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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
44/1998, de 24.09.1998
Data do Parecer: 
24-09-1998
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Comércio e Turismo
Relator: 
CÂNDIDA DE ALMEIDA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONTRATO ADMINISTRATIVO
CONTRATO DE CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO
CONCESSÃO DA EXPLORAÇÃO DE JOGO
EXECUÇÃO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
ACESSO
CASINO
INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS
ACTO INTERNO
TUTELA ADMINISTRATIVA
TUTELA CORRECTIVA
TUTELA SUBSTITUTIVA
REGULAMENTO
CONCEITO VAGO OU INDETERMINADO
PODER DISCRICIONÁRIO
PODER DE AUTORIDADE
AUDIÊNCIA DO INTERESSADO
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
AUTOVINCULAÇÃO
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
INTEGRAÇÃO DA LEI
LACUNA
Conclusões: 
1ª - O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração do jogo de fortuna e azar, a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;

2ª - À Inspecção-Geral de Jogos compete, no âmbito do exercício dos poderes de tutela do Governo, acompanhar, dirigir e fiscalizar a actividade das concessionárias;

3ª - A competência da Inspecção-Geral de Jogos abrange não só o controlo da permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogo, mas também o da reserva e recusa de acesso a estes locais;

4ª - O artigo 36º do Decreto-Lei nº 422/89, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37º, nº 2, do mesmo diploma;

5ª - Ao utilizar, no Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, a expressão “presença inconveniente”, como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna e azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago ou indeterminado, a preencher em cada caso concreto, após ponderação das circunstâncias específicas apuradas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado do Turismo,
Excelência:

I
1- Dignou-se Vossa Excelência solicitar Parecer a este corpo consultivo, com carácter urgente, sobre as seguintes questões:
A - “A medida de recusa de emissão de cartão de acesso aos casinos pode ser tomada como uma providência de ordem interna, destinada a garantir o regular funcionamento do serviço, excluindo o seu carácter sancionatório, e, por conseguinte afastando a aplicação subsidiária do Estatuto da Função Pública ou do preceituado no nº 3 do artigo 29º da Lei do Jogo? ([1])
B - “No exercício dos poderes de tutela sobre as concessões do jogo, pode a Inspecção-Geral dos Jogos definir, com carácter genérico, os termos e as condições que permitem a exclusão ou a restrição do acesso aos casinos (cfr. artigo 95º, nºs 2 e 3 da lei do Jogo)?”
Cumpre emitir parecer, com as limitações de investigação e análise decorrentes de urgência solicitada.
2.1. As questões que nos são colocadas tiveram por base os seguintes considerandos ([2]):
“1. Sabe-se que o acesso aos casinos é restrito, já que estes não são lugares públicos, com entrada livre para qualquer pessoa, antes constituem lugares reservados, em que o ingresso é reservado às pessoas que preencham os requisitos e condições necessários ao exercício regular e tranquilo da actividade que é objecto da concessão (cfr. artigo. 29º do DL 422/89, de 2 de Dezembro - Lei do Jogo);
2. A medida de restrição do acesso aos casinos deve ser enquadrada no âmbito de uma relação especial de sujeição de terceiros em relação à Administração. Tal relação de subordinação especial tem por fim a salvaguarda de determinados interesses colectivos (no caso, o interesse económico da exploração do jogo de fortuna e azar), submetendo o exercício da actividade correspondente (a actividade do jogo) a uma vigilância especial, dotando a Administração de poderes disciplinares sobre os eventuais infractores das regras de funcionamento interno de tais estabelecimentos;
3. (...)
4. (...)
5. Seja ilícito disciplinar atípico ou relação especial de sujeição de terceiros perante a Administração, o certo é que vigora no ordenamento administrativo português o princípio da notificação e da audição do afectado por medida restritiva da liberdade;
6. Tal princípio é respigado no nº 3 do artigo. 29º da Lei do Jogo, ao estatuir que a concessionária, ao restringir o acesso ao Casino de determinadas pessoas, deve indicar os fundamentos da medida e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, comunicá-los e pedir a confirmação da medida restritiva à Inspecção-Geral dos Jogos;
7. A medida de restrição do acesso aos casinos constitui uma providência ablativa da esfera jurídica dos particulares;
8. Tal providência constitui uma estatuição autoritária praticada por uma entidade privada, a concessionária, investida de poderes de autoridade;
9. Nesta medida, a solução administrativa, em apreço, está sujeita ao princípio da audiência dos interessados (artigo. 100º do CPA) e ao princípio do dever de fundamentação dos actos que afectem direitos ou interesses legítimos dos particulares (artigo. 124º do CPA), por determinação expressa do nº 3 do artigo. 2º do DL nº 442/91, de 15 de Novembro (com as alterações introduzidas pelo DL nº 6/96, de 31 de Janeiro) - Código do Procedimento Administrativo, CPA;
10. Acresce que o cumprimento das regras de funcionamento dos casinos deve ser assegurado pela Inspecção-Geral dos Jogos, na qualidade de entidade dotada de poderes de tutela no âmbito de cada concessão de exploração do jogo (cfr., a título de exemplo, o artigo. 38º da Lei do Jogo).
2.2. Na génese de toda esta problemática, a interposição de recurso hierárquico pela concessionária de exploração de jogo de fortuna e azar na zona de Jogo do Estoril, a “Estoril-Sol S.A.”, para Sua Excelência o Secretário de Estado do Tesouro, da decisão do Inspector-Geral de Jogos que, não ratificando a resolução daquela concessionária de não emitir alguns cartões de acesso às salas de jogos, por não fundamentada, determinou a sua emissão, se solicitada pelos interessados.
Resumidamente, são os seguintes os argumentos expendidos e desenvolvidos pela concessionária na alegação de recurso: ([3])
- Ao aplicar a algumas pessoas a medida de recusa de acesso às salas de jogo, a “Estoril-Sol, SA” considera estar a fazer uso de um poder-dever legalmente previsto, maxime no artigo 36º do Decreto-Lei 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei 10/95, de 19 de Janeiro;
- Os casinos não são locais públicos, mas de acesso reservado e, por isso, não existe um direito de frequentar um casino por parte de qualquer pessoa - artigo 27º, 29º e 32º do mesmo diploma;
- Desde que considere inconveniente a presença de uma dada pessoa dentro das salas de jogo, a concessionária não só pode como deve recusar o acesso daquela - normas já citadas e ainda o artigo 36º do mesmo diploma;
- Esta decisão é do exclusivo critério da concessionária e não depende da instauração de qualquer processo onde se aleguem e provem factos concretos praticados pelo frequentador;
- Dados os avultados investimentos financeiros realizados pela concessionária, com o propósito de manter a qualidade da oferta do casino, assume especial relevância o reforço das medidas que assegurem um adequado regime de acesso, que resultaria prejudicado se as normas legais, que definem os casinos como locais de acesso reservado, fossem interpretadas de forma de tal modo restritiva que conduzisse, na prática, à completa liberdade de acesso às salas de jogo e à obrigatoriedade de os casinos emitirem, indiscriminadamente, cartões de entrada para aquelas salas;
- Conclui a recorrente afirmando que o acto recorrido “encontra-se ferido de:
a) Violação directa do disposto nos artigos 36º e 37º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro;
b) Violação de lei por erro nos pressupostos de facto de que depende a fundamentação;
c) Violação de lei por contradição entre aqueles pressupostos e a decisão;
d) Incompetência, dado inexistir qualquer suporte em lei expressa para a prática do acto recorrido”
Requer a anulação do acto.
Desconhece-se o teor da resposta da Inspecção-Geral de Jogos à alegação de recurso supra referida.
2.3. O despacho recorrido do Inspector-Geral de Jogos alicerçou-se em parecer da Inspecção-Geral de Jogos, emitido em 15 de Janeiro de 1998, sobre o qual foi exarado despacho de concordância daquele, datado de 19 do mesmo mês e ano.
São as seguintes as conclusões do parecer pertinentes às questões que nos ocupam:
a) A concessionária comunicou, como, aliás, lhe incumbia, a sua decisão de restrigir o acesso às salas de jogos tradicionais do Casino do Estoril recusando a emissão de cartão de entrada a dezenas de frequentadores que identifica.
b) Na decisão de recusa de emissão de cartão de entrada aos frequentadores, compete à Inspecção-Geral de Jogos a fiscalização da observância pela concessionária dos requisitos previstos no artigo 36º do Decreto-Lei 442/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
c) A decisão de recusa de emissão de cartão de acesso às salas de jogos tradicionais mantém-se salvo se a medida não for confirmada pela Inspecção-Geral de Jogos.
d) Incumbe à concessionária fundamentar a decisão de recusa de cartão de acesso às salas de jogos tradicionais, apontando os factos e os meios de prova.
e) Aos frequentadores visados pelas medidas restritivas deverá ser dado conhecimento dos seus fundamentos e ser-lhes concedido prazo não inferior a dez dias para se pronunciarem sobre o comportamento que lhes é imputado, alegarem em sua defesa o que entenderem por conveniente e apresentarem os meios de prova adequados.
f) Os factos relatados justificam a instauração de processo de averiguações no âmbito do qual deveria a concessionária ser convidada a completar a sua participação com os elementos que entendesse convenientes, indicando, designadamente, quaisquer outras circunstâncias, testemunhas e meios probatórios que julgue necessários para prova da situação invocada, ou seja, que a presença dos frequentadores visados “se revela inconveniente, incomodando os outros frequentadores e fazendo baixar a qualidade de oferta do Casino”.
(...)”
Na sequência, foi convidada a concessionária a indicar “nomeadamente, quaisquer outras circunstâncias, testemunhas e meios probatórios que julgue necessários para a prova da situação invocada, ou seja, que a presença dos frequentadores visados se revela inconveniente, incomodando os outros frequentadores e fazendo baixar a qualidade da oferta do casino ([4]).
A concessionária não satisfez a solicitação que lhe foi feita, invocando, razões que veio a desenvolver depois, no recurso hierárquico ([5]).

II
1.1. Ensaiando uma curta e perfunctória incursão histórica à origem e à evolução das relações entre o direito e o jogo constata-se que o homem joga desde os tempos mais remotos e que tal actividade terá sido praticada nas mais elementares estruturas sociais ([6]).
Na história dos povos, o jogo foi sempre considerado um grande mal, pelas consequências negativas sociais, económicas e familiares que sempre arrasta a sua prática ([7]).
É na Grécia e Roma antigas que se referenciam as primeiras leis sobre o jogo e a distinção entre os jogos lícitos e os ilícitos, permitidos e não permitidos. Para estes povos, o jogo, como contrato aleatório, era indigno dos bons cidadãos, perseguia-se quem o praticava e proibia-se a reclamação, perante os tribunais, das dívidas contraídas ao jogo.
No “Digesto” aparece a proibição de jogar com dinheiro, excepto se a competição fosse desportiva, de lançamento da lança ou do dardo, corrida, salto ou luta.
As leis romanas incitavam e premiavam a juventude para que praticasse jogos que desenvolvessem a força física e permitiam, nestes jogos, apostar quantias de dinheiro, mas proibindo e perseguindo os jogos de azar ([8]).
1.2. Em Portugal, os efeitos moralmente condenáveis e socialmente perniciosos dos jogos de fortuna ou de azar, aqueles cujos resultados são contingentes por assentarem exclusiva ou fundamentalmente na sorte, determinaram a ordem jurídica a encarar o jogo de forma negativa.
Uma lei de D. Dinis condenava à morte quem fizesse jogo falso “ou no jogo metesse dados falsos ou chumbados”.
D. Afonso IV reprimia, por seu turno, a tavolagem, cominando--lhe penas diversas.
No reinado de D. Fernando, determinou-se que todo aquele que jogasse “dinheiros secos” (dinheiro em moedas), aos dados fosse condenado a 15 dias de cadeia e perdesse a favor de quem o tivesse prendido, as roupas que trazia vestidas, não podendo sequer remi-las a dinheiro nem adquiri-las posteriormente “por arrematação em almoeda”.
O rei D. João I puniu igualmente o jogo aos dados ou a “dinheiros molhados” (a vinho, água, vinagre, sal, etc.).
Bem se pode, pois, afirmar que, relativamente ao nosso País, a legislação restritiva ou proibitiva do jogo remonta às próprias Ordenações ([9]), onde a matéria vinha desenvolvida por forma bastante restritiva e até proibitiva” ([10]).
“O anátema consolidar-se-ia com o movimento codificador.”
Segundo o Código Civil de Seabra, o “contrato de jogo não é permitido como meio de adquirir (artigo 1541º)”, e para o Código Penal de 1886 “todo o jogador que se sustentar do jogo, fazendo dele a sua principal agência, será julgado e punido como vadio” (artigo 264º, à testa de vários tipos legais de crimes relacionados com o jogo).
Ainda hoje, não obstante o reconhecimento de que o jogo é “um fenómeno humano”, é preocupação constante do Estado a sua regulamentação e rigorosa fiscalização “...com vista à minimização dos resultados nefastos que da sua prática descontrolada decorrem para a sociedade” ([11]).
O Sr. Deputado Narana Coissoró, aquando da apreciação na generalidade da proposta de lei nº 79/V ([12]), invoca o romance de Dostoievski, “O Jogador”, no qual se retratam bem os malefícios decorrentes desse mal social para afirmar que “...o jogo em si, além de trazer o mal, arrasta atrás de si outros males, porque um vício nunca vem só! são desgraças familiares que nascem à volta do jogo, são desregramentos da vida e do próprio trabalho...” ([13]).
1.3. O Estado acabaria por render-se à evidência incontornável de que o jogo existia, se praticava na clandestinidade e, por isso, viria a regulamentá-lo oficialmente, pelo Decreto nº 14643, de 3 de Dezembro de 1927, em cujo preâmbulo se pode ler, nomeadamente:
“Não é necessário revolver toda a legislação portuguesa para se ficar firme na convicção de que foi sempre baldado o esforço no sentido de reprimir em Portugal o jogo de fortuna e azar.”
“Houve sempre uma proibição legal expressa, a par do jogo campeando nas praias, nas termas e até nas cidades, como Lisboa e Porto.”
“Afigurou-se aos poderes constituídos a necessidade de regulamentar o jogo, como sendo o meio de reduzir ao mínimo os abusos que se estavam cometendo e várias tentativas se esboçaram nesse sentido. O jogo era um facto contra o qual nada podiam já as disposições repressivas (...)”
O diploma, que revogou, expressamente, os artigos 264º e 269º do Código Penal de 1886 e os artigos 1541º e 1542º do Código Civil, estabelece, pela primeira vez, um sistema de jogo lícito, em locais e áreas pre-determinadas, cuidadosamente regulamentado e objecto de rigorosa fiscalização.
Pelo Decreto-Lei nº 48912, de 18 de Março de 1969, veio estabelecer-se novo regime para a concessão da exploração de jogos de fortuna e azar, não obstante, como do seu preâmbulo resulta, não se alterar, fundamentalmente, o regime até então vigente.
Pesem embora as sucessivas alterações introduzidas à “lei do jogo”, pode afirmar-se que o sistema estabelecido pela primeira vez em 1927 é o que ainda hoje vigora ([14]), traduzindo os vários diplomas essencialmente a preocupação do legislador em aperfeiçoar e aprofundar a regulamentação e a fiscalização do jogo lícito, tendo sempre como referência os interesses antagónicos em causa.
Por um lado, os malefícios e consequências sociais negativas do jogo, e, daí, a necessidade de conformá-lo a uma regulamentação e fiscalização particularmente rigorosa e, por outro, a constatação das suas pontencialidades no desenvolvimento e qualidade do turismo.
Desenvolvimento concretizado no melhoramento e modernização das zonas turísticas em que se implantam os locais de jogo lícito, cujas concessionárias são obrigadas a construir hóteis, casinos, recintos culturais e desportivos, nomeadamente, e, ainda, a promoção e organização de iniciativas de manifestações artísticas e de lazer, as mais variadas, revertendo aquelas instalações para o Estado, findas as concessões ([15]).
1.4. No entanto, e numa aproximação às questões concretamente colocadas, haverá interesse em cuidar com mais pormenor das alterações introduzidas ao Decreto-Lei nº 48912, já citado, pelo Decreto-Lei nº 82/83, de 11 de Fevereiro, concernentes às disposições sobre a reserva, condicionamento ou proibição de entrada nos casinos e salas de jogo de fortuna e azar.
É que até então, até à entrada em vigor das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 82/83 ao artigo 22º do Decreto-Lei nº 48912, não se previa o condicionamento de acesso aos casinos, mas tão só a competência do então designado Conselho de Inspecção de Jogos ([16]) para condicionar o acesso, permanência e proibição de entrada nas salas de jogo de fortuna e azar.
Com efeito, o Decreto-Lei nº 48912, que nada previa relativamente à entrada ou permanência no interior dos casinos, dispunha relativamente às salas de jogo de fortuna e azar:
“Artigo 29º. Sem prejuízo do disposto nos §§ 2º a 4º do artigo 30º e no artigo 31º, só poderão ter acesso às salas de jogos de fortuna e azar as pessoas munidas de cartão ou bilhete especial nominativo ou de documento para esse efeito considerado equivalente, cujos preços, quando exigíveis, serão fixados pelo Conselho de Inspecção de Jogos sob proposta da empresa concessionária.”
Artigo 30º. Fica vedada a entrada nas salas de jogos: ([17])
1. Em que se efectuar a exploração da generalidade dos jogos de fortuna e azar:
a) Aos indivíduos de nacionalidade portuguesa com menos de 25 anos de idade, salvo se, sendo mulheres casadas, se apresentarem acompanhadas dos maridos, possuidores de cartão de acesso às salas de jogos, e aos de qualquer idade que viverem sob tutela ou curatela;
b) Aos menores de 21 anos de outras nacionalidades, salvo tratando-se de mulheres casadas acompanhadas dos maridos, possuidores de cartão ou bilhete de ingresso nas salas de jogos;
c) Aos militares no activo e aos que estiverem na reserva prestando serviço;
d) Aos funcionários do Estado e dos corpos administrativos e aos empregados das empresas públicas, dos organismos corporativos, de coordenação económica, de assistência e de previdência, salvo quando possuam outros rendimentos superiores aos das funções respectivas ou se encontrem na situação de licença ilimitada ou aposentados;
e) Aos despachantes das alfândegas e seus ajudantes;
f) Às pessoas que exerçam corretagem por conta própria ou alheia;
g) Aos agentes ou comissários que exerçam actividades no comércio ou na indústria;
h) Aos empregados comerciais, industriais e de escritório, salvo quando, por declaração da entidade patronal, se verifique não terem a responsabilidade da cobrança ou guarda de valores;
i) Aos indivíduos em estado de embriaguez ou outro susceptível de provocar escândalo.
2. Naquelas em que se explorem apenas máquinas automáticas, desde que não tenham comunicação com as demais salas de jogos:
a) Aos indivíduos de qualquer nacionalidade com menos de 21 anos de idade, salvo tratando-se de mulheres casadas abrangidas pelas excepções a que aludem as alíneas a) e b) do número anterior;
b) Aos indivíduos em estado de embriaguez ou outro susceptível de provocar escândalo.
§1º As proibições a que se referem as alíneas c) a h), nº 1, são extensivas aos cônjuges dos indivíduos nelas abrangidos.
§2º Exceptuam-se da aplicação deste artigo e do anterior, podendo entrar nas salas de jogos, mas sem que lhes seja permitido jogar, o governador civil do distrito, o presidente e vice-presidente da câmara municipal do concelho onde a zona tenha a sua sede, o presidente e vogais do Conselho de Inspecção de Jogos e o pessoal do serviço de inspecção e, quando em serviço, os magistrados do Ministério Público, as autoridades e agentes policiais, os funcionários da Direcção-Geral do Turismo, do corpo diplomático português, da Inspecção-Geral de Crédito e Seguros e da Inspecção do Trabalho.
§3º A admissão nas salas de jogos das entidades e funcionários a que se refere a segunda parte do parágrafo anterior poderá fazer-se mediante a apresentação de cartão especial, fornecido pelo Conselho de Inspecção de Jogos a requisição dos respectivos organismos, ou pela exibição do cartão de identidade ou documento passado para esse efeito pelos serviços competentes.
§4º Os membros dos corpos gerentes das empresas concessionárias e os directores dos casinos terão entrada nas salas de jogo da respectiva zona, mas é-lhes vedado jogar.
§5º O Conselho de Inspecção de Jogos, sempre que haja motivo que o justifique, poderá determinar a proibição de entrada nas salas de jogos de indivíduos que, por lei, não estejam inibidos de as frequentar, designadamente a pedido de parentes ou de quem sobre os frequentadores exerça autoridade. ([18])
§6º Os funcionários do serviço de inspecção do Conselho de Inspecção de Jogos podem proibir o acesso às salas de jogos de fortuna e azar de quaisquer indivíduos cuja presença se considere inconveniente. ([19])
Artigo 31º. O Conselho de Inspecção de Jogos emitirá instruções no sentido de os funcionários do serviço de inspecção, em circunstâncias especiais e a título excepcional, independentemente de qualquer formalidade, autorizarem a entrada nas salas de jogos a indivíduos aos quais normalmente está vedado o acesso às salas, não lhes sendo permitida, no entanto, a prática de jogos de fortuna e azar.
Artigo 32º. Todo aquele que seja encontrado numa sala de jogo com infracção das disposições legais ou que, pela sua conduta, não deva ali manter-se, será mandado retirar, sob pena de desobediência no caso de a ordem ser dada ou confirmada pelo pessoal do Conselho de Inspecção de Jogos”.
(...)
“Capítulo VIII
Das Penalidades
Artigo 51º. As empresas concessionárias serão punidas:
“(...)
“f) Pela entrada nas salas de jogo de pessoas abrangidas pela proibição constante do artigo 30º, bem como das que não estejam munidas do cartão ou documento a que alude o artigoº 29º ou não o exibam, e de quaisquer outras pessoas relativamente às quais haja sido determinada a interdição (...), salvo se o acesso irregular for comunicado pela empresa ou seus agentes ao serviço de inspecção antes de verificado por este; ([20])
(...)”
O artigo. 30º do Decreto-Lei nº 82/83, já citado, e no que interessa à economia do parecer, aditou ao artigo. 22º do Decreto-Lei nº 48912, de 18 de Março de 1969, um parágrafo único, passando a redacção da norma a ser a seguinte:
“Capítulo IV
Do funcionamento dos casinos
Artigo 22º. Nas zonas de jogo permanente os casinos funcionarão, normalmente, em todos os dias do ano, podendo, porém, o período de funcionamento ser reduzido até oito meses, mediante autorização do Ministro do Interior, ouvido o Secretário de Estado da Informação e Turismo.
§ único. As concessionárias podem condicionar o acesso aos casinos, designadamente por: ([21])
a) Notório estado de embriaguês ou de enfermidade mental;
b) Inobservância das usuais normas de higiene, convivência e ordem pública e dos requisitos de trajo conformes com a moralidade e a boa apresentação pessoal;
c) Exercício da venda ambulante ou acompanhamento por animais”.
O acesso aos casinos deixou, pois, de ser completamente livre, podendo as concessionárias condicioná-lo, designadamente nos casos de manifesta perturbação da qualidade e selecção da frequência daqueles locais, cuja existência está indissoluvelmente ligada ao fomento do turismo de qualidade.
O artigo. 4º do Decreto-Lei nº 82/83 introduziu, por sua vez, alterações ao artigo. 30º do Decreto-Lei nº 48912, já transcrito supra, passando a ter a seguinte redacção:
“Artigo 30º. Sem prejuízo do previsto no § 1º não é permitida a entrada nas salas em que pratiquem jogos de fortuna e azar, aos indivíduos:
a) Nacionais, estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal com menos de 23 anos de idade;
b) Incapazes e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c) Membros das Forças Armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados;
d) Membros das Forças Armadas, funcionários e agentes da administração pública central, regional e local e empregados de entidades públicas, privadas ou cooperativas, que tenham responsabilidades de cobrança ou guarda de valores;
e) Empregados da concessionária, quanto às salas de jogos exploradas pela respectiva entidade patronal;
f) Condenados a pena superior a 2 anos e os que se encontrem em liberdade provisória, condicional ou submetidos a medidas de segurança;
g) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas;
h) Que não observem os requisitos estabelecidos no § único do artigo 22º.
§ 1º. Não é permitida a entrada nas salas destinadas aos jogos de bingo e em máquinas automáticas, aos indivíduos:
a) Com menos de 18 anos de idade;
b) Que se encontrem nas condições enunciadas nas alíneas b), c) e e) a h) do corpo do artigo.
§2º. Podem entrar nas salas em que se pratiquem jogos de fortuna e azar, sendo-lhes vedada a prática de jogo, directamente ou por interposta pessoa:
a) Os titulares dos órgãos de soberania;
b) Os ministros da República para as regiões autónomas;
c) Os titulares dos órgãos do Governo próprio das regiões autónomas;
d) O governador civil da área onde está situada a sala de jogo;

e) Os presidentes da assembleia municipal e da câmara municipal em cuja área se localiza a sala de jogo.
§3º. Quando no desempenho das suas funções e mediante a exibição de documento comprovativo bastante, podem também entrar nas salas de jogos, ficando-lhes vedada a prática de jogos directamente ou por interposta pessoa e limitado o direito de permanência nas mesmas salas ao tempo necessário:
a) Os magistrados judiciais e do ministério público que exerçam funções na área judicial a que pertença o local de situação da sala de jogo, as autoridades policiais e seus agentes, os funcionários autorizados do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Secretaria de Estado do Turismo, os funcionários da Inspecção de Crédito do Banco de Portugal e os funcionários da Inspecção do Trabalho;
b) Os membros das direcções das instituições representativas dos empregados das salas de jogo e, nas salas de jogos do respectivo casino, os delegados sindicais e membros das comissões de trabalhadores.
§4º. O inspector-geral de jogos e os funcionários do serviço de inspecção, por sua iniciativa ou a pedido justificado da concessionária, podem proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos da lei geral. ([22])
§5º. A Inspecção-Geral de Jogos, sempre que haja motivo que o justifique ou a pedido do interessado, pode proibir a entrada nas salas de jogos, por períodos não superiores a 3 anos, a indivíduos que, por lei, não estejam inibidos de as frequentar.”
Do confronto dos normativos transcritos resulta que a proibição do acesso e permanência nas salas de jogo a indivíduos que, nos termos da lei geral do jogo, estão proibidos de nelas entrarem ou jogarem é da competência do Inspector-Geral de Jogos e dos funcionários do serviço de inspecção, por iniciativa própria ou a solicitação fundamentada da concessionária.
A proibição do acesso às salas de jogo de indivíduos que não estão proibidos pela lei de as frequentar é da competência de Inspecção-Geral de Jogos, por sua iniciativa, sempre que haja motivo justificado para tal, ou a pedido do interessado.
1.5. Não releva agora a preocupação de apurar se a alteração introduzida pelo artigo. 3º do Decreto-Lei nº 82/83 ao artigo.º 22º do Decreto--Lei nº 48912, aditando-lhe o parágrafo único já transcrito, não padeceria de inconstitucionalidade, ao restringir a liberdade de acesso dos cidadãos aos casinos, atribuindo o poder de decisão, sem controlo, às concessionárias, porquanto tais diplomas foram revogados pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 15 Janeiro, e são estes diplomas que interessam às questões a que este corpo consultivo é solicitado a responder.
O que interessa reter é que da evolução legislativa relativa ao jogo de fortuna e azar se constata a preocupação constante do legislador em controlar pormenorizada e rigorosamente o acesso, permanência e proibição da entrada nas salas de jogo, atribuindo essa competência, em exclusividade, ao órgão administrativo que funciona junto dos casinos.
A realização do interesse público atinente à prática controlada do jogo e à obtenção de receitas é responsabilidade do Estado que, sem capacidade e apetência para directamente o explorar, apela à colaboração dos particulares, através de realização de contratos administrativos com concessionárias, para exploração do jogo de fortuna e azar em regime de exclusividade.
É o chamado contrato de colaboração subordinada.
Na definição de Sérvulo Correia ([23]), contratos de colaboração “são aqueles pelos quais uma das partes se obriga a proporcionar à outra uma colaboração temporária no desempenho de atribuições administrativas, mediante remuneração”, caracterizando-se a sua subordinação pela natureza das partes que, em princípio, deverão ser uma pessoa colectiva pública e um particular. “É na diferente qualidade dos sujeitos que se alicerça a razão da sujeição”, acrescenta o mesmo autor, que refere ainda um outro elemento caracterizador dessa subordinação, a “associação duradoura e especial do particular co--contratante, mediante retribuição, ao cumprimento das atribuições da pessoa colectiva que contrata da parte da administração”.
“E da indiscutível supremacia do interesse público decorre a submissão do particular - consubstanciada numa cláusula de sujeição explícita ou implícita - às leis, regulamentos e actos administrativos que durante a execução do contrato exprimam as exigências do interesse servido, quanto ao objecto do contrato”, conclui o mesmo autor. ([24])
Neste tipo de contratos inclui expressamente o Autor a concessão de exploração de jogos de fortuna ou de azar.
A remuneração, como contrapartida do serviço prestado pela concessionária, traduz-se nos lucros auferidos pelas receitas dos jogos ([25]).
Mário Esteves de Oliveira realça o facto de no contrato administrativo, nomeadamente no de colaboração subordinada, a Administração visar a satisfação de necessidades colectivas, a prossecução de interesses públicos e a presença daquelas ou destes exigir muitas vezes o sacrifício da posição contratual do outro contraente, sobretudo no que respeita à força relativa da sua vontade no confronto com a Administração ([26]).
Assim, para além dos poderes de autotutela declarativa a que se refere o artigo 180º do Código do Procedimento Administrativo ([27]), acrescem à Administração os poderes de fiscalização, controlo e de direcção, traduzindo-se estes na emanação de ordens dirigidas ao co-contratante.
O contrato de concessão de exploração de jogos de fortuna e azar, sendo como a sua própria designação o traduz, uma “concessão e nesta perspectiva não apresenta características diversas dos restantes contratos de concessão, ([28]) assume, porém, contornos específicos e únicos, resultantes de o direito de explorar jogos de fortuna e azar ser um monopólio reservado ao Estado e só poder “ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respectiva concessão, mediante contrato administrativo (...)” - artigo 9º da “lei do jogo”.
A propósito do regime geral dos poderes da entidade concedente face à concessionária, escreve Marcello Caetano: ([29])
“Os poderes do concedente relativamente à gestão do serviço público pelo concessionário são, pois, poderes tutelares aos quais se aplicam os princípios expostos quanto à tutela administrativa, salvas as diferenças resultantes da natureza dos actos tutelados que, tratando-se de uma empresa concessionária regida pelo direito privado, não são actos administrativos (...)”.
Relativamente à concessão de jogo de fortuna e azar há a realçar que “O jogo, sendo embora um fenómeno humano, carece de ser devidamente regulamentado e objecto de rigorosa fiscalização com vista à minimização dos resultados nefastos que, da sua prática descontrolada, decorrem para a sociedade...”, pode ler-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 22/85, de 17 de Janeiro.
Por isso que o legislador impõe estrito controlo, direcção, inspecção e fiscalização da actuação das respectivas concessionárias, sujeitas a uma tutela administrativa ([30]) concretizada nas suas três vertentes, como adiante se desenvolverá:
- a tutela integrativa ou correctiva
- a tutela fiscalizadora ou inspectiva
- a tutela substitutiva.
A preocupação do legislador orienta-se sempre no reforço da tutela do interesse público que, no essencial, se reconduz “à defesa da honestidade das explorações, do combate ao jogo clandestino, à obtenção de receitas públicas e à demarcação turística das regiões onde estão instalados os casinos (...) ([31]).
Esta mesma preocupação é plasmada na reformulação a que foi sujeita a “lei do jogo”, pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, supra citados.
“A disciplina do jogo consagra algumas soluções que carecem ser adaptadas às alterações de natureza sócio-económica verificadas nos últimos anos e, fundamentalmente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas.
Daí que a presente legislação, de interesse e ordem pública, dadas as respectivas incidências sociais, administrativas, penais e tributárias, ([32]) haja sido reformulada com vista a instaurar um sistema mais adequado de regulamentação e de controlo da actividade sem deixar de acautelar a defesa dos direitos constituídos e das legítimas expectativas das actuais concessionárias da exploração de jogos de fortuna e azar (...)”, lê-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 422/89, precedido de pedido de autorização legislativa à Assembleia da República, e concedida pela Lei nº 14/98, de 30 de Junho.
Por forma expressa, aliás, o legislador atribui às normas relativas à exploração e prática do jogo a natureza de interesse e ordem pública ([33]).
2.1. Retomando agora a primeira das questões objecto da consulta e dado o lapso material na indicação do artigo que prevê a situação controvertida, será sobre o âmbito e sentido de aplicação do artigo 36º da chamada “Lei de Jogo” que nos vamos debruçar:
“Artigo 36º
Restrições de acesso
1- O acesso às salas de jogos de fortuna e azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada ou o acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos do nº 2 do artigo 29º.
2- Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogos, designadamente, aos indivíduos:
a) Menores de 18 anos;
b) Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c) Membros das Forças Armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados;
d) Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço;
e) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas e de quaisquer aparelhos de registo e transmissão de dados, de imagem ou de som.”
Os nºs 2 e 3 do artigo 29º dispõem
“Artigo 29º
Reserva do direito de acesso aos casinos:
1 - (...)
2 - O acesso aos casinos é reservado, devendo as concessionárias não permitir a frequência de indivíduos que, designadamente:
a) (...)
b) (...)
c) (...)
d) (...)
e) (...)
f) (...)
3 - Sempre que a direcção do casino exerce o dever que lhe é imposto no número anterior, deverá comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada”.
Face ao teor literal do artigo 36º, nº 1, transcrito, poder-se-á interpretá-lo no sentido prefigurado no pedido de consulta, ou seja, no caso de o director do serviço de jogos exercer o dever que lhe é imposto naquele preceito, a direcção do casino terá de proceder de acordo com o nº 3 do artigo 29º?
É questão que tem de resolver-se, em primeira linha, de acordo com os princípios da tutela administrativa e, depois, com os comandos de interpretação da lei ou de integração das lacunas, de acordo com as regras constantes do artigos 9º e 10º do Código Civil.
2.2. Representando a tutela administrativa uma limitação, de natureza excepcional, à autonomia das instituições, Doutrina e Jurisprudência alinham no uniforme entendimento de que a tutela administrativa não se presume na falta de texto legal.
É a concretização do clássico brocardo “Não há tutela sem texto, não há tutela para além dos textos” ([34]).
O legislador teve, porém, o especial cuidado de expressamente prever a tutela na chamada “lei do jogo” - Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro - tutela essa que se assume e traduz nas várias modalidades aceites pacificamente pela doutrina e pela jusrisprudência, quer quanto ao critério do fim, quer quanto ao critério do conteúdo, como resulta, nomeadamente, do disposto nos artigos 29º; 30º; 32º; 34º; 35º; 37º; 95º e seguintes, conjugados com o artigo 2º, cujo teor se recorda: ([35])
“Artigo 2º
A tutela dos jogos de fortuna e azar compete ao membro do Governo responsável pelo sector do turismo.
Pode definir-se a tutela administrativa como “o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma - autorizando ou aprovando os seus actos, ou, excepcionalmente modificando, revogando ou suspendendo-os, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres legais - no intuito de coordenar os interesses próprios da tutela com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar” (x).
Ou, ainda, mais sinteticamente, o “conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação” (x1).
Maurice Hauriou definia, em 1892, a tutela como “um poder de controlo que certas pessoas administrativas exercem sobre algumas outras”. (x2)
Ou seja, em geral, as noções de tutela e de descentralização encontram-se conexionadas, sendo a tutela representada pelo poder de controlo exercido sobre pessoas colectivas públicas descentralizadas.
No entanto, esta definição comporta um problema, que consiste em saber se a tutela administrativa pode ou não ter por objecto pessoas colectivas de direito privado.
Já Hauriou considerava que “a tutela existe mesmo quando incide sobre certos estabelecimentos de utilidade pública”, quer dizer sobre pessoas colectivas de direito privado. Sem irem até esta identificação total, também Maspétiol e Laroque entendem que o controlo exercido sobre as associações de utilidade pública (mas de direito privado) “se aproxima muito da tutela” (x3).
E, em 1944, Maspétiol escrevia que “o controlo administrativo que se exerce actualmente sobre o conjunto dos serviços de interesse público, e especialmente sobre os que dizem respeito à organização corporativa, constitui também uma tutela administrativa” (x4).
Fazendo um ponto da situação actual, na doutrina francesa, acerca do problema em causa, podem-se alinhar duas posições fundamentais:
a) Por um lado, os autores que entendem que a noção de tutela é hoje considerada como incidindo sobre qualquer pessoa colectiva privada encarregada da gestão de um serviço público ou mesmo sobre as pessoas colectivas privadas que intervêm na acção administrativa (x5);
b) Segundo outros autores, a tutela tem normalmente, apenas, como objecto as pessoas colectivas de direito público, acontecendo, no entanto, que a terminologia administrativa emprega o mesmo termo para significar o controlo exercido sobre certas pessoas de direito privado encarregadas de um serviço público (x6).
Também Freitas do Amaral pondera, a este propósito, que, se em bom rigor, não deveria aceitar-se o exercício de poderes de tutela administrativa sobre pessoas colectivas privadas, no entanto, como decorre do regime jurídico das diversas pessoas colectivas de utilidade pública, “há leis que o impõem e a Constituição não o impede: a entidade tutelada pode ser, pois, uma pessoa colectiva privada” (x7).
Da definição de tutela administrativa avançada por este Autor resultam no seu entendimento, as seguintes características:
(...)
“ - Os poderes de tutela administrativa são poderes de intervenção na gestão de uma pessoa colectiva;
- O fim da tutela administrativa é assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor e (nos países ou nos casos em que a lei o permite) assegurar que sejam adoptadas soluções convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público” ([36]).
Como se escreveu no parecer 90/85, de 12 de Janeiro de 1989, “segundo o critério do fim, “concebe-se, pois, uma tutela que visa aferir da legalidade da decisão da entidade tutelada, da sua conformidade à lei (tutela da legalidade) ao lado de uma tutela que procura indagar do seu mérito, isto é, se a decisão, abstraindo-se da sua legalidade, é ou não conveniente e oportuna, correcta ou incorrecta, dos pontos de vista administrativo, técnico, financeiro, etc (x8)”
“Segundo o conteúdo, distinguem-se três espécies fundamentais de tutela administrativa: a tutela “correctiva” tendente a corrigir os eventuais inconvenientes resultantes do conteúdo dos actos projectados ou decididos pelos órgãos tutelados; a tutela “inspectiva”, traduzindo o poder de fiscalizar órgãos e serviços da pessoa colectiva tutelada, para o efeito de promover a aplicação de sanções por ilegalidades ou má gestão; a tutela “substitutiva” ou “supletiva” que consiste no poder conferido à autoridade tutelar de suprir as omissões do órgão tutelado, praticando em seu lugar os actos devidos” (x9).
“Os autores sentiram, aliás, a necessidade de autonomizar, adentro destas categorias, certas conformações que a tutela pode apresentar, a demandarem tratamento próprio”.
“Num dos mais significativos reflexos dessa atitude dogmática distinguem-se, no conteúdo da tutela correctiva, por um lado, os poderes de autorização ou aprovação dos actos da entidade tutelada, havendo no primeiro caso uma tutela a priori e no segundo uma tutela a posteriori” (x10).
Como limitação a este poder da Administração de intervenção tutelar, considera-se, porém, o princípio expresso na fórmula “os poderes de tutela não se presumem”, que significa, além do mais, que os poderes compreendidos na esfera do ente tutelar são estritamente os que a lei prevê ([37]).
No que respeita à tutela, a liberdade da entidade sujeita à tutela é a regra e o controlo a excepção. A tutela terá de ser prevista na lei que designe a autoridade tutelar, e defina o conteúdo, o modo e as formas de intervenção tutelar ([38]).
A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos entes descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há--de ser expressamente atribuído pelo direito positivo ([39]).
O princípio permite destacar duas características essenciais. De um lado, que não existem poderes gerais de tutela; a atribuição de competência em matéria tutelar não se pode exprimir pela enunciação de uma missão de controlo relativamente a uma generalidade de actos, mas apenas pelo desenvolvimento de poderes em hipóteses particularizadas, claramente determinadas na lei. O mesmo é dizer que a tutela apenas se exerce de maneira pontual, nas hipóteses limitativamente especificadas.
Por outro lado, que a autoridade tutelar, tendo o exercício das respectivas competências limitado às formas, modos e condições expressamente previstas nos textos, apenas poderá actuar, em cada caso, segundo um processo de intervenção previsto, preciso e organizado ([40]).
O carácter de excepção da intervenção tutelar reconduzido ao princípio “pas de tutelle sans texte” e determinando a interpretação precisa sobre os modos e as formas de intervenção, implica, assim, que os poderes da entidade tutelar apenas podem ser exercidos se e onde a lei expressamente os constitui, nos termos, nos modos, nas formas e nos respectivos efeitos.
Deste modo, o controlo de legalidade dos actos da entidade sujeita a tutela, apenas poderá ser exercido no âmbito da relação tutelar desde que, de forma directa, precisa e processualmente definida, esteja especificamente previsto ([41])”.
2.3. Conforme resulta da análise de todos os textos que, desde 1927, regulamentam a prática do jogo de fortuna e azar e de acordo com a afirmação constante do legislador, vertida nos preâmbulos dos sucessivos diplomas que referimos, não se pretendeu nunca alterar substancialmente a filosofia que a todos subjaz, mas sim adequar aquela legislação à realidade económico-social e cultural do País, bem como extrair resultados positivos do mal que é em si mesmo o jogo.
E assim que desde o primeiro diploma que veio regular o jogo, Decreto 14643, de 3 de Dezembro de 1927, já citado, até ao diploma ora em vigor - Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro - se possa detectar e afirmar uma tutela administrativa nas modalidades correctiva - ou integrativa -, inspectiva e substitutiva.
Da análise do diploma vigente é possível distinguir nele a atribuição de uma competência genérica e uma competência específica à Inspecção-Geral de Jogos ([42])
Poderemos concretizar a competência específica da Inspecção-Geral nos normativos que lhe permitem intervir, seja decidindo, seja informando, nas seguintes matérias:
- prática dos jogos
- acesso às salas de jogo
- o material de jogo
- bens afectos às concessões
- processamento de obrigações pecuniárias
- aplicação de sanções.
Na intervenção protagonizada pela Inspecção-Geral de Jogos no âmbito destas matérias, corporizam-se as formas de tutela correctiva e substitutiva.
A competência genérica contém-se, apenas, nos limites da tutela inspectiva, a qual permite, fundamentalmente, à entidade tutelar “averiguar e inteirar-se do modo de funcionamento do ente tutelado, para verificar se o mesmo se processa nos termos legais (...)” ([43]) condensado no artigo 95º, nº 4, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 422/89, que vimos analisando.
Podemos afirmar, com Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro que “...não oferece dúvidas, (...), a repartição das competências (da Inspecção-Geral de Jogos) pelos diversos tipos de tutela.”([44])
A tutela correctiva, que ora interessa à economia do parecer, tem apoio legal nos normativos relativos à intervenção da Inspecção--Geral, aprovando ou não, a posteriori, os actos do ente tutelado - a concessionária -, vertidos nos artigos 29º, nº 3 e 37º, nº 2, nomeadamente, do já citado Decreto-Lei nº 422/89.
3.1. Não se deparando obstáculos no que concerne à tutela administrativa, em atribuir à Inspecção-Geral de Jogos uma forma de tutela correctiva no âmbito do acesso, permanência e proibição de entrada nas salas de jogo, haverá que percorrer o caminho que nos leve à interpretação mais correcta e adequada do artigo 36º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, tendo como referência o que dispõem os artigos 9º e 10º do Código Civil.
Para dilucidação do problema, haverá que reflectir no caminho percorrido pelo legislador até à consagração do dispositivo em causa e chamar à ponderação os normativos que, no mesmo diploma, regulam situações semelhantes.
Relativamente à reserva do direito de acesso aos casinos dispõe, actualmente, o citado Decreto-Lei nº 422/89:
“Artigo 29º
Reserva do direito de acesso aos casinos
1 - As concessionárias podem cobrar bilhetes de entrada nos casinos, cujo preço não deverá exceder um montante máximo a fixar anualmente pela Inspecção-Geral de Jogos.
2 - O acesso aos casinos é reservado, devendo as concessionárias não permitir a frequência de indivíduos que, designadamente:
a) A partir das 22 horas, sejam menores de 14 anos, excepto quando maiores de 10 anos, desde que acompanhados pelo respectivo encarregado de educação;
b) Não manifestem a intenção de utilizar ou consumir os serviços neles prestados;
c) Se recusem, sem causa legítima, a pagar os serviços utilizados ou consumidos;
d) Possam causar cenas de violência, distúrbios do ambiente ou causar estragos;
e) Possam incomodar os demais utentes do casino com o seu comportamento e apresentação;
f) Sejam acompanhados por animais, exerçam a venda ambulante ou prestem serviços.
3 - Sempre que a direcção do casino exerça o dever que lhe é imposto no número anterior, deverá comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada.” ([45])
O artigo 30º regula a utilização das instalações dos casinos nos seguintes termos:
“Artigo 30º
Utilização das instalações dos casinos
1- Durante o horário de abertura dos casinos, as concessionárias podem reservar o acesso a certas dependências ou anexos daqueles ou dar-lhes utilização diferente da prevista, devendo, para o efeito, solicitar autorização à Inspecção-Geral de Jogos, a qual só poderá recusá-la quando considerar que a mesma afecta o regular funcionamento do estabelecimento e a comodidade dos frequentadores.([46])
2- Mediante comunicação ao serviço de inspecção com antecedência de três dias, poderão as concessionárias, fora do horário de abertura dos casinos, dar às respectivas dependências ou anexos utilização diferente daquela para que estão destinados.
3- As concessionárias podem afectar dependências dos casinos ou seus anexos a actividade de carácter comercial ou industrial, devendo, para o efeito, solicitar autorização à Inspecção-Geral de Jogos, a qual, ouvido o Conselho Consultivo de Jogos, só poderá recusá-la quando repute tais actividades incompatíveis com a natureza turística e lúdica daqueles estabelecimentos. ([47])
4- As autorizações a que se referem os nºs 1 e 3 consideram-se tacitamente concedidas quando a Inspecção-Geral de Jogos não se pronunciar negativamente no prazo de 10 dias, no caso do primeiro, e de 20 dias, no caso do último.
5- (...)
6- Da recusa da autorização a que se refere o nº 3 cabe recurso para o membro do Governo responsável pela área do turismo.
7- Para manifestações de reconhecido interesse público pode a Inspecção-Geral de Jogos requisitar a utilização de dependências ou anexos dos casinos, fora do seu horário de abertura, mediante justa compensação dos inerentes encargos da concessionária.”
No que tange às salas de jogo, dispõe o nº 2 do artigo 32º:
“Artigo 32º
“1- (...)

2- A Inspecção-Geral de Jogos poderá autorizar:
a) A existência de salas reservadas a determinados jogos e jogadores;
b) A instalação de salas mistas, com jogos tradicionais e máquinas, em termos a definir, no tocante ao tipo de jogos a praticar e à relação entre o número de máquinas e de mesas de jogo a instalar, em regulamento daquela Inspecção;
c) A instalação de máquinas nas salas de jogos tradicionais.
(...)”
Sobre o “livre acesso” diz o artigo 34º:
“Artigo 34º
Livre acesso
1- Sendo-lhes vedada a prática do jogo, directamente ou por interposta pessoa, é livre a entrada nas salas de jogos:
(...)
3- O inspector-geral de Jogos e os inspectores da Inspecção-Geral de Jogos podem autorizar, em circunstâncias especiais, o acesso às salas de jogos de pessoas às quais não estejam vedado, nos termos dos artigos seguintes, sem observância das formalidades neles prescritas, não lhes sendo, todavia, permitido jogar, directamente ou por interposta pessoa.
4- Compete à Inspecção-geral de Jogos autorizar o director do serviço de jogos a usar da faculdade prevista no número precedente.” ([48])
O artigo 35º prevê requisitos e preço para o acesso às salas de jogos tradicionais, dispondo no seu nº 1:
“Artigo 35º
Acesso às salas de jogos tradicionais
1- O acesso às salas de jogos tradicionais e às salas a que se refere a alínea b) do n.º 2 do artigo 32.º é sujeito à obtenção de cartão ou documento equivalente, devendo as concessionárias cobrar um preço pela emissão daquele cartão, cujo valor, único para cada tipo de cartão, deve ser comunicado à Inspecção-Geral de Jogos com oito dias de antecedência.
(...)”
À expulsão das salas de jogo, refere-se o artigo 37º que prevê, nos seus nºs 1 e 2:
“Artigo 37º
Expulsão das salas de jogos
1- Todo aquele que for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais, ou quando seja inconveniente a sua presença, será mandado retirar pelos inspectores da Inspecção-Geral de Jogos ou pelo Director do serviço de jogos, sendo a recusa de saída considerada crime de desobediência qualificada no caso de a ordem ser dada ou confirmada pelos referidos inspectores.
2- Sempre que o director do serviço de jogos tenha de exercer o poder que lhe confere o nº 1, deve comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada. ([49])
(...)”
O artigo 38º regula, nos nºs 1 e 2, a proibição do acesso e no nº 3 o recurso hierárquico das decisões tomadas pelo Inspector-Geral de Jogos:
“Artigo 38º
Proibição de acesso
1- Por sua iniciativa, ou a pedido justificado das concessionárias, ou ainda dos próprios interessados, o inspector-geral de Jogos pode proibir o acesso às salas de jogos a quaisquer indivíduos, nos termos do presente diploma, por períodos não superiores a cinco anos. ([50])
2- Quando a proibição for meramente preventiva ou cautelar, não excederá dois anos e fundamentar-se-á em indícios reputados suficientes de ser inconveniente a presença dos frequentadores nas salas de jogos.
3- Das decisões tomadas pelo inspector-geral de Jogos ao abrigo do disposto nos números anteriores e nos artigos 36º e 37º, cabe recurso para o membro do Governo responsável pela área de turismo, nos termos da lei geral.”
Do confronto de todos os normativos transcritos ressalta a preocupação constante do legislador em manter sob o controlo da fiscalização do Estado através de um serviço de fiscalização, agora integrado no Ministério da Economia - a Inspecção-Geral de Jogos -, a permanência e proibição de entrada não só nas salas de jogos de fortuna e azar, bem como o acesso aos casinos.
Aliás, essa fiscalização e controlo é expressa na lei, sob a epígrafe “Da Inspecção e das Garantias”, que constitui o Capítulo VIII do diploma que vimos analisando, na secção I, “da Inspecção”:
“Artigo 95º
Princípio geral
1- A exploração e a prática de jogos de fortuna e azar e a execução das obrigações das concessionárias ficam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela Inspecção-Geral de Jogos e pelas demais entidades a quem a lei atribua competências neste domínio.
2- As normas relativas à exploração e prática do jogo são de interesse e ordem pública, devendo a Inspecção-Geral de Jogos aprovar os regulamentos necessários à exploração e prática daquele no respeito dessas normas.
(...)
4- Sem prejuízo das competências específicas atribuídas por lei a outras entidades e com observância da legislação substantiva e processual aplicável, a competência inspectiva e fiscalizadora da Inspecção-Geral de Jogos abrange a apreciação e o sancionamento das infracções administrativas das concessionárias, das contra-ordenações praticadas pelos trabalhadores que prestem serviço nas salas de jogos e pelos frequentadores destas, bem como a aplicação de medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo nos termos da lei geral, nomeadamente do presente diploma.
(...)”
3.2. A afectação em exclusivo da inspecção, fiscalização e controlo da actividade do jogo de fortuna e azar, praticado nos casinos e outros locais devidamente autorizados por lei, à Inspecção-Geral de Jogos tem como pressuposto o interesse de ordem pública expressamente assumido no artigo 95º transcrito.
Interesse que tem constituído os alicerces da construção em que se conforma - e sempre se conformou - a “lei do jogo” desde que, em 1927, pela primeira vez, o legislador assumiu a incontornável realidade da existência e prática do jogo, decidindo controlá-lo e regulamentá-lo, por forma a mantê-lo em moldes e parâmetros admissíveis e aproveitar das suas consequências indirectas positivas, como sejam o fomento do turismo de alta qualidade e o desenvolvimento das zonas turísticas em que se instalam os casinos.
Não obstante as alterações sucessivas à lei, introduzidas por necessidades pragmáticas e da realidade social, mantêm-se inalteráveis, no fundamental, os aspectos essenciais e princípios enformadores que sempre orientaram o legislador na regulamentação do jogo.
Revela o legislador no preâmbulo do Decreto–Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro:
“A disciplina actual do jogo consagra algumas soluções que carecem ser adaptadas às alterações de natureza sócio-económica verificadas nos últimos anos e, frequentemente, à função turística que o jogo é chamado a desempenhar, designadamente como factor favorável à criação e ao desenvolvimento de áreas turísticas.
(...)
Como principais inovações, acentua-se a responsabilidade das concessionárias pela legalidade e regularidade da exploração e prática do jogo concessionado e melhoram-se as condições para uma exploração rentável, (...).”
Como já o dissemos, este diploma foi precedido da competente autorização legislativa, concedida pelos artigos 1º e 2º da Lei 14/89, de 30 de Julho, nos termos das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 201º da Constituição da República Portuguesa.
Na discussão que decorreu na Assembleia da República, em reunião plenária, de 3 de Março de 1989, e de que nos dá conta o Diário da Assembleia da República, de 4 de Março de 1989, sublinhou-se, com especial destaque, quer por parte do Governo quer por parte dos deputados, o objectivo de, com a revisão do regime legal do jogo em Portugal, se pretender apenas uma actualização da legislação que regula a matéria desde 1969, adaptando-a ao desenvolvimento sócio-económico e cultural do País e sos princípios constitucionais, sem esquecer que continua a considerar-se o jogo como uma actividade negativa e de consequências nefastas, quando a prática do mesmo se transforma em vício.
No preâmbulo do Decreto-Lei nº 10/95, que vem introduzir alterações ao Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, o legislador justifica-as tão só com a necessidade de adequar a lei do jogo às realidades sócio-económicas do País, e à nova função que o jogo é chamado a desempenhar na área turística, sem esquecer, porém, as incidências sociais da sua prática e a necessidade de o controlar e manter nos níveis desejáveis.
Revela ainda que embora o Decreto nº 14643, de 3 de Dezembro de 1927, tenha posto termo a uma longa tradição de absoluta proibição do jogo, a autorização controlada do mesmo “...não reflectiu, porém uma mudança de atitude do legislador relativamente ao fenómeno do jogo, tais alterações apenas se impõem por uma postura pragmática, nos termos da qual, dada a impossibilidade de reprimir efectivamente todas as manifestações daquele fenómeno, é preferível autorizá-lo e dar-lhe um enquadramento estrito, susceptível de assegurar a honestidade do jogo e trazer alguns benefícios para o sector público.”
Continuando a acompanhar aquele preâmbulo, pode ler-se:
“Desde 1927 que a extensa legislação aprovada neste domínio se orientou, sobretudo, para o aperfeiçoamento técnico dos preceitos, não tendo, em regra, o legislador sentido necessidade de alterar nem os grandes princípios nem as soluções que lhes visou dar corpo”.
“Assim, tendo a regulamentação do jogo permanecido inalterada nos seus aspectos essenciais, é inegável que as profundas mutações da realidade sócio-económica e cultural que entretanto se fizeram sentir no País não encontraram, até agora, reflexo no quadro normativo por que se rege a actividade”. ([51])
“A manutenção daquele quadro normativo naquilo em que o mesmo traduza não já uma opção de controlar a difusão do fenómeno do jogo, mas de modo como esse controlo deve ser feito, é susceptível de gerar um distanciamento entre o direito e a realidade que este pretende disciplinar, em termos que poderão acarretar a incapacidade das concessionárias de se adaptarem às preferências e ao perfil dos jogadores, estimulando-se, por essa via, a proliferação do jogo clandestino, com total subversão da intensão reiterada do legislador nesta matéria.”
“Neste contexto, tendo não só em conta essas mutações mas também a resposta que, em países de tradição cultural próximo de portuguesa, lhes vem sendo dada a nível legislativo, importa encontrar novas soluções de ordem pública cuja tutela sempre foi assumida neste domínio, criem um enquadramento susceptível de melhorar as condições de exploração da actividade e assegurar uma efectiva representação das inspecções, através do reforço da responsabilidade das concessionárias dos seus administradores, trabalhadores e frequentadores (...)”.
Como analisamos já, na legislação anterior ao Decreto–Lei nº 422/89, de 22 de Dezembro, no qual aparece pela primeira vez, a referência a um poder das concessionárias exercerem também o controlo das entradas nas salas de jogos de fortuna e azar, pertencia em exclusivo à Administração, através de um serviço de fiscalização de Inspecção-Geral, a fiscalização e controlo do acesso, permanência ou proibição de entrada nas salas de jogos de fortuna e azar ([52]).
No aludido pedido de autorização legislativa do Governo para legislar sobre a matéria de jogo de fortuna e azar não se refere qualquer intenção de romper - e de forma que seria tão profunda - com uma tradição de apertada e exclusiva fiscalização por banda da Administração, através do seu órgão próprio junto dos casinos, a Inspecção-Geral de Jogos, no que tange ao acesso, permanência e proibição de entrada nas salas de jogo.
Nem o membro do Governo então responsável introduziu o tema na discussão de Assembleia da República, nem o mesmo foi sequer aflorado pelos Senhores Deputados.
A lei de autorização igualmente se não refere a qualquer extensão de competência, em alternativa, às concessionárias, relativamente ao acesso às salas de jogo, retirando ao órgão de tutela o poder último de controlar a forma e o mérito da decisão tomada por aquelas.
Igualmente o diploma que regula a prática do jogo, em estrita obediência aos parâmetros impostos por aquela Lei de autorização, se não refere a qualquer alteração introduzida nesse controlo e fiscalização.
Alude-se no seu preâmbulo tão só à liberalização operada, de acordo com os princípios constitucionais, nos condicionamentos a que se sujeitavam os acessos às salas de jogo de fortuna e azar e ao reforço do princípio da reserva de admissão, tendo em vista melhorar o nível de frequência das mesmas e das restantes dependências dos casinos.
Do preâmbulo do Decreto–Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, também não resulta nenhuma intenção de alteração do pensamento do legislador no que concerne à atribuição, em exclusivo, do poder último de decisão sobre as entradas nas salas de jogos.
De tudo o que deixamos exposto, resulta que o legislador não quis romper, por qualquer forma, com a tradição legislativa, atentos os interesses públicos em causa, de atribuir à Administração, através do seu órgão próprio junto dos casinos, o poder de controlo e fiscalização dos acessos às salas de jogo, apenas pretendendo chamar as concessionárias à co-responsabilidade de, numa primeira análise e ponderadas as circunstâncias, elas próprias colaborarem na selecção qualitativa dos frequentadores, através da não emissão de cartões de entrada, ou não permitindo o acesso às salas de Jogo, por decisão, porém, sujeita sempre à fiscalização e comprovação últimas por banda da Inspecção- -Geral de Jogos.
O legislador quis responsabilizar as concessionárias, atribuindo-lhes o poder-dever de colaborar com aquela Inspecção nesse controlo, mas sempre reservando a esta, como representante exclusiva da Administração junto dos Casinos, a tutela dos interesses públicos visados com o condicionamento do acesso às salas de jogo, atribuindo–lhe a decisão última de autorizar ou proibir as entradas naquelas salas.
Anote-se que relativamente à própria entrada na área considerada como casino a decisão última é da Inspecção-Geral de Jogos (artigo 29º).
Sobre a forma de utilização das instalações dos casinos é também daquela Inspecção a decisão última (artigo 30).

A autorização de existência de salas reservadas a determinados jogos e jogadores é da Inspecção (artigo 32º).

O acesso, em circunstâncias especiais, às salas de jogo de determinadas pessoas com as funções referidas no artigo 34º, nºs. 1 e 2, é também da competência exclusiva da Inspecção-Geral de Jogos.
O mesmo se diga relativamente à fixação do preço pela emissão do cartão de acesso às salas de jogo (artigo 35º, nº 1).
A expulsão das mesmas salas e a proibição de entrada são também da competência última da Inspecção-Geral de Jogos, (artigos 37º, 38º, nºs. 1 e 2), cabendo recurso hierárquico das decisões tomadas pelo respectivo Inspector-Geral (nº 3), competindo ainda à Inspecção o condicionamento de acesso às mesmas salas, pela observância de lotação máxima fixada para as mesmas (nº 4, do artigo 41º).
O controlo da emissão regular dos cartões de acesso compete também à Inspecção-Geral de Jogos, a cujo Inspector-Geral incumbe a aplicação de todas as multas previstas no diploma (artigos 126º e 133º).
3.3. Face à permanente preocupação do legislador em atribuir à Inspecção-Geral de Jogos a fiscalização e controlo rigorosos do acesso, permanência e proibição de entrada nas salas de jogos e nos próprios casinos, sem que na nova regulamentação sobre o jogo, ora em análise, se dê notícia de se pretender cortar radicalmente com a tradição, poder-se-á aceitar a ruptura nessa unidade de pensamento do legislador e admitir uma competência, em alternativa, da concessionária, para o condicionamento das entradas nas salas de jogo?
Ou deverá concluir-se, pelo contrário, que o legislador se exprimiu deficientemente, disse menos do que queria, não vertendo clara e cabalmente na norma do artigo 36.º, o seu pensamento?
Impõe-se-nos nesta fase recorrer aos comandos da interpretação da lei para, no contexto e na harmonia do diploma em causa, reconstituirmos a real vontade do legislador, face à aparente plenitude e abrangência daquele normativo, ou, em última análise, fazer apelo aos mecanismos de integração das lacunas.
Tendo presente o que se afirmou no parecer n.º 65/97 deste Conselho, sobre a utilização da figura da integração lacunar, questão prévia a essa laboração é a da determinação ou descoberta da eventual lacuna, pois que doutrina e jurisprudência confluem na consideração da dificuldade em detectá-la, atenta a dificuldade na demarcação dos contornos entre a actividade interpretativa e a integradora.
“ ... a inexistência de norma explícita não configurará lacuna de regulamentação se a actividade interpretativa permitir, com recurso aos critérios hermenêuticos previstos no artigo 9.º do Código Civil, fixar o alcance da regulação legal para o caso sob análise.”
Baptista Machado realça a dificuldade da distinção, no plano metodológico, entre interpretação e integração do direito. Em cada situação concreta, cada uma daquelas actividades pode exigir procedimentos metodológicos complexos, como o recurso a “inferências analógicas e a princípios e valores jurídicos gerais” ([53]).
Karl Larenz pondera que a interpretação da lei e o desenvolvimento judicial do direito não devem ver-se como essencialmente diferentes mas só como distintos graus do mesmo processo de pensamento. ([54])
No entanto, a dogmática tradicional costuma distinguir aquelas actividades, utilizando dois critérios diferentes na tentativa de definir a linha de fronteira entre os planos da interpretação e da integração do direito.
Baptista Machado escreve que para uns autores a indagação do direito “praeter legem” se inicia exactamente na fronteira que separa a interpretação extensiva da aplicação analógica da norma jurídica. Aquela, limitar-se-ia a estender a aplicação da norma a casos não previstos pela sua letra mas compreendidos pelo seu espírito, enquanto que a analogia aplica a norma mesmo a situações que não são sequer abrangíveis pelo seu espírito ([55]).
Para outros autores, a indagação e aplicação do direito “praeter legem” tem lugar logo que a situação a regular não seja susceptível de ser abrangida por qualquer interpretação da norma com uma correspondência, ainda que mínima, no enunciado ou na expressão verbal da mesma norma.
Dispõe o artigo 9.º do Código Civil que a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra mas “ reconstruir a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
“O limite da interpretação é a letra, o texto da norma”, disse-se no parecer n.º 61/91, já citado, face ao que dispõe o n.º 2 do mesmo artigo 9.º do Código Civil.
A interpretação é “uma tarefa de valoração que escapa ao domínio literal (x11), utilizando elementos lógicos, de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica. ([56])
O elemento sistemático “compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposição legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico”(x12).
“O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
“O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse aquele que corresponde ao pensamento legislativo (x13).
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma sentido limitado ou em sentido amplo as expressões tem vários significados: tal distinção, como adverte Francesco Ferrara (x14), não deve confundir-se com a de interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à mens legis.
A interpretação restritiva aplica-se quando se reconhece que o legislador, posto se tenha exprimido em forma genérica e ampla, quis referir-se a uma classe especial de relações, e “tem lugar particularmente nos seguintes casos: 1º se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria a contradizer outro texto de lei; 2º se a lei contém em si uma contradição íntima (é o chamado argumento ad absurdum); 3º se o princípio, aplicado sem restrições, ultrapassa o fim para que foi ordenado (x15)”.
Por outras palavras: “o intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo”, se chegar “à conclusão de que o legislador adopta um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer” (x16), “o intérprete limita a norma aparente, por entender que o texto vai além do sentido” (x17).
3.4. No que concerne já ao âmbito da definição da lacuna, para Karl Engisch, “uma lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio de um todo. Aplicado ao Direito, o conceito de lacuna significa que se trata de uma incompletude insatisfatória no seio de todo jurídico”, acrescentando que “as lacunas são deficiências do Direito positivo, apreensíveis como faltas ou falhas de conteúdo de conteúdo de regulamentação jurídica para determinadas situações de facto em que é de esperar essa regulamentação e em que tais falhas postulam e admitem a sua remoção através duma decisão judicial jurídico-integradora”. ([57])
E como se pondera no Parecer nº 71/91 deste Conselho Consultivo, retendo os ensinamentos de Karl Engisch, haverá que distinguir sempre, “...entre lacunas da lei e falhas de política legislativa. A faceta de valoração que deve servir como base para a distinção é diferente em cada situação.”
“De entre as lacunas da lei a doutrina (sobretudo alemã) costuma distinguir entre lacunas “patentes” e “ocultas”. [58]
Verifica-se um caso de lacuna patente sempre que a lei não contém qualquer regra que seja aplicável a certo caso ou grupo de casos, se bem que a mesma lei, segundo a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo própria, devesse conter tal regulamentação.
Fala-se de lacuna oculta quando a lei contém uma regra aplicável a certa categoria de casos, mas por modo tal que, olhando ao próprio sentido e finalidade da lei, se verifica que essa categoria abrange uma subcategoria cuja particularidade ou especialidade, valorativamente relevante, não foi considerada. A lacuna traduzir-se-ia aqui na ausência de uma disposição especial para essa subcategoria de casos (x18).
Para Karl Larenz, a lacuna consiste, neste caso, e em regra, na “ausência de uma restrição”. Por isso, a lacuna está “oculta”, porque, ao menos à primeira vista, não falta uma regra aplicável.
Segundo o autor alemão, “o preenchimento de tal lacuna leva-se a cabo acrescentando, pela via de uma redução teleológica da norma, a restrição omitida (x19)”.
De acordo com Bigotte Chorão, que, em função do seu grau de evidência, distingue as lacunas patentes ou manifestas (...) e latentes ou ocultas (...), as primeiras tornam-se desde logo visíveis na falta de regulamentação para determinada categoria de casos; as segundas resultam do facto de o ordenamento, apesar de conter norma reguladora de certa categoria de casos, não ressalvar situações que, por exigência dos próprios fins da norma, carecem de uma regulamentação específica. A lacuna (oculta) consiste justamente na ausência de regulamentação dessas restrições.
Haverá que ter presente que casos há em que a inexistência de regulamentação pode corresponder a um plano do legislador ou da lei, e então a mesma não representa uma “deficiência” que o intérprete esteja autorizado a superar. Como diz Engisch, “uma tal inexistência planeada de certa regulamentação (propriamente uma regulamentação negativa) surge quando uma conduta, cuja punibilidade nós talvez aguardemos, “consciente e deliberadamente” não é declarada como punível pelo Direito positivo.
Se esta impunidade nos cai mal, podemos falar na verdade de uma “lacuna político-jurídica”, de uma “lacuna crítica”, de uma “lacuna imprópria”, quer dizer, de uma lacuna do ponto de vista de um futuro Direito mais perfeito (“de lege ferenda”); não, porém, de uma lacuna autêntica e própria, quer dizer, duma lacuna no Direito vigente (“de lege lata”).
Ora, “uma lacuna “de lege ferenda” apenas pode motivar o poder legislativo a uma reforma do Direito, mas não o intérprete a um preenchimento da dita “lacuna”. A colmatação das lacunas pelo intérprete pressupõe uma lacuna “de lege lata” ([59]).
Há, assim, que distinguir entre lacunas da lei e falhas de política legislativa. A faceta de valoração que deve servir como base para a distinção é diferente em cada situação.
Num caso é a intenção reguladora e a teleologia imanente à própria lei; no outro são “pautas” de uma crítica, no plano da política legislativa, dirigida à lei e se a lei não está incompleta, mas defeituosa, então não haverá que integrar uma lacuna, mas, em última instância, um desenvolvimento do Direito superador da Lei, afirma karl Engisch. ([60])
Nos termos do nº 1 do artigo 10º do Código Civil, o julgador deverá aplicar, por analogia, aos casos omissos as normas que directamente contemplem casos análogos - e só na hipótese de não encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o nº 3 do mesmo artigo.
Segundo Baptista Machado, “dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante e de modo a que o critério valorativo adoptado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro cfr. nº 2 do artigo 10º ([61]).
O caso omisso tem de ter sempre alguma diversidade em relação ao caso previsto. É relativamente semelhante, mas é também relativamente diverso. O que a analogia supõe é que as semelhanças são mais fortes que as diferenças. Há um núcleo fundamental nos dois casos que exige a mesma estatuição. Se esse núcleo fundamental pesar mais que as diversidades, pode afirmar-se que há analogia ([62])
Ou seja, é sempre através de uma valoração, dirigida à descoberta da essência daquela situação, que se pode chegar à afirmação de que existe analogia.
O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa, recondutível ao princípio da igualdade: tratar igualmente aquilo que é igual. Ou, como escreve Baptista Machado, os “casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante”. A isso acresce ainda uma razão de certeza do direito, uma vez que é muito mais fácil obter a uniformidade de julgado pelo recurso, com as devidas adaptações, à norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito.
O método analógico, baseado no argumento “a simili” ou “a pari ratione” (“ubi eadem ratio est, ibi eadem dispositio”), permite o recurso quer à “analogia legis”, quer à “analogia juris”.
Na primeira, a que Larenz também chama “analogia particular”, verifica-se a aplicação ao caso omisso de uma norma aplicável no caso previsto na lei; na segunda, que o referido autor germânico denomina “analogia geral”, de várias disposições legais que ligam idêntica consequência jurídica a hipóteses legais diversas, inferem-se um “princípio jurídico geral” que se ajusta tanto à hipótese não regulada na lei como às hipóteses reguladas. A obtenção de um princípio geral por via de uma “analogia juris” funda-se no conhecimento de que a “ratio legis”, comum a todas as disposições concretas, não só diz respeito aos casos particulares regulados, mas verifica-se sempre que existam determinados pressupostos indicados de modo geral. A recondução de todas as disposições particulares à “ratio legis” permite a formulação de um princípio jurídico geral, que é “esclarecedor” pelo conteúdo de justiça material a ele inerente, o que se comprova, no plano jurídico-positivo, pela análise dos casos regulados pela lei em concordância com ele (x20).
4.1. Reconstituindo, em síntese, a evolução do pensamento do legislador e da sua tradução na lei, constata-se que aquele sempre impôs fortes limitações aos direitos das concessionárias com as quais contrata a exclusividade daquela exploração, impondo-lhes profundas responsabilidades na prossecução dos interesses públicos.
Até 1989, o legislador manteve o exclusivo do controlo do acesso, permanência e proibições de entrada nas salas de jogos de fortuna e azar na Administração, através de um serviço próprio de fiscalização e inspecção de Jogos.
Querendo actualizar e conformar a lei sobre o jogo às realidades sócio-económicas e culturais do País, o legislador solicita à Assembleia da República autorização legislativa para tal.
Nem na apresentação da proposta, nem na discussão que teve lugar na Assembleia, quer da parte do Governo quer por parte dos Deputados, nem na lei de autorização, se aludem ou reflectem intenções de alterar a orientação, até então uniforme, sobre a fiscalização e autorização do acesso, permanência ou proibição da entrada nas salas de jogo.
Mantém-se intocável a fiscalização e controlo correctivo da Inspecção-Geral de Jogos sobre a entrada nos casinos e a permanência e proibição de entrada nas salas de jogo de fortuna e azar.
Só o artigo 36º, nº 1, da chamada “lei do jogo” dispõe, literal e aparentemente, de modo diverso, relativamente à emissão de cartões de entrada nas salas de jogo de fortuna e azar e à reserva do direito de acesso àquelas mesmas salas ([63]).
Esta disposição a ser interpretada apenas no seu conteúdo literal, sem recurso a quaisquer outros elementos de integração, violaria frontalmente e de modo incomportável toda a harmonia do diploma.
4.2. Como hipóstese de reciocínio, poderia ainda colocar-se a questão da inconstitucionalidade orgânica do segmento do artigo 36º, nº 1 que atribui ao director do serviço de jogos competência para impedir o acesso às salas de jogo de fortuna e azar, se se defender a interpretação de que essa decisão é definitiva, sem a fiscalização e controlo do mérito de tal decisão, por banda da Inspecção-Geral de Jogos.
Se é indubitável que os particulares não têm, à partida, direito de explorar jogos de fortuna ou de azar ([64]), parece-nos igualmente seguro não terem os cidadãos um direito ao jogo, reconhecido como direito fundamental na Constituição da República Portuguesa.
A Constituição da República não faz qualquer referência à actividade do jogo como um direito do cidadão a proteger, nem o direito de jogar faz parte dos direitos fundamentais, nem tão pouco está incluido nos direitos económicos e sociais. Portanto, não sendo um direito fundamental, nem a eles equiparado, não sendo, pois, um direito protegido constitucionalmente, a primeira conclusão a que chegamos é que, com respeito ao jogo, não existe uma reserva explícita de lei.
No entanto, se é certo que na Constituição “se não contempla a reserva explícita de lei para a actividade do jogo, nela se propugna a liberdade como um valor superior do nosso ordenamento jurídico e o livre desenvolvimento da personalidade como um dos fundamentos da paz social e da ordem política”.
O conteúdo dos artigos 1º; 2º; 9º, alínea d), 13º e 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa não é mais que o plasmar de um princípio essencial do constitucionalismo: a liberdade do indivíduo.
Liberdade que implica necessariamente uma limitação do poder e uma submissão ao princípio da legalidade. O jogo, uma vez permitido, nos termos e condicionalismos da sua regulamentação legal, pertence ao âmbito da liberdade do indivíduo e é dentro de este contexto da cláusula geral da liberdade do cidadão que encontramos a protecção da Constituição à actividade do jogo. ([65])
No que tange à competência da Assembleia da República, dispunha o nº 1 do artigo 168º da Constituição (hoje, após a revisão Constitucional de 1997, o artigo 165º, nº 1) que:
“é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
a) Estado e capacidade das pessoas;
b) Direitos, liberdades e garantias
c) (...)”
Conforme resulta, quer da leitura do pedido de autorização legislativa do Governo para legislar sobre o jogo, quer da discussão havida na Assembleia da República sobre o âmbito do mesmo, quer da lei de autorização aprovada, nunca se aflora sequer o alargamento, para as concessionárias, do poder de limitar ou condicionar o acesso dos cidadãos às salas de jogo de fortuna e azar por forma definitiva, sem necessidade da confirmação a posteriori por banda do órgão representante da tutela junto dos casinos, a Inspecção-Geral de Jogos.
Pelo contrário, dos diplomas referidos resulta expressamente o aumento das competências de controlo e fiscalização da Inspecção de Jogos, tendo presente “...os interesses de ordem pública cuja tutela sempre foi assumida neste domínio” ([66]).
Neste âmbito, o legislador ordinário, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, limita-se a realçar a introdução do princípio de reserva de admissão às salas de jogo de fortuna e azar, bem como à liberalização operada, de acordo com os princípios constitucionais, “nos condicionalismos a que se sujeitam” aqueles acessos.
Aliás, não tendo sido sequer objecto de autorização legislativa, pela Assembleia da República, a atribuição de competência ao director do serviço de jogos, funcionário das concessionárias, para impedir o acesso às salas de jogo de fortuna e azar a frequentadores cuja presença considere inconveniente, será defensável o entendimento de que padece de inconstitucionalidade orgânica o segmento do artigo 36º, nº 1, que prevê tal competência ([67]).
No entanto, não tendo sido julgado inconstitucional, às concessionárias cabe acatá-lo, exercendo o poder-dever que aquele normativo lhes confere, através do respectivo director do serviço de jogos.
5.1. De tudo o que se deixou exposto parece poder concluir-se pela constatação de uma lacuna jurídica de regulação no artigo 36º, a preencher pelo recurso à analogia.
A norma que prevê situação idêntica e consta da mesma Secção II, sob a epígrafe “das salas de jogo” e em local sistemático de proximidade, em ordem de razoabilidade e de lógica é a que prevê a “Expulsão das salas de jogo”, artigo 37º, com relevância para o seu número 2, com referência ao nº 1. Aqui se traça o caminho a seguir quando, semelhantemente ao que se passa no âmbito do nº 1 do artigo 36º, o director de serviços de jogos tenha mandado retirar das salas de jogos alguém que for encontrado nelas, em infracção às disposições legais, ou quando seja inconveniente a sua presença.
Essa decisão tem de ser comunicada ao serviço de inspecção, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos pedindo a confirmação da medida adoptadas.
O legislador atribuiu à Inspecção-Geral de Jogos o controlo e decisão final na expulsão e proibição de entrada das salas de jogo, já para não falar na confirmação da decisão tomada pelo director do casino de não permitir a entrada no espaço físico deste.
Prevê a lei o recurso hierárquico da decisão do Inspector-Geral de Jogos, nos casos do artigo 38º, 37º e 36º.
Não é razoável, nem lógico pensar que o legislador quis abrir uma rotura na harmonia do sistema prevendo o menos grave - situação do artigo 29º - o mais grave - situações no artigo 37º e 38º - mas não querendo o medianamente grave - artigo 36º, nº 1 -, sendo que as situações são muito semelhantes entre si, a exigir um tratamento igual.
Aliás, nos casos do artigo 36º, para a mesma situação, se a decisão for do Inspector-Geral de Jogos prevê a Lei o recurso hierárquico e, daí, a possibilidade de uma reapreciação de mérito da questão, para além do recurso contencioso.
No caso da decisão ser do director do serviço de jogos, a não necessitar da confirmação “a posteriori” do Inspector-Geral, restaria ao particular o recurso contencioso - artigos 6º e 9º do ETAF.
A lei atribui ao Inspector-Geral a decisão última de confirmação, ou não, da permanência e proibição de entrada nas salas de jogo. Não há justificação para que não seja também o mesmo órgão a confirmar - ou não - a decisão do representante da concessionária relativamente às entradas nas salas de jogos, porquanto esta situação é o meio -entrada - para o fim-permanência -.
Entre o caso omisso - artigo 36º - e o caso previsto - artigo 37º - verifica-se uma tal coincidência de situações que a conclusão lógica e única aceitável é haver uma analogia entre elas a exigir do direito o mesmo tratamento.
Do confronto do conteúdo do nº 3 do artigo 29º com o do nº 2 do artigo 37º, conclui-se que não há grande divergência entre os comandos de actuação para o representante da concessionária, mas resultam mais fortes as semelhanças entre as situações previstas nos artigos 36º e 37º. Há entre estes dois casos um núcleo fundamental que exige a mesma estatuição do direito.
Como defende M. Stassinopoulos, ([68]) “os princípios gerais realizam as prescrições constitucionais relativas ao Estado de Direito e à legalidade da Administração, as quais se inspiram na filosofia política da Democracia. A base desta última não é senão o respeito da personalidade e dos direitos fundamentais do homem, entre os quais releva, como princípio estruturante de todo o sistema constitucional”, o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado, no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa e o consequente direito a um tratamento igual para as situações iguais.
5.2. Não se ignora, nem se pretende contestar, a posição dos Autores que defendem a impossibilidade de uma interpretação extensiva ou a integração de lacunas das disposições que prevêem a tutela administrativa, ([69]) ou daqueles que, como J. Coelho Lima, defendem dever proceder-se a uma interpretação restritiva daquelas normas ([70]).
Aliás, é essa a argumentação que a concessionária recorrente “Estoril-Sol” desenvolve no recurso hierárquico já aludido, ao defender não ser admissível uma interpretação extensiva do artigo 36º, nº 1, da chamada “Lei do Jogo”, que vimos analisando.
No caso, a questão nem sequer se coloca, porquanto não tratamos aqui de tutela sobre pessoa colectiva de direito público ([71]) detentora em nome próprio de poderes de autoridade.Como bem pondera Freitas do Amaral ([72]), a referência à titularidade “em nome próprio” (de poderes e deveres públicos) “...serve para distinguir as pessoas colectivas públicas das pessoas colectivas privadas que se dediquem ao exercício privado de funções públicas (caso, por ex., das sociedades concessionárias): estas podem exercer poderes públicos, mesmo poderes de autoridade, mas fazem-no em nome da Administração Pública, nunca em nome próprio.”
Do que expusemos sobre a natureza e características do jogo, seu controlo e fiscalização pelo Estado, que detém o monopólio exclusivo da sua exploração - artigo 9º da “Lei do Jogo” - e da própria definição de “concessão”, tem de concluir-se que as concessionárias da exploração do jogo de fortuna e azar não são titulares de quaisquer poderes próprios, sendo-lhes tais poderes cedidos transitoriamente pela Administração, com o âmbito e contornos que esta entender adequados à prossecução do interesse público que visa proteger.
Os poderes e deveres públicos permanecem na titularidade da Administração e daí que as restrições e rigor exigidos pela doutrina e jurisprudência na interpretação e integração das normas que prevêem a tutela não contenham espaço de aplicação no caso das concessões de exploração de jogo de fortuna e azar.
Acresce que a chamada “lei do jogo” prevê, vertidas nos seus diversos normativos, as várias modalidades de tutela, de acordo com as situações a merecer o controlo e fiscalização por parte da Administração.
Relativamente à fiscalização e controlo, da legalidade e do mérito da decisão das concessionárias no que tange ao acesso aos casinos, permanência e proibição de acesso às salas de jogo de fortuna e azar, expressamente prevê a lei a tutela correctiva pela Administração, através do seu serviço junto daquelas, a Inspecção-Geral de Jogos.
Apenas um dos preceitos que integram o “item” sobre admissão, permanência e proibição de acesso e presença naquelas salas de jogo, o legislador não se exprimiu como devia, não disse o que queria dizer e expressou nos outros normativos reguladores da mesma matéria.
A aceitar-se uma interpretação meramente literal do disposto no artigo 36º, da mesma lei, que vimos analisando, estar-se-ia a abrir caminho a uma desigualdade de tratamento dos frequentadores dos casinos e de situações a demandarem tratamento semelhante, violadora do imperativo constitucional consagrado no artigo 13º da C.R.P., bem como dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da justiça que aquela lei fundamental impõe à Administração na sua actuação - artigos 265º e 266º da C.R.P.

III
1. Estamos agora em condições de abordar a segunda das questões colocadas pela consulta, que relembramos:
-”No exercício dos poderes de tutela sobre as concessões do jogo, pode a Inspecção-Geral dos Jogos definir, com carácter genérico, os termos e as condições que permitem a exclusão ou a restrição do acesso aos casinos?
2. Recordando o que dispõem o nº 2 do artigo 95º e o artigo 2º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, já transcritos:
“Artigo 95º
1. (...)
2. As normas relativas à exploração e prática do jogo são de interesse e ordem pública, devendo a Inspecção-Geral de Jogos aprovar os regulamentos necessários à exploração e prática daquele no respeito dessas normas”..
O artigo 2º esclarece que “a tutela dos jogos de fortuna e azar compete ao membro do Governo responsável pelo sector do turismo”. Por sua vez,
O artigo 9º esclarece que “o direito de explorar jogos de fortuna e azar é reservado ao Estado e só pode ser exercido por empresas constituídas sob a forma de sociedades anónimas a quem o Governo adjudicar a respectiva concessão mediante contrato administrativo (...)”
3.1. Implicando a tutela administrativa poderes de intervenção de uma pessoa colectiva de direito público na gestão de outra pessoa colectiva diferente, facilmente se conclui que tutela e hierarquia são realidades diferentes e inconfundíveis.
Característica inerente da hierarquia é o poder de direcção, que se traduz na competência do superior dar ordens, directivas e instruções aos subordinados, tendo em vista “a prática dos actos necessários ao bom funcionamento do serviço ou à mais conveniente interpretação da lei, tendo por correlato passivo um dever de obediência”, escreveu-se no parecer 90/85 deste Conselho ([73]).
“Ainda que ambos os institutos (tutela e hierarquia) envolvam “relações de controlo”, à tutela não subjazem os vínculos de supra-ordenação e subordinação que na hierarquia implicam o poder de dar ordens, impor iniciativas, modificar ou revogar os actos praticados” escreve Sérvulo Correia ([74]).
Fácil é, pois, concluir que as concessionárias do jogo e a Inspecção-Geral de Jogos, como serviço público de fiscalização integrado no Ministério da Economia, não mantêm, entre si, uma relação hierárquica, exercendo esta sobre aquelas uma tutela administrativa ([75]).
Os regulamentos a aprovar pela Inspecção-Geral de Jogos, de acordo com o que dispõe o nº 2 do artigo 95º citado, são verdadeiros actos externos, porquanto as consequências dos mesmos reflectir-se-ão externamente, no âmbito dos particulares e das concessionárias.
Marcello Caetano ([76]) define actos internos “como os actos cujos efeitos se produzem apenas nas relações inter-orgânicas”, e Freitas do Amaral, como actos “cujos efeitos jurídicos se produzem no interior da pessoa colectiva cujo órgão os praticou” ([77]).
Por oposição,
Actos externos são aqueles cujos efeitos extravasam das relações inter-orgânicas e se projectam no âmbito das relações intersubjectivas.
Acompanhando o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Novembro de 1994 ([78]) actos internos “são actos que só têm relevância no seio da actividade da própria Administração, ao passo que os actos com efeitos externos afectam a esfera jurídica de qualquer pessoa (...)” indicando como exemplo de actos internos, entre outros, as ordens hierárquicas e as instruções.
Aqueles regulamentos assumem ainda a natureza de actos normativos.
A doutrina e a jurisprudência distinguem entre os actos normativos e os actos administrativos, de acordo com o conteúdo de cada um deles: o acto administrativo tem um conteúdo individual e concreto, enquanto o acto normativo tem um conteúdo geral e abstracto ([79]).
“Assim enquanto o acto administrativo respeita a um caso concreto e a um destinatário individualizado através do nome e morada, a norma dirige-se a um círculo de pessoas não individualizadas e a um número indeterminado ou indeterminável de casos ([80]).
A propósito escreve Freitas do Amaral que “todo o comando que não individualizar o destinatário e se dirigir a categoria ou classe ou grupo de sujeitos - mesmo restrito - é uma norma, é um comando geral e abstracto, não é uma decisão concreta e individual ([81]).
Os actos em que se traduz a aprovação de regulamentos pela Inspecção-Geral de Jogos e a que nos vimos reportando, são, pois, actos externos e normativos. Não são directivas nem orientações inter-orgânicas.
São regulamentos, em rigorosa linguagem técnico-jurídica.
A mesma posição é, aliás, defendida no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 30 de Novembro de 1994, já citado, e ao qual se refere o parecer nº 62/96 deste Conselho Consultivo no seguinte trecho que se transcreve:
“...A mesma perspectiva é apresentada entre nós, pelo acórdão (...), que qualifica de verdadeiros regulamentos as circulares emitidas pela Inspecção-Geral de Jogos ao abrigo do artigo 95º, nº 2, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na medida em que se trata de actos de eficácia genérica que têm como destinatário as empresas concessionárias de jogo.
A questão colocava-se, à data do prolação do Aresto em causa, porquanto então vigorava a redacção originária do nº 2 do artigo 95º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro e na qual se aludia a “circulares de instruções necessárias para a regularidade da exploração e prática dos jogos de fortuna e azar” a expedir pela Inspecção-Geral de Jogos.
Entretanto, e com certeza para acabar com as dúvidas ou qualquer interpretação menos conforme à intenção do legislador, veio este, pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, referir-se expressamente a “regulamentos” a aprovar pela Inspecção-Geral de Jogos.
3.2. Importa apurar então se a Inspecção-Geral de Jogos pode auto-vincular-se, prévia e genericamente, através de regulamentos, a um determinado e concreto conteúdo com que integraria o conceito indeterminado “presença inconveniente”, utilizado pelo legislador nos artigos 36º, nº 1 e 37º, nº 1, ambos da chamada “Lei do Jogo”.
4.1. A problemática da interpretação e densificação dos conceitos indeterminados tem estado interligada à questão da natureza e contornos do poder discricionário atribuído pela lei à Administração para a resolução de conflitos de interesses, e, consequentemente, a questão de saber se aqueles conceitos, empregues pelo legislador, são ou não susceptíveis de sindicabilidade pelos tribunais administrativos.
Esteves de Oliveira, ([82]) na esteira de Afonso Queiró, define a discricionaridade como “.... a liberdade conferida pela lei a um órgão administrativo para que este escolha, de entre uma série limitada ou ilimitada de comportamentos possíveis, aquele que lhe pareça em concreto mais adequado à satisfação da necessidade pública específica prevista nessa lei.”([83])
Esta posição não é, porém, como o autor refere, a única sustentada na doutrina, relevando duas delas, pela importância assumida e projectada na jurisprudência dos Tribunais Administrativos portugueses.
Uma delas, identifica a discricionaridade “com a possibilidade que a Administração teria de interpretar certos conceitos “vagos” e “indeterminados” utilizados pelo legislador”, avançando alguns exemplos de tais conceitos, como “interesse”; “bem”; “saúde e segurança das pessoas”; “capazes”; “maior capacidade ou aptidão”, etc.
Afirma o Autor, que a opinião de que a discricionaridade não se pode reduzir, toda ela, “a uma mera operação intelectual de interpretação de conceitos indeterminados” é comummente aceite pela doutrina ([84]) e pela jurisprudência , porquanto integra ainda o poder discricionário a liberdade conferida ao órgão administrativo de escolher um de entre vários comportamentos admitidos na lei.
Mais complexa e relevante se mostra a questão de saber se o órgão administrativo gozará de um poder discricionário para fixar o sentido dos conceitos vagos indeterminados.
Relevante, porquanto, se assim se viesse a concluir, estaria arredado, em princípio, da sindicabilidade do tribunal o sentido e conteúdo dado pelo órgão administrativo ao conceito.
Complexa, porquanto, como nos dá conta o Autor que vimos referindo e Fernando Azevedo Moreira ([85]), a doutrina e a jurisprudência, nacionais e estrangeiras, divergem na posição assumida.Exemplificando, Mário Esteves de Oliveira revela que para FORSTHOFF sempre haveria que distinguir ente as noções da lei que se referem a factos, circunstâncias ou a situações empíricas e aquelas que fazem apelo a noções ou considerações de valor, sendo que no primeiro caso o órgão administrativo limitar-se-á a uma “operação meramente interpretativa na determinação, para cada uma delas, de um sentido com “valor geral aplicável a todos os casos concretos em que tenha que exercer a sua competência, e então o tribunal poderia controlar essa decisão.
No que se refere aos conceitos indeterminados de valor, o mesmo tratadista alemão, não obstante as hesitações, que refere, da doutrina e jurisprudência alemã sobre a dificuldade de em muitos casos averiguar da intenção do legislador atribuir ou não uma liberdade de opção ao órgão administrativo, acaba por subscrever a tese “traduzida numa sentença do Oberverwaltungsgericht, segundo a qual num Estado de direito democrático a aplicação correcta e controlável da lei é um princípio tão importante do direito Constitucional que, em casos duvidosos, se deve preferir a interpretação que lhe dê guarida”. ([86])
Também Sérvulo Correia ([87]) é favorável à sindicabilidade judicial da interpretação de um conceito indeterminado, assim afastando nesses casos, a existência de um poder discricionário da Administração mas distinguindo, porém, duas hipóteses:
Uma delas abrangerá os casos em que o legislador ao utilizar o conceito indeterminado quis deixar ao órgão administrativo a escolha discricionária dos pressupostos do seu acto;
Nos outros casos, a fixação do conteúdo do conceito indeterminado não cabe no poder discricionário da Administração, verificando-se, consequentemente a necessidade de se afirmar “...um nível objectivo de aproveitamento mínimo, aplicável a todos os casos concretos.”
Esteves de Oliveira, depois de se debruçar sobre a doutrina alemã atrás referenciada, acaba ele próprio por aderir àquelas posições “no sentido de reduzir a fixação do conteúdo do conceito vago, a uma operação vinculada - e consequentemente sindicável - da interpretação da lei” ([88]). Tarefa prévia a proceder será a de apurar, por interpretação da lei, se o legislador quis deixar ou não ao órgão administrativo a escolha discricionária dos pressupostos definidos através de conceitos vagos ou indeterminados.
Em caso de dúvida, deve optar-se pelo entendimento negativo, por exigências da garantia constitucional de sujeição dos actos administrativos ao controlo jurisdicional.
A outra posição a que se refere Esteves de Oliveira, sobre a natureza e fundamento do poder discricionário, é a que defende existir discricionaridade quando a lei administrativa remete para conceitos técnicos próprios de outros ramos da ciência.
Embora, como escreve o Autor, não seja fácil encontrar apoiantes desta posição, doutrina e jurisprudência há que a sufragam, ou porque os tribunais, que só lidam com preceitos jurídicos, não podem saber se os conceitos técnicos foram ou não bem aplicados pela Administração, ou porque, mesmo que o tribunal se socorresse do parecer de peritos em outros ramos de ciência, nunca teria a certeza, sobre a superioridade qualitativa daquele juízo sobre o emitido pela Administração, certamente também sustentado por pareceres técnicos.
Contestando este argumentação, Esteves de Oliveira sustenta que ao particular deverá, sempre, ser-lhe dada a oportunidade de provar em tribunal que o conceito técnico foi mal aplicado pela Administração e só em caso de dúvida será legitimo ao juiz decidir que a interpretação ou qualificação realizada pela Administração é a melhor. Porém, esta decisão judicial não releva do poder discricionário atribuído ao órgão administrativo, mas da presunção de legalidade do acto administrativo.
Azevedo Moreira ([89]), depois de recensear a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que identifica a densificação dos conceitos indeterminados com um poder discricionário ([90]), dando especial destaque ao Acórdão de 28 de Julho de 1977 ([91]), que inovadoramente estabeleceu a diferença entre a natureza do poder discricionário e a actividade intelectual em que se traduz a integração ou interpretação daqueles conceitos e de aludir às diversas teorias sobre a sobreposição ou não dos conceitos indeterminados e discricionaridade - teoria monista; teoria dualista e teoria do moderno monismo metodológica, acaba por se aproximar das posições dos Autores que acompanhámos.
Não deixa também de relevar a importância fundamental de se atentar na direcção em que apontam os princípios constitucionais da separação dos poderes e da subordinação da Administração à lei - hoje, após a ultima revisão constitucional, plasmados nos artigos 111º, nº 1 e 266º, nº 2 do CRP -, sem prejuízo das restrições introduzidas pelo reconhecimento, também constitucional, de uma “margem de livre apreciação”, que de todo não prejudica, porém, aquela primeira directriz orientadora da total sindicabilidade contenciosa da interpretação e aplicação dos conceitos legais indeterminados pela Administração.
Sobre as restrições a essa sindicabilidade se debruça depois o mesmo Autor ([92]), que, citando FORSTHOFF, conclui defendendo que em caso de dúvida a presunção deve funcionar a favor da protecção judicial dos cidadãos, face aos órgãos executivos do Estado e não ao lado do privilégio administrativo.
Essas excepções centrar-se-ão nos actos praticados por certos órgãos autónomos da Administração, cujas decisões de mérito não são passíveis de recurso hierárquico; no especifico posicionamento dos órgãos administrativos, face ao tribunal, permitindo-lhe captar elementos de apreciação que a estes escapam ou, finalmente, em algumas hipóteses da chamada “discricionaridade técnica.”
Nestes actos excepcionais se traduzirá a chamada “margem de livre apreciação”.
4.2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem dando relevo a esta posição maioritária da doutrina, ao decidir que em determinados casos e circunstâncias, a Administração não goza de livre margem de apreciação na aplicação ou integração de todos os conceitos vagos ou indeterminados.
É exemplo, o Acórdão do STA, de 24 de Março de 1994, no recurso nº 29211, de cujo sumário se extraem as seguintes conclusões:
“I - ....
II - A Administração não goza de livre margem de apreciação na aplicação ou integração de todos os conceitos legais vagos ou indeterminados;
III - Repousando a legitimidade da insindicabilidade contenciosa da livre margem de apreciação no preenchimento dos conceitos legais vagos e indeterminados, por parte da Administração, nos elementos imponderáveis - (...) - cessa a impossibilidade do Tribunal sindicar essa actividade quando aquela não usou tais elementos.
IV - ...”
Se nos espraiámos um pouco mais sobre esta problemática, é porque ela se nos afigura intrinsecamente ligada à questão que nos ocupa, qual seja, recordando, a questão de se saber se a Inspecção--Geral de Jogos poderá emitir regulamentos, auto-vinculando-se prévia e genericamente, a uma densificação do conceito de “presença inconveniente”.
Resultando da exposição doutrinal que explanámos que o conceito utilizado pelo legislador no caso concreto não envolve qualquer poder discricionário, nem se baliza naquela área excepcional da “margem de livre apreciação”, será de concluir que a resposta tem de ser negativa.
O legislador, ao utilizar o conceito de presença inconveniente, não quis deixar à Administração a livre escolha dos pressupostos do acto de impedir a entrada ou a permanência nas salas de jogo, definindo prévia e abstractamente o perfil do frequentador daquelas.
Não utilizou, por outro lado, um conceito técnico próprio de outros ramos da ciência, mas sim uma noção atinente a factos e situações empíricas que impõe ao órgão administrativo - Inspecção--Geral de Jogos - uma actividade intelectual vinculada de interpretação e integração daquele conceito, após a ponderação das circunstâncias concretas oportunamente apuradas.
4.3. Mas, ainda que se identificasse o poder da Administração de integração do conceito “presença inconveniente” com um poder discricionário, de igual modo seria inadmíssivel à Inspecção-Geral de Jogos auto-vincular-se, através do regulamento por força genérica e para o futuro, a uma determinada definição e corporização daquele conceito.
Como se escreveu no parecer deste Conselho Consultivo nº 86/82 ([93]), “o regulamento, (...) é um acto normativo, portanto geral e abstracto, da função administrativa, cujos comandos jurídicos têm de se conter rigorosamente no âmbito da lei regulamentada quando, como seria no caso presente, se trate de regulamentos de execução ou complementares ([94]).
“Eles nada podem aditar de novo à lei, têm de respeitar os comandos nesta contido e podem prescrever apenas aquilo que, em si, a própria lei já exige, explicitando somente essas prescrições”.
Da análise dos preceitos que fixam os requisitos para a reserva do acesso aos casinos e às salas de jogo, permanência e proibição de entrada nestas, pode concluir-se ter resultado uma clara opção legislativa de não fixar na lei, por forma taxativa, todas as circunstância e requisitos que obstaculam àqueles direitos, adoptando--se por vezes, em simultâneo ou alternativa, uma formulação mais maleável, utilizando o conceito indeterminado de “presença inconveniente”, ou uma indicação meramente exemplificativa.
E se assim é, não pode o regulamento ir além da opção da lei habilitante. O legislador, quando o entendeu necessário, discriminou taxativamente os casos de situações de reserva de acesso, permanência e proibição de entradas nos casinos e salas de jogo, deixando em aberto, para ser concretizado e decidido em cada caso concreto, aquelas outras situações em que se verifica a “inconveniência da presença”.
Qualquer enunciação por via regulamentar, taxativa, prévia e abstracta dos casos em que se deve considerar a presença do frequentador do casino ou sala de jogos como inconveniente contrariará frontalmente a lei regulamentada.
O legislador já prescreveu taxativa e objectivamente as circunstâncias e situações que entendeu impeditivas do exercício do direito de acesso e proibição de entrada nas salas de jogo e se a própria lei não quis, deliberadamente, concretizar as situações resultantes sequer com uma indicação, ainda que meramente exemplificativa, para permitir a decisão caso a caso, não é lícito que por via administrativa se venha a estabelecer uma abstracta regulamentação, rejeitada na própria lei.
É que, como já se expôs, os regulamentos a aprovar pela Inspecção de Jogos não assumem a natureza de instruções ou circulares internas dirigidas pelo superior hierárquico aos serviços ou agentes sob sua dependência. Se o fossem, como normas internas desprovidas de valor jurídico no confronto de outros sujeitos de direito, poder-se-ia defender que “tais instruções e circulares não constituem verdadeiro limite ao exercício de poderes discricionários pelos órgãos hierarquicamente superiores, já que a violação das normas internas não implicam, de per si, a ilegalidade dos actos administrativos praticados no confronto de terceiros” diz Esteves de Oliveira ([95]).
Mas face à natureza de “verdadeiras normas jurídicas regulamentares” dos regulamentos externos, a Administração não se pode auto-vincular a adoptar em todas as situações concretas, que caiam na sua previsão abstracta, o mesmo comportamento.
Radicando “a razão de ser da discricionaridade na vontade manifestada pelo legislador de que o órgão administrativo procure, face ao condicionalismo específico de cada caso concreto, a melhor solução para a prossecução do interesse público, não pode a Administração através de um regulamento, renunciar à ponderação das circunstâncias de cada caso concreto, para tomar em conta, de entre todas elas apenas aquelas que se definem em abstracto da norma”. ([96])
Particularmente significativo neste sentido se mostra o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23 de Abril de 1996:
“III. A concessão do poder discricionário envolve imposição, ao órgão competente, do dever de ponderação das circunstâncias específicas de cada caso, de modo que a solução seja afeiçoada segundo a adequação a essas circunstâncias, e impede que a Administração se auto-vincule de forma genérica e abstracta mediante a eleição antecipada de determinados pressupostos que condicionem as suas decisões.
IV. Todavia, a auto-vinculação não é incompatível com o devido uso do poder discricionário desde que se adoptem directivas de aplicação não permanente, ou seja, destinadas a resolver um acervo de situações concretas num certo período de tempo e sem pretender abarcar casos indeterminados que, de futuro, venham a ocorrer.” ([97])
Anote-se que esta auto-vinculação se contém apenas no âmbito das directivas de aplicação não permanente, como expressamente se refere no Aresto citado.
Tiago Silveira ([98]), na esteira da mais recente doutrina, dá-nos a noção de “directiva” como “...norma geral e abstracta de aplicação não imediata, susceptível de derrogação e criada no âmbito de um poder discricionário para o limitar”, caracterizando-a como:
“1. É uma norma geral e abstracta por não dizer respeito a uma situação individualizada e por ser de aplicação tendencialmente prepétua.
2. É de aplicação não imediata por não retirar a obrigatoriedade de análise de todos os circunstancialismos do caso concreto.
3. É susceptível de derrogação por a sua aplicação poder ser dispensada num caso concreto que justifique tratamento diferente.
A auto-limitação do poder discricionário da Inspecção-Geral de Jogos, através de regulamentos, deve considerar-se proibida, pois o que o legislador quis foi atribuir expressamente àquela o poder de ponderação individualizada de cada caso concreto e, depois, decidir adequadamente, com conhecimento do circunstancialismo concreto da situação, “correspondendo a violação desta proibição à renúncia ilegal do exercício de uma competência, por erro de direito sobre a existência do poder discricionário” ([99]).

IV
1.1. A questão da não fundamentação das decisões das concessionárias e da falta de notificação e audição dos interessados no que concerne à recusa de emissão de cartões de acesso às salas de jogo de fortuna e azar não consta da solicitação de Parecer a este Conselho Consultivo.
Todavia faz parte das preocupações vertidas nos considerandos que sustentam aquele pedido.
1.2. Parece-nos conveniente, ainda que de passagem, pelas razões supra referidas, referir a insustentabilidade da posição das concessionárias nesta matéria, reproduzindo aqui as conclusões pertinentes à questão alcançadas no Parecer nº 65/97 deste Conselho Consultivo:
“1ª A participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito, orientação constitucional constante do anterior nº 4 (hoje do nº 5, após a Revisão Constitucional de 1997) do artigo 267º, concretizada no Código do Procedimento Administrativo, constitui um princípio geral de direito administrativo aplicável na formação dos contratos administrativos;
2ª Por força do disposto nos artigos 2º, número 5 e 7, 181º e 189º, todos do citado C.P.A., aplicam-se à formação daqueles contratos as regras nele incluidas (artigos 100º a 105º) sobre a audiência dos interessados;
3ª As alterações introduzidas ao CPA, nomeadamente as incluídas nos artigos 2º e 189º (legislação subsidiária), pelo Decreto--Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, afastam em definitivo quaisquer dúvidas interpretativas sobre a aplicação aos contratos administrativos, dos preceitos respeitantes à audiência, bem como as discrepâncias de regime para que apontava o artigo 103º do Decreto-Lei nº 55/95, de 29 de Março.
(...)”
Não se alcançam razões para que estas exigências de audição do interessado, por imperativos constitucionais e de lei ordinária, para a fase de formação do contrato, sejam postergadas na fase da execução de um contrato administrativo de concessão de exploração de jogos de fortuna e azar, no âmbito de decisão da concessionária sobre matéria que diz directamente respeito ao cidadão.
Por outro lado, impondo-se à Administração - no caso, à Inspecção-Geral de Jogos - a audição obrigatória do interessado, não se vislumbam razões ou excepções legais, ou de princípio, que permitam ou imponham uma orientação diferente para as concessionárias no âmbito do contrato administrativo.
Como escreveu M. STASSINOPOULOS ([100]),
“Garantia das garantias da legalidade” o direito de defesa impõe-se “sempre que a medida a tomar contra o administrado apresente o carácter de uma sanção e que esta sanção seja suficientemente grave.
Segundo a jurisprudência do Conselho de Estado Francês, “esta noção de sanção estende-se a todo o acto que comporta uma medida desfavorável para o administrado, (...)”([101])
Acresce a imposição constitucional à Administração de um dever de agir de modo imparcial, proporcional, justo e em respeito pelo princípio da igualdade - artigo 266º, nº 2 da CRP - e uma das maneiras de o cumprir, evitando erros que prejudiquem o cidadão interessado, é proceder à sua audição ([102]).
1.3. No que concerne ao direito que assiste ao interessado de ver fundamentado o acto que ofende direitos ou interesses seus, legalmente protegidos, revela-se pacífica e uniforme a posição da doutrina e da jurisprudência.
O parecer nº 52/87, entre outros ([103]), deste Conselho, conclui que a falta de fundamentação acarreta o vício de forma.
Na jurisprudência, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Abril de 1998 ([104]), entre outros, reafirma o entendimento pacífico de que “o dever de fundamentar os actos administrativos tem como escopo, não só a defesa dos administrados, dando-lhes a conhecer os motivos que conduziam à tomada da decisão e não de outra qualquer, mas também o interesse público e uma formação de auto-controlo da própria administração.”

V
Termos em que se extraem as seguintes conclusões:
1ª - O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração do jogo de fortuna e azar, a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;
2ª - À Inspecção-Geral de Jogos compete, no âmbito do exercício dos poderes de tutela do Governo, acompanhar, dirigir e fiscalizar a actividade das concessionárias;
3ª - A competência da Inspecção-Geral de Jogos abrange não só o controlo da permanência e proibição de entrada nos casinos e salas de jogo, mas também o da reserva e recusa de acesso a estes locais;
4ª - O artigo 36º do Decreto-Lei nº 422/89, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37º, nº 2, do mesmo diploma;
5ª - Ao utilizar, no Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro, a expressão “presença inconveniente”, como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna e azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago ou indeterminado, a preencher em cada caso concreto, após ponderação das circunstâncias específicas apuradas.

VOTO
(António Silva Henriques Gaspar) - Votei o parecer, mas sem acompanhar toda a fundamentação que sustenta as conclusões 2ª e 4ª:
Admitindo que as relações entre a Administração e as concessionárias da exploração de jogos de fortuna e azar passam, em certos aspectos do seu conteúdo, integrar-se na intersubjectividade que caracteriza a relação de tutela, não considero, no entanto, que todo o complexo de poderes e deveres, de diversa natureza e espécie, que se estabelecem em tal relação se possam enquadrar e qualificar no quadro de uma relação tutelar.
A tutela analisa-se, com efeito, numa relação entre duas administrações autónomas e diferentes quanto aos interesses prosseguidos e quanto aos seus titulares. Pressupõe autonomia e deriva directamente da lei.
Na relação entre as concessionárias e a Administração, para além da lei e dos poderes legais, estabelece-se também uma relação contratual - o contrato administrativo de concessão de exploração, que a doutrina qualifica como contrato de colaboração subordinada.
Neste tipo de contratos, o particular obriga-se a determinados comportamentos subordinados à prossecução do interesse público envolvido, alienando, no exacta medida da subordinação aceite, a sua própria autonomia de organização e decisão. Deste modo, em tudo quanto seja subordinação na execução do contrato e estando os poderes de Administração previstos e préordenados à fiscalização e controle de execução contratual, as inerentes sujeições da concessionária parecem afastar-se da qualificação e compreensão no domínio da tutela: a execução contratual subordinada e a tutela excluem-se mutuamente.
Finalmente, o modo como a lei disciplina o jogo integra também a definição de elementos e prevê atribuições e poderes que não são nem de organização, nem de execução contratual, mas típica e materialmente de autoridade e polícia - a polícia do jogo, que sempre foi exclusiva de Administração (supõe prerrogativas de autoridade pública) - tanto no Decreto-Lei nº 48912, de 18 de Março de 1969, como no regime que o antecedeu - e aos quais, actualmente, o Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, associa, responsavelmente, as concessionárias.
Na complexa relação entre a Administração e as concessionárias recortam-se poderes que podem ser de tutela, mas também de fiscalização de execução contratual, ou ainda outros, de diversa natureza, de colaboração responsável no exercício dos poderes da Administração na polícia do jogo.

2. As disposições dos artigos 29º, 34º, 36º, 37º e 38º do Decreto-Lei nº 422/89 prevêem poderes que, materialmente, integram funções de polícia do jogo. Na verdade, não se trata, aí, de poderes ligados à organização, espaços, modos de exercício e regras do jogo, mas de controlo de presenças e entradas nos casinos e salas de jogo, ou expulsão de pessoas, em função da análise de comportamentos e factos pessoais susceptíveis de perturbar as condições de exercício da actividade.
Os poderes de negar a entrada, de afastar, de expulsar (bem como o de não atribuir titulo de entrada por motivos expressos ou preventivos) sempre foram exclusivos da Administração, porque são poderes de autoridade - e, como o parecer demonstra, não resulta da lei ou da intenção do legislador que, materialmente, se tivesse pretendido instituir regime diverso.
A colaboração das concessionárias no exercício destes poderes, não significa, nos termos em que está prevista, que seja um exercício privado de funções públicas de autoridade; não parece resultar da lei que tenha havido entrega de poderes de autoridade a particulares, mas apenas, em dimensão material e qualitativamente diversa, mera colaboração, e por isso sem autonomia, no exercício de tais poderes. - Cfr. v.g. Vital Moreira, “Administração Autónoma e Associações Públicas, pás 541 e segs desig. 544/6.
Não sendo os poderes públicos exercidos com autonomia, o controlo que acompanha a colaboração é directo e imediato - dir-se-ia quase em tempo real -, e as funções são imediatamente subordinadas. Sem autonomia no exercício de poderes dos entes sujeitos à relação não se pode falar em intervenção tutelar.
Assim, e em sumário esquisso argumentativo, considero que os poderes inscritos nas referidas disposições, e designadamente no artigo 36º, são poderes da Administração, exercidos com a colaboração da concessionária e, por isso, permanecem, materialmente, na titularidade da Administração. A fiscalização desta é directa e imediata sempre que a concessionária celebrar no seu exercício, porque este é directamente subordinado e sem autonomia.
Por isso, entendo que os poderes previstos no artigo 36º (a recusa de emissão de cartão), que estão previstos na competência, também e fundamental, da inspecção-geral de jogos, devem ser directamente exercidos e fiscalizados: o inspector pode actuar directamente sobre a recusa da concessionária, decidido diversamente. Mas no exercício de poderes próprios e não no âmbito de tutela quanto ao exercício de poderes alheios.
Aliás, não poderia acompanhar a aceitação, que o parecer acolhe, de um poder tutelar encontrado por analogia.
______________



[1]) Parece-nos verificar-se, na formulação da pergunta, um erro de escrita na referência ao preceito em causa, que será o artigo 36º e não o artigo 29, nº 3, porquanto a “lei do jogo “ só prevê a emissão de cartões de acesso para as salas de jogos e não para a entrada nos casinos.
[2]) Ofício nº 1529, de 28 de Abril de 1998, do Gabinete do Secretário de Estado do Turismo.
[3]) Alegações juntas, por fotocópia ao processo.
[4]) Cfr. ofício nº 55/DSJ/98 de 11 de Fevereiro junto ao processo administrativo por fotocópia).
[5]) Cfr. ofício da Inspecção-Geral de Jogos, de 28 de Abril de 1998, dirigido à Procuradoria-Geral da República.
[6]) “Jogo e Aposta - Subsídios de fundamentação ética e histórico-jurídica” de Prof. Carlos Alberto Mota Pinto; António Pinto Monteiro e João Calvão da Silva, Coimbra, 1982, págs. 2 e segs.
[7]) António Patacas, “Jogos de fortuna e azar”, em “Ciência e Técnica Fiscal”, Outubro-Dezembro - 1975, págs. 12 e segs..
[8]) Acompanhamos para além das obras citadas nas notas anteriores, a Monografia jurídica, “Regimen juridico del Juego”, de Maria Lourdes Ramis, Ediciones jurídicas, S.A., Universitat de les Illes Balears, Madrid, 1992.
[9]) António Patacas, loc. cit.
[10]) Seguimos o Parecer 118/90, de 9 de Julho de 1992, que recolheu subsídios em Parecer de Oliveira Ascensão/Menezes Cordeiro, “Revista de Direito Público” Ano II, Janeiro de 1988, nº 3, págs. 53 e seguintes.
[11]) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 22/85, de 17/1, que introduziu alterações ao Decreto-Lei nº 48912, de 18/3/69.
[12]) Pedido de autorização legislativa do Governo para definir o regime fiscal aplicável às concessionárias das zonas de jogo e para definir os crimes e contra-ordenações decorrentes da prática e exploração ilícitas de jogos de fortuna e azar, Diário da Assembleia da República, I Série, nº 47, de 4 de Março de 1989.
[13]) Reunião Plenária da Assembleia da República, em 3 de Março de 1989.
[14]) Confrontar pareceres citados na nota 10.
[15]) Cfr. Decretos-Leis nº 41812, de 9/8/58; nº 44154, de 17/1/62; nº 235/75, de 20/5; nº 716/75, de 20/12; nº 489/79, de 19/12; nº 82/83, de 11/2; Decreto-Lei nº 247/84, de 23/7; nº 22/85, de 17/1; nº 162/86, de 26/6.
[16]) Pelo Decreto-Lei nº 450/82, de 16 de Novembro, foi criada a Inspecção-Geral de Jogos que veio substituir o Conselho de Inspecção de Jogos, criado pelo Decreto-Lei nº 36889, de 29 de Maio de 1948, para suceder ao Conselho de Administração dos Jogos instituído pelo Decreto nº 14643, de 3 de Dezembro de 1927.
[17]) A redacção deste artigo único viria a ser alterado pelo artigo 4º do Decreto-Lei 82/83, de 11 de Fevereiro, à frente transcrito, a pág. 16.
[18]) Sublinhado agora.
[19]) Sublinhado agora.
[20]) Sublinhado agora.
[21]) Sublinhado agora.
[22]) Sublinhado agora.
[23]) “Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos” colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 420 e segs..
[24]) Ibidem, pág. 365.
[25]) Freitas do Amaral, “Direito Administrativo”, 1989, vol. III, pág. 445.
[26]) “Direito Administrativo”, vol. I, Almedina, Coimbra, 1984, págs. 692 e segs.
[27]) Cfr. nota ao artigo 180º do “Código do Procedimento Administrativo“ de Mário Esteves de Oliveira e outros, 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1997.
[28]) Cfr. Freitas do Amaral, obra cit., vol III, pég. 445.
[29]) “Manual de Direito Administrativo”, II, 9ª edição, pág. 1095.
[30]) Dispõe o artigo 2º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro de 1989, na redacção do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro: “A tutela dos jogos de fortuna e azar compete ao membro do Governo responsável pelo sector do turismo”; o artigo 95º, nº 1, do mesmo diploma dispõe que: “A exploração e a prática de jogos de fortuna e azar e a execução das obrigações das concessionárias, ficam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela Inspecção-Geral de Jogos e pelas demais entidades a quem a lei atribuir competência neste domínio.”
[31]) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 314/95, de 24 de Novembro, que aprova o regulamento da exploração do jogo de bingo.
[32]) Sublinhado agora.
[33]) Artigo 95º, nº 2, 1ª parte, da Lei do Jogo.
[34]) Acompanhamos, por vezes textualmente, o Parecer nº 51/90, de 27 de Setembro de 1990 e os pareceres nºs 90/85, de 12 de Janeiro de 1989, publicado no “Diário da República, II Série, de 23 de Março de 1990; 100/87 e 120/87, publicados no “Diário da República”, II Série, de 7 de Setembro, e de 29 de Abril de 1988, respectivamente, bem como a doutrina neles citada.
[35]) Cfr., diferentemente, com o âmbito delimitado de tutela sobre as autarquias locais, a Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, o Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto, que aprovou os estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
x) Marcello Caetano, “Manual de Direito Administrattivo”, vol. I, págs. 230 e 231. Da definição que se transcreveu decorre a distinção, que o autor estabelece entre tutela correctiva, tutela inspectiva e tutela substitutiva.
x1) Freitas do Amaral, “Curso de Direito Administrativo”, pág. 695.
x2) Apud Laurent Richer, “La notion de tutelle sur les personnes en droit administratif”, citando Maurice Hauriou, “Décentralisation”, in Répert. Requet, 1892, nº 90.
x3) “La tutelle administrative”, Sirey, 1930, pág. 24.
x4) R. Maspétiol, “La notion de service d’intérêt public et la théorie juridique des institutions corporatives”, Droit Social, 1944, págs. 165 e segs., maxime, pág. 169.
x5).É a tese defendida por autores como Laurent Richer, A. Demichel (“Le contrôle de l’Etat sur les organismes privés) e J. P. Négrin (L’intervention des personnes morales de droit privé dans l’action administrative).
x6) É a posição sustentada por Jean Rivero, obra citada, pág. 360, e que merece a adesão de Serge Regourd, “L’acte de tutelle en droit administratif francais”, Paris, 1982, pág. 104
x7) Curso...”, 1º vol., 1986, pág. 693.
[36]) Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1994, pág. 700.
x8) Freitas do Amaral, Curso, pág. 695.
x9) Marcello Caetano, “Manual”, I, págs. 231 e segs.; Sérvulo Correia, ob. cit., págs. 205, 210 e segs.
x10) Sérvulo Correia, ob. cit., págs. 205 e segs.; Freitas do Amaral, “Curso”, págs. 696 e segs.; reservando para esta categoria a designação “tutela integrativa” que considera preferível à de “tutela correctiva”. Este mesmo autor, págs. 697 e segs., autonomiza igualmente, no seio da tutela inspectiva, o poder de aplicar sanções por irregularidades detectadas no desempenho dos poderes de fiscalização, constituindo uma “tutela sancionatória” ou disciplinar.
[37]) Cfr., neste sentido, os acórdãos da 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de Março de 1977, in “Acórdãos Doutrinais”, ano XVI, nº 191, págs. 972 e segs. e de 24 de Maio de 1979, no “Boletim do Ministério da Justiça”, nº 290, pág. 447.
[38]) Cfr., Fausto de Quadros, Anotação ao acórdão da 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Julho de 1979, “Revista da Ordem dos Advogados”, Ano 41, III, 1981, pág. 767. Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª ed. revista, Coimbra Editora, 1993, pág. 897, falam, a propósito da tutela de legalidade sobre as autarquias locais, falam de um princípio da tipicidade das medidas de tutela.
[39]) Cfr., referências à formulação conceitual em Rafael Entrena Cuesta, Curso de Derecho Administrativo, 3ª ed., Ed. Tecnos, Madrid, 1982, pág. 153.
[40]) Cfr., sobre a validade e o conteúdo da regra “pas de tutelle sans texte”, Serge Regoourd, L’acte de tutelle en droit administratif français, L.G.D.J. Paris, 1982, págs. 92 e segs. desig. 95-96.
[41]) Do parecer 7/90, publicado no “Diário da República”, II Série, de 10 de Agosto de 1990.
[42]) Seguimos o parecer de Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro que mantém, nesta parte, actualidade e já identificado em nota 10. Cfr. ainda o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19 de Novembro de 1991, in “Apêndice do Diário da República, de 31 de Outubro de 1995, págs. 6508 e segs., no qual se alude à “especial tutela de fiscalização e intervenção por parte do Estado...” na actividade do jogo de fortuna e azar.
[43]) Do parecer referenciado na nota anterior.
[44]) Parecer citado na nota (44).
[45]) Acentuado nosso.
[46]) Sublinhados agora.
[47]) Sublinhado agora.
[48]) Acentuados nossos.
[49]) Acentuado nosso.
[50]) Sublinhado nosso.
[51]) Sublinhado agora.
[52]) Pelo Decreto–Lei nº 14643, de 3 de Dezembro de 1927, foi criado o conselho de Administração dos Jogos, integrado no Ministério do Interior, junto da Secretaria de Jogos, livremente nomeado pelo Ministro do Interior (artigo 53º).
O Decreto–Lei nº 36889, de 29 de Maio de 1948, extinguiu aquele Conselho e, em sua substituição, criou o Conselho de Inspecção de Jogos, para o qual passaram as funções do seu antecessor, dele fazendo parte um vogal proposto pelo Ministro das Finanças de entre contabilistas da Inspecção-Geral de Finanças (artigos 1º, 4º, § único, e 21º).
Pelo Decreto–Lei nº 295/74, de 29 de Junho foi o mesmo Conselho transferido para o então Ministério da Coordenação Económica, integrado na Secretaria de Estado do Comércio Externo e Turismo (artigo 1º) e pelo Decreto–Lei nº 719/76, de 9 de Outubro, integra-se na Secretaria de Estado do Turismo (artigo 7º).
Pelo Decreto–Lei nº 450/82, de 16 de Novembro, foi extinto o Conselho de Inspecção de Jogos e as competências e atribuições que lhe eram cometidas transitaram para a Inspecção-Geral de Jogos, criada na Secretaria de Estado do Turismo (artigos 3º, § 1º e 2º, nº 1).
[53]) “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, Coimbra, 1987, págs. 192 e segs..
[54]) “Metodologia da Ciência do Direito”, tradução de José Lamego, 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 443.
[55]) Ibidem, pág. 182.
x11) Ibidem, págs. 182 e segs. Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 4ª edição revista, Editorial Verbo, 1987, págs. 435 e segs.; Castro Mendes, “Introdução ao Estudo do Direito”, Lisboa, 1984, págs. 252 e segs.
[56]) Continuamos a acompanhar o parecer n.º 61/91.
x12) Baptista Machado, ibidem, pág. 183.
x13) Baptista Machado, ibidem, pág. 185.
x14) Ob. e loc. cit. ,págs. 348, 252 e 174, respectivamente.
x15) Francesco Ferrara, ibidem, pág. 149.
x16) Baptista Machado, ibidem, pág. 186.
x17) João de Castro Mendes, ibidem, pág. 254.
[57]) In “Introdução ao pensamento jurídico”, Lisboa, Fundação Caloustre Gulbenkian, 1965, págs. 227 e segs.
[58]) Passaremos a acompanhar, quase textualmente, o parecer n.º 73/91.
x18) Acompanhámos, na definição de “lacuna patente” e de “lacuna oculta”, Baptista Machado, ob. cit., págs. 196 e 197.
x19) Cfr. loc. cit., págs. 456 a 459 e, relativamente à integração de lacunas “ocultas” por meio de correcção teleológica, págs. 473 e ss.
Acerca do conceito de “lacuna oculta”, vejam-se também: Bigotte Chorão, “Temas Fundamentais de Direito”, Livraria Almedina, Coimbra, 1986, pág. 231; Oliveira Ascensão, “O Direito-Introdução e Teoria Geral”. 6ª edição revista, Livraria Almedina, Coimbra, 1991, pág. 412; J. Baptista Machado, ob. cit. , pág. 196 e Karl Engisch, loc. cit., pág. 285.
[59]) Karl Engisch, ob. cit., págs. 281 e 282.
[60]) Ob. cit., págs. 452 e ss.
[61]) Loc. cit., pág. 202.
[62]) Cfr. Oliveira Ascensão, loc. cit., pág. 424. Vejam-se ainda Bigotte Chorão, ob. cit., págs. 242 e segs. e Karl Larenz, loc. cit., págs. 461 e segs.
x20) Karl Larenz, ob. cit., pág. 465. Acerca dos conceitos de analogia do particular, de dedução (do geral para o particular) e de indução (do particular para o geral) veja-se também Karl Engisch, ob. cit., págs. 288 e segs.
[63]) Cfr. a alteração à redacção do nº 1 do artigo 36º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
[64]) Parecer referido na nota 10 e artigo 9º, nº 1, 1ª parte, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro.
[65]) Tradução livre da monografia jurídica, já citada, o “Regime jurídico del juego”, de Maria Lourdes Ramis, págs. 105 e segs, que seguimos, porquanto o tratamento constitucional da questão em Espanha é o mesmo que no nosso País.
[66]) Preâmbulo do Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro.
[67]) Cfr. artigo 2º, nº 1, alínea b), da Lei de Autorização Legislativa, nº 14/89.
[68]) “Le Droit de la défense devant les Autorités Administratives”, Paris, págs. 43 e segs.
[69]) Paulo Otelo, “Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra Editora, 1992, pág. 225; A. Pires de Lima, “A Tutela Administrativa nas Autarquias Locais”, 2ª edição, Coimbra, 1968, pág. 67; Jorge Regourd, “L’acte de tutelle en Droit Administratif Français”, Paris, 1982, entre outros.
[70]) In “Tutela Administrativa”, RMP, nº 23, ano 6º, págs. 9 e segs.
[71]) Cfr. Marcello Caetano, obra citada, vol. I, pág. 184.
[72]) Obra citada, vol. I, pág. 586.
[73]) De 12 de Janeiro de 1989, publicado no “Diário da República”, II Série, de 23 de Março de 1990; no mesmo sentido o parecer nº 57/96, de 25 de Junho de 1998.
[74]) Sérvulo Correia, “Noções de Direito Administrativo”, págs. 202 e segs
[75]) Cfr. artigo 1º do Decreto-Lei nº 184/88, de 25 de Maio.
[76]) “Manual de Direito Administrativo”, I, pág. 442.
[77]) Direito Administrativo, III, pág. 52.
[78]) Em “Acórdãos Doutrinais do STA, nº 401, pág. 527.
[79]) Cfr. Freitas do Amaral, obra cit. pág. 82 e Acórdão do STA de 12-3-91, Boletim do Ministério da Justiça, 405-269.
[80]) Acórdão do STA, de 30-11-94, já citado.
[81]) “O regime do acto administrativo” Código de Procedimento Administrativo.
[82]) In “Direito Administrativo”, vol I, Livraria Almedina, Coimbra 1984, pág. 242 e segs. que passamos a acompanhar.
[83]) Esteves de Oliveira dá nota, a fls. 243 da obra citada, de que esta posição é “generalizadamente aceite entre nós e foi construída, sobretudo, a partir da Lição de Afonso Queiró” - tese de doutoramento de 1944 “O Poder Discricionario da Administração”.
[84]) A. Gonçalves Pereira, “Erro e ilegalidade no acto administrativo” págs. 216 e segs.
[85]) “Conceitos indeterminados: sua sindicabilidade contenciosa” in “Revista de Direito Público”, Ano I, Novembro de 1985, nº 1, págs. 15 e segs.
[86]) FORSTHOFF.
[87]) Em “Lições de Direito Administrativo da A.A.FDC”, referenciados na obra de Esteves de Oliveira, que vimos acompanhado.
[88]) Loc. cit. pág. 246.
[89]) Loc. cit. págs. 22 e segs.
[90]) Cfr. entre outros os Acórdãos do STA, de 1 de Março de 1973; de 24 de Maio de 1973; de 22 de Novembro de 1973; de 9 de Novembro de 1978; de 2 de Novembro de 1979; de 11 de Março de 1983; de 13 de Outubro de 1983, in Acórdãos Doutrinais nºs 137, pág. 665; 140-141, pág. 1180; 145, pág. 54; 205, pág. 55; 218, pág. 156; 248-249, pág. 1055; e 265, pág. 21, respectivamente.
[91]) Acórdãos Doutrinais, nº 196, pág. 421.
[92]) Loc. Cit. pág. 67.
[93]) Boletim do Ministério da Justiça, nº 325-256.
[94]) Cfr., para maior desenvolvimento, Marcello Caetano, Manual, 9ª edição, pág. 94; Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, vol. I, pág. 109; Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, ed. copiografada, Coimbra, 1976, pág. 435.
[95]) Direito Administrativo, vol. I, já citado, págs. 262 e segs.
[96]) Apud Esteves de Oliveira, obra cit., págs. 264 e segs.
[97]) No mesmo sentido, os Acórdãos do STA de 3 de Novembro de 1988, procº nº 19239, in “Apêndice do Diário da República, de 23 de Setembro de 1994, pág. 5078; de 23 de Janeiro de 1992, procº nº 28597;de 9 de Abril de 1992, procº nº 24817; de 26 de Abril de 1995, procº nº 32890, não publicados.
[98]) “Directivas de auto-vinculação em poderes discricionários” in “Revista Jurídica”, nºs 18-19, 1995, págs. 185-186.
[99]) Esteves de Oliveira, loc. cit., pág. 265.
[100]) Obra citada, pág. 49.
[101]) Ibidem, pág. 102, com tradução da nossa responsabilidade.
[102]) Como enunciação de um princípio geral em todos os processos em que é aplicada uma sanção administrativa, cfr. Ac. do STA de 15/2/90 in “AD do STA, ano xxix, nº 346, Outubro 1990, pág. 124 e segs.
[103]) Cfr., ainda parecer nºs 15/81; 163/81; 11/83; 18/83 e 37/83, publicados, respectivamente, no Boletim do Ministério da Justiça nºs 307, pág. 67 e segs.; 319, pág. 83 e segs., 338, págs. 122 e segs.; 331, pág. 116 e segs e 339, págs. 59 e segs.
[104]) Procº nº 43188, 1ª Secção, 3ª Subsecção, inédito. No mesmo sentido e versando despachos exarados pelo Secretário de Estado do Turismo ou pelo Inspector-Geral de Jogos, os Acórdãos do STA de 18 de Julho de 1985, in “Apêndice do Diário da República”, de 17 de Abril de 1989, pág. 2074 e segs.; 14 de Dezembro de 1986, loc. cit., 15 de Outubro de 1992, pág. 4722 e segs.; de 11 de Dezembro de 1986, loc. cit., de 15 de Outubro de 1992, pág. 4869 e segs.; de 10 de Fevereiro de 1987, loc. cit., 7 de Maio de 1993, pág. 677 e segs.
Anotações
Legislação: 
CCIV66 ART9 ART10.
CPADM91 ART100 ART124 ART180.
D 14643 DE 1927/12/03.
DL 36889 DE 1948/05/29.
DL 48912 DE 1969/03/18.
DL 450/82 DE 1982/11/16.
DL 82/83 DE 1983/02/11.
DL 22/85 DE 1985/01/17.
DL 422/89 DE 1989/12/02 ART2 ART29 ART30 ART32 ART34 ART35 ART36 ART37 ART38 ART95.
DL 10/95 DE 1995/01/19.
DL 6/96 DE 1996/01/31.
DL 314/95 DE 1995/11/24.
DL 295/74 DE 1974/06/29.
DL 719/76 DE 1976/09/10.
DL 450/82 DE 1982/11716.
Jurisprudência: 
AC TRIB ADM DE 1977/03/24 IN AD AXVI N191 P972.
AC TRIB ADM DE 1979/05/24 IN BMJ N290 P447.
AC STA DE 1977/07/28 IN AD N196 P421.
AC STA DE 1979/07/19 IN ROA A41 III 1981 P767.
AC STA DE 1983/10/23 IN AD N265 P21.
AC STA DE 1990/02/15 IN AD A29 N34 P124.
AC STA DE 1991/11/19 IN AP-DR 1995/10/31 P6508.
AC STA DE 1994/03/24 RECURSO N29211.
AC STA DE 1995/12/26 PROC 32890.
AC STA DE 1998/12/01 PROC 43188 1 SEC 3 SUBS.
Referências Complementares: 
DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR ADM * GARANT ADM * ADM PUBL.
Divulgação
Data: 
17-03-1999
Página: 
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