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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
36/1989, de 12.10.1989
Data do Parecer: 
12-10-1989
Número de sessões: 
2
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Plano e da Administração do Território
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
RESERVA ECOLÓGICA NACIONAL
AMBIENTE
DIREITO AO AMBIENTE
DIREITOS ECONÓMICOS SOCIAIS E CULTURAIS
ACTO ADMINISTRATIVO
CONSTITUCIONALIDADE
NULIDADE
VIGÊNCIA
EFICÁCIA
EXEQUIBILIDADE
Conclusões: 
1 - O artigo 66 da Constituição da Republica consagra o direito (positivo) de todos a uma acção do Estudo, no sentido de este defender o ambiente e controlar as acções poluidoras, e o direito (negativo) a abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções atentatorias do ambiente, um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado;
2 - Na falta de lei mediadora, violam o referido preceito fundamental os actos administrativos atentatorios do ambiente que não respeitem o conteudo essencial desse direito, isto e, aquele minimo sem o qual esse direito não pode subsistir;
3 - Os actos referidos na conclusão anterior são nulos;
4 - O Decreto-Lei n 321/83, de 5 de Julho, embora vigente na ordem juridica, e inexequivel, dependendo a sua exequibilidade (vigencia plena) da publicação da regulamentação prevista no seu artigo 9.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território,
Excelência:


1.

Tendo em conta interpretações não coincidentes por parte da Direcção-Geral do Turismo, da Direcção-Geral do Ordenamento do Território, e da Auditoria Jurídica do Ministério do Planeamento e da Administração do Território, quanto à vigência do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, e dados os despachos de 10/2/89, de V. Exª., e de 21/2/89, do Secretário de Estado do Turismo, concordantes no sentido de "se proceder a uma audição conjunta da Procuradoria-Geral da República", um adjunto do Gabinete de V.Exª. em informação nº 76/89, de 21 de Março último, propôs a V.Exª. se solicitasse o parecer deste corpo consultivo sobre os seguintes aspectos:

"a) Está ou não plenamente em vigor o Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, que estabelece a Reserva Ecológica Nacional?

b) Poderão os actos administrativos que ofendam o artigo 66º da Constituição, o qual enuncia o direito ao ambiente, estar feridos de nulidade?"



Tendo V.Exª. concordado com tal proposta, cumpre emitir o parecer solicitado.


2.


2.1. Dispunha o artigo 66º da Constituição da República, na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, em vigor à data da publicação do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho:

"1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.

2. Incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo e apoio a iniciativas populares:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

b) Ordenar o espaço territorial de forma a construir paisagens biologicamente equilibradas;

c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;

d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica.

3. É conferido a todos o direito de promover, nos termos da lei, a prevenção ou a cessação dos factores de degradação do ambiente, bem como, em caso de lesão directa, o direito à correspondente indemnização.

4. O Estado deve promover a melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida de todos os portugueses".

A Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, alterou a redacção do referido artigo 66º nos seguintes termos:

- manteve a redacção do nº 1;
- alterou a redacção da alínea b) do nº 2 para: "d) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e paisagens biologicamente equilibradas";
- eliminou os nºs. 3 e 4, por razões de ordem sistemática, ficando essa disciplina contida nos artigos 52º, nº 3, e 9º, alínea d), respectivamente, da Lei Fundamental, com a seguinte redacção:


Artigo 52º

(Direito de petição e direito de acção popular)

"1. Todos os cidadãos têm o direito de apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição, das leis ou do interesse geral.

2. A lei fixa as condições em que as petições apresentadas colectivamente à Assembleia da República são apreciadas pelo Plenário.

3. É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular nos casos e termos previstos na lei, nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização".


Artigo 9º

(Tarefas fundamentais do Estado)

"São tarefas fundamentais do Estado:

......................................................

d) Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais;

....................................................".


2.2. Diz-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho:

"O primeiro passo na concretização de uma política de ordenamento do território à escala nacional foi dado com a institucionalização da Reserva Agrícola Nacional (1 , que consagrou o solo agrícola como um valor patrimonial à permanência da Nação.

"O segundo passo será dado com a criação da Reserva Ecológica Nacional, que vem salvaguardar, em determinadas áreas, a estrutura biofísica necessária para que se possa realizar a exploração dos recursos e a utilização do território sem que sejam degradadas determinadas circunstâncias e capacidades de que dependem a estabilidade e fertilidade das regiões, bem como a permanência de muitos dos seus valores económicos, sociais e culturais.

"A agricultura moderna, aumentando a extensão das folhas de cultura e intensificando a exploração do solo, como contrapartida a um maior artificialismo e simplicidade dos sistemas de produção, exige a existência de uma estrutura
de protecção que garanta a permanência do fundo de fertilidade de determinadas ocorrências físicas e de um mínimo de actividade biológica.

"Por sua vez, a exploração de inertes, a construção de infra-estruturas e de conjuntos fabris, a expansão de áreas urbanas, afectando gravemente a estabilidade ecológica das regiões, a perenidade dos sistemas de produção agrícola e as restantes actividades de que depende o desenvolvimento da sociedade, se não existir a mesma estrutura de protecção e enquadramento que garanta a permanência de determinadas ocorrências físicas e de um mínimo de actividade biológica.

"O território deve constituir o suporte físico e biológico indispensável ao desenvolvimento económico, social e

cultural. Para isso é necessário salvaguardar desde já determinadas situações específicas que servirão de apoio à indispensável estrutura de protecção e enquadramento dos espaços produtivos ou urbanos.

"A Reserva Ecológica constituirá, portanto, conjuntamente com a Reserva Agrícola Nacional, um instrumento fundamental do ordenamento do território à escala nacional".

E dispôs o Decreto-Lei nº 321/83:


"Artigo 1º
(Reserva Ecológica Nacional)

É instituída a Reserva Ecológica Nacional, que integra todas as áreas indispensáveis à estabilidade ecológica do meio e à utilização racional dos recursos naturais, tendo em vista o correcto ordenamento do território.

Artigo 2º
(Constituição da Reserva Ecológica Nacional)

A Reserva Ecológica Nacional (REN), que adiante se designará por Reserva Ecológica, é constituída por:

1- Ecossistemas costeiros, designadamente:

a) Praias;

b) Primeira e segunda dunas fronteiras ao mar;


c) Arribas, incluindo uma faixa até 200m para o
interior do território a partir do respectivo
rebordo;

d) Quando não existirem dunas nem arribas, uma
faixa de 500m para além da linha máxima de
praia-mar de águas vivas;

e) Estuários e rias, englobando um faixa de 100m
para além da linha máxima de praia-mar de águas
vivas;

f) Ilhas, ilhotas e rochedos emersos no mar ao
longo do litoral.

2 - Ecossistemas interiores, designadamente:

a) Lagoas, incluindo uma faixa de 100m para além do limite máximo de alagamento, incluindo as
faixas amortecedoras;

b) Albufeiras e uma faixa de 100m para além do
regolfo máximo;

c) Leitos normais dos cursos de água, zonas de
galeria e faixas amortecedoras, além das suas
margens naturais;

d) Cabeceiras dos cursos de água definidas a
partir da linha de cumeada de separação de rios
e ribeiros até à rede hidrográfica;

e) Encostas de declive superior a 25%;




f) Escarpas e faixa envolvente de 3 vezes a sua
altura para além da base e rebordo da escarpa;

g) Areas de infiltração máxima definidas pela sua
natureza geológica;

h) åreas abandonadas devido a acentuada erosão
superficial ou a anterior exploração de
inertes;

i) Uma faixa de 100m para além das bermas das
auto-estradas e vias rápidas e de 50m para além
das bermas das restantes estradas nacionais;

j) Uma faixa de 200m ao longo de toda a costa
marítima natural, no sentido do oceano,
definida a partir do limite da linha de
baixa-mar de águas vivas.


Artigo 3º
(Regime da Reserva Ecológica)

1- Nos solos da Reserva Ecológica são proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades, nomeadamente vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações, destruição do coberto vegetal e vida animal.
2- Exceptuam-se do disposto no número anterior as utilizações e ocupações, a definir em diploma regulamentar.


Artigo 4º
(Explorações mineiras)

Sem prejuízo das autorizações legalmente estabelecidas, a utilização de terrenos abrangidos na Reserva Ecológica para exploração de minas, pedreiras, barreiras e saibreiras fica dependente de prévia autorização conjunta dos Ministros da Qualidade de Vida e da Indústria, Energia e Exportação.


Artigo 5º
(Identificação da Reserva Ecológica)

Os terrenos integrados na Reserva Ecológica serão obrigatoriamente identificados em todos os instrumentos que definam a ocupação física do território, designadamente planos de ordenamento, planos directores municipais e planos de urbanização.


Artigo 6º
(ƒrgãos da Reserva Ecológica)

Para efeitos do disposto neste diploma, são criados o Conselho da Reserva Ecológica Nacional e as comissões regionais da Reserva Ecológica, com a composição e o funcionamento a definir em diploma regulamentar.


Artigo 7º
(Atribuições do Conselho)

1- São atribuições do Conselho da Reserva Ecológica Nacional:

a) Aprovar o âmbito e limite físico da Reserva
Ecológica Nacional;

b) Promover a execução de medidas de defesa da
Reserva Ecológica;

c) Assegurar o cumprimento das normas
estabelecidas neste diploma e a realização das
acções com elas relacionadas;

d) Promover acções de sensibilização da opinião
pública relativamente à necessidade de defesa
da Reserva Ecológica;

e) Emitir parecer que habilite o Ministro da
Qualidade de Vida a confirmar a existência das
excepções previstas no artigo 3º;


f) Decidir de recursos interpostos das decisões
das comissões regionais;


g) Promover a criação, instalação e funcionamento
das comissões regionais.


2- Compete à Direcção-geral do Ordenamento apoiar o Conselho da Reserva Ecológica Nacional no exercício das suas atribuições.




Artigo 8º
(Cartografia)



1- O Ministério da Qualidade de Vida deverá
cartografar, à escala de 1:25000, a área da Reserva Ecológica.


2- A cartografia referida no número anterior terá a delimitação das manchas da Reserva Ecológica e fará caducar, a (2 uma vez plenamente eficaz, as delimitações previstas no artigo 2º.



Artigo 9º
(Regulamentação)


O Governo, no prazo de 120 dias, e mediante diploma legal adequado, regulamentará o disposto no presente decreto-lei, designadamente, e entre outras, nas matérias respeitantes à estrutura e ao funcionamento do Conselho e das comissões regionais da Reserva Ecológica, à identificação das áreas previstas no artigo 2º, aos prazos e forma de execução da cartografia a que se

refere o artigo 8º e à enunciação dos critérios fundamentadores das excepções previstas no artigo 3º.


Artigo 10º
(Åmbito de aplicação)


1- O presente diploma aplica-se no território
continental.
2- A aplicação do presente diploma nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores dependerá de decreto regional que adapte as suas disposições às condições particulares dos respectivos territórios".


2.3. Diz-se e dispôs-se no Decreto-Lei nº 411/83, de 23 de Novembro: "O Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, ao criar a Reserva Ecológica Nacional, instituiu um dos instrumentos fundamentais do ordenamento do território.

"Considerando a área do território nacional contemplada, numa perspectiva ecológica, por aquele diploma legal e que a sua regulamentação exige, nomeadamente, a elaboração de estudos complexos com vista ao levantamento dos respectivos ecossistemas e correlativa cartografia;

"Considerando, ainda, a conveniência de o diploma regulamentar reflectir, de forma equilibrada, todas as opiniões das várias entidades intervenientes na prossecução dos objectivos a alcançar pelo aludido Decreto-Lei nº 321/83:
"Assim:

"O Governo decreta, nos termos da alínea a) do artigo 1 do artigo 201º da Constituição, o seguinte:

"Artigo único. O prazo do artigo 9º do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, é prorrogado por mais 90 dias".

Até à data não foi publicado o Regulamento a que se refere o artigo 9º do Decreto-Lei nº 321/83.



3.


Abordemos de seguida as questões postas, começando pela segunda - efeitos da (possível) violação, por actos administrativos, do artigo 66º da Constituição, integrado no capítulo II - "Direitos e deveres sociais" - do Título III - "Direitos e deveres económicos, sociais e culturais" - da Parte I - "Direitos e deveres fundamentais" - do Diploma Fundamental.

3.1. Analisemos, então, a disposição fundamental em causa.


3.1.1. O nº 1 do referido artigo 66º reconhece a todos o direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, e o dever de o defender. Como escrevem J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (3 :

"Na verdade, não se trata apenas de um direito positivo a uma acção do Estado, no sentido de defender o ambiente e de controlar as acções poluidoras do ambiente (nº 2). Trata-se também de um direito negativo, isto é, de um direito à abstenção, por parte do Estado ou de terceiros, de acções atentatórias do ambiente, que confere aos cidadãos - individual ou colectivamente - o direito de cessação dessas acções e de indemnização dos prejuízos causados pela violação (nº 3)........................................
"A Constituição não se basta com o reconhecimento do direito ao ambiente; impõe também um dever de defesa do ambiente (nº 1, in fine). Da natureza do direito ao ambiente, enquanto direito negativo, directamente vinculativo dos particulares (v.supra, I), resulta imediatamente para estes o dever de respeitar aquele direito, de não atentar contra o ambiente. Mas o dever de defesa do ambiente é mais vasto do que isso, podendo traduzir-se legalmente em deveres de abstenção ou de acção, eventualmente tutelados por via penal. Assim, o dever de defesa do ambiente pode comportar dois aspectos: (a) obrigação de não atentar contra o ambiente (obrigação de não poluir); (b) dever de impedir os atentados de outrem ao ambiente".

3.1.2. O nº 2 enuncia as obrigações que o direito ao ambiente implica para o Estado.
Como escrevem, de seguida, os mesmos autores:

"As tarefas estaduais impostas pela realização do direito ao ambiente traduzem-se em não perturbar o ambiente ou impedir que ele seja ofendido e em repor o equilíbrio ambiental, quando perturbado ou degradado. Com efeito,

diferentemente do que ocorre com outros direitos sociais, em que se trata de criar ou realizar o que ainda não existe
(segurança social,serviços de saúde, habitação), o direito ao ambiente visa garantir o que ainda existe e recuperar o que, por acção do Estado ou de terceiros, deixou de existir. Por isso, as incumbências do Estado nesta matéria (nº 2) consistem essencialmente em três imposições: (a) preservar os espaços naturais de maior valor (criação de reservas e parques naturais, defesa dos rios e lagos, das costas e ilhas, etc.); (b) ordenamento do espaço territorial e disciplina na utilização dos recursos naturais (ordenamento da implantação urbana e industrial e da exploração agrícola e florestal, etc.); (c) intervenção nos espaços ambientalmente degradados (regeneração de rios poluídos, revivificação de bosques devastados, recuperação de áreas urbanas degradadas, etc.). A importância destas incumbências é realçada pela inclusão da defesa do ambiente entre as tarefas fundamentais do Estado (artº 9º/e)."

3.1.3. Embora eliminados pela Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, importa uma breve análise dos nºs. 3 e 4 do referido artigo 66º, na redacção da Lei Constitucional nº 1/82, cuja disciplina transitou, como se viu,para os citados artigos 52º, nº 3, e 9º, alínea d), respectivamente, do Diploma Fundamental.

Com propriedade, invoquemos os mesmos autores.


3.1.3.1. Quanto ao nº 3:

"Já se verificou (supra, nota I) que o direito ao ambiente é também (ou desde logo) um direito a impedir que o ambiente seja perturbado. Desenvolvendo este aspecto, a Constituição confere a todas as pessoas os meios de garantia desse direito, incluindo um direito a indemnização (nº 3)... ............................................................

"A sujeição de um dos aspectos deste direito a reserva de lei ("nos termos da lei") não se refere à existência do direito, mas sim e apenas ao modo e processo do seu exercício" - escrevem os referidos autores, que, assim, concluem:

"O direito de impedir, preventiva ou sucessivamente, a degradação do ambiente é reconhecido a todos, em conformidade com a natureza colectiva do bem constitucionalmente protegido. Cumprindo à lei definir os termos do seu exercício, ele não pode deixar de abranger três áreas distintas: (a) acções de manifestação e representação individuais ou colectivas, ao abrigo dos direitos gerais de manifestação e petição ou, até, do direito à greve; (b) utilização dos meios graciosos administrativos (reclamações e recursos); (c) recurso aos meios judiciais (designadamente a impugnação contenciosa dos actos administrativos). Verificados os respectivos pressupostos, não está excluído também o direito de resistência (artigo 21º).

"Trata-se, claramente, do reconhecimento constitucional directo de formas de acção popular (artigo 52º, 2) e de formas de procedimentos administrativos colectivos ou populares, os quais pressupõem a existência de interesses colectivos (ou de interesses difusos, ou interesses públicos latentes), implicam relações multipolares ou poligonais entre a administração e os cidadãos e exigem um conceito ampliado de interesse e de legitimação para recorrer aos tribunais (cfr. notas ao artigo 268º)".


3.1.3.2. Quanto ao nº 4:

"O nº 4 - relativo à qualidade de vida - não configura
formalmente um direito dos cidadãos, mas apenas uma directiva constitucional de acção do Estado (a não ser que se deva ter por implicitamente reconhecido um direito, pelo próprio facto da inserção do preceito em sede de direitos fundamentais).

"Em qualquer caso, a inclusão desta matéria em sede do direito ao ambiente é pelo menos questionável, já que o ambiente é apenas um dos elementos definidores da qualidade de vida (cfr. artigos 9º/d e 91º-2). Na verdade a qualidade de vida é um conceito complexo e compreensivo, que, pressupondo um nível de vida satisfatório, no plano da satisfação das necessidades básicas (alimentação, vestuário, alojamento, saúde, etc.), conjuga a melhoria do bem-estar e o aperfeiçoamento das condições de vida (ambiente urbano, transportes e equipamentos sociais) com a fruição do lazer, dos bens culturais, do desporto, etc."


3.2.1. Importa de seguida conhecer o regime constitucional dos "direitos sociais", enquanto "direitos fundamentais", aproximando-nos, de novo, dos autores atrás citados, que assim escrevem (4 , na parte que ora mais interessa:

"A Constituição não estabelece um regime jurídico uniforme para todos os direitos fundamentais. Além do regime geral, aplicável a todos, existe um regime particular aplicável a uma parte deles - é o regime dos "direitos, liberdades e garantias" (artºs. 17º e segs.). Contudo, aqui a distinção não coincide com a divisão dos Títulos II e III (entre "direitos, liberdades e garantias", de um lado, e "direitos económicos, sociais e culturais", do outro). Na verdade, apesar da designação constitucional, o regime dos "direitos, liberdades e garantias", configurado nos artigos 18º e segs., aplica-se, não só aos direitos fundamentais incluídos no Título II - que tem uma epígrafe correspondente -, mas também aos direitos fundamentais de natureza análoga (artº 17º).

"Há, assim, que traçar uma linha divisória entre o campo dos direitos fundamentais que gozam do regime específico dos "direitos, liberdades e garantias" e o campo daqueles que não compartilham dele. Tudo depende do âmbito de aplicação do regime dos "direitos, liberdades e garantias", visto que, determinado ele, fica igualmente definido o outro, por exclusão.

"Com efeito, não existem dois regimes distintos para dois grupos diversos de direitos fundamentais. O que existe é o regime geral (a todos aplicável) e o regime especial (próprio dos "direitos, liberdades e garantias"), que se acrescenta àquele. O regime especial é um mais em relação ao regime geral. Todavia, ele serve para exaltar os direitos, liberdades e garantias, mas não para rebaixar ou degradar os outros. Todos são direitos fundamentais, todos compartilham de respectivo regime geral.

"Por outro lado, a demarcação da esfera dos direitos fundamentais que gozam do regime especial está longe de ser do tipo preto-no-branco. Na verdade, não é fácil a demarcação do âmbito de aplicação do regime dos "direitos, liberdades e garantias", pois ele é constituído por duas áreas diversas: uma, que é imediatamente reconhecível, é o elenco contido no Título II, que, precisamente, tem por título a expressão "direitos, liberdades e garantias"; outra, cujos contornos não são imediatamente revelados, é o conjunto dos direitos fundamentais que, embora não situados entre os do catálogo do Título II, sejam de natureza análoga à deles :......................................... ..........................................................

"O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se naturalmente àqueles direitos fundamentais assim qualificados pela própria Constituição - os incluídos no Título II. E aplica-se obviamente a todos: a Constituição não distingue (nem tinha que distinguir). A não homogeneidade dos direitos fundamentais ai enunciados (quer quanto ao conteúdo, quer quanto aos sujeitos) não pode servir para operar uma distinção para efeitos de excluir uma parte deles do regime próprio dos "direitos, liberdades e garantias". ............................................... ...........................................................

"Beneficiam também do regime próprio dos "direitos, liberdades e garantias" os direitos fundamentais de natureza análoga (artº. 17º).
Torna-se necessário, pois, saber qual a natureza dos "direitos, liberdades e garantias" e verificar caso por caso quais os restantes direitos fundamentais que possuem natureza análoga à deles. A questão é complicada pelo facto, já acima sublinhado (v.supra, 3.2.), de os direitos fundamentais do Título II serem eles mesmos heterogéneos, incluindo, não apenas as clássicas liberdades e garantias individuais de carácter pessoal e civil, mas também os direitos activos de intervenção e de participação política, e ainda (desde a revisão constitucional de 1982) vários direitos específicos dos trabalhadores (os quais, antes da referida revisão constitucional, já beneficiavam do regime próprio dos "direitos, liberdades e garantias", por o artigo 17º, na sua primitiva redacção, mencionar expressamente os "direitos fundamentais dos trabalhadores").

"Não sendo possível apurar um denominador comum de natureza substancial, susceptível de caracterizar, ao mesmo título, essas três categorias, e de as distinguir operacionalmente do conjunto dos direitos fundamentais em geral, há que procurar a analogia de natureza, não em relação ao conjunto dos "direitos, liberdades e garantias", mas sim em relação a cada uma das suas três subcategorias. Gozam assim do regime específico dos "direitos, liberdades e garantias", não apenas os direitos de natureza análoga aos "direitos, liberdades e garantias pessoais", mas também os de natureza análoga aos "d.l. e g. de participação política" e os de natureza análoga aos "d.l. e g. dos trabalhadores".

"Os "direitos fundamentais de natureza análoga" tanto podem encontrar-se no Título III, entre os "direitos económicos, sociais e culturais" como entre os restantes direitos fundamentais dispersos pelo texto constitucional (cfr., supra 3.4.). Não é fácil identificar rigorosamente esses direitos de natureza análoga. E se em relação a alguns se pode afirmar tal analogia com segurança, já noutros casos não sucede assim. De qualquer modo, dado não existir um único parâmetro e de serem complexos muitos dos direitos fundamentais, seria temerário avançar com um critério geral e abstracto de solução. O máximo até onde se poderá porventura ir é que beneficiarão em princípio do regime específico dos direitos, liberdades e garantias os restantes direitos fundamentais que se apresentem como direitos negativos, como direitos a abstenções do Estado ou como direitos dos trabalhadores a acções ou prestações concretas e determinadas; e que não beneficiarão desse regime os que consistam e na medida em que consistam exclusivamente em direitos genéricos a prestações ou acções do Estado. Entre estas duas balizas haverá que apreciar caso por caso, de acordo com a configuração constitucional concreta do direito fundamental em causa e com a natureza predominante da categoria dos "direitos, liberdades e garantias" de que ele se aproximar mais. ........................................

"O regime próprio dos "direitos, liberdades e garantias" consiste nos seguintes traços: (a) os respectivos preceitos constitucionais são "directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas (artigo 18º-1); (b) só podem ser restringidos por via de lei, e nos casos expressamente admitidos pela Constituição (artigo 18º-2); (c) mesmo nos casos em que a Constituição autorize a sua restrição esta só é legítima se for exigida pela salvaguarda de outro direito fundamental ou de outro interesse constitucionalmente protegido, e a medida restritiva estabelecida por lei tem de sujeitar-se ao princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo, com as suas três dimensões - necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito -, de forma a que as restrições se limitem ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18º-2); (d) [...] (e) o seu exercício, só pode ser suspenso em caso de declaração, nos termos da Constituição, do estado de sítio ou do estado de emergência (artigo 19º); (f) contra qualquer ordem que os ofenda existe o direito de resistência dos cidadãos (artigo 20º-2); [...].

..................................................

"Aparentemente ficam fora do âmbito do regime próprio dos "direitos, liberdades e garantias" os "direitos económicos, sociais e culturais" (e os direitos fundamentais dispersos) que consistam - ou na parte em que consistam - exclusivamente em direitos a acções ou prestações do Estado, isto é, que sejam - e na medida em que sejam - direitos positivos e que não caibam no âmbito dos direitos, liberdades e garantias. Simplesmente, a não aplicação do regime específico dos "direitos, liberdades e garantias" só pode significar que eles estão sujeitos a um regime diferente deste, mas não que eles deixem de ser direitos fundamentais, com as consequências jurídico-constitucionais daí decorrentes.

"Importa desde logo acentuar que a maior parte dos chamados direitos sociais possui, além da sua característica componente positiva, também uma componente negativa, que se traduz num direito à abstenção do Estado (ou de terceiros). Assim, por exemplo, o direito ao trabalho não consiste apenas na obrigação do Estado de criar ou de contribuir para criar postos de trabalho (cfr. artigo 59º-3), antes implica também a obrigação de o Estado se abster de impedir ou limitar o acesso dos cidadãos ao trabalho; [...].

"Todavia, mesmo enquanto direitos sociais propriamente ditos, eles não podem deixar de gozar de certas garantias constitucionais que dêem sentido à sua natureza de direitos fundamentais.

"Primeiramente, as normas dos direitos "económicos, sociais e culturais" (abreviadamente: direitos sociais) não são meras normas programáticas [...]. (Estas) não conferem direitos aos cidadãos, dirigem-se directamente ao Estado, e nisso esgotam a sua relevância; ao contrário, os direitos sociais têm como sujeito directo os cidadãos (ou organizações sociais), pelo que as actividades ou prestações reclamadas do Estado surgem como verdadeiras obrigações, como componente passiva daqueles direitos.

"Os preceitos que reconhecem os direitos sociais também não são simples normas organizatórias ou de atribuição de competência ao Estado. Estas [...], salvo quando o desempenho das atribuições seja constitucionalmente obrigatório, nem sequer implicam directamente uma obrigação para o Estado, e, de qualquer modo, não conferem aos cidadãos eventualmente beneficiados pelo seu exercício uma pretensão jurídica constitucionalmente protegida. Não é o que sucede com os direitos sociais, cujos preceitos, definindo certas atribuições do Estado, lhe impõem o desempenho delas, como verdadeiras obrigações, para dar cumprimento a certo direito fundamental.

"Os preceitos que reconhecem direitos sociais também não se reduzem a garantias institucionais [...], (que) podem certamente fundamentar medidas de intervenção e de prestação social do Estado, mas não conferem directamente aos cidadãos interessados nenhuma protecção jurídica subjectiva. Os direitos sociais envolvem em alguns casos certas garantias institucionais - a família (artigo 67º), a maternidade e a paternidade (artigo 68º), etc. -, mas estas são instrumentos de garantia dos direitos fundamentais que cabem aos titulares dessas instituições (os direitos das famílias, os direitos dos pais e das mães).

"Finalmente, os direitos sociais não se confundem com as próprias imposições constitucionais estaduais que normalmente lhes andam associadas. Com efeito, as prestações ou acções a que o Estado está obrigado para satisfazer os direitos sociais são apenas o objecto destes, havendo que distinguir neles a sua dimensão subjectiva, ou seja, aquilo que faz deles direitos fundamentais, direitos públicos subjectivos (das pessoas),e a sua dimensão objectiva, que consiste na correspondente obrigação estadual. Esta dupla dimensão dos "direitos sociais" ressalta claramente da estrutura dos respectivos preceitos constitucionais, que em regra começam por reconhecer o direito (artigo 59º-1: "Todos têm direito..."; artigo 60º-1: "Todos os trabalhadores... têm direito..."; etc.), para depois definirem as obrigações ou incumbências" do Estado (artigo 59º-3: "Incumbe ao Estado... garantir o direito ao trabalho..."; [...].

"Enfim, os direitos sociais são autênticos direitos fundamentais dos cidadãos. São direitos constitucionais, a que correspondem verdadeiras obrigações do Estado, e que devem, à semelhança do que acontece com os direitos e liberdades tradicionais, ser concebidos como direitos subjectivos públicos do cidadão. Em sentido jurídico, aliás, só nesta acepção se pode falar de autênticos direitos fundamentais. O que distingue estes dos restantes não é a sua natureza jurídico-constitucional, é o seu objecto. São direitos positivos, isto é, direitos a certa actividade ou prestação estadual, e não a uma abstenção ou omissão. Por isso, a sua violação dá-se por omissão da actividade exigida ao Estado. Mas a omissão estadual, quando indevida, não é menos inconstitucional do que a acção violadora de um direito negativo. O que difere são as garantias do cumprimento da obrigação constitucional do Estado".


3.2.2. Referindo-se, de seguida, à eficácia jurídico-constitucional dos "direitos sociais", escrevem os mesmos autores:

"Com efeito, a satisfação dos direitos sociais coloca alguns problemas específicos, decorrentes da sua natureza de direitos positivos, ou seja, de exigirem do Estado acções e prestações.

"Em primeiro lugar, a dimensão objectiva dos direitos sociais pode assumir duas variantes: (a) imposições legiferantes mais ou menos concretas e determinadas, obrigando o Estado a criar certas instituições ou a introduzir determinadas alterações jurídicas: v.g. [...] organizar o sistema unificado de segurança social (artigo 63º-2), criar o serviço nacional de saúde (artigo 64º-2), [...]. (b) definição e prossecução de políticas dirigidas aos objectivos conformes aos direitos sociais, v.g., política de pleno emprego (artigo 59º-3/a), política de habitação (artigo 65º-2/a), política de família (artigo 67º-2/f), etc. Fácil é verificar que é diferente o alcance jurídico-constitucional de cada uma destas variantes.

"Em segundo lugar, somente em alguns casos é que os direitos sociais conferem aos cidadãos (a todos e a cada um) um direito imediato a uma prestação efectiva, sendo necessário que tal decorra expressamente do texto constitucional. É o que sucede designadamente no caso do direito à saúde (artigo 64º), o qual, devendo ser realizado, principalmente, através de um serviço nacional de saúde, universal, geral e gratuito, há-de conferir a todos os cidadãos um direito actual aos cuidados médicos de que necessitem nos serviços públicos de saúde [...]. Todavia, fora estes e outros casos idênticos, os direitos sociais constitucionais não vão ao ponto de atribuir um direito individual a uma actual e efectiva prestação (um posto de trabalho, uma casa, etc.), ficando-se por exigirem do Estado que actue de modo a ir ao encontro da satisfação do direito (criando ou promovendo a criação de postos de trabalho, edificando e promovendo a edificação de habitações, etc.).

"Em terceiro lugar, consistindo alguns dos direitos sociais em prestações pecuniárias (v.g., segurança social), ou implicando em maior ou menor medida despesas de diverso tipo (direitos à saúde, ao ensino, à habitação, etc.), a elevação do nível de realização está sempre condicionada pelo volume de recursos susceptível de ser mobilizado para esse efeito, pelo que a sua realização (para além de um nível mínimo necessário) está sempre sob reserva das disponibilidades da colectividade.

"Contudo, como normas jurídicas que são, as normas consagradoras de "direitos económicos, sociais e culturais", mesmo não conferindo directamente ao cidadão um direito a uma prestação efectiva (postos de trabalho, casas, ambiente sadio, escolas desafogadas, etc.) possuem importantes efeitos jurídicos. Em primeiro lugar, tais preceitos constitucionais implicam a interpretação das normas do modo mais conforme com elas (por exemplo, em caso de dúvida sobre o âmbito legal da segurança social deve seguir-se a interpretação mais extensiva possível). Em segundo lugar, a inércia do Estado em cumprir a obrigação constitucional dá lugar à inconstitucionalidade por omissão (cfr. artigo 283º). Em terceiro lugar, e sobretudo, tais preceitos implicam a inconstitucionalidade das normas legais que realizam um direito em termos diferentes dos constitucionalmente previstos ou que contrariem a realização legal anteriormente atingida. Por exemplo: a falta de lei a estender a todos os desempregados o subsídio de desemprego (cfr. artigo 60º-1/e)) pode configurar uma inconstitucionalidade por omissão (inconstitucionalidade negativa); mas uma lei que venha restringir o âmbito do subsídio de desemprego fixado por lei anterior é seguramente inconstitucional por acção (inconstitucionalidade positiva). [...]"


3.2.3. E prosseguem os autores citados, sobre a intervenção legislativa nos "direitos fundamentais":

"A ideia liberal corrente dos direitos fundamentais veicula uma concepção inimiga da lei, equiparando regulamentação legal a restrição de direitos fundamentais: quanto mais regulamentação legal, menos liberdade.

"Todavia, as funções da lei em relação aos direitos fundamentais podem ser multiformes e de modo algum se limitam à tarefa de os restringir. Esquematicamente, são as seguintes as principais funções da lei em relação aos direitos fundamentais: (a) definir o âmbito constitucional de cada direito fundamental, seja cumprindo uma expressa incumbência constitucional nesse sentido, seja aclarando os limites expressamente previstos na Constituição, seja "revelando" os limites implícitos decorrentes do texto constitucional ("limites imanentes"), designadamente os resultantes da colisão de direitos (cfr. supra, 4.5.1.); (b) definir as restrições aos direitos fundamentais nos casos constitucionalmente autorizados, seja concretizando restrições expressamente previstas na Constituição, seja utilizando as autorizações constitucionais de restrição (cfr. nota VI ao artigo 18º); (c) definir as garantias e dispor as condições de exercício dos direitos fundamentais, concretizando as respectivas incumbências constitucionais, quer expressas, quer implícitas (cfr. nota VIII ao artigo 18º); (d) satisfazer o cumprimento dos direitos fundamentais quando ele consista na criação de instituições ou de prestações públicas (caso da generalidade dos "direitos sociais"); (e) definir os meios de defesa contra a agressão a direitos fundamentais, designadamente através de meios penais (cfr. supra, 4.6.1.); (f) alargar eventualmente o âmbito de um direito fundamental para além dos limites constitucionais (cfr. infra, nota IX ao artigo 18º).

"A separação destas diferentes funções da lei em relação aos direitos fundamentais é de primacial importância, já que o regime constitucional de cada uma delas está longe de ser idêntico: algumas dessas - as enunciadas em (a), (b) e (c) - são, em geral, constitucionalmente obrigatórias, enquanto que outras - as mencionadas em (f) - são, naturalmente, quase sempre facultativas; no exercício de algumas - as referidas em (a) e (b) - o legislador tem, muitas vezes, reduzida margem de liberdade de conformação, enquanto que noutras - as citadas em (c), (d), (e) e (f) - essa liberdade é, por via de regra, maior ou quase total.

"O esforço de distinção entre essas diversas funções da lei em relação aos direitos fundamentais é tanto mais necessário, quanto é certo que, frequentemente, encontram-se várias delas reunidas (se não mesmo misturadas) num mesmo diploma legal".


3.3. Caracterizemos, de seguida, as normas constitucionais em causa, seguindo agora a lição de Jorge Miranda (5 .

"As disposições constitucionais são disposições jurídicas como quaisquer outras. Enquanto tais, podem e devem ser agrupadas, aproximando ou afastando categorias, de harmonia com diversos critérios (x .

"Por um lado, aplicam-se-lhes as classificações conhecidas da Teoria Geral do Direito. Por outro lado, porém, há classificações ou contraposições específicas ou que, ainda quando se encontrem também noutras normas, revestem aqui mais directo interesse [...].

...................................................

"Entre as classificações ou contraposições de mais particular incidência no domínio do Direito Constitucional ou mesmo dele específicas (-), avultam as seguintes:

................................................

"c) Normas constitucionais preceptivas e normas constitucionais programáticas - sendo preceptivas as de eficácia imediata ou, pelo menos, de eficácia não dependente de condições institucionais ou de facto (assim, os artigos 12º e segs., 83º, 85º ou 111º e segs.) e programáticas aquelas que, dirigidas a certos fins e a transformações não só da ordem jurídica mas também das estruturas sociais ou da realidade constitucional, daí o nome), implicam a verificação pelo legislador, no exercício de um verdadeiro poder discricionário, da possibilidade de as concretizar (assim, os artigos 59º, 63º, 78º, 81º, 96º, etc.);

"d) Normas constitucionais exequíveis e não exequíveis por si mesmas - as primeiras, aplicáveis só por si, sem necessidade de lei que as complemente (assim os artigos 24º, 36º, 48º, 56º, 106º, 130º, etc.); as segundas, carecidas de normas legislativas que as tornem plenamente aplicáveis às situações da vida (assim, os artigos 40º, 52º, nº 2, 61º, nº 4, 77º, 85º, nº 2, 276º, nº 2, etc.) e esta classificação está presente no artigo 283º.

.......................................................

"As normas programáticas são de aplicação diferida, e não de aplicação ou execução imediata; mais do que comandos-regras explicitam comandos-valores (-), conferem "elasticidade" ao ordenamento constitucional (-); têm como destinatário primacial - embora não único (-) - o legislador, a cuja opção fica a ponderação do tempo e dos meios em que vêm a ser revestidas de plena eficácia (e nisso consiste a discricionaridade); não consentem que os cidadãos ou quaisquer cidadãos as invoquem já (ou imediatamente após a entrada em vigor da Constituição), pedindo aos tribunais o seu cumprimento só por si, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas constam, maxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativas que de verdadeiros direitos subjectivos (-); aparecem, muitas vezes, acompanhadas de conceitos indeterminados ou parcialmente indeterminados.

...................................................

"Convém igualmente esclarecer que, ao contrário do que, por vezes, se julga, são classificações distintas, embora parcialmente sobrepostas, a classificação das normas constitucionais em preceptivas e programáticas e a classificação em exequíveis e não exequíveis por si mesmas.

"Os prismas em que assentam não se confundem. Enquanto que entre as normas preceptivas e as programáticas a diferenciação se situa a nível de realidade constitucional - susceptível ou não de ser, só por força das normas constitucionais, imediatamente conformada de certo modo - entre as normas exequíveis e as normas não exequíveis o critério distintivo está nas próprias normas e vem a ser a completude ou incompletude destas.

"Precisando um pouco melhor o que são as normas não exequíveis por si mesmas, dir-se-á que nelas se verifica - por motivos diversos de organização social, política e jurídica - um desdobramento: por um lado, um comando que substancialmente fixa certo objectivo, atribui certo direito, prevê certo órgão; e,por outro lado, um segundo comando, implícito ou não, que exige do Estado a realização desse objectivo, a efectivação desse direito, a constituição desse órgão, mas que fica dependente de normas que disponham as vias ou os instrumentos adequados a tal efeito. É a necessidade de complementação por normas legislativas, da interpositio legislatoris nesse sentido, integrando-a num quadro mais amplo, para que realize a sua finalidade específica, que identifica a norma constitucional não exequível por si mesma (-).

"Todas as normas exequíveis por si mesmas podem considerar-se preceptivas, mas nem todas as normas preceptivas são exequíveis por si mesmas. Em contrapartida, as normas programáticas são todas (ou quase todas, talvez) normas não exequíveis por si mesmas. Quer isto dizer que a segunda classificação é mais envolvente do que a primeira, porque entre as normas não exequíveis por si mesmas tanto se encontram normas programáticas (v.g., o artigo 64º) como normas preceptivas (v.g., o artigo 41º, nº 6).



"De comum as normas programáticas e as normas não exequíveis por si mesmas (sejam estas preceptivas ou programáticas) têm a relevância específica do factor temporal e, outrossim, da discricionaridade legislativa. Separam-se, no entanto, por as normas não exequíveis por si mesmas postularem apenas a intervenção do legislador, actualizando-as ou tornando-as efectivas, e as normas programáticas, na grande maioria dos casos, exigirem mais do que isso, exigirem não só a lei como decisões políticas, providências administrativas e operações materiais. Ou seja: na norma exequível por si mesma, o comando constitucional actualiza-se só por si; na norma não exequível preceptiva, ao comando constitucional acresce a norma legislativa; e na norma não exequível por si mesma programática tem ainda de se dar uma terceira instância, a instância política, administrativa e material, única com virtualidade de modificar as situações e os circunstancialismos económicos, sociais e culturais subjacentes à Constituição.

"Em vez de duas classificações, parcialmente sobrepostas, seria, pois, possível um esquema alternativo com três categorias correspondentes a sucessivos graus de efectividade (ou eficácia) intrínseca das normas: 1) normas exequíveis por si mesmas; 2) normas preceptivas não exequíveis por si mesmas; 3) normas programáticas".


3.4. Importa, antes de concluir, nesta parte, conhecer o regime de fiscalização e os efeitos dos actos administrativos que afrontem directamente a Constituição.


3.4.1. Escrevem sobre esta matéria J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira (6 :

"Nos termos da Constituição, depende da sua conformidade com a Constituição a validade das leis e demais actos do Estado e dos poderes públicos (artº 3º,3). Sucede, porém, que nem todos os actos públicos estão sujeitos a um processo de fiscalização da sua conformidade com a Constituição; e nem todos aqueles que o estão, estão sujeitos ao controlo da constitucionalidade em sentido próprio.

"No sistema de fiscalização da constitucionalidade da CRP estão abrangidas apenas as normas, mas também todas as normas (7 , qualquer que seja a sua natureza, a sua fonte, a sua forma, a sua hierarquia, desde que tenham natureza jurídica e façam parte ou vigorem na ordem jurídica portuguesa.

"Também a fiscalização da inconstitucionalidade por omissão controla apenas a omissão de normas (por sinal, apenas as de carácter legislativo), mas não a de outros actos públicos porventura necessários para executar a Constituição.

.................................................

"Estão excluídos do controlo da constitucionalidade todos os demais actos jurídicos, independentemente da sua natureza, que não contenham normas jurídicas, sejam eles actos constitucionais, actos ou negócios jurídicos administrativos ou negócios jurídicos privados.

Importa considerar em particular algumas categorias mais significativas:

.................................................

"c) Actos administrativos

"Os regulamentos, como actos normativos que são, estão sujeitos a fiscalização da constitucionalidade (v.supra, 2.4.2.1/f). Já o mesmo não sucede com os actos administrativos. Seguramente que se um acto administrativo afronta directamente a Constituição, ele pode ser contenciosamente impugnado junto dos tribunais competentes por ilegalidade. Mas a decisão que for proferida não é recorrível para o TC (salvo, eventualmente, se o acto administrativo revestir a forma de acto legislativo, pois então pode este ter de ser concebido como acto normativo, para efeitos da constitucionalidade). A mesma doutrina vale, mutatis mutandis, para os negócios jurídicos de direito público (nomeadamente os contratos administrativos)".

3.4.2. Escreve FREITAS DO AMARAL (8 :

"Além dos casos previstos neste artigo 88º (9 e, eventualmente, de outros estabelecidos em leis especiais, há ainda outros casos de nulidade - as chamadas nulidades por natureza.

"As nulidades por natureza consubstanciam casos em que, por razões de lógica jurídica, o acto não pode deixar de ser nulo, por isso que seria totalmente inadequado o regime da simples anulabilidade. Estes casos são, a nosso ver:
1º Actos de conteúdo ou objecto impossível ............
2º Actos cuja prática consista num crime ou envolva a prática de um crime ........................................
3º Actos que violem os direitos fundamentais do cidadão . æ face da Constituição, também estes actos não podem ser considerados actos simplesmente anuláveis, uma vez existe, quanto a eles, direito de resistência (Constituição, artigo 21º).

"Estes os três casos, a nosso ver, da nulidade por natureza. Fora deles, só há nulidades por determinação da lei: portanto, ou a lei comina aí expressamente a nulidade, ou então caímos na regra geral da anulabilidade".


3.4.3. E escreve sobre a matéria MARCELO REBELO DE SOUSA (10 :
"Os actos administrativos, entendidos como actos de administração de gestão pública unilaterais que visam produzir efeitos jurídicos num caso concreto (-), também podem ser inconstitucionais, e, sendo-o, o seu valor configurar-se como a inexistência e a nulidade.
"São inexistentes os actos administrativos inconstitucionais que violem direitos absolutos, o objecto ou conteúdo dos demais direitos fundamentais e a essência de outros princípios integrantes da Constituição material, e desde que a violação incida apenas na Constituição e não simultaneamente nesta e na lei ordinária. Em todos os demais casos de inexistência do acto administrativo, ela resulta de ilegalidade e não de inconstitucionalidade, sendo relativamente àquele acto mais patente a dependência ou subordinação quanto à legislação ordinária do que no caso dos próprios regulamentos administrativos.

"No tocante ao regime jurídico da inexistência por inconstitucionalidade, ele é igual ao já descrito a propósito de outros tipos de actos do poder político do Estado.

Quanto à inconstitucionalidade que não gera inexistência, ela é equiparada à ilegalidade dos actos administrativos e os actos administrativos inconstitucionais são nulos e não anuláveis. O regime jurídico da nulidade não é previsto na Constituição, mas o decorrente da lei ordinária...............................".


3.5. Recolhidos os elementos adequados à dilucidação da questão em causa, resta sintetizar e concluir.


3.5.1. Consagra o artigo 66º da Constituição da República o direito (positivo) de todos a uma acção do Estado, no sentido de este defender o ambiente e de controlar as acções poluidoras do ambiente, e o direito (negativo) à abstenção, por parte do Estado e ou de terceiros, de acções perturbadoras e ou atentatórias do ambiente.

Para o efeito deve o Estado, por um lado, definir (11 desenvolver e concretizar as tarefas enunciadas (e impostas)pelo referido preceito fundamental (legislando, regulando e executando, em conformidade), por outro lado, respeitar, ele mesmo, e fazer respeitar, por terceiros, o direito consagrado naquele preceito fundamental (abstendo-se da prática de actos atentatórios do ambiente e não permitindo a prática desses actos por terceiros).

As normas do referido artigo 66º não são, pois, meras normas programáticas, pois conferem aos cidadãos autênticos direitos subjectivos, a que correspondem verdadeiras obrigações do Estado, traduzidas em actividades e ou em abstenções, nos termos indicados.

A violação do direito positivo (dos cidadãos) consagrado no referido preceito fundamental, resulta, pois, da inércia do Estado, da omissão das actividades exigidas do Estado, nos termos apontados (12 ; a violação do direito negativo pela não abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções atentatórias do ambiente.

Viola, pois, o preceito fundamental em causa o acto administrativo do Estado que não respeite o direito aí consagrado, como seja, aprovando obras ou construções que contribuam para a poluição e degradação do ambiente.

Importa precisar os termos e os efeitos dessa violação.


3.5.2. Resulta do atrás exposto - cfr. os nºs. 3.2.2. e 3.2.3. - que a satisfação do direito previsto no referido artigo 66º impõe ao Estado a adopção de medidas legislativas visando, por um lado, definir (e desenvolver) o âmbito do direito ao ambiente, incluindo as garantias e meios de defesa contra a agressão desse direito, por outro lado, definir, desenvolver e prosseguir as tarefas que lhe são impostas neste preceito.
Essa actividade legislativa, mais precisamente, as normas que realizem esse direito serão, como também já se disse, inconstitucionais, se não realizarem o direito nos termos constitucionalmente previstos, se não respeitarem a extensão e o alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional em causa - cfr. artigo 18º, nº 3, da Constituição.
Isto é, violam o referido preceito fundamental as normas que não respeitem o seu conteúdo essencial, o conteúdo essencial do direito aí previsto.

Ora, cabendo ao Estado, por um lado, abster-se da prática de actos atentatórios do ambiente, do direito ao ambiente, deve igualmente entender-se que desrespeitam o referido preceito fundamental os actos administrativos do Estado que não respeitem o conteúdo essencial do direito em causa, segundo as circunstâncias do caso concreto.

Esses actos devem, é certo, ser confrontados, em primeiro lugar, com as leis publicadas em conformidade com o referido preceito constitucional. Mas, na falta de lei mediadora, os actos devem ser apreciados à luz desse preceito fundamental, devendo entender-se que o violam se, como se disse, não respeitarem o conteúdo essencial do direito, isto é, aquele mínimo sem o qual esse direito fundamental não pode subsistir (13 .

Como qualificar essa violação?


3.5.3. Deve entender-se o direito ao ambiente como um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias - cfr. o nº 3.2.1. - na parte e medida em que se traduz num direito à abstenção por parte do Estado, de acções perturbadoras e ou atentatórias do ambiente.

Essa analogia pode ainda fundamentar-se numa certa relação de meio a fim, entre o direito ao ambiente, como direito fundamental de natureza social e de prestação negativa, e o direito à vida, também direito fundamental, e incluído entre os direitos, liberdades e garantias.

Nesta perspectiva, defender o ambiente tem sentido como meio de garantir o direito à vida.

Dizem J.J.GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (14 :

"O direito à vida significa também direito à sobrevivência, ou seja, direito a viver. Neste sentido o direito à vida traduz-se no direito a dispor das condições de subsistência mínimas, integrando designadamente o direito ao trabalho (ou ao subsídio de desemprego, na falta daquele), à protecção da saúde, à habitação, implicando o direito a reclamar do Estado as prestações existenciais indispensáveis a uma vida minimamente digna. Por esta via, o direito à vida revela-se como matriz ordinária dos principais direitos sociais (artigos 50º e segs.)".

Assim sendo - cfr. o artigo 17º da Lei Fundamental -, esse preceito (o referido artigo 66º da Constituição da República) é directamente aplicável e vincula o Estado e demais entidades - artigo 18º, nº 1.


3.5.4. O acto administrativo que viole direitos, liberdades e garantias ou direitos sociais que devam ter o mesmo regime daqueles não pode ter tratamento mais benévolo do que uma lei que se ocupasse da mesma matéria em desrespeito da Constituição.

Como este Conselho Consultivo tem entendido, e se escreveu, p.ex., no parecer nº 26/78, de 16 de Março de 1978 (15 :

"Por força do artigo 18º, nº 1, da Constituição da República os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. Quer dizer: as normas que reconhecem os direitos fundamentais são regras jurídicas vinculativas de todos os órgãos do Estado e o poder executivo terá de actuar de forma a proteger e impulsionar a realização concreta dos mesmos direitos (-). Por outras palavras ainda, todas as autoridades encarregadas de aplicar o direito podem e devem dar operatividade imediata às normas constitucionais.

"É, afinal, aplicação do princípio fundamental da não contradição da ordem jurídica, que postula a validade exclusiva das normas hierarquicamente superiores, ou seja, das normas constitucionais. Ou, noutra perspectiva, uma consequência lógica do princípio da superlegalidade das normas constitucionais; face a uma antinomia de normas jurídicas o critério da hierarquia das normas conduz à cessação da eficácia das normas inferiormente situadas na escala normativa.

..................................................

"Ora, incluindo-se o artigo (-) no elenco valioso dos preceitos respeitantes aos direitos, liberdades e garantias, também por esta via chegávamos à mesma conclusão (...): o nº (...) do artigo (...) em causa, violando tão frontalmente aquele preceito (fundamental), não vincula as entidades públicas e privadas, que devem antes recusar a sua aplicação.

"As referidas normas constitucionais prevalecem directamente sobre qualquer norma ordinária, vinculando quem tenha de fazer aplicação das normas jurídicas, constitucional e ordinária, em conflito (...)".

Na sequência do exposto, tanto basta para se qualificar de nulidade, e não de mera anulabilidade (16, o vício dos actos administrativos que violem, nos precisos limites atrás apontados, o referido preceito fundamental.


4


Passemos à outra questão posta - a de saber se "está ou não plenamente em vigor o Decreto-Lei nº 321/83", face à não publicação da regulamentação a que se refere o seu artigo 9º.

4.1. Dispõe o artigo 5º do Código Civil:

"1. A lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.

2. Entre a publicação e a vigência da lei decorrerá o tempo que a própria lei fixar ou, na falta de fixação, o que for determinado em legislação especial".

E o artigo 2º, nº 1, da Lei nº 6/83, de 29 de Julho:

"1 - O diploma entra em vigor no dia nele fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto dia após a publicação, nos Açores e na Madeira no décimo quinto dia e em Macau e no estrangeiro no trigésimo dia".

Nos termos destas disposições legais, as leis começam a vigorar no dia nelas fixado ou, na falta de fixação, no continente no quinto dia após a publicação, nos Açores, Madeira, Macau e no estrangeiro nos dias indicados no referido artigo 2º.

Nada dispondo o Decreto-Lei nº 321/83, sobre a sua entrada em vigor, deverá concluir-se pela sua vigência, desde há muito tempo, em conformidade com as normas apontadas.


4.2. Resulta, no entanto, dos elementos fornecidos que as dúvidas levantadas se não prendem propriamente com a "vigência" daquele diploma legal mas, sim, com a sua eficácia, "exequibilidade" (17 .

Vejamos, em resumo, os termos em que a questão foi levantada e as diversas posições assumidas sobre a matéria em causa.



4.2.1. Entende a Direcção-Geral do Turismo (Informação nº 24/87 - GJ, de 30/9/87) que a área da Reserva Ecológica Nacional (REN) não está (ainda) definida, pois:

- O artigo 2º do Decreto-Lei nº 321/83 diz que a REN é constituída "por", e não "pelos", ecossistemas costeiros e interiores;

- As alíneas dos nºs. 1 e 2 do referido artigo 2º não constituem enumeração exaustiva dos ecossistemas que integram a REN, como resulta do uso do termo "designadamente";


- Alguns dos ecossistemas enumerados (exemplificativamente) são definidos com recurso a conceitos vagos, como sejam, entre outros, os referidos na alínea c) do nº 2 do citado artigo 2º -" leitos normais dos cursos de água, zonas de galeria e faixas amortecedoras, além das suas margens naturais", e na alínea h) do mesmo nº 2 - "acentuada erosão superficial";

- Outros ecossistemas são definidos com recurso a conceitos técnicos (por exemplo, na alínea a) do nº 2 - "faixas amortecedoras") ou a conceitos simultaneamente técnicos e vagos (por exemplo, na alínea b) do mesmo nº 2 - "áreas abandonadas").

Daí que o artigo 7º, nº 1, alínea a), do diploma em causa atribua ao Conselho da Reserva Ecológica Nacional - ainda não criado - "aprovar o âmbito e limite físico da REN", e o artigo 9º remeta para a regulamentação, em diploma legal adequado, ainda não publicado, a "identificação das áreas previstas no artigo 2º"; e, em conformidade, se deva concluir que a REN só estará definida quando "sucessivamente, forem dados os seguintes passos:


a) For publicado o regulamento previsto no artigo 9º do diploma que, para além das matérias respeitantes à identificação da área da REN e a sua cartografia, regulamentará a estrutura e funcionamento do Conselho daquela reserva;

b) Nos termos do diploma em apreço e seu regulamento o Conselho da REN aprovar o âmbito e o limite físico da reserva;

c) For cartografada a área da REN".


Na sequência do exposto entende a referida Direcção-Geral que:

- o Decreto-Lei nº 321/83 tem a sua eficácia suspensa até à entrada em vigor do Regulamento previsto pelo seu artigo 9º, limitando-se aquele diploma "a estabelecer os princípios basilares que hão-de reger a criação, funcionamento e protecção da REN, remetendo para regulamento o desenvolvimento desses princípios (que) carecem de desenvolvimento";

- o regime de proibições previsto no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 321/83 não é, pois, de aplicação imediata, por não estar regulamentado, nomeadamente no que respeita às excepções previstas no nº 2 do mesmo artigo; e, por isso mesmo,

- os pareceres que desaprovem a localização de um empreendimento turístico com fundamento no regime de proibições previstas no nº 1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 321/83, devem considerar-se como não fundamentados.


4.2.2. Diz-se em informação nº 93 da Secretaria de Estado de Administração Local e Ordenamento do Território (18 :

"Afigura-se-nos que o legislador, ao instituir a Reserva Ecológica Nacional, reservando para mais tarde a elaboração dos referidos diplomas regulamentares, pretendeu, desde logo, evitar que fossem degradadas em determinadas áreas certas circunstâncias e capacidades de que dependem a estabilidade e fertilidade das regiões, salvaguardando a sua estrutura biofísica. Daí o regime de proibições estabelecido no nº 1 do artigo 3º e a indicação no artigo 2º das áreas que constituem a Reserva Ecológica Nacional, o que permite uma aplicação imediata do diploma pelos órgãos da Administração sem prejuízo de, mais tarde, se regulamentarem certas matérias, como seja, o regime de excepções".


4.2.3. Na mesma linha elaborou a Auditoria Jurídica do MPAT duas informações (nº 10/88, de 5/2/88, e nº 82/88, de 5/7/88).

Escreveu-se na informação nº 82/88:

"Ora, nada se diz nem resulta, minimamente, do artigo 9º ou de qualquer outro preceito do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, que a produção de efeitos esteja condicionada pela publicação do regulamento.

.....................................................

"Para além disso, o próprio diploma aponta, de forma inequívoca, no sentido de, perfeito o acto criador, as suas normas produzirem eficácia, sem mais.

"Assim, a reserva Ecológica Nacional está perfeitamente delimitada no artigo 2º.

"O Governo regulamentará, além do mais, a identificação das áreas previstas no artigo 2º e os prazos e forma de execução da cartografia (artigo 8º).

"O Ministério da Qualidade de Vida deverá cartografar a área da Reserva Ecológica e essa cartografia terá a delimitação das manchas da Reserva Ecológica e fará caducar, a uma vez plenamente eficaz, as delimitações previstas no artigo 2º (artigo 9º).

"Daí resulta que o Decreto-Lei delimitou a Reserva Ecológica, o regulamento deverá identificar essas áreas já delimitadas e, num momento posterior, deverá ser cartografada a área da Reserva Ecológica, tendo essa cartografia a delimitação das manchas da Reserva Ecológica.

"Só a eficácia das delimitações da cartografia fará caducar as delimitações previstas no artigo 2º.

...................................................

"Assim, se a cartografia da área da Reserva Ecológica, plenamente eficaz, faz caducar as delimitações previstas no artigo 2º,isto significa que as delimitações deste artigo são eficazes desde que perfeito o seu acto criador até à eficácia da referida cartografia.

"Para um melhor entendimento do verdadeiro sentido do diploma, também convém ponderar o respectivo preâmbulo.

"Aí se refere expressamente que a criação da reserva baseou-se no facto de que "o território deve constituir o suporte físico e biológico indispensável ao desenvolvimento económico, social e cultural".

"Sendo necessário, para isso salvaguardar desde já determinadas situações específicas que servirão de apoio à indispensável estrutura de protecção e enquadramento dos espaços produtivos ou urbanos (o sublinhado é nosso).

"Esta passagem - e outras se podiam referir - demonstra, de forma inequívoca, que o legislador ao criar a Reserva Ecológica Nacional, quis preservar, a partir de então, todas as áreas indispensáveis à estabilidade ecológica do meio e à utilização dos recursos naturais, tendo em vista o correcto ordenamento do território.

"Para o efeito, define a constituição ou as delimitações e o regime da reserva ecológica.

"Logo, o Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho deve ser interpretado no sentido de produzir efeitos decorridos 5 dias, a contar da data da sua publicação, independentemente da publicação de qualquer regulamento.

"Tal só não se verificará, isto é, só não produzirá efeitos a partir de então, desde que não seja exequível.

"Quanto às matérias cuja regulamentação se encontra prevista no artigo 9º é exequível a referente à constituição ou delimitação das áreas previstas no artigo 2º.

"Com o regulamento proceder-se-á à identificação das áreas previstas no artigo 2º e, posteriormente, deverá cartografar-se a área da Reserva Ecológica que, uma vez plenamente eficaz, fará caducar as delimitações previstas no artigo 2º. Isto é, as delimitações previstas no artigo 2º estão em vigor, e só deixam de produzir efeitos com a eficácia da cartografia prevista no artigo 8º.

"A regulamentação do diploma destina-se a garantir maior eficiência administrativa e maior certeza do direito para os particulares.

"Como se vê, o preâmbulo e o articulado do diploma impõem que se aplique, desde logo, o regime previsto no artigo 3º, nº 1, às áreas previstas no artigo 2º e, ao mesmo tempo, o Decreto-Lei é, nesta parte, exequível.

"Mas já é inexequível no que respeita às estruturas e funcionamento do Conselho e das comissões regionais da Reserva Ecológica e às excepções previstas no artigo 3º, nº 2.

"Assim sendo, e perante determinado caso concreto, há que ponderar, convenientemente, a exequibilidade das disposições do Decreto-Lei.

"Na hipótese afirmativa, produz efeitos. Na negativa, não os produz.

...................................................

"Logo, até à publicação do regulamento, nas áreas previstas no artigo 2º são proibidas todas as acções referidas no nº 1 do artigo 3º.

..................................................



"Assim sendo, até à publicação do regulamento, compete às entidades licenciadoras não autorizar, nas áreas previstas no artigo 2º, as actividades referidas no nº 1 do artigo 3º.

"Após a publicação do regulamento poderão as entidades licenciadoras autorizar, nas áreas delimitadas no artigo 2º e identificadas no próprio regulamento, as utilizações e ocupações, nele definidas e segundo os termos dele constantes.

..................................................".



4.2.4. Vê-se, pois, estar essencialmente em causa o artigo 9º do Decreto-Lei nº 321/83, especialmente na parte e medida em que prevê a regulamentação da matéria do artigo 2º.

Como já se viu, aquela disposição prevê que o Governo regulamente "o disposto no presente decreto-lei, designadamente, e entre outras, as matérias respeitantes [...] à identificação das áreas previstas no artigo 2º [...]".


Como qualificar o(s) regulamento(s) previsto(s) nessa disposição?


Em que medida tal(is) regulamento(s) condiciona(m) a execução (a exequibilidade) do referido Decreto-Lei?


4.3.1. A execução da lei consiste na realização prática e efectiva dos comandos normativos nela contidos .

A execução da lei depende, em primeiro lugar, da circunstância de os casos concretos se situarem no âmbito da vigência e na esfera da eficácia da lei, e, ainda, de um outro factor, que é a exequibilidade da lei. Isto é, não basta que a lei se encontre em vigor e que a situação real seja abrangida no período temporal ou na área espacial a que a lei se encontra adstrita. É ainda preciso que a lei contenha (ou tenha à sua disposição) os instrumentos jurídicos indispensáveis para dar realização coactiva à sua aplicação concreta.

Se (e enquanto) não possuir os instrumentos (regulamentares, processuais, judiciários ou administra- tivos) indispensáveis à realização coactiva dos seus preceitos, a lei pode já estar em vigor, mas não é lei exequível.

Trata-se de uma situação anómala, que cria para outros órgãos (em princípio o Governo) a obrigação politico-jurí- dica de editar as normas complementares necessárias à sua plena execução .


4.3.2. Importa conhecer melhor as diversas situações que pode criar a falta de regulamentação das normas legais, nomeadamente quando essa regulamentação está prevista na própria lei .


4.3.2.1. Em primeiro lugar deve ter-se presente que o facto de uma lei poder ser regulamentada pelo Governo, no desenvolvimento de uma ou outra disposição, não significa, por si só, que a lei tenha de ser globalmente considerada como inexequível até à entrada em vigor das normas que a regulamentem.

Na realidade, todas as leis comportam, em princípio, a possibilidade de uma regulamentação capaz de aperfeiçoar o modo de aplicação de algumas das suas normas. O Governo detém competência genérica para "fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis" (artigo 202º, alínea c), da Constituição). Tal competência - para a elaboração desses regulamentos, convenientes mas não indispensáveis à execução da lei - não depende de nenhuma habilitação ou autorização especificamente conferida.

Nesses casos, qualquer habilitação específica conferida pelo legislador terá um valor redundante, nada mais significando do que um simples apelo para que o Governo não descure a matéria (19 .

Tais regulamentos - regulamentos de execução, no sentido mais estrito do termo - podem ser úteis, podem ser convenientes para assegurar uma aplicação eficiente, mais segura e ordenada da lei, mas não são indispensáveis à sua execução.


4.3.2.2. Distinta é a situação em que o próprio legislador torna expressa, no articulado, a vontade de que a lei não seja executada antes de publicada a respectiva regulamentação, isto é, antes de acertados determinados pormenores que garantam o grau máximo de certeza e uniformidade da sua aplicação prática.

E, de igual modo, mesmo na falta de disposição expressa do legislador, devem considerar-se inexequíveis, logo à partida, as leis que prevejam expressamente a regulamentação dos seus preceitos, desde que estes sejam de tal modo imprecisos, vagos ou incompletos, que a sua execução não possa processar-se senão em termos de inconveniente incerteza jurídica ou de relevante insegurança individual ou social.

Trata-se, nestes casos, de regulamentos complementares, impostos ou intrinsecamente necessários à execução da lei (20 .

4.3.2.3. Entre estes regulamentos e os regulamentos independentes - que aqui não interessa abordar - poderão ainda referir-se os regulamentos que visam completar a disciplina primária definida na lei, preenchendo os espaço deliberadamente deixados em aberto pelo legislador. Muitas vezes a lei estabelece a disciplina normativa de certa matéria, mas deixa-a propositadamente incompleta em determinados pontos, seja porque o legislador não se sente ainda na posse de todos os elementos técnicos necessários para os regular, seja porque se considera preferível remeter para regras mais flexíveis o regime de certas áreas de maior instabilidade social ou de mais rápida desactualização. O legislador limita-se, nestes pontos, a remeter para diplomas posteriores de carácter regulamentar, chamando assim o Governo a preencher os espaços vazios da lei.

É esta, aliás, uma espécie que surge com bastante frequência na prática legislativa actual, constituindo mesmo a principal hipótese em que a exequibilidade das leis fica na dependência da sua regulamentação, que visa, aqui, não apenas desenvolver, pormenorizar as previsões da lei, mas, sim, completar, integrar o inacabado quadro jurídico traçado pelo legislador. Daí a sua designação de regulamentos integradores (21 , podendo também chamar-se-lhe regulamentos complementares, como os anteriormente referidos.

Se da lei não resultar conclusão diferente, a sua execução global necessita de aguardar a publicação dos referidos diplomas complementares. Enquanto a falta se não preencher, a execução da lei não é viável, isto é, a lei não pode ser aplicada.


4.4. Como se viu, a Direcção-Geral do Turismo entende que o Decreto-Lei nº 321/83 tem a sua eficácia suspensa (22 até à entrada em vigor do regulamento previsto no seu artigo 9º, limitando-se aquele diploma a estabelecer os princípios basilares que hão-de reger a criação e funcionamento da REN, enquanto que a Auditoria Jurídica do MPAT defende a vigência do referido diploma legal, destinando-se a regulamentação em causa a "garantir maior eficiência administrativa e maior certeza do direito para os particulares". Isto é, aquela entidade defende estar-se perante autêntico regulamento complementar, indispensável à execução do Decreto-Lei nº 321/83, enquanto que a Auditoria Jurídica admite tratar-se de mero regulamento de execução, necessário tão-somente à boa (melhor) execução do referido diploma.

É este, de facto, o cerne da questão levantada, que importa tratar de seguida.

Para o efeito afigura-se conveniente começar por uma breve análise (e confronto) com normas paralelas do Decreto-Lei nº 451/82, da Lei nº 11/87, e do recente Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho.


4.4.1. A Lei nº 11/87, de 7 de Abril, que definiu as bases da política de ambiente, prevê a regulamentação de diversas das suas normas. "Todos os diplomas legais necessários à regulamentação do disposto no presente diploma serão obrigatoriamente publicados no prazo de um ano a partir da data da sua entrada em vigor" - artigo 51º. E dispôs no artigo 52º:

"1- Na parte que não necessita de regulamentação, esta lei entra imediatamente em vigor.

2- As disposições que estão sujeitas a regulamentação entrarão em vigor com os respectivos diplomas regulamentares".


4.4.2. O Decreto-Lei nº 451/82, de 16 de Novembro, que instituiu a Reserva Agrícola Nacional, apresenta certas afinidades de estrutura relativamente ao Decreto-Lei nº 321/83, ora em causa.

Assim, dispôs nos artigos 1º e 2º:

"É instituída a reserva agrícola nacional, que integra os solos com maior aptidão para a produção de bens agrícolas indispensáveis ao abastecimento nacional, para o pleno desenvolvimento da agricultura e para o equilíbrio e estabilidade das paisagens" - artigo 1º .

"1- A reserva agrícola nacional, que adiante se designará por reserva agrícola, é constituída pelos solos das classes de capacidade de uso A e B e da subclasse Ch.

2- Nas freguesias onde não existam solos das classes A e B integrar-se-ão na reserva agrícola os solos de toda a classe C.

3- Incluem-se, também, na reserva agrícola os "assentos" de lavoura de explorações agrícolas viáveis, as áreas submetidas a importantes investimentos destinados a aumentar a capacidade produtiva dos solos, bem como aquelas cujo aproveitamento seja determinante da viabilidade económica de explorações agrícolas existentes.

4- As classes de capacidade de uso A, B e C e respectivas subclasses são as definidas para a elaboração da Carta de Capacidade de Uso do Solo, a cargo do Centro Nacional de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, serviço operativo do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Extensão Rural" - artigo 2º.

O nº 1 do artigo 3º proíbe nos solos da reserva agrícola "todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades [...]", exceptuando as alíneas a) a f) do nº 2, do disposto no número anterior, diversas obras, habitações, expansões urbanas, construções e vias de comunicação.

O artigo 6º prevê a criação do Conselho de Reserva Agrícola e das comissões regionais de reserva agrícola, com a composição e as atribuições definidas nos artigos seguintes.

O artigo 19º impõe ao MACP o encargo de cartografar a área da reserva agrícola.

E dispõe o artigo 20º; em termos muito próximos do artigo 9º do Decreto-Lei nº 321/83:

"1- Serão objecto de regulamentação por portaria do Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, no prazo de 90 dias a partir da publicação do presente diploma, as condições de instalação e funcionamento do conselho e das comissões regionais da reserva agrícola.

2- Serão objecto de regulamentação por despacho do Ministro de Agricultura, Comércio e Pescas:

a) As normas para identificação das áreas a que se refere o nº 3 do artigo 2º;

b) As excepções previstas nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 3º;

c) A oficialização da definição das classes de capacidade de usos dos solos;

d) Os prazos e a forma de execução da cartografia a que se refere o artigo 19º".

Dos regulamentos previstos nesse artigo 20º apenas foi publicada a Portaria nº 399/83, de 8 de Abril, relativamente ao funcionamento do Conselho da Reserva Agrícola.

Poder-se-ia dizer que, até à publicação da regulamentação prevista no nº 2 desse artigo 20º, já estava em vigor, isto é, já era "eficaz", a referida Reserva Agrícola, na medida em que o referido artigo 20º não contém disposição idêntica à da segunda parte do nº 2 do artigo 52º da citada Lei nº 11/87?


4.4.3. Em vez de regulamentar o Decreto-Lei nº 451/82, o legislador, pelo Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de Junho, optou por revogar aquele diploma e a Portaria nº 399/83, e estabelecer um novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional.

Diz-se no seu preâmbulo:

"Na linha do que já se encontrava previsto no Decreto-Lei nº 451/82, de 16 de Novembro, embora nunca tivesse sido concretizado, o presente diploma atribui a gestão das áreas integradas na RAN a órgãos regionais representativos das várias entidades com responsabilidade na matéria, dotando-os, simultaneamente, dos instrumentos jurídicos que lhes possibilitem, em conjugação com as direcções regionais de agricultura, uma actuação pronta e eficaz perante as acções violadoras do regime ora instituído.

Tarefa candente para a plena realização dos objectivos do presente diploma, bem como para o regime jurídico administrativo por ele instituído, é, sem dúvida, a efectiva delimitação das áreas da RAN. Tal revela-se um trabalho complexo e necessariamente demorado (pelo menos a nível da totalidade do território nacional), que se integra na política de ordenamento de território, a que o Governo, aliás, tem dado a maior importância.

Por isso, o presente diploma prevê um regime transitório - a vigorar até à publicação das portarias que delimitarão as áreas da RAN -, baseado na classificação dos solos utilizada para a elaboração das cartas de capacidade de uso. Este sistema, que permite a aproximação possível à posterior delimitação das áreas da RAN, impede o agravamento da situação existente até que tal se verifique, pois aos solos assim identificados como pertencentes às classes A e B é aplicável o regime proibitivo previsto para as citadas áreas".

E dispôs o Decreto-Lei nº 196/89:

"Artigo 3º.

1- A Reserva Agrícola Nacional, abreviadamente designada "RAN", é o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas.

...................................................".

"Artigo 4º.

1 - As áreas da RAN são constituídas por solos das classes A e B, bem como por solos de baixas aluvionares e coluviais e ainda por solos de outros tipos cuja integração nas mesmas se mostre conveniente para a prossecução dos fins previstos no presente diploma.

2 - ...............................................".

"Artigo 5º.

1- As áreas da RAN são identificadas na carta da RAN, a publicar por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

2- A publicação da carta da RAN pode ser feita de forma parcelada, designadamente município a município, consoante os trabalhos da sua elaboração se forem desenvolvendo".

"Artigo 6º.

1- Quando assumam relevância em termos de economia local ou regional, podem ser integrados na RAN:

a) As áreas que tenham sido submetidas a importantes investimentos destinados a aumentar com carácter duradouro a capacidade produtiva dos solos;

b) Os solos cujo aproveitamento seja determinante da viabilidade económica de explorações agrícolas existentes;

c) Os solos da subclasse Ch.

2- A submissão ao regime da RAN faz-se por despacho do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.
................................................".


"Artigo 8º.

1- Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, os solos da RAN devem ser exclusivamente afectos à agricultura, sendo proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:

..................................................".


Capítulo III - Regimes transitórios


"Artigo 24º

1- Por portaria do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação pode ser determinada a aplicabilidade das cartas de capacidade de uso dos solos, elaboradas pelo Centro Nacional de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, às zonas ainda não abrangidas por carta da RAN já publicada.

2- As cartas a que se refere o número anterior classificam os solos em classes (A, B, C, D e E), subdivididas, à excepção da classe A, em subclasse (e, h e s), podendo delimitar manchas de estrutura complexa".


"Artigo 25º.

Nas zonas abrangidas por cartas de capacidade de uso dos solos, considera-se que integram a RAN os solos nelas identificados pertencentes às classes A e B e ainda as manchas de estrutura complexa compostas por solos das classes A e B em percentagem a definir na portaria a que se refere o artigo anterior" (23 .



4.4.4. Vê-se do preâmbulo do Decreto-Lei nº 196/89 ter o legislador reconhecido que o regime de Decreto-Lei nº 451/82 não chegou a ser concretizado, podendo ainda concluir-se que a não concretização desse regime se deveu essencialmente à dificuldade da "delimitação das áreas da RAN" "trabalho complexo e necessariamente demorado", como aí se diz.

Para impedir "o agravamento da situação existente", para uma imediata e eficaz - embora parcial - actuação perante as acções violadoras do regime ora instituído, o diploma criou um regime transitório a vigorar até à publicação das portarias que delimitarão as áreas da RAN, que consiste em aplicar desde já (cfr. o artigo 25º) o regime proibitivo em causa aos solos identificados como pertencentes às classes A e B segundo as respectivas cartas de capacidade de uso dos solos.

Não continha o Decreto-Lei nº 451/82 medida idêntica, nem o mesmo indiciava a sua aplicação imediata, ao menos parcial, muito embora, como já se notou, o referido artigo 20º nada dissesse quanto à (não) entrada em vigor do diploma. Aliás, afigurava-se evidente que a regulamentação prevista nas alíneas a) e c) do nº 2, daquele artigo 20º, relativamente à delimitação da área da RAN, só por si, "comandava" a exequibilidade do diploma.

Resulta de todo o exposto para a economia do parecer:

- Perante a "inexequibilidade" do regime do Decreto-Lei nº 451/82, nos termos apontados, não deverá surpreender a possível "inexequibilidade" do regime instituído no Decreto-Lei nº 321/83, que, como veremos, enfrenta idênticas dificuldades, e, como sabemos, visa fins (valores) muito próximos;

- Não contendo o Decreto-Lei nº 321/83 norma idêntica à do nº 2 do artigo 52º da citada Lei nº 11/87, a sua exequibilidade dependerá da exequibilidade imediata do seu regime, isto é, da dispensabilidade (ou não) da regulamentação prevista no seu artigo 9º.

Desta questão iremos ocupar-nos de seguida.


4.5. Como se viu, são bem distintas (e contraditórias) as duas posições defendidas no processo instrutor, tendo sido arrolados os argumentos em que as mesmas se fundamentam.

Ponderando tais argumentos, à luz das antecedentes considerações, cremos haver fortes razões para defender a inexequibilidade do Decreto-Lei nº 321/83,inexequibilidade que perdurará até à publicação e concretização da regulamentação prevista no seu artigo 9º.

De uma forma tanto quanto possível sucinta, tentemos justificar, a partir do texto do diploma em causa, a posição que se afigura correcta, e que é a posição defendida pela Direcção-Geral do Turismo.


4.5.1. Não esclarece o preâmbulo do diploma o momento a partir do qual deverá - ou deveria - vigorar plenamente o regime instituído.

As expressões "o segundo passo será dado com a criação da Reserva Ecológica Nacional" e "a Reserva Ecológica constituirá" apontam para o futuro, sem esclarecerem se próximo, se remoto.

E a expressão "para isso é necessário salvaguardar desde já determinadas situações específicas", se é certo que indicia uma certa urgência, não é menos certo que essa urgência era de certo modo respeitada (conseguida) com a publicação, em 120 dias, da complexa regulamentação prevista no referido artigo 9º.


4.5.2. O artigo 1º institui - diz ser instituída - a Reserva Ecológica Nacional. E são de tal modo vagos e imprecisos os parâmetros conceituais usados na noção legal da Reserva, que terá de concluir-se pela insuficiência da disposição para delimitar, com um mínimo de segurança, os terrenos abrangidos pelo novo estatuto.


4.5.3. O artigo 2º, que visa esclarecer a disposição anterior, peca manifestamente pela sua indefinição, constituindo, de facto, um dos maiores obstáculos à exequibilidade do diploma em causa, pois: contém uma indicação meramente exemplificativa (24 dos ecossistemas que constituem a Reserva Ecológica Nacional; esses ecossistemas são enumerados por forma a admitir-se que apenas alguns de cada tipo, e não todos, venham a integrar a referida Reserva Ecológica (25 ; alguns dos ecossistemas, como se exemplifica no ponto 4.2.1., são identificados com recurso a conceitos vincadamente indeterminados, vagos e/ou técnicos, que necessitam necessariamente de definição legal, que permita a sua aplicação com a indispensável segurança.

Perante tais "deficiências" não é possível dizer que a Reserva Ecológica Nacional ficou, de facto, "definida", "identificada". Daí que o questionado artigo 9º preveja a necessidade de "identificação" por regulamento, das áreas previstas no artigo 2º, "identificação" que só ficará completa quando o Conselho da Reserva Nacional aprovar o "âmbito e limite físico da REN" - artigo 7º, nº 1, alínea a).

É certo que o nº 2 do artigo 8º parece sugerir que o artigo 2º já contém as "delimitações" da REN, delimitações que caducarão, por substituição, pela cartografia referida nesse mesmo preceito.

Na sequência do exposto, tal não pode ser o sentido daquela disposição, pois o artigo 2º não contém uma "delimitação" da REN, limitando-se a indicar, exemplificativamente os ecossistemas que poderão vir a constituí-la.

"Delimitações" só poderá haver depois de cumprido o disposto no referido artigo 9º, depois do Conselho da Reserva Ecológica" aprovar o limite físico da REN".

O nº 2 do referido artigo 8º, ao referir-se, menos correctamente, às "delimitações previstas no artigo 2º", quer necessariamente reportar-se às "delimitações" nos termos indicados, com base nos elementos (ecossistemas) enunciados no artigo 2º.

Deve, pois, concluir-se que, enquanto se não observar o disposto nos citados artigos 9º e 7º, nº 1, alínea a), no tocante à identificação e delimitação da área da Reserva Ecológica Nacional, não é possível impor o regime de proibições previsto nº 1 do artigo 3º do mesmo diploma para "os solos da Reserva".

Aliás, nesta última norma, de importância capital para e instituição do novo regime, recorreu-se de igual modo a uma cláusula geral, de âmbito indeterminado - "acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades" -, tornando-se necessária uma concretização complementar desses preceitos.

Tanto bastaria para, desde já, concluir pela inexequibilidade do diploma em causa - o citado Decreto-Lei nº 321/83 -, e, consequentemente, pela impossibilidade de violação das suas normas.


4.5.4. Assim concluindo, a economia do parecer dispensar-nos-ia de apreciar, em pormenor, uma a uma, as demais normas do diploma em causa, nomeadamente aquelas para que está prevista regulamentação.

Dir-se-á, no entanto, sumariamente, que o grau de necessidade dessa regulamentação não é o mesmo, no tocante a todas essas normas.

Assim:

4.5.4.1. Quanto às excepções previstas no nº 2 do artigo 3º:
Revela essa disposição que o legislador não pretende interditar todos os actos que impeçam ou restrinjam as potencialidades ecológicas dos terrenos que se julga necessário preservar. A norma proibitiva do nº 1 não é absoluta, devendo ser completada com a determinação das situações em que o interesse ecológico deve ceder perante valores doutra natureza. Isto é, impõe-se concluir que as excepções previstas no nº 2 do artigo 3º devem ser consideradas como parte integrante do regime proibitivo, não podendo este ser aplicado antes de elas se encontrarem definidas.


4.5.4.2. Quanto à composição e funcionamento dos órgãos de execução da Reserva (artigos 6º e 7º):

O diploma não define a composição e o funcionamento desses órgãos e só em parte alude às suas atribuições ou competências. Sendo esta matéria de carácter institucional, carece o diploma de normas complementares, que não apenas de regulamentos (de mera execução) visando a sua melhor execução.


4.5.4.3. Quanto à cartografia (artigo 8º):

A (não) regulamentação desta matéria não põe em causa a exequibilidade do regime instituído, pois a cartografia (apenas) virá substituir as delimitações previstas no diploma, a definir nos termos atrás referidos.


4.6. Pode, pois, concluir-se que o regime fixado pelo Decreto-Lei nº 321/83 se encontra incompleto, inexequível.

Apenas uma parte da regulamentação prevista como seja a relativa à cartografia pode ser qualificada como meramente executiva, e, como tal, não essencial à aplicação do diploma.

Tal não sucede com os outros regulamentos previstos no referido artigo 9º, que, como se demonstrou, são (uns) imprescindíveis para concretizar ou completar normas fundamentais, como sejam as normas dos artigos 2º e 3º, nº 2, ou (outros) mesmo necessários, indispensáveis, como sejam os relativos às normas dos artigos 6º e 7º.

Trata-se, nestes casos, de autênticos regulamentos complementares, indispensáveis, pois, à definição e execução do regime instituído pelo diploma em causa.

Não se diga, como faz a Auditoria Jurídica, que o diploma é exequível parcelarmente, isto é, apenas quanto a algumas disposições e outras não.

Para além da dificuldade em concretizar as disposições imediatamente aplicáveis, até porque o diploma se encontra recheado de conceitos vagos ou indeterminados, entende-se não ser adequado em termos pragmáticos, quebrar a unidade que apresenta, onde o valor da incindibilidade aparece como muito relevante.



O Decreto-Lei nº 321/83 é, pois, um diploma destituído de exequibilidade, nos termos e pelas razões apontados (26 .

Conclusão:
5.

Termos em que se conclui:


1. O artigo 66º da Constituição da República consagra o direito (positivo) de todos a uma acção do Estado, no sentido de este defender o ambiente e controlar as acções poluidoras, e o direito (negativo) à abstenção, por parte do Estado e de terceiros, de acções atentatórias do ambiente, um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado;


2. Na falta de lei mediadora, violam o referido preceito fundamental os actos administrativos atentatórios do ambiente que não respeitem o conteúdo essencial desse direito, isto é, aquele mínimo sem o qual esse direito não pode subsistir;


3. Os actos referidos na conclusão anterior são nulos.


4. O Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, embora vigente na ordem jurídica, é inexequível, dependendo a sua exequibilidade (vigência plena) da publicação da regulamentação prevista no seu artigo 9º.





(1 Cfr. Decreto-Lei nº 451/82, de 16 de Novembro.
(2 Segundo informação da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros - ofício SACM 1872, de 21-6-89 - da "redacção constante do texto original" não consta a palavra "a", que consta da publicação oficial.
(3 Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª edição, 1984, págs. 348 e segs..
Como se viu, a Lei Constitucional nº 1/89 manteve este preceito - o referido nº 1 - e os demais daquele artigo 66º, com ligeira alteração da alínea b) do nº 2 e a "deslocação" dos nºs. 3 e 4. Manteve-se, pois, o conteúdo essencial do direito definido no referido artigo 66º, na redacção da Lei Constitucional nº 1/82.
(4 Ob. cit., Nota prévia (ponto 4.), págs. 126 e segs..
(5 Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 2ª edição (Reimpressão, 1987), págs. 212 e segs..
(x "Afonso Rodrigues Queiró, Lições..., cit. págs. 326 e segs. [...]".
(6 Ob. cit., 2º vol., 1985, págs. 470 e 478 e segs..
(7 Cfr. artºs. 277º e segs. da Constituição da República.
(8 "Direito Administrativo" (vol. III), Lições, 1985, págs. 310 e segs..
(9 Refere-se o autor ao artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84(Lei das Autarquias Locais), correspondente ao artigo 363º do Código Administrativo, "aplicável, por analogia, aos actos de todos os órgãos da Administração pública portuguesa" - a. e loc. cits., pág. 310.
Aquele preceito - o único preceito genérico sobre tal matéria - enumera, em seis alíneas, as "deliberações dos órgãos autárquicos" "nulas independentemente de declaração pelos tribunais", aí não cabendo a situação ora em causa.
(10 "O Valor Jurídico do Acto Inconstitucional", I, 1988, pág. 332.
(11 A Lei nº 11/87, de 7 de Abril (Lei de Bases do Ambiente) veio definir "as bases da política do ambiente", em cumprimento do disposto nos artigos 9º e 66º da Constituição da República, prevendo-se naquele diploma a publicação de diversa legislação especial sobre a matéria, além da regulamentação de alguns dos seus preceitos.
(12 Como se viu - ponto 3.2.2.- a inércia do Estado, no plano normativo, dá lugar à inconstitucionalidade por omissão; e haverá inconstitucionalidade por acção se as normas, publicadas para o efeito, realizarem o direito em causa em termos diferentes (nomeadamente restritivos) dos constitucionalmente previstos.
(13 Com interesse, e em sentido idêntico, cfr. a anotação de MARIA JOSÉ CIAURRIZ, em "Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado", vol.III, 1987, pág. 274, a propósito da falta de regulamentação do preceito constitucional que, em Espanha, consagra "la objeción de conciencia":
"Y en relación con este precepto hace las siguientes consideraciones: "El hecho de que el artículo 30, 2, disponga que "la ley regulará con las debidas garantías la objeción de conciencia mientras el legislador ordinario no desarrolla dicho precepto constitucional. El desarollo normativo de este derecho se requiere para la plena operatividad y eficacia del derecho, no para su reconocimiento que se deduce ya de los preceptos invocados. La demora en la regulación del derecho por el legislador ordinario no puede impedir la protección del derecho constitucional cuanto menos en un contenido mínimo, ya que lo contrario supondría la negación de un derecho reconocido por la Constitución; en consecuencia, y mientras no se produzca la regulación legal, el objector tiene derecho a que se aplace su incorporación a filas...".
(14 Ob. cit., 1º vol., pág. 191.
(15 Publicado no Diário da República, nº 145, II Série, de 26 de Junho de 1978, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 281, pág. 103.
Cfr. ainda, entre outros, o parecer nº 216/81, de 20 de Junho de 1984, publicado no Diário da República, nº 102, II Série, de 4 de Maio de 1985, e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 345, pág. 47.
(16 Como escreve FREITAS DO AMARAL - ob. cit., pág. 302 - são traços característicos da nulidade:
- o acto nulo é totalmente ineficaz desde o início;
- a nulidade é insanável;
- os particulares e os funcionários públicos têm o direito de desobedecer a quaisquer ordens que constem de um acto nulo;
- os particulares têm o direito de resistência passiva;
- o acto nulo pode ser impugnado a todo o tempo;
- o pedido de reconhecimento da existência de uma nulidade num acto administrativo pode ser feito junto de qualquer tribunal.
A anulabilidade - escreve o mesmo autor, ob.cit., pág 304 - "tem características contrárias" às da nulidade, a saber:
- o acto anulável, embora inválido, é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado, em tribunal administrativo;
- a anulabilidade é sanável, quer pelo decurso do tempo, quer por ratificação, reforma ou conversão;
- o acto anulável é obrigatório, não sendo possível opôr-lhe qualquer resistência;
- o acto anulável só pode ser impugnado dentro de um certo prazo estabelecido por lei, normalmente um prazo curto.
(17 Autores há que distinguem entre "vigência plena" e "vigência restrita" das leis, conforme essas leis são ou não exequíveis. Aliás, foi essa a terminologia usada pela entidade consulente, ao referir-se à possível "vigência plena" do diploma em causa.
(18 Excerto extraído da informação nº 24/87, da Direcção-Geral do Turismo, já que tal informação (nº 93) não acompanha o processo instrutor. Admite-se que se trate de informação dada pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território, daquela Secretaria de Estado, em conformidade com o exposto no nº 1, transcrito da informação nº 76/89, do Gabinete do S.E.A.L.O.T.
(19 MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª edição, I, 1973, pág. 99.
(20 Cfr., neste sentido, A. Rodrigues Queiró, em "Teoria dos Regulamentos" "Revista de Direito e de Estudos Sociais", ano XXVIII (1980), págs. 8/9.
Este autor distingue aí, na categoria dos regulamentos de execução, os regulamentos de execução propriamente ditos e os regulamentos complementares. "Os primeiros - escreve - obviam a uma involuntária deficiência de expressão do legislador [...]. Ao legislador pode justamente ter faltado rigor, imaginação ou capacidade de ideação suficientes para dizer tudo aquilo que afinal de contas quis e deveria dizer. Ao Executivo caberá então [...] enunciar os pormenores e minúcias do regime que o legislador involuntariamente omitiu [...]. Cumprir-lhe-á editar regulamentos integrativos das lacunas da lei. Não se trata de regulamentos "complementares" porque, por conceito, estes são indispensáveis à execução das leis, enquanto os regulamentos executivos são necessários à "boa execução delas".
(21 Estes regulamentos integradores são designados por Afonso Queiró (Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1976, págs. 427-428) com a expressão "regulamentos delegados de tipo integrativo".
A designação tornou-se, porém, equivoca a partir de 1982, com a proibição constitucional dos regulamentos com força de lei (artº 115º, nº 5, da Constituição), genericamente conhecidas como regulamentos delegados.
Sérvulo Correia (Liberdade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, págs. 255-256) chama-lhes, por isso, regulamentos simplesmente integrativos , reconhecendo que eles "estão, por assim dizer, a meio caminho entre as normas características dos regulamentos de execução e as dos regulamentos independentes".
(22 Como escreve J.DIAS MARQUES, Introdução ao Estudo do Direito, 1979, pág. 141:
"Um exemplo de suspensão originária (da vigência das leis) encontramo-lo no facto de a eficácia da lei se encontrar diferida pela vacatio legis, que mais não é que um prazo dilatório ou suspensivo (termo inicial) da vigência das leis. Outro exemplo é o das leis cuja efectiva execução depende da publicação de um regulamento: a sua eficácia jurídica encontra-se suspensivamente condicionada pela entrada em vigor deste último [...]".
(23 Refira-se que o nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 196/89 define, além do mais, as diversas categorias de solos, e que o nº 2 do mesmo artigo remete para anexo ao diploma a fixação dos critérios técnicos de que depende a classificação dos solos em classes de acordo com a sua capacidade de uso.
(24 Tal resulta do uso da palavra "designadamente".
(25 Ao incluir as "praias" e "arribas", por exemplo, não quer dizer que todas as "praias" ou "arribas" venham a integrar a REN.
Deste modo fica-se sem saber quais as praias, arribas, etc., que deverão constituir a REN.
(26 Deverá ter-se em conta, quanto às Regiões Autónomas, que a "aplicação" do regime depende, ainda, da publicação do decreto regional referido no nº 2 do artigo 10º do diploma em causa.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART66 ART9 D E ART52 ART17 ART18 N1 N3.
DL 321/83 DE 1983/07/05 ART2 ART9.
DL 411/83 DE 1983/11/23.
L 11/87 DE 1987/04/07 ART51 ART52.
CCIV66 ART5.
L 6/83 DE 1983/07/29 ART2 N1.
DL 451/82 DE 1982/11/16 ART20.
DL 196/89 DE 1989/06/14.
Referências Complementares: 
DIR AMB / DIR CONST * DIR FUND / DIR ADM / DIR CIV * TEORIA GERAL.
Divulgação
Número: 
DR120
Data: 
25-05-1990
Página: 
5596
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