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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
49/1998, de 19.11.1998
Data do Parecer: 
19-11-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
LUÍS DA SILVEIRA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
REVISÃO DE PROCESSO
RISCO AGRAVADO
Conclusões: 
1ª O manuseamento, pelo quarteleiro, de granada de instrução, tendente à respectiva arrecadação, finda uma sessão de instrução em que fora utilizada, integra situação abrangida pelo disposto no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª O acidente de que foi vítima, em 16 de Novembro de 1968, o então Soldado (...) enquadra-se na situação descrita na conclusão anterior.
Texto Integral
Texto Integral: 
   
Senhor Ministro da
Defesa Nacional,
Excelência:

1. A fim de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo, nos termos do artigo 2º, nº 4, do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, foi pelo Ministério da Defesa Nacional enviado à Procuradoria–Geral da República o processo respeitante ao Soldado NIM (...) (...), presentemente na situação de reformado.

2. Do processo constam os seguintes elementos relevantes para a apreciação do caso:

           a) A organização do presente processo foi suscitada pela apresentação, pelo interessado, em 7 de Dezembro de 1993, de um pedido de revisão solicitando que lhe seja atribuída a qualificação de Deficiente das Forças Armadas.

           b) Esse pedido reporta-se a um acidente sofrido pelo requerente, em 16 de Novembro de 1968, na Academia Militar, “quando ao manusear uma granada de instrução aquando da sua  recolha finda que estava a instrução, na sua qualidade de quarteleiro, esta explodiu devido à cavilha de segurança se ter soltado, por deficiência mecânica, tendo resultado esfacelo da mão esquerda” (da Informação nº 59, de 28 de Janeiro de 1997, da Secção de Justiça do Governo Militar de Lisboa).

           c) A JHI, em sessão de 1 de Abril de 1969, julgou  o requerente “incapaz para todo o serviço militar, com uma desvalorização de 32% TNI”, considerado-o, todavia, apto para o trabalho e para angariar meios de subsistência.

           d) O acidente em questão foi, por despacho de 21 de Fevereiro de 1970, considerado como “ocorrido por motivo de serviço”.

           e) Em exame de sanidade realizado, no HMP, em 8 de Novembro de 1995, concluiu-se que:

                 “1) Poderá, efectivamente, haver nexo de causalidade entre o referido acidente e as presentes lesões.

                  2) Como lesões apresenta anquilose de polegar em flexão e atrofia muscular da mão esquerda.

                  3) Não é previsível, pelas razões observadas, e, face à Tabela Nacional de Incapacidades, que o valor da desvalorização possa ser aumentado.”

           f) O instrutor do processo de revisão foi de parecer que o acidente sofrido pelo requerente deveria ser “considerado como tendo acontecido em serviço quando no exercício das suas funções mas não com risco equivalente ao serviço de campanha”, pelo que propôs o indeferimento do pedido - proposta que recebeu a concordância, em despacho, não datado, do Comandante do Batalhão do Serviço de Transportes.

           g) Perspectiva contrária foi sustentada na já citada informação da Secção de Justiça do Governo Militar de Lisboa - com a qual concordou o Governador Militar, em despacho de 28 de Janeiro de 1997 -, nela se tendo ponderado, a esse propósito, designadamente, que:
 
          “f)  A função de quarteleiro de material de guerra, ao manusear por imposição de serviço engenhos explosivos que, por deficiência, como a verificada no presente caso, possam causar danos irreparáveis, onde se engloba a própria morte, encerra em si um risco agravado, pois que superior ao que normalmente a actividade de outros militares comporta, expondo os intervenientes a uma situação de perigo que poderá ser equiparável ao serviço de campanha.

           g)   Recorrendo à jurisprudência, por analogia, pode-se referir o parecer 148/76, de 18 de Novembro da PGR, que conclui: “A instrução militar com granadas de mão corresponde a um tipo de actividade militar com risco agravado que deve equiparar-se às situações previstas no nº 2 do artigo 1º, do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.”

           h)   O quarteleiro, ao proceder à recolha de uma granada de mão depois de uma instrução militar, está no desempenho das suas funções auxiliando no desenrolar da mesma, devendo ser considerado um acto subjacente à própria instrução.”

3. Importa, antes de mais, realçar que, embora o acidente em causa haja ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do respectivo processo é possível, nos termos conjugados do artigo 18º, nº 2, desse diploma legal e dos nºs. 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março.

Estabelece-se, designadamente, nos referidos preceitos deste diploma regulamentar:
  
         “1. Quando, no Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, e na presente portaria constar “revisão de processo”, tal expressão, ou similar, significa: elaboração, reabertura, revisão ou simples consulta dos processos, conduzida de forma a pôr em evidência a percentagem de incapacidade do requerente ou a sua inexistência e as circunstâncias em que foi contraída a deficiência, tendo em vista a aplicação da definição de deficiente das Forças Armadas (DFA) constante dos artigos 1º e 2º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.  

           2. ...............................................................................

           3. A revisão do processo efectuar-se-á sempre a pedido do interessado, mediante requerimento dirigido ao Chefe do Estado-Maior do ramo respectivo.” ([1])

Constata-se, pois, por um lado, que o amplo significado assim conferido à expressão “revisão do processo” - abarcando, nomeadamente, a respectiva “elaboração” - permite ter nela por compreendidos os casos em que, como no presente, se pretende dar início ao processamento relativo à qualificação como DFA.

Sucede, por outro lado, que a mencionada revisão não está sujeita a qualquer prazo.


Tão-somente se exige que a revisão tenha origem em pedido do interessado - o que, no caso presente, efectivamente ocorreu.

4. Uma vez arredada esta questão prévia, consideremos agora as normas jurídicas susceptíveis de abranger na sua previsão o caso em análise.

Os nºs. 2 e 3 do artigo 1º do mencionado Decreto–Lei nº 43/76 prescrevem que:

"2. É considerado deficiente das Forças Armadas portuguesas o cidadão que:
 
          No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;

Quando em resultado de acidente ocorrido:

           Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

           Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

           No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
 
          vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

           Perda anatómica; ou

           Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

           Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
  
         Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
 
          Incapaz do serviço activo; ou
           Incapaz de todo o serviço militar".

3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.”

A alínea b) do nº 1 do subsequente artigo 2º acrescenta que:

           “É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das Forças Armadas e aplicação do presente decreto-lei.”

Enfim, o nº 4 do mesmo artigo 2º ([2]) explicita que:

           “O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores”, engloba aqueles casos especiais, aí não previstos que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
           ........................................................................................... .”

5. Na interpretação deste nº 4 do artigo 2º do Decreto–Lei nº 43/76, conjugado com a parte da previsão do nº 2 do anterior artigo 1º a que se reporta, tem este Conselho desde sempre entendido que o mesmo só se aplica a casos que:
  
         “pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades  castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas.”

           É, pois, de exigir:

           “não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas” ([3]).

6. Ora este corpo consultivo já desde o seu parecer nº 135/76, de 7 de Outubro de 1976 ([4]), vem entendendo que “a actividade militar desenvolvida no transporte e manipulação de engenhos explosivos caracteriza um risco agravado equiparável às situações previstas no nº 2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro. 

Para assim concluir, ponderou-se na fundamentação do citado parecer, designadamente que:
 
          “Em geral, toda a actividade instrutória que envolve fogos reais ou simulados e exercícios com armas, minas e  armadilhas, encerra em si um risco agravado, superior ao que normalmente a actividade militar em si comporta, expondo instrutor e instruendo a um contexto de perigo equiparável ao de campanha.
 
          Tal risco nem sequer é decisivamente anulado pela estrita observância das regras de segurança, já que, apesar destas, como o demonstra o caso vertente, podem ocorrer acidentes portadores de graves consequências.

           Assim, quem manuseia ou transporta explosivos ou engenhos destinados a deflagração, tem de tratar com objectos perigosos por natureza, ficando à mercê de imponderáveis que escapam ao poder de previsão expresso na observância das regras de segurança.

           Estas regras são estudadas e concebidas, como é natural, em função de certas causas típicas, geradoras do accionamento dos referidos engenhos ou dele condicionantes.

           Contudo, não eliminam outros factores, indetermináveis, mas nem por isso menos frequentes, como a experiência tem demonstrado, e conducentes aos mesmos resultados.

           O caso em apreço ilustra, a nosso ver, uma situação de perigo agravado superior ao normal, não tanto pelo carácter imprevisto da deflagração da mina, a despeito das regras de segurança observadas e que eram do conhecimento do sinistrado, mas sim porque a acção em si, consubstanciada no transporte e manipulação daquele engenho já continha, objectivamente considerada, germes de perigo notoriamente superiores aos que normalmente resultam de actividades de instrução militar em que tais meios não são utilizados.” 

Esta doutrina tem vindo posteriormente a ser mantida e corroborada, em particular através dos pareceres nºs 45/78, de 16 de Março de 1978, 61/80, de 8 de Maio de 1980, 47/85, de 16 de Maio 1985, 40/92, de 27 de Novembro de 1992, 29/94, de 29 de Setembro de 1994, e 44/94, de 27 de Outubro de 1994.

As situações que constituíram objecto dos pareceres nºs 45/78 e 29/94 revelam, aliás, flagrante similitude com a que é tratada no presente parecer.

Como contraponto, tem interesse anotar que - aliás sempre em aplicação do mesmo critério geral - este Conselho se recusou a reconhecer a verificação, em termos objectivos, de um risco agravado relevante para efeitos de qualificação como DFA, em circunstâncias como as que assim foram descritas  no parecer nº 47/85.

“Consequentemente, este corpo consultivo pronunciou-se desfavoravelmente no caso do militar que, na área do quartel, encontra uma espoleta de granada e manuseia-a incautamente, supondo-a inerte, até a fazer explodir (parecer nº 145/77); o que é atingido pelo rebentamento ocasional de uma granada quando vazava lixo numa nitreira (parecer nº 152/77); o que encontra um objecto para si desconhecido no chão do aquartelamento e dele se apodera, provocando a sua deflagração (parecer nº 187/78); o que procedia à limpeza do alojamento dos oficiais e causa a explosão de uma granada que se encontrava no interior de um armário (parecer nº 79/80); o que não respeita as condições de segurança estabelecidas (parecer nº 186/81); o que, num pinhal, encontra um objecto que supõe de guerra e o manuseia de modo a provocar o rebentamento (parecer nº 159/82); o que, por curiosidade, retirou de uma granada a cavilha de segurança (parecer nº 107/83).”

7. Face ao exposto, afigura-se que não merecerá aceitação - e, em rigor, nem sequer relevará - a proposta de denegação da caracterização, como envolvendo risco agravado, da actividade analisada neste parecer, tal como formulada pelo oficial instrutor do processo, muito embora haja merecido concordância do comandante da respectiva unidade. 

8. Afigura-se, com efeito, que a actividade que o requerente exercia na ocasião do acidente envolvia, em si mesma, objectivamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que existe em situações de campanha ou legalmente equivalentes.

Na verdade, foi no desempenho das suas funções de quarteleiro que o interessado, finda uma sessão de instrução com granadas, procedia à recolha dos engenhos para o efeito utilizados.

Tratava-se, pois, de actividade ainda conexa com a instrução - ou, como se diz na informação da Secção de Justiça do GML,   “subjacente à instrução.”

É sabido que o manuseio de granadas e explosivos similares - mesmo que só para efeitos de transporte ou deslocação - envolve em si mesmo um risco superior ao da generalidade das actividades castrenses.

É que não é rara a ocorrência de defeitos ou falhas de funcionamento desses engenhos, que, dada a natureza própria destes, são susceptíveis de originar acidentes com consequências graves para os circunstantes.

Ora foi precisamente isso que terá sucedido no caso presente: a cavilha de segurança da granada que o requerente transportava ter-se-á soltado, por deficiência mecânica, provocando a respectiva deflagração.

9. Cabe ainda ter em conta que: 

“Para que se possa qualificar como deficiente das Forças Armadas o militar autor de actos subsumíveis nos diversos itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76, é necessário que exista num duplo nexo causal, concebido em termos  de causalidade adequada, entre o acto (situação) e o acidente entre este último e a incapacidade” ([5]).

Esta é matéria relativamente à qual não cabe a este Conselho pronunciar-se.

Afigura-se, de todo o modo, que as entidades administrativas competentes terão entendido verificar-se, no caso em análise, essa dupla relação de causalidade.

10. Não pode olvidar-se, é certo, que o nº 3 do artigo 1º do Decreto–Lei nº 43/76 rejeita a qualificação de DFA ao militar que sofra acidente intencionalmente provocado por ele próprio ou proveniente de acção ou omissão por ele cometida contra ordens expressas superiores “ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.” 

Para que esse factor de exclusão de atribuição da qualidade de DFA releve, ele terá, todavia, de ser especificamente comprovado.

Ora tal não sucedeu no caso em apreciação.

Pelo contrário: o que do processo consta é que a cavilha  de segurança da granada que explodiu e gerou o acidente se terá soltado “por deficiência mecânica”.  

11. Enfim, a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do diploma legal em causa fixa em 30% o grau mínimo de incapacidade geral de ganho relevante para efeitos de qualificação como DFA.

O requerente preenche esse requisito, pois lhe foi atribuído, nesse âmbito, um grau de incapacidade geral de ganho de 32%.


12. Em conclusão:

1ª O manuseamento, pelo quarteleiro, de granada de instrução, tendente à respectiva arrecadação, finda uma sessão de instrução em que fora utilizada, integra situação abrangida pelo disposto no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto–Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro;

2ª O acidente de que foi vítima, em 16 de Novembro de 1968, o então Soldado NIM (...) enquadra-se na situação descrita na conclusão anterior.
 

[1])   Na redacção dada pela Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

[2])   Segundo a rectificação publicada no “Diário da República”, I Série, 2º Suplemento, de 26 de Janeiro de 1976.

[3])   Cfr. Parecer do Conselho nº 21/79, de 15/2/79, homologado em 5/3/93, reflectindo doutrina constantemente afirmada, em posteriores pareceres.

[4])   Publicado no Boletim do  Ministério da Justiça, nº 266, a págs. 66-69.

[5])   Pareceres deste Conselho nºs 159/88, de 9 de Fevereiro de 1989, e 57/93, de 24 de Outubro de 1993 - exprimindo doutrina que tem vindo a ser regularmente afirmada.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 N3 ART2 N1 B N4 ART18.
PORT 162/76 DE 1976/03/24 N1 N3.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
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