorização.
Dir-se-á que a solução encontrada deixa sem possibilidades de intervenção a Administração Central face a situações que se devem considerar alarmantes, repugnando à consciência jurídica que o efeito da sanação possa levar ao extremo de cobrir uma tal ilegalidade que a lei considera de grave.
Perante um quadro com esta intensidade, seria de ponderar se o conteúdo essencial do direito ao ambiente não teria sido atingido, para concluir pela nulidade «por natureza» do acto de licenciamento, nulidade que, permanecendo no tempo, justificaria a intervenção do membro do Governo.
Conhece-se, porém, a tendência da nossa jurisprudência em só considerar nulidades as consagradas expressamente na lei.
Por isso que, fracassada esta possibilidade, restaria ainda verificar se outros instrumentos, porventura mais onerosos 41, mas igualmente eficazes 42, não conseguiriam alcançar o mesmo resultado final.

5.4. Abordando, agora, o artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90, segundo o qual «o licenciamento de obras em violação do plano municipal plenamente eficaz constitui ilegalidade grave para efeitos do disposto na alínea c) do nº 1 e no nº 3 do artigo 9º e na alínea g) do nº 1 do artigo 13º da Lei nº 87/89, de 9 de Setembro», é momento de conhecer o que dispõem estas normas.
A Lei nº 87/89, que disciplina a tutela das autarquias locais e das associações de municípios de direito público, estatui no seu artigo 9º:
«1. Perdem o mandato os membros dos órgãos autárquicos que:
...................................................................................................
c) Incorram, por acção ou omissão, em ilegalidade grave ou numa prática continuada de irregularidades, verificadas em inspecção, inquérito ou sindicância, e expressamente reconhecidas como tais pela entidade tutelar;
....................................................................................................
3. Constitui ainda causa de perda de mandato a verificação, em momento posterior ao da eleição, por inspecção, inquérito ou sindicância, de prática por acção ou omissão, de ilegalidade grave ou de prática continuada de irregu-laridades, em mandato imediatamente anterior exercido em qualquer órgão de qualquer autarquia».
...........................................................................................................

E, no artigo 13ª:
«1. Qualquer órgão autárquico pode ser dissolvido pelo Governo:
...................................................................................................
g) Em consequência de quaisquer outras acções ou omissões ilegais graves que, nos termos da lei, constituam causa de dissolução.
........................................................................................................».

O licenciamento de obras em violação do plano municipal pode, pois, acarretar a perda do mandato dos membros do órgão autárquico e até a dissolução deste; é considerado uma ilegalidade grave 43.
Patenteia-se aqui uma particular expressão do poder tutelar da Administração Central sobre a Administração Local, tutela entendida como o poder conferido a um órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva, no intuito de coordenar os interesses próprios da tutelada com os interesses, mais amplos, representados pelo órgão tutelar 44.
Hoje, porém, a intervenção estatal no município tem por objecto apenas a fiscalização da legalidade, segundo dispõe o nº 1 do artigo 243º da Constituição:
«A tutela administrativa sobre as autarquias locais consiste na verificação do cumprimento da lei por parte dos órgãos autárquicos e é exercida nos casos e segundo as formas previstas na lei».

5.4.1. Face a um acto administrativo «anulável», porque violador de um plano municipal, uma primeira aproximação permitiria defender que, decorrido o prazo de impugnação do acto, ocorrida a sanação, a ilegalidade esfumar-se-ia, pelo que a disciplina do artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90 não poderia já ser aplicada.
Mas, se assim fosse, a aplicação ou não do disposto neste artigo dependeria, eventualmente, de um facto estranho aos membros do órgão autárquico ou ao próprio órgão autárquico que tenham incorrido nessa ilegalidade.
Os limites temporais para decretar a perda de mandato ou a dissolução do órgão estariam ligados à interposição do recurso por um terceiro prejudicado, o que poderia vir a desencadear profundas desigualdades se, perante um idêntico acto administrativo, a reacção tutelar se fizesse sentir após o decurso do prazo para a interposição do recurso e só num deles esta faculdade tivesse sido utilizada.

5.4.2. No Parecer nº 19/87 45, analisando-se a alínea e) do nº 1 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, de teor semelhante à alínea c) do nº 1 do artigo 3º da Lei nº 87/89, concluiu-se que «perdem o mandato os membros eleitos dos órgãos autárquicos que incorram na situação descrita na disposição referida na conclusão anterior, não só quando as ilegalidades e irregularidades são praticadas e conhecidas durante o mesmo mandato, mas também quando são praticadas durante um mandato e só no decurso do(s) mandato(s) seguinte(s) vêm a ser verificadas em inspecção, inquérito ou sindicância e expressamente reconhecidas como tais pela entidade tutelar».
Foi o que o nº 3 do artigo 9º da Lei nº 87/89 veio, em parte, expressamente consagrar, fazendo perdurar ilegalidades praticadas em mandatos imediatamente anteriores.
A Lei nº 87/89 não condiciona a aplicação daquelas medidas de perda de mandato à prática de actos administrativos nulos, mas apenas à prática de ilegalidades que sejam classificadas de «graves».
O facto de um determinado acto vir a ser considerado «ilegalidade grave» num plano, enquanto se apresenta como válido num outro, só será surpreendente quando não se atente na multiplicidade de interesses contrastantes que se podem conjugar num acto administrativo ilegal.

5.4.3. Perante um acto administrativo ilegal, mas meramente anulável, a certeza e a segurança jurídica justificam que ele se torne intocável; estabilizando as relações jurídicas entre o destinatário directo e a Administração autora do acto, tornando-se «caso resolvido ou caso decidido, com efeitos análogos aos do caso julgado, havendo que ter na devida conta todos os seus efeitos, que se mantêm na ordem jurídica» 46.
Mas como adverte ESTEVES DE OLIVEIRA, «a sanação da invalidade relativa reporta-se, é evidente, apenas, aos efeitos do acto e não directamente à ilegalidade ou vício verificado» 47 .

Do mesmo modo esclarece ERNST FORSTHOFF 48:
«El derecho que le era inherente, queda subsanado con el transcurso del tiempo, como suele decirse con expresión no del todo exacta; pues un defecto que radica en la infracción del Derecho, o sea un defecto objetivo, no puede desa-parecer por una conducta subjectiva como es el dejar de hacer uso de un recurso. El acto administrativo subsiste, pues, como defectuoso, pero su defectuosidad deja de ser estimada por el ordenamiento jurídico».

Ou como escreve Pietro Virga 49:
«L'atto amministrativo invalido lesivo di interessi legittimiti si consolida con il decorso del termine entro il quale l'interessato avrebbe potuto proporre ricorso ammisnistrativo o giurisdizionale (-). L'atto rimane sempre invalido, nonostante il decorso del termine e quindi rimane sempre aperta la possibilità di un annullamento di ufficio, ma tale invalidità non potrà più essere fattta valere dall'interessato, neanche incidentalmente in occasione dell'impugnativa di un successivo atto amministrativo (-). perchè ormai l'atto è divenuto inoppugnabile, essendo decorso il termine perentorio entro cui avrebbe dovuto proporsi il ricorso».

FREITAS DO AMARAL defende que a sanação do acto não apaga a sua ilicitude, pois a Administração continua obrigada a indemnizar os particulares pelos prejuízos que lhes tiver causado por ter praticado um acto ilícito 50.
Registe-se também o que, a propósito, escreveu ROGÉRIO SOARES:
«.................................................................................................
«Se, como vimos, a actividade administrativa, pela sua determinação fundamental pelo interesse público, não pode receber uma qualificação positiva em sede de licitude, se em todas as circunstâncias ela tiver de aparecer como um exercício dum poder proposto ao serviço desse interesse, isso não tolhe, todavia, que tenha de aceitar-se a hipótese de o próprio exercício desse poder vir a ser considerado como facto, e, nessa qualidade, interferir com as esferas da actividade livre de sujeitos jurídicos estranhos à administração; e, por essa via, receber uma qualificação jurídica de ilicitude. Isto é: pode o próprio exercício do poder ser considerado como um facto, e nesse sentido ser valorado pela ordem jurídica. Dessa maneira, a ilegalidade do comportamento da Administração pode ser origem de uma ilicitude. Mas pode também o próprio comportamento ser diferentemente valorado sob as duas espécies de considerações e, ao mesmo tempo que a ordem jurídica lhe reconheça a idoneidade de valer como acto, lhe determine, porém, sanções de ilicitude. O que não deve causar estranheza, pois são inteiramente independentes as razões determinantes dos dois tratamentos. Se na base de cada um se encontra sempre o interesse público, não deve esquecer-se que esse é o interesse público primário; e que só as normas de possibilidade se dirigem à satisfação imediata de interesses secundários» 51.

E, mais à frente, prossegue este autor 52:
«... enquanto com o recurso à ideia de legitimidade se quer traduzir a situação puramente estática de adequação a um certo tipo de preceitos, com o de validade o que se tem em vista é significar uma consideração dinâmica do acto, assinalar a possibilidade de produção dos efeitos jurídicos normais (-).
«Não há assim coincidência entre os dois conceitos nem sequer uma correspondência necessária.
...................................................................................................
«O que de facto se passa, é que o vício do acto fica sanado sob a espécie de invalidade, isto é, a partir desse momento, com base nesse vício, não poderá mais deixar de se acatar o acto como produtor dos efeitos a que se dirigia 53. O acto não só tem de vir a ser considerado desde a origem um acto válido, como de facto o é. Vícios de legalidade ou de mérito que porventura existissem não podem mais ser tidos em conta para os efeitos em causa; deles não pode mais extrair-se quaisquer consequências no que toca à eficácia normal e directa do acto.
«Mas isto, é evidente, não pode significar que o vício tenha desaparecido, pois a sua avaliação (...) tem de referir-se ao momento da prática do acto. Se o acto era ilegal, não foi o decurso do prazo que o tornou conforme à lei; se era inoportuno ou inconveniente, não se tornou adequado só porque decorreu um certo tempo (...). Sendo a ilegitimidade uma pura inadequação a certo número de preceitos, é mais que primário que o acto não vai ser alterado na sua fisionomia só pelo rodar do tempo».
Pese esta longa transcrição, que permitiu iluminar no acto administrativo os efeitos a que se dirige - no caso concreto - o licenciamento da obra; o vício que o afectava, a violação do plano municipal, determinante de uma mera «anulabilidade», esgotado o prazo da sua impugnação, jamais poderá ser chamado para o definir, nas relações entre a Administração e o titular do direito ou interesse emanado directamente do acto.
Para aquele efeito, o vício está sanado, o acto torna-se intocável, pelo que deve ser tratado como um acto válido 54.
Mas a situação de um tal acto, inquinado na origem de um vício que o feria de «anulabilidade», será a de um caso resolvido que se deve equiparar a um caso julgado formal, vinculativo para a Administração e para o aquele titular do direito ou interesse , mas já não apresentará a força de um caso julgado material.

Transcreva-se novamente de ROGÉRIO SOARES:
«E só poderá falar-se numa força de caso julgado se o acto tiver que ser acatado em todos os seus efeitos, até por entidades que não tenham o poder de influir sobre a vida dele ...................................................................................................
«O problema do caso julgado material não está conexo com a natureza do acto (-), mas com a necessidade de fornecer a adequada satisfação de certas exigências acolhidas pela lei. Ora, são justamente essas exigências que são estranhas ao processo de consolidação do acto administrativo. Aqui aparece na primeira fila o interesse público específico, que pode conceder uma definitiva imobilização do acto, mas não impõe que, além disso, o equilíbrio conseguido tenha de valer em todas as circunstâncias como um caso julgado.
«Por isso não pode falar-se de um caso julgado material do acto administrativo, mesmo nas hipóteses em que ele é irrevogável» 55.
Compreenda-se que, fora da relação Administra-ção-beneficiário, o decurso do tempo, o esgotar do prazo de impugnação, não altera a fisionomia do acto que manterá as suas características originárias; os interesses públicos subjacentes a toda a actividade administrativa ajudam a compreender que, apesar de considerado válido num plano, o acto possa continuar ilícito não só para efeitos de responsabilidade por perdas e danos da Administração, como manter a sua gravidade para fazer intervir o poder tutelar.
Nestes termos, o «equilíbrio conseguido» com o decurso do prazo de impugnação não chega, portanto, para retirar ao desvalor do acto de licenciamento de obra com violação do plano municipal a natureza de ilegalidade grave para os efeitos previstos no artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90, mesmo que o acto em causa deva apenas ser considerado meramente anulável.


6. O artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90 classifica de «ilegalidade grave», para os efeitos já conhecidos de perda de mandato de membro de órgão autárquico e de dissolução de órgão autárquico, o licenciamento de obras com violação do plano municipal.

6.1. Por licenciamento de obras deve entender-se tanto o licenciamento de «loteamentos» e obras de urbanização como o licenciamento de «obras particulares»; é o que decorre dos Decretos-Leis nºs 445/91 e 448/91.
Nestes diplomas repete-se que constitui ilegalidade grave para os mesmos efeitos, além do mais, a violação de plano municipal - cfr. os artigos 55º, nºs 1, alínea b), e 3 do primeiro, e 56º, nºs 1, alínea b), e 2 do segundo, já transcritos.
Porém o Decreto-Lei nº 445/91, que disciplina o regime de licenciamento municipal de obras particulares, introduz, no nº 3 do artigo 52º um elemento novo 56:
constitui ilegalidade grave, além do mais, a violação do plano municipal de ordenamento do território que afecte a qualidade do meio urbano e da paisagem ou implique a degradação do património natural ou construído.

Como congraçar o artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90 com o nº 3 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 445/91?
A resposta decorre, desde logo, dos princípios gerais sobre a sucessão das leis no tempo, uma vez que ambos os diplomas ocupam a mesma hierarquia nas fontes normativas: são emanados pelo Governo no uso de autorizações legislativas da Assembleia da República.
A partir da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 445/91, a violação do plano municipal só constituirá «ilegalidade grave» desde que se revista de algum dos elementos apontados no nº 3 do seu artigo 52º.
O legislador valorou de uma forma diferente uma conduta da Administração autárquica, só a considerando agora «ilegalidade grave» com a conjugação de um daqueles elementos.
A lei nova - o Decreto-Lei nº 445/91 - sobrepõe-se nessa estrita medida à lei antiga - o Decreto-Lei nº 69/90.


6.2. Ponderando que as normas em causa têm carácter sancionatório, entende-se que o disposto no nº 3 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 445/91 se aplicará também às situações anteriores, às «ilegalidades graves» praticadas anteriormente, mas apreciadas já na vigência deste diploma.
A Constituição da República, no seu artigo 25º, nº 4, manda aplicar retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido 57.
Na medida em que aquelas sanções são um mal infligido, devem, como acontece no ilícito disciplinar e no ilícito de mera ordenação social, aplicar-se os princípios que garantem e defendem o indivíduo contra todo o poder punitivo 58.
E, assim, se uma lei nova deixa de incriminar certos factos previstos na lei anterior, deverá aplicar-se retroactivamente: «é que se a lei nova deixa de incriminar certos factos é porque entende, numa melhor visão das coisas, que o facto não merece punição» 59.
No caso concreto, a previsão originária foi reformulada, adicionando-lhe a lei nova elementos que vieram diminuir a extensão do campo sancionatório.
Numa hipótese paralela do ilícito de mera ordenação social, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão nº 3/92 60, escreveu:
«Não há, nestes casos, continuidade normativa-típica mas sim a eliminação da punibilidade de certas situações de facto, por mudança das concepções do legislador, o que, nomeadamente, torna injusto e inútil manter uma condenação (neste sentido M. A. Lopes Rocha, «Aplicação da lei criminal no tempo e no espaço», in O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar - Jornadas de Direito, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, p. 99), assim se explicando o alcance mais vasto no nº 4 do citado artigo 2º do Código Penal.
«A este propósito, pondera outro autor que a LN, ao editar novos elementos, restringe a extensão da punibilidade, despenalizando se os elementos (ou o elemento) adicionados forem especializado-res, não despenalizando se forem meramente especificadores.
«E esclarece:
«Quer dizer: com a entrada em vigor da LN, que adiciona um novo elemento ao tipo legal da LA, o facto praticado na vigência da LA - preencha, ou não, o novo elemento da LN - fica despenalizado, se o elemento adicionado constituir um elemento especial; já permanecerá punível - desde que preencha, evidentemente, a exigência (o elemento) especificadora da LN - se o elemento adicionado constituir uma mera especificação do conceito-elemento comum às duas leis» (cf. Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, Coimbra, 1990, pp. 145 e, também, 121, 126 e 135 e segs.).
«2.1 -No concreto caso, os novos elementos não são meramente especificadores - para utilizar a terminologia acabada de mencionar - antes constituindo novos e adicionais elementos constitutivos do tipo legal de contra-ordenação que, assim, se tornou de maior exigência.
«De qualquer modo, sem prejuízo do novo campo de incidência, mais restrito, da lei, a questão reconduz-se à previsão do artigo 29º, nº 4, da CR: a LN apresenta um conteúdo mais favorável ao arguido.
«Consequentemente deve ser esta LN a observável, sob pena de violação daquela norma constitucional».

Também o nº 3 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 445/91, porque apresenta um conteúdo mais favorável aos eventuais infractores, deve ser observado na apreciação das situações ocorridas ante-riormente à vigência do diploma, pois de outro modo violar-se-ia o nº 4 do artigo 25º da Constituição.

Conclusão:

7. Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª Durante o período que mediou entre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, e a entrada em vigor dos Decretos-Leis nºs 445/91, de 20 de Novembro, e 448/91, de 29 de Novembro, não existia norma específica que definisse a natureza do vício que afectava os actos administrativos de licenciamento de «obras particulares» ou de «operações de loteamento e de obras de urbanização» que violassem os planos municipais;
2ª Antes da entrada em vigor do Código do Procedimento Administrativo, (aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro) este Conselho Consultivo, acompanhando a generalidade da doutrina, considerava nulo por «natureza», mesmo na falta de lei expressa, um acto administrativo que violasse o conteúdo essencial de um direito fundamental;
3ª Na aplicação da tese referida na conclusão anterior, o acto administrativo de licenciamento de obras violador de um plano municipal, mesmo na falta de lei expressa, seria considerado nulo - nulidade por natureza - se atingisse o núcleo essencial do direito ao ambiente (artigo 66º da Constituição da República), isto é, aquele mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir;
4ª Decorrido o prazo para a impugnação de um acto de licenciamento de obras ferido de mera anulabilidade, não se pode aplicar o regime previsto no artigo 26º do Decreto-Lei nº 69/90, por ter entretanto ocorrido a sanação do vício;
5ª O disposto no artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90 aplica-se ao acto de licenciamento de obras violador do plano municipal plenamente eficaz, violação que é classificada de ilegalidade grave para efeitos de perda de mandato do membro de órgão e de dissolução de órgão autárquico;
6ª O regime previsto no artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90 é aplicável mesmo que o acto referido na conclusão anterior seja considerado «anulável» e já tenha decorrido o respectivo prazo de impugnação;
7ª A sanação do acto «anulável» pelo decurso do tempo, só constitui caso decidido em relação aos seus efeitos directos, no caso concreto, o licenciamento de obras, mantendo o acto violador do plano municipal todas as características que levam o legislador a considerá-lo de ilegalidade grave para os efeitos previstos no artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90;
8ª Porque o nº 3 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 445/91 se apresenta com um conteúdo mais favorável do que o do artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90, para que o acto administrativo do licenciamento de obra particular violador do plano municipal seja considerado «ilegalidade grave» deve, independentemente do tempo em que tiver sido proferido, preencher ainda os requisitos previstos naquela norma, isto é, afectar a qualidade do meio urbano e da paisagem ou implicar a degradação do património natural ou construído.

VOTO


(Salvador Pereira Nunes da Costa) Voto o parecer com o sentido que resulta das conclusões, mas discordo da fundamentação em que assentou a 8ª.
Penso que o princípio que emana do disposto no artigo 25º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, que prescreve a aplicação retroactiva das leis penais mais favoráveis ao arguido, é inaplicável no âmbito da sucessão no tempo do artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, e do nº 3 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, dada a natureza da disciplina jurídica em causa.
Entendo que as situações jurídicas a que os referidos normativos são potencialmente aplicáveis devem ser prevalentemente reguladas pelo disposto no nº 3 do Decreto-Lei nº 445/91, nos termos da segunda parte do nº 2 do artigo 12º do Código Civil.

_________________________

1 Cfr. a rectificação publicada no "Diário da República", I Série, de 30 de Abril de 1990.

2 Redacção do Decreto-Lei nº 211/92; a alínea l) do nº 2 do artigo 53º do Decreto-Lei nº 100/84 consagra a competência do Presidente da Câmara Municipal para embargar e ordenar a demolição de obras que, entre outros, não observem «os planos municipais de ordenamento do território plenamente eficazes».

3 As obras referidas na alínea c) do nº 1 do artigo 3º são as promovidas pela administração directa ou indirecta do Estado.

4 Existem algumas nuances no exercício destas funções no âmbito do licenciamento das obras e do loteamento: o Ministro do Planeamento e da Administração do Território, no quadro do licenciamento de obras, pode ordenar a demolição quando «se verifiquem razões de interesse público» (nº 2 do artigo 58º do Decreto-Lei nº 445/91), exigência dispensada na violação das «normas legais e regulamentares» no decurso de operações de loteamento (artigos 61º e 62º, nº 1, do Decreto-Lei nº 448/91).

5 Sublinhe-se, no entanto, que, nos termos do nº 1 do artigo 65º do Decreto-Lei nº 400/84 seriam nulos «os actos das câmaras municipais respeitantes a operações de loteamento ou obras de urbanização quando não sejam precedidas de audiência das entidades que devem ser consultadas, quando não sejam conformes com qualquer dos respectivos pareceres vinculativos ou resoluções ou quando não tenham sido submetidos a ratificação ou a contrariem, conforme os casos».
E nestas «operações de loteamento» inclui-se tanto a licença do loteamento como a da construção - Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (1ª Secção), de 3 de Novembro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República, de 5 de Novembro de 1986, págs. 4275 e segs., acolhido no Parecer nº 124/90, publicado no "Diário da República", II Série, de 9 de Julho de 1991.
Este mesmo regime encontra-se consagrado nas alíneas a) do nº 1 do artigo 52º do Decreto-Lei nº 445/91 e a) do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 448/91, já transcritas.

6 Quiçá explicável por se ter entendido que o lugar próprio para definir a natureza do vício do acto violador do plano seria antes nos diplomas que disciplinassem os regimes dos actos de licenciamento de operações de loteamento e de obras particulares, diplomas que possivelmente deveriam ser contemporâneos do consagrado aos planos municipais.

7 JOSÉ MANUEL DA S. SANTOS BOTELHO e outros, «Código do Procedimento Administrativo», Coimbra, 1992, pág. 400, escrevem: «O legislador não quis deixar «qualquer dúvida quanto ao carácter não taxativo da enunciação das causas de nulidade, ao salientar no nº 2 que são designadamente actos nulos».

8 Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), de 23 de Outubro de 1990, in Acórdãos Doutrinais, XXX, nº 350, págs. 245 e segs., este princípio «constituía jurisprudência pacífica daquele Supremo Tribunal na esteira de MARCELLO CAETANO , «Manual de Direito Administrativo», vol. I, pág. 518».

9 Acompanha-se o Acórdão do STA, Pleno, de 23 de Outubro de 1990, referido na nota anterior; ver também JOSÉ MANUEL DA S. SANTOS BOTELHO e outros, ob. cit., págs. 399 e segs.

10 FREITAS DO AMARAL , «Direito Administrativo», vol. III, Lisboa, 1989, pág. 333.

11 FREITAS DO AMARAL , ob. cit., pág. 333, que aponta três casos:
«1ºActos de conteúdo ou objecto impossível ...;
2ºActos cuja prática consiste num crime ou envolve a prática de um crime ...;
3º Actos que violem o conteúdo essencial de um direito fundamental do cidadão.
«À face da Constituição, também estes actos não podem ser considerados actos simplesmente anuláveis, uma vez que existe, quanto a eles, direito de resistência (Constituição, artigo 21º)».

12 Cfr. JORGE MIRANDA «O Regime dos direitos, liberdades e garantias», in «Estudos sobre a Constituição», 1978, págs. 87 e seguintes; MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, «Direito Administrativo», vol. I, Coimbra, 1980, págs. 457 e segs.; MARCELO REBELO DE SOUSA, «O Valor Jurídico do Acto Constitucional», I, 1988, pág. 332; em sentido menos conclusivo, SÉRVULO CORREIA, «Noções de Direito Administrativo», vol. I, Lisboa, 1982, págs. 361 e segs.

13 O Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão do Pleno, citado na nota 8, afirma, porém, que continua «válida a jurisprudência pacífica, segundo a qual a regra geral do nosso direito administrativo é no sentido de os vícios do acto determinarem a mera anulabilidade do mesmo, só se verificando a respectiva nulidade nos casos expressamente previstos na lei».

14 Publicado no "Diário da República", II Série, de 25 de Maio de 1990.

15 Que afirma, nomeadamente, no lugar citado: «quanto à inconstitucionalidade que não gera inexistência, ela é equiparada à ilegalidade dos actos administrativos e os actos administrativos são nulos e não anuláveis. O regime jurídico da nulidade não é o previsto na Constituição, mas o decorrente da lei ordinária ...».

16 J.C. VIEIRA DE ANDRADE, «Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», Coimbra, 1983, págs. 318 e segs., afirma que o conteúdo essencial de um direito fundamental será violado desde que «se descaracteriza a ordem de valores que nesse domínio a Constituição positiviza»

17 PEREIRA REIS, «Lei de Bases do Ambiente», Coimbra, 1992, pág. 25, escreve: «O ordenamento fornece, assim, um quadro de referência, definindo restrições, vocações e capacidades para a utilização, ocupação e transformação do território. E tudo isto é feito numa perspectiva de «aumento» de capacidade de suporte de vida e não numa óptica regressiva ou paralisante».

18 Em comentário a este artigo, afirma JOÃO PEREIRA REIS, ob. cit., págs. 53 e segs.: «Um dos componentes ambientais que tem sido mais degradado nos últimos anos é indiscutivelmente a paisagem ... E não só a paisagem rural que acusa marcas indesmentíveis da capacidade destruidora do homem. São também as nossas cidades e vilas que pouco a pouco vão ficando descaracterizadas ...». Ver também, do mesmo autor, «Temas de Direito do Ambiente», Lisboa, 1989, págs. 52 e segs. e 71 e segs.

19 JOÃO PEREIRA REIS, ob. cit., pág. 103, comenta: «O artigo 51º encerra um voto piedoso e tradicional que o nosso legislador tem por hábito inserir em diversos diplomas e cujo alcance prático é obviamente nulo».

20 Dir-se-á, contudo, que na vertente que importa, a protecção do ambiente através dos planos municipais já teria encontrado concretização normativa.

21 Cfr. o Parecer nº 36/89.

22 «Constituição da República Portuguesa Anotada», 2ª edição, 1984, págs. 348 e segs.

23 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «Fundamentos da Constituição», Coimbra, 1991, pág. 121.

24 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., pág. 129.

25 Ob. cit., pág. 127.

«(x) Com interesse, e em sentido idêntico, cf. a anotação de MARIA JOSÉ CIAURRIZ, em Anuário de Derecho Eclesiástico del Estado, vol. III, 1987, p. 274, a propósito da falta de regulamentação do preceito constitucional que, em Espanha, consagra «la objeción de conciência»:
«Y en relación con este precepto hace las siguientes consideraciones: «El hecho de que el artículo 30, 2, disponga que la ley regulará con las debidas garantías la objeción de conciencia mientras el legislador ordinario no desarrolla dicho precepto constitucional. El desarrollo normativo de este derecho se requiere para la plena operatividad y eficacia del derecho, no para su reconocimiento que se deduce ya de los preceptos invocados. La demora en la regulación del derecho por el legislador ordinario no puede impedir la protección del derecho constitucional cuanto menos en un contenido mínimo, ya que lo contrario supondría la negación de un derecho reconocido por la Constitución; en consecuencia, y mientras no se produzca la regulación legal, el objector tiene derecho a que se aplace su incorporación a filas [...]».

26 Ob. cit., págs. 325 e segs.

27 Cfr. os artigos 76 e segs. do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (alterado pela Lei nº 12/86, de 21 de Maio) - Lei de Processo nos Tribunais Administrativos. Ver sobre a suspensão da eficácia do acto administrativo, ARTUR MAURÍCIO, DIMAS LACERDA e SIMÕES REDINHA , «Contencioso Administrativo», Lisboa, 1988, págs. 183 e segs.

28 Escrevem FREITAS DO AMARAL e outros, «Código do Procedimento Administrativo», Coimbra, 1992, pág. 207, em anotação ao artigo 133º: «O elenco de nulidades constantes do artigo 88º da LAL considerava-se já aplicável por analogia aos actos de todos os órgãos da Administração Pública portuguesa.
A esse elenco acrescem agora aquelas que eram designadas pela doutrina como nulidades por natureza, que constam das alíneas c) e d) do nº 2 do presente artigo. Isto é, as ditas nulidades por natureza - infelizmente nunca reconhecidas pela nossa jurisprudência - passam a ser nulidades por determinação da lei».

29 LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, «Planos Municipais de Ordenamento do Território», Coimbra, 1991, pág. 74, afirma: «A desconformidade da conduta de um órgão público com o plano municipal vigente constitui um desvalor do acto administrativo assim praticado, que fica ferido do vício de violação de regulamento, sancionado com a anulabilidade, ...».

30 FREITAS DO AMARAL e outros, ob. cit., pág. 208; ver, também, SANTOS BOTELHO e outros, ob. cit., pág. 411, que apontam, para justificar esta medida, os princípios gerais do direito.

31 Invocam-se aqui, normalmente, e de acordo com as circunstâncias do caso, ou os prazos da usucapião.

32 FREITAS DO AMARAL e outros, ob. cit., pág. 210.

33 Os prazos de recurso estão fixados no artigo 28º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos: o mais alargado - o do Ministério Público -, é de um ano - alíneas c) e d) daquele artigo.

34 FREITAS DO AMARAL , «Direito Administrativo», vol. III, ...., pág. 330.

35 FREITAS DO AMARAL ob. cit., págs. 342 e segs.

36 Ob. cit., 10ª edição (reimpressão), Coimbra, 1980, pág. 518.

37 Artigo 140º do Código do Procedimento Administrativo.

38 Ob. cit., págs. 345 e segs.

39 FREITAS DO AMARAL, ob. cit., págs. 345 e segs., inclina-se para a primeira, invocando a diferença, substancial e processual, entre a impugnação da legalidade de um acto administrativo e o pedido de indemnização por perdas e danos dele decorrente.

40 Cfr., também, os artigos 57º e 58º do Decreto-Lei nº 445/91 e 61º e 62º do Decreto-Lei nº 448/91, já transcritos.

41 Recorde-se que nos termos do nº 2 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 69/90, as despesas de demolição correm por conta do dono da obra.

42 Ocorre de imediato a figura da «expropriação».

43 Segundo o nº 3 do artigo 243º da Constituição «a dissolução de órgãos autárquicos resultantes de eleição directa só pode ter por causa acções ou omissões ilegais graves».

44 MARCELLO CAETANO , ob. cit., pág. 230.

45 Publicado no "Diário da República", II Série, de 18 de Abril de 1988, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 378, págs. 74 e segs..

46 Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, 1ª Secção, de 22 de Julho de 1978, in «Acórdãos Doutrinais», Ano XVII, nº 203, págs. 1331, que traduz, aliás, entendimento pacífico. Ao falar-se de «caso julgado» visa-se apenas o caso julgado formal - ver infra.

47 Ob. cit. , pág. 544.

48 «Tratado de Derecho Administrativo», tradução, publicação do I.E.P. de Madrid, 1958, pág. 316.

49 «Diritto Amministrativo - Atti e ricorsi», Giuffrè, Milano, 1987, págs. 147 e seg.; ver, também, Masssimo Giannini, «Diritto Amministrativo», vol. I, Giuffré, Milano, 1970, págs. 615 e segs.

50 Cfr. supra nº 5.2.

51 «Interesse Público, Legalidade e Mérito», Coimbra, 1955, págs. 261 e segs.

52 Págs. 276 e segs. .

53 Sublinhado agora.

54 Assim, no Parecer nº 17/92, de 29 de Outubro de 1992.

55 Ob. cit., págs. 453 e seg.

56 O que não acontece no Decreto-Lei nº 448/91.

57 GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «Constituição da República Portuguesa», 1º vol., 2ª edição, Coimbra, 1989, pág. 208, entendem que, não obstante o seu carácter restrito, «leis penais», este princípio deve valer por analogia para todos os domínios sancionatórios.

58 Cfr. EDUARDO CORREIA, «Direito Criminal», vol. I, reimpressão, Coimbra, 1971, pág. 37, citado no Parecer 97/80, de 18 de Dezembro de 1980. Ver também o Parecer nº 188/80, publicado no "Diário da República", II Série, de 1 de Setembro de 1981, e no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 310, págs. 109 e segs.. MENEZES CORDEIRO, «Direito do Trabalho», 1º vol., Lisboa, 1986/87, pág. 373, escreve: «......., no Direito penal laboral terá aplicação, no caso de conflito temporal de leis, a norma que, em concreto, mais favorável se mostra para o agente».

59 EDUARDO CORREIA, ob. cit., vol. I, pág. 154.

60 Publicado no "Diário da República", II Série, de 20 de Maio de 1992.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART18 N1 ART25 N4 ART66 ART243 N1 N3.
DL 69/90 DE 1990/10/08 ART4 ART24 ART26.
DL 211/92 DE 1992/10/08.
DL 208/82 DE 1982/05/26 ART25.
DL 445/91 DE 1991/11/20 ART52 ART55 N1 B ART57 ART58.
DL 166/70 DE 1970/04/16.
DL 448/91 DE 1991/11/29 ART56 ART61 ART62.
CPADM91 ART133 ART134 N2 N3 ART140.
CADM36 ART363.
DL 100/84 DE 1984/03/29 ART7 ART88.
L 11/87 DE 1987/04/07 ART5 ART17 N2 ART18 ART27 ART51 ART52.
L 87/89 DE 1989/09/09 ART9 N1 C N3 ART13 N1 G.
CP82 ART2 N4.
Jurisprudência: 
AC STA DE 1983/11/03 IN AP DR DE 1986/11/05 PAG4275.
AC STA DE 1990/10/23 IN AD N350 PAG245.
AC STA DE 1978/07/22 IN AD N203 PAG1331.
AC TC 3/92 IN DR IIS DE 1992/05/20.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL / DIR CONST * DIR FUND.
Divulgação
Número: 
DR107
Data: 
09-05-1994
Página: 
4347
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