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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
62/1996, de 28.05.1998
Data do Parecer: 
28-05-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
LUÍS DA SILVEIRA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ÓRGÃO
DIRECTOR-GERAL DOS REGISTOS E NOTARIADO
COMPETÊNCIA
HIERARQUIA
PODER DE DIRECÇÃO
PODER DE SUPERINTENDÊNCIA
PODER DISCIPLINAR
ORDEM
INSTRUÇÕES
CIRCULARES
CONSERVADOR
NOTÁRIO
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTEGRAÇÃO DA LEI
DIRECTIVAS
PODER DISCRICIONÁRIO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
FONTES DE DIREITO
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
ACTO LEGISLATIVO
INTERPRETAÇÃO AUTÊNTICA
REGULAMENTO DELEGADO
REGULAMENTO AUTORIZADO
REENVIO NORMATIVO
ACTO DE REGISTO
FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
FUNÇÃO JURISDICIONAL
FUNÇÃO REGISTRAL
RECURSO HIERÁRQUICO
Conclusões: 
1ª- O poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa integra, entre outras, a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos, funcionários ou agentes subalternos, acerca do sentido em que devem - mediante interpretação ou integração - entender as normas ou princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar;

2ª- As circulares interpretativas, porque não constituem actos com “eficácia externa”, não são incompatíveis com o nº 6 do artigo 112º da Constituição;

3ª- O Director-Geral dos Registos e do Notariado tem, enquanto superior hierárquico dos conservadores dos registos, competência para emitir circulares interpretativas, a estes dirigidas, relativas a questões respeitantes ao exercício da sua actividade vinculada tipicamente registral.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,

Excelência:


1.


1.1. Por despacho de 6 de Julho de 1996 (1), solicitou Vossa Excelência que este Conselho se pronuncie acerca das questões suscitadas pelo Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, em sessão do dia 30 de Abril do mesmo ano, no decurso da qual aprovou, sobre consulta efectuada por um Conservador do Registo Predial, as seguintes conclusões:

"1- A interpretação autêntica da lei é da competência exclusiva do órgão legislativo que a criou, e vale com a força inerente à nova manifestação de vontade do legislador.

2. O conservador do registo predial é um jurista ligado por vínculo funcional ao Estado, a quem incumbe o desempenho da actividade que se destina a fixar o sentido e o alcance com que o texto legal deve valer (interpretação doutrinal).

3. No âmbito da interpretação doutrinal e com vista à realização do interesse público da certeza do direito e da uniformidade de soluções, pode a administração, em matérias que não colidam com a função qualificadora do conservador, determinar que uma norma passe a valer com certo sentido e alcance.

4. A decisão, proferida em processo de impugnação, que fixe o sentido e alcance do texto legal, só tem força obrigatória dentro do processo."

Em resultado desta tomada de posição, o Conselho Técnico decidiu - conforme consta do ofício (2) do Exmº Director-Geral dos Registos e Notariado que deu aso ao referido despacho de Vossa Excelência - o seguinte:

"Na sequência dessa aprovação, o Conselho, também por unanimidade, deliberou propor que, mediante despacho do director-geral, fosse fixada uma directiva de interpretação a dar ao artigo 7º do Decreto-Lei nº 255/93, de 15 de Julho, no sentido de que o âmbito da sua previsão é o que decorre do artigo 1º, isto é, todos os contratos nele previstos, ainda que a forma da titulação não seja a referida no artigo 2º.

2. Suscitou-se todavia a dúvida de saber se a proposta directiva poderia ofender o artigo 115º da Constituição ou, ainda quando assim não fosse, se o director-geral teria competência para fixar uma directiva genérica que obrigasse os conservadores, atenta a sua autonomia funcional.

O problema merece reflexão até porque a solução que for dada se não esgota obviamente no caso concreto em análise."


1.2. São, portanto, duas as questões apontadas pelo Conselho Técnico, uma delas constituindo lógico pressuposto da outra.

Põe-se, primeiramente, o problema de saber se a emanação de "directivas de interpretação", através das quais um órgão da Administração Pública prescreve em que sentido devem os órgãos e/ou trabalhadores seus subordinados interpretar certa norma jurídica, ofende ou não o regime do artigo 115º (3) da Constituição.

Depois, e na hipótese de se haver concluído não ocorrer tal inconstitucionalidade, indaga-se se o Director-Geral dos Registos e do Notariado tem competência para emitir um despacho contendo uma tal directiva em relação aos conservadores, atenta a posição funcional destes.


1.3. Não pode deixar, enfim, de se ter em consideração que a questão suscitada na consulta feita por um conservador ao Conselho Técnico não coincide exactamente com os dois problemas por este enunciados (embora de algum modo encontrasse reflexo no nº 4 das conclusões acima transcritas).

Sucedera que esse conservador tomara conhecimento, incidentalmente, de que, ao decidir uma reclamação apresentada contra um acto dum colega, o Director-Geral dos Registos e do Notariado alertara este último acerca da interpretação que deveria passar a fazer de certo preceito legal, não directamente relevante para a resolução daquela impugnação.

Ora, o consulente entendia que, fora do âmbito das directivas de interpretação genérica (cuja legitimidade não punha em causa), "a Administração só poderá vincular o agente a adoptar determinada interpretação em sede de impugnação do acto, e com força obrigatória limitada ao respectivo processo".


1.4. Cabe, pois, emitir parecer acerca das dúvidas acabadas de mencionar.

2.


2.1. Importa, antes de mais, procurar caracterizar com a possível exactidão o que sejam as "directivas de interpretação" a que as questões levantadas se reportam.

Numa primeira aproximação, pode dizer-se que se trata de comandos ou instruções emanados por órgãos administrativos e dirigidos à generalidade dos seus subalternos, ou aos que ocupam certa categoria ou posição, definindo vinculativamente o sentido em que devem entender determinadas normas ou princípios jurídicos que lhes caiba cumprir ou aplicar.

Para a determinação desse sentido bastará, normalmente, um labor interpretativo - razão por que decerto o Conselho Técnico utilizou a expressão de "directivas de interpretação".

Não está, todavia, excluído que, por vezes, o órgão administrativo em causa depare com uma lacuna da lei, o que o conduzirá, se pretender prosseguir o objectivo acima indicado, a emitir autênticas "directivas de integração".


2.2. Pode considerar-se generalizadamente aceite que a faculdade de emanar comandos ou instruções deste tipo constitui uma das facetas em que se manifesta a hierarquia administrativa.

Já Marcello Caetano (4) ensinava que:

"A hierarquia dos serviços consiste no seu ordenamento em unidades que compreendem subunidades de um ou mais graus e podem agrupar-se em grandes unidades, escalonando-se os poderes dos respectivos chefes de modo a assegurar a harmonia de cada conjunto.

...................................................................................................

A esta hierarquia de serviços corresponde a hierarquia das respectivas chefias. Há em cada departamento um chefe superior, coadjuvado por chefes subalternos de vários graus pelos quais estão repartidas tarefas e responsabilidades proporcionalmente ao escalão em que se acham colocados.

...................................................................................................

O poder típico da superioridade na ordem hierárquica é o poder de direcção. Todavia, andam em regra inerentes a esse poder outros, que são: o poder de inspecção, o poder de superintendência e o poder disciplinar. Estes poderes são, então, hierárquicos, o que não significa serem exclusivos da hierarquia: a lei atribui muitas vezes a certa autoridade alguns deles independentemente de qualquer relação hierárquica. Por isso afirmamos que o poder típico é o de direcção e os restantes só são hierárquicos quando atribuídos em conjunto com ele.

O poder de direcção é a competência que o superior tem de dar ordens e de expender instruções para impor aos seus subordinados a prática dos actos necessários ao bom funcionamento do serviço ou à mais conveniente interpretação da lei.

Ordem é a imposição ao agente de uma acção ou abstenção concreta, em objecto de serviço. Pode ser verbal ou escrita.

Se a ordem envolve directrizes de acção futura para casos que venham a produzir-se, toma a forma de instruções; e se é transmitida por escrito a todos os subalternos, por igual, é uma circular.

As ordens de serviço, instruções ou circulares distinguem-se dos regulamentos por serem da competência de qualquer superior e terem eficácia meramente interna."

Esta perspectiva tem vindo a ser, no essencial, corroborada pela posterior doutrina portuguesa - conquanto com uma que outra modelação merecedoras de realce. Assim é que Freitas do Amaral (5) aponta que a relação hierárquica só pode, ajustadamente, caracterizar--se pela consideração complexiva de três poderes hierárquicos típicos, acompanhados dos correlativos deveres: "Queremos referir-nos ao poder de direcção (faculdade de dar ordens e instruções ao subalterno), ao poder de superintendência (faculdade de revogar e, eventualmente, modificar os actos do subalterno) e ao poder disciplinar (faculdade de punir e, eventualmente, expulsar o subalterno)".

Por isso define a hierarquia como "o modelo de organização administrativa constituído por um conjunto de órgãos e agentes com atribuições comuns e competências diferenciadas, ligadas por um vínculo de subordinação que confere ao superior os poderes de direcção, superintendência e disciplinar, impondo ao subalterno os deveres e sujeições correspondentes".

Semelhante concepção quanto ao poder de direcção e sua concretização propõe Sérvulo Correia (6), quando discorre que: "o poder de direcção consiste na competência de dar ordens e de expender instruções. A ordem é a imposição de uma acção ou de uma abstenção concreta em matéria de serviço. A instrução é uma directriz de acção futura para casos que venham a produzir-se. Se a instrução é dirigida por escrito a todos os subalternos, por igual, é uma circular".

Já quanto às outras faculdades integradoras da hierarquia inclui os poderes de superintendência e o de inspecção - dela excluindo contudo expressamente o poder disciplinar, por entender que ele é exterior à relação hierárquica, cabendo, antes, numa "relação externa de serviço ou de emprego" em que o agente figuraria como "um particular em estado especial de sujeição como administrado".

Por seu turno, Paulo Otero (7), divisando na hierarquia administrativa os poderes de direcção, de supervisão e disciplinar (8) caracteriza o primeiro do modo seguinte: "O poder de direcção, enquanto elemento inerente à hierarquia administrativa, traduz-se na faculdade de o superior hierárquico emanar comandos vinculativos a todos os órgãos subordinados. Esses comandos podem ser específicos para uma situação concreta e individualizada (: ordens), ou gozarem de aplicação generalizada e abstracta para situações futuras (:instruções). Paralelamente, o superior não se encontra impedido de emanar directivas sobre a actividade dos subalternos, conferindo a estes últimos uma maior liberdade de acção na concretização dos objectivos determinados". Ao desenvolver o conteúdo do poder de direcção, aponta que este, para além da "faculdade de propulsão da actividade dos subalternos", abrange a função de interpretação administrativa das leis, noção ampla que abarcaria a "concretização de conceitos vagos e indeterminados" e a
"integração de soluções não previstas pelo legislador".

É possível divisar, na doutrina administrativa portuguesa, ainda outros pontos de vista, algo divergentes dos antes mencionados, acerca da decomposição das faculdades inerentes à hierarquia: assim é que Rebelo de Sousa (9) nela distingue os poderes de direcção, de inspecção, de supervisão e de decisão de conflitos (e, excepcionalmente, o de substituição), enquanto que João Caupers (10) retoma a enumeração mais generalizada de poderes de direcção, de supervisão e disciplinar e Esteves de Oliveira (11) aborda, a propósito, os poderes de direcção, de substituição (e avocação) e o de superintendência.

Verifica-se, de todo o modo, que todos convergem na referência ao poder de direcção (por vezes qualificado como o mais típico da hierarquia, ou a ela mesmo essencial) e na explicitação de que ele integra a faculdade de emanar comandos concretos ou genéricos aos subalternos. Rebelo de Sousa (12) afirma, a propósito, que "o poder de direcção decorre da natureza da relação hierárquica, isto é, da atribuição de função de chefia, não precisando de expresso acolhimento legal".


2.3. Não é, naturalmente, a doutrina portuguesa a única a exprimir este ponto de vista.


O mesmo surge sustentado, com uma ou outra modulação ou divergência de menor relevo, pela generalidade dos autores de Estados dotados de estrutura administrativa semelhante à portuguesa.


Assim é que, nomeadamente e a título apenas ilustrativo -, se pode apontar que, no país vizinho, Garrido Falla (13) ensina, relacionando concretamente o poder de emitir instruções, enquanto reflexo da hierarquia administrativa, com o dever de obediência dos inferiores:

"en realidad estas instrucciones deben de considerarse como simples directivas de actuación que las autoridades superiores imponen a sus subordinados en virtud de las atribuciones propias de la jerarquia: no son, por ende, una especial manifestación de potestad reglamentaria, sino una lógica consecuencia de la jerarquia."

Nas obras dos juristas transalpinos, é frequente encontrar a faculdade em questão qualificada como poder de coordenação (dos superiores hierárquicos).

Assim procede, entre outros mais, Pietro Virga (14):

"4. Poteri inerenti alla supremazia gerarchica - I poteri spettanti all’organo di grado superiore nei confronti dell’organo gerarchicamente inferiore possono così sintetizzarsi;

a) potere di coordinamento: l’organo superiore può prescrivere, mediante istruzioni e circolari, le direttive, alle quali si deve informare la condotta dell’organo inferiore;"

Na mesma linha se inscreve Catelani, autor de uma monografia expressamente dedicada à figura jurídica em questão (15), quando pondera que:

"11. Accanto alla funzione di indidizzo, attaverso atti amministrativi interni, può estrinsecarsi una funzione di coordinamento (3).

Quando si parla di coordinamento, si fa riferimento ad un più specifico contenuto proprio della direttiva. Tale funzione consta dell’emanazione di direttive aventi uno scopo particolare, quale è quello di imprimere unitarietà all’azione degli organi amministrativi, ed è sotto questo aspetto che la funzione d’indirizzo e quella di coordinamento devono essere tenute distinte.

O mesmo autor não deixa, além disso, ao caracterizar mais desenvolvidamente tais medidas de coordenação da actividade dos inferiores hierárquicos, de sublinhar que elas têm por típica função a de interpretar as normas legais e regulamentares que estes devem aplicar (no que engloba, se necessário, uma tarefa de integração de eventuais lacunas, segundo os princípios gerais da ordem jurídica) (16).

Segue pelos mesmos trilhos a doutrina francesa, de entre a qual se podem citar, a título de exemplo, Debbasch (17):

"Les circulaires sont les actes émis par l’autorité titulaire du pouvoir hiérarchique pour guider la conduite de ses subordonnés",

e, reiterando esta noção, Laubadère e outros (18):

"Définition et portée juridique. - Les circulaires ou instructions de service sont des prescriptions générales que les chefs de service donnent aux fonctionnaires placés sous leur autorité en ce qui concerne l’interpretation et l’application des lois et règlements."

A dogmática germânica costuma, enfim, englobar no conceito amplo de "Verwaltungsvorschriften" (literalmente "prescrições administrativas") todo o tipo de medidas genéricas de orientação - vinculativas ou não - da conduta dos órgãos ou funcionários inferiores emanadas no seio das instituições administrativas.

Mas semelhantemente as fazem radicar nos poderes de supremacia próprios da relação hierárquica.

É isso que decorre, por exemplo das palavras, diversas na formulação, mas convergentes quanto ao essencial, de Ossenbühl (19) (apontando que as "prescrições administrativas" se podem dirigir, quer a órgãos, quer a funcionários sujeitos ao poder de direcção hierárquica), de Wolff (20) (realçando que, precisamente porque integrada no poder de direcção hierárquica, a faculdade de emanar "prescrições administrativas" não tem de radicar em qualquer especial norma legal habilitante, desde que a Administração se contenha nos limites próprios da sua função) e de H. Maurer (21) (explicitando que a competência de direcção do superior hierárquico envolve a faculdade de emitir, quer instruções concretas, quer instruções genéricas ou "prescrições administrativas").

3.


3.1 - Cuidando, agora - e depois de firmada a sua integração no poder de direcção próprio da relação hierárquica -, de caracterizar directamente a natureza jurídica dos instrumentos interpretativos em questão, tem cabimento observar, desde logo, que se patenteia uma assinalável oscilação e mesmo confusão no tocante à respectiva designação: fala-se, a propósito, de directivas, de instruções ou ordens administrativas genéricas, de circulares.

A esta disparidade de designações acresce que, por vezes, algumas delas são utilizadas para indicar realidades pelo menos parcialmente diversas - o que de modo nenhum propicia o desejável rigor exigido pela delimitação do conceito em apreciação.

Entre nós, esta multiplicidade de denominações - e consequente imprecisão conceitual - é apontada, nomeadamente, por Paulo Otero (22).

Mas a verdade é que se não trata de um fenómeno exclusivo das nossas doutrina e jurisprudência. Também noutras ordens jurídicas se detecta situação análoga, por cuja ocorrência até certos textos legais não deixam de ser responsáveis. Denunciam - no, p.e., na Alemanha, Maurer (23) e, em França, Clicquennois e Lascombe (24) - estes últimos anotando que assim sucede, em parte, em resultado do teor do artigo 1º da Lei nº 78-753, de 17 de Julho de 1978, reguladora de diversos aspectos das relações entre os cidadãos e a Administração (25). É que a Comissão das Leis do Senado francês, ao justificar a redacção desta norma, mencionou que as designações dela constantes seriam indiferentemente utilizadas pela Administração para designar documentos idênticos.


3.2 - Para cabal apreensão da natureza e regime do tipo de actos a que este parecer se reporta convém, pois, tendo em conta a imprecisão acabada de mencionar, curar de alcançar um adequado rigor terminológico, e, concomitantemente, uma ajustada configuração jurídica daqueles.

Neste sentido, cumpre, antes de mais, realçar que a compreensão do conceito de directiva os não abrange, devendo, por isso, estes dois institutos jurídicos ser devidamente destrinçados.

Reconhece-se que, pelo menos inicialmente, a noção de directiva, no âmbito da actividade administrativa, e do Direito que a rege, se apresentou bastante nebulosa - a ponto de alguém (26) a ter apodado de "híbrida", e, até, de "acte-caméleón".

Paulatina mas seguramente, contudo, a doutrina - estrangeira e nacional - e, mesmo, alguns textos a nível internacional, têm vindo a convergir no sentido de enquadrar a figura da directiva ("directive", "guideline", "Richtlinie") no âmbito da actividade discricionária da Administração Pública.

Trata-se, portanto, nesses termos, de orientações que a Administração Pública estabelece para si própria, no tocante ao exercício de poderes discricionários.

Essas orientações podem referir-se ao exercício de poderes discricionários por parte, ou da própria entidade que as emite, ou de subordinados seus.

Por força da própria índole dos poderes discricionários, as directivas não são absolutamente vinculativas (27).

A Administração Pública deve, é certo, conformar-se, em princípio, com as directivas que para si mesma define - por respeito aos valores da igualdade, e, porventura mais precisamente ainda, da confiança ("patere legem quam ipse fecisti").

Mas, exactamente porque está em jogo a aplicação dum poder discricionário, este resultaria desvirtuado se a entidade que o exerce não pudesse (e tivesse) sempre de proceder a um "exame individual" de cada caso - em termos de se impor a desaplicação da directiva se as circunstâncias concretas do mesmo assim o impuserem (28).

Em suma: a Administração Pública está, em princípio, obrigada a acatar as directivas que para si mesma emanou - procedendo ilegalmente se o não fizer.

Em traços gerais, é esta a caracterização das "directivas" a que chegaram a doutrina e a jurisprudência francesas, não sem algumas iniciais oscilações e imprecisões, sobretudo por parte da segunda.


Merece referência, a este propósito, pela sua concisão e acerto, a formulação de Laubadère e outros (29): "il s’agit de documents par lesquels l’administration, dans les domaines ou elle dispose d’une compétence discrétionnaire, se fixe elle-même à l’avance une ligne de conduite, une doctrine, destinée à la guider ensuite dans les décisions individuelles qu’elle prendra, cela à la fois pour faciliter sa tâche et pour eviter une attitude disparate".


Desta configuração das directivas retiram os mesmos autores, no tocante ao respectivo regime, nomeadamente, as seguintes ilações:


- tratar-se-ia de actos insusceptíveis de constituirem objecto de recurso de anulação, por não modificarem directamente a situação dos interessados;


- já a sua aplicação através de actos administrativos poderia dar aso a recurso contencioso, quer na hipótese de a Administração Pública as não acatar sem fundamento bastante, quer na de ela as aplicar, automática e "cegamente", em situação cuja especificidade justificaria uma decisão de desaplicação das mesmas;


- a necessidade do controlo, por parte dos administrados, da boa ou má aplicação das directivas, justificaria a sua publicação, tornada obrigatória por força da já citada Lei de 17 de Julho de 1978.

A mesma posição vem sendo assumida, no essencial, pelos demais administrativistas gaulesas mais representativos, de entre os quais cabe destacar Debbasch (30), Dupuis e outros (31), Dévolvé (32), Clicquennois e Lascombe (33).

Isto, sem deixar de reconhecer que ainda em 1984, em tese dedicada a actos deste tipo e similares, Mockle (34), sublinhando as dúvidas de caracterização e regime que entendia subsistirem acerca deles, intitulava um dos capítulos dessa obra: "Les directives, notion en mal de spécificité".

A concepção dominante na República Federal da Alemanha acerca das "Ermessensrichtlinien" não se afasta, no fundamental, da doutrina gaulesa.

Os autores germânicos desenvolvem, especialmente, a discussão acerca da natureza jurídica das directivas. A maioria conclui tratar-se de actos de "auto-vinculação" da Administração Pública, de eficácia genérica, em matéria do exercício de poderes discricionários. Ela estaria, por isso, em princípio obrigada - sob pena de ilegalidade - a seguir a orientação constante das directivas, salvo se as peculiaridades do caso concreto impuserem solução diversa.

E aprofundam também, nomeadamente, a indagação do fundamento da relevância jurídica de tais "Ermessensrichtlinien" - encontrando-o, umas vezes, no princípio constitucional da igualdade, e, outras (sobretudo em relação ao primeiro acto de aplicação respectiva, não confrontável, por isso, com qualquer outro), no da confiança (35).

À patente consagração desta solução em diversos sistemas estaduais - e os casos apontados foram-no apenas a título exemplificativo - veio a corresponder, mesmo, a sua expressão a nível das instituições europeias.

Assim é que o Comité de Ministros do Conselho da Europa, na Recomendação nº R(80)2, de 11 de Março de 1980, relativa ao exercício de poderes discricionários, enunciou, entre os vários princípios a que este deve obedecer, o de que:

"An administrative authority, when exercising a discretionary power:
....................................................................................................

6. Applies any general administrative guidelines in a consistent manner while at the same time taking account of the particular circumstances of each case".

Por seu turno, em termos de Direito Comunitário, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no caso Louwage c. Comissão (36), proclamou que:

"Although an internal directive has not the character of a rule of law which the administration is always bound to observe, it nevertheless sets a rule of conduct indicating the practice to be followed, from which the administration may not depart without giving the reasons which led it to do so, since otherwise the principle of equality of treatment would be infringed."

Entre nós, tanto a doutrina como a jurisprudência dominantes têm progressivamente vindo a convergir no sentido da adopção da perspectiva antes indicada.

Isto não significa que, quer uma, quer outra, não tenham, inicialmente, revelado certa oscilação de critérios (37).

O Supremo Tribunal Administrativo começou, mesmo, por admitir, quanto ao exercício de poderes discricionários, a legitimidade da auto-vinculação da Administração Pública, através da emanação de regras gerais e abstractas para si mesma vinculativas (38).

Veio, contudo, a inflectir decididamente tal inicial orientação, acabando por poder considerar-se integrado, hoje, na linha dominante acima apontada (39)

É particularmente expressivo neste sentido o acórdão de 23 de Abril de 1996 (40):

"III. A concessão do poder discricionário envolve imposição, ao órgão competente, do dever de ponderação das circunstâncias específicas de cada caso, de modo que a solução seja afeiçoada segundo a adequação a essas circunstâncias, e impede que a Administração se auto-vincule de forma genérica e abstracta mediante a eleição antecipada de determinados pressupostos que condicionem as suas decisões.

IV. Todavia, a auto-vinculação não é incompatível com o devido uso do poder discricionário desde que se adoptem directivas de aplicação não permanente, ou seja, destinadas a resolver um acervo de situações concretas num certo período de tempo e sem pretender abarcar casos indeterminados que, de futuro, venham a ocorrer."

Atentando, agora na mais recente doutrina, baste remeter, por todos, para a noção e caracterização de directiva propostas por J. Tiago Silveira (41):

"...norma geral e abstracta de aplicação não imediata, susceptível de derrogação e criada no âmbito de um poder discricionário para o limitar.
...................................................................................................

1- É uma norma geral e abstracta por não dizer respeito a uma situação individualizada e por ser de aplicação tendencialmente perpétua.

2- É de aplicação não imediata por não retirar a obrigatoriedade de análise de todos os circunstancialismos do caso concreto.

3- É susceptível de derrogação por a sua aplicação poder ser dispensada num caso concreto que justifique tratamento diferente".


4


4.1. Da caracterização, assim esboçada, da noção de directiva ressalta com nitidez que não é esse o tipo de instituto jurídico que constitui objecto do presente parecer.

A actividade dos conservadores a que se reporta não ostenta características de discricionaridade, sendo, ao invés, norteada por critérios de legalidade.

Por isso é ajustado que os comandos em causa, a eles dirigidos pelo Director-Geral dos Registos e do Notariado - a serem legítimos, questão que por ora se deixa em suspenso - assumam índole vinculativa.

Retomando a senda da progressiva aproximação, em termos de designação, conceito e regime, da realidade jurídica em apreciação, tem ora cabimento abordar a figura da circular - denominação pela qual de resto é frequentemente identificada, quer na prática administrativa, quer, mesmo, a nível doutrinal e jurisprudencial.


4.2. Em latim, "circulare" significava o movimento dum objecto que, após descrever um círculo, regressa ao seu ponto de partida.

E por isso é que a designação de "circular" começou por ser atribuída, na Administração setecentista, a documentos que, contendo normalmente instruções emanadas por um superior aos seus subalternos, passavam , por estes, de mão em mão, até regressarem ao respectivo autor (42).

Tornado dispensável, pelos progressos da impressão e outras modalidades não manuais de registo da escrita, o fechamento do respectivo trajecto circulatório, subsiste todavia a denominação de "circular" para identificar textos enviados por uma entidade administrativa à generalidade ou a certo grupo dos órgãos, serviços ou agentes seus subordinados.

A noção de circular surge, pois, antes de mais e na sua originária pureza, como um conceito eminentemente formal.

Trata-se, assim, dum instrumento emanado no âmbito duma relação hierárquica, e que integra um comando genérico, e não meramente individual.

Mas não implica, à partida, qualquer especificação ou sequer indicação quanto ao conteúdo ou conteúdos de tal comando.

4.3. Assim é que as circulares podem - e é essa a hipótese mais frequente e, por assim dizer, típica - ter por finalidade a interpretação de determinadas normas, ou, mais amplamente (englobando nesses moldes também a integração de eventuais lacunas), a determinação do sentido em que deve ser entendido e aplicado o Direito a certo tipo de casos ou situações (43).

Mas tão-pouco é de excluir que, através da via de circular, sejam enviadas aos inferiores hierárquicos verdadeiras directivas de discricionaridade (44).

E há mesmo quem admita que certo tipo de circulares possa ter efeitos externos, atingindo nessa medida directamente (em termos positivos ou negativos) a esfera jurídica dos administrados.

É neste sentido que parte da doutrina francesa, p.e., distingue as "circulares interpretativas" das "circulares regulamentares".

Estas últimas, configurando verdadeiros regulamentos, só seriam legítimas na medida em que habilitadas por norma com força de lei - podendo, por isso, ao contrário daqueloutras, ser objecto de recurso de anulação por "excès de pouvoir" se a autoridade emitente não tiver competência legal para o fazer (45).

A mesma perspectiva é apresentada, entre nós, pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Novembro de 1994 (46), que qualifica de verdadeiros regulamentos as circulares emitidas pela Inspecção-Geral de Jogos ao abrigo do artigo 95º, nº 2, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro -, na medida em que se trata de actos de eficácia genérica que têm como destinatárias as empresas concessionárias de jogo.

A dificuldade quanto à precisa delimitação do respectivo conteúdo surge, enfim, agravada pelo facto de algumas circulares poderem, sob esse aspecto, ostentar carácter misto ou plural - ou seja, uma mesma circular pode, por vezes, ser em parte interpretativa (ou integrativa), conter, ademais, directivas para o exercício de poderes discricionários, e, até, se a lei o permitir, englobar mesmo autênticas normas regulamentares (47).


4.4. A figura jurídica que neste parecer está em apreciação é constituída, em abstracto - adiante se verá, em concreto, se a Direcção-Geral dos Registos e do Notariado tem ou não competência para as emanar -, por instruções dirigidas aos subalternos, no âmbito duma relação hierárquica, para interpretação (e/ou integração) do Direito que estes devem aplicar.

Tratando-se, pois, de instruções que têm por destinatários a generalidade ou certa categoria dos subordinados de certa autoridade administrativa, não será errado - e fá-lo-emos daqui por diante por comodidade de exposição - designá-las por circulares interpretativas (abrangendo, pois, em sentido lato, as tendentes à integração de lacunas).

Ensaiando mais um passo na senda da definição da relevância de tais circulares interpretativas, há-que reconhecer que a questão se apresenta pouco líquida, embora se possa vislumbrar, presentemente, a formação de uma certa perspectiva dominante.

As incertezas que envolvem este problema começam, aliás, por radicar no facto de alguns negarem mesmo a tais instrumentos qualquer relevância jurídica, delegando-os para o estrito âmbito administrativo.

Esta posição foi defendida, na França e na Alemanha, por alguns autores do século passado e inícios do presente (48) - tendo mesmo deixado traços na normenclatura jurídica actualmente vigente no último desses países ("Verwaltungsvorschrift" = "prescrição administrativa").

Não parece que mereça acolhimento ponto de vista tão radical, tributário, aliás, da visão liberal segundo a qual só poderiam relevar, para o Direito, em sede administrativa, as relações entre o Estado e os cidadãos.

As circulares interpretativas, enquanto instruções emanadas no âmbito duma relação hierárquica, têm, pelo menos, um efeito jurídico básico e evidente: o de implicar o dever de os respectivos destinatários obedecerem a tais comandos (nos termos e com as eventuais limitações aplicáveis, em geral, ao dever funcional de obediência hierárquica).

Trata-se, de resto, de vinculação expressa no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (aprovado pelo Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro, artº 3, nº 7).

À jurisdicidade dessa posição do subalterno corresponde, entre nós e na generalidade dos países, a sujeição a responsabilidade disciplinar, e à aplicação de adequada sanção desse tipo, se não acatar a ordem em questão (v., entre nós, os artigos 23º, nº 2, alínea b) e 24º, nº 1, alínea h), do citado Estatuto).

O reconhecimento desta modalidade de relevância jurídica às circulares interpretativas pode hoje ter-se como dado adquirido nas diversas ordens jurídicas (49).


4.5. Discrepâncias surgem, sim, quando se intenta caracterizar juridicamente tais actos, na medida em que considerados na perspectiva exterior à Administração Pública - ou seja, dos particulares, em geral, e dos tribunais, enquanto órgãos aplicadores do Direito.

O dilema que, sob esse prisma, se costuma suscitar, é o de se deverem ou não qualificar as circulares interpretativas como fontes de direito (ou como normas jurídicas, se consideradas no seu conteúdo preceptivo).

Não é raro deparar-se, a este propósito, com afirmações diametralmente opostas: para uns, essas circulares são fonte de direito e comportam verdadeiras normas jurídicas, outros negam terminantemente tais afirmações.

A tese negativa (50) invoca em seu favor os seguintes aspectos comummente aceites como característicos do regime jurídico das circulares interpretativas:

- elas não se aplicam directamente aos particulares, não lhes atribuindo direitos nem os sujeitando a deveres ou outras vinculações;

- não obrigam os tribunais, que por isso não estão vinculados a aplicá-las, na sua missão de dizer e realizar o Direito (por isso uns acrescentam que as circulares constituem, para os tribunais, meros factos, (51) outros afirmam que, perante os órgãos judiciais, aquelas assumem relevância análoga à da doutrina (52);

- não são, enquanto tais, susceptíveis de recurso contencioso de anulação (53).

As duas faces das circulares interpretativas são, nesta medida, assim sintetizadas por Laubadère e outros:

"À l’égard des fonctionnaires, la circulaire a un caractère obligatoire, c’est-à-dire qu’ils doivent tenir pour exacte l’interprétation de la loi qui y est donnée et qu’ils sont tenus de se conformer aux directives qui y sont contenues; ce caractère obligatoire résulte du devoir d’obéissance hiérarchique du fonctionnaire vis-à-vis de son supérieur.

Mais vis-à-vis des administrés la circulaire n’a aucune force obligatoire; elle leur est inopposable. En particulier l’interprétation de la loi qu’elle fournit ne lie pas le juge;"

A estes nuclerares aspectos de regime outros são ainda, por vezes, aditados, normalmente deles decorrentes ou constituindo deles reflexo ou manifestação.

Tem particular interesse, do ponto de vista da nossa ordem jurídica, atentar na ressalva feita valer por Esteves de Oliveira e outros, relativamente à aplicação do Código do Procedimento Administrativo.

Partindo da dicotomia, que chegou a estar bastante em voga, entre "regulamentos externos" e "regulamentos internos" (54), nestes últimos cabendo, quer os regulamentos de organização, quer os de direcção (que incluiriam as circulares interpretativas), aqueles comentadores chamam a atenção para que, dadas as suas características próprias, acima indicadas, os últimos não seriam abrangidos pelas normas daquele Código integradas no Capítulo I da Parte IV, sob a epígrafe "Do regulamento" (55).


4.6. Tudo ponderado, talvez que, afinal, o mais acertado seja concluir que é pôr mal esta pergunta, quando se indaga, em termos absolutos, se as circulares interpretativas são, ou não, fonte de direito, e, nessa medida, geradoras de normas jurídicas.

A adequada resposta à pergunta em causa exige que, previamente, se defina a perspectiva sob a qual a questão é formulada - ou, por outras palavras, o âmbito institucional relativamente ao qual se pretende apurar se aquelas circulares assumem ou não tal relevância jurídica.

Assim, se a perspectiva em causa é a do direito estadual, em particular no tocante às relações entre o Estado e os cidadãos, merece resposta negativa a questão de saber se, nesse âmbito - que é, nomeadamente, aquele a que se refere a caracterização de fontes de direito contida no artigo 1º do Código Civil -, as circulares interpretativas são ou não fontes de normas jurídicas.

E, isto, essencialmente em função dos aspectos de regime acima enunciados.

Mas se, diversamente, a questão é suscitada em relação ao ordenamento interno da Administração Pública, não parece legítimo denegar a qualidade de normas jurídicas às regras constantes das ditas circulares (56).

Elas, contêm comandos que se dirigem a uma generalidade de pessoas - titulares de órgãos, funcionários e agentes, subordinados da entidade emissora - e que, nessa medida, lhes impõem determinada conduta, obrigando-as a aplicar a lei segundo certa interpretação.

4.7. Se as circulares interpretativas - melhor: as regras delas constantes - merecem ser qualificadas de normas jurídicas apenas no âmbito interno da Administração Pública (ou do sector desta a que respeitem), isto não significa que elas sejam, para os particulares, absolutamente irrelevantes.

Relativamente a estes podem assumir relevância indirecta, na medida em que indicam os termos em que a Administração Pública interpretará as normas jurídicas (de eficácia externa) que aplicará nas suas relações com aqueles (57).

É de resto isso que explica - e justifica - que a Lei nº 65/93, de 26 de Agosto (artº 11º, nº 1), imponha à Administração, na perspectiva do mais amplo acesso dos cidadãos aos documentos administrativos, a publicação de "todos os documentos, designadamente despachos normativos internos, circulares e orientações, que comportem enquadramento da actividade administrativa" e a "enunciação de todos os documentos que comportem interpretação do direito positivo ou descrição de procedimento administrativo, mencionando, designadamente, o seu título, matéria, data, origem e local onde podem ser consultados".


5


5.1. Uma vez esboçada, assim, a caracterização da natureza e relevância das circulares interpretativas, procuraremos, agora, afrontar especificamente as questões que deram aso ao pedido do presente parecer.

Consiste a primeira em saber se o actual nº 6 do artigo 112º da Constituição (anterior nº 5 do artigo 115º, na redacção resultante da revisão de 1982) significa a rejeição de tais actos por parte da Lei Fundamental, perante a qual surgiriam, assim, em geral, feridos de inconstitucionalidade.

O aludido preceito constitucional dispõe, sob a epígrafe "actos normativos", que:

"6. Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos".

E a verdade é que esta norma já por vezes tem sido entendida no sentido de recusar legitimidade constitucional a despachos genéricos emanados por entidades administrativas com vista a determinar em que termos deveriam os seus subordinados interpretar e aplicar determinadas leis.

Fá-lo, designadamente, Barrilaro Ruas (58), com directa referência, aliás, aos despachos interpretativos do Director-Geral dos Registos e do Notariado.

Este autor baseia tal opinião na consideração de que "ao determinar acerca da qualificação de pedidos de registo, pedidos feitos por pessoas estranhas à orgânica dos serviços, tais despachos repercutem-se nas pessoas colectivas e nos cidadãos em geral."


5.2. Permitam-se, antes de se proceder directamente à interpretação do preceito transcrito, três notas prévias - sob os prismas comparatístico, de coerência constitucional e prático -, ainda em termos gerais, e sem atentar, em concreto, no tipo de situações que originou este parecer.

Em primeiro lugar, a análise dos sistemas de Direito Público da maioria dos países a cujas ordens jurídicas a nossa se aparenta revela que a figura da circular interpretativa - embora objecto de apreciações doutrinais e jurisprudenciais nem sempre convergentes - é generalizadamente consagrada. Estranho seria, pois, que o legislador constitucional português tivesse querido levar a sua originalidade ao ponto de postergar absolutamente do direito português tal tipo de actos.

Seguidamente, não pode olvidar-se que a igualdade constitui hoje um valor que a Administração Pública está obrigada a respeitar e prosseguir, por força da Constituição (artigos 13º e 266º, nº 2) e do Código do Procedimento Administrativo (artigo 5º). Ora, as circulares interpretativas são precisamente um dos instrumentos através dos quais os órgãos superiores da Administração Pública asseguram a realização desse princípio através da actuação dos seus subordinados. A recusa, à Administração Pública, desse meio de efectivação da igualdade surgiria, pois, em contradição com as regras da Lei Fundamental que impõem a efectivação desta.

Enfim, há que reconhecer que, se desprovida da possibilidade de emanar circulares interpretativas, a Administração Pública depararia com um não despiciendo obstáculo prático ao normal funcionamento dos serviços, dentro da estrutura hierarquizada que os caracteriza. Aliás, nem por ostentar cariz primacialmente prático este argumento é totalmente alheio a considerações com relevo jurídico, e, até, constitucional; pense-se, desde logo, em que a eventual impossibilidade de dispor desse meio de afirmação da hierarquia e de harmonização da actuação dos seus subordinados dificultaria ao Governo a efectivação da tarefa de "dirigir os serviços e a actividade da administração directa do Estado", que a Constituição, no artigo 199º, al. d), especificamente lhe impõe.


5.3. Este Conselho já por diversas vezes teve ocasião de se pronunciar acerca da interpretação da prescrição constitucional em causa.

Fê-lo, nomeadamente, no Parecer nº 34/84, de 20 de Junho (59), no qual, depois de detida análise dos trabalhos preparatórios relativos a esse preceito, se ponderou que:

"3.1. A proibição constitucional dirige-se prima facie a que a lei confira a actos não legislativos o poder de, com eficácia externa, interpretar qualquer dos seus preceitos.

Deverá entender-se esta proibição como significando que ficam excluídos (inconstitucionalizados) todos e quaisquer actos interpretativos das leis?

Seguramente que não.

Dentre as várias espécies de interpretação, a doutrina distingue a interpretação autêntica - realizada por fonte de valor hierárquico igual ou superior à fonte interpretada, sendo, portanto, obrigatória, vinculativa - e a oficial - feita por fonte legislativa de valor inferior à interpretada, não sendo, pois, vinculativa externamente quando exorbita do sentido normativo permitido pela lei interpretada (podendo, porém, ser vinculativa numa determinada ordem hierárquica, como sucede com a interpretação fixada em despachos, instruções, circulares, que não vincula os tribunais nem o público em geral, obrigando apenas os agentes administrativos subordinados à entidade que emitiu a interpretação oficial).

Precisamente neste domínio colocava-se uma questão controversa, qual seja a do valor da interpretação feita por despacho ministerial ou portaria, quando fosse a própria lei a estabelecer que as dúvidas suscitadas na sua aplicação serão resolvidas por despacho ou portaria. Poderia falar-se, em tal hipótese, de interpretação autêntica, feita embora por fonte hierarquicamente inferior à fonte interpretada?

3.2. Ora, se bem se pensa, com o preceito em análise o que se pretendeu foi proibir a interpretação autêntica de leis através de actos normativos não legislativos (ex.:os regulamentos), ou de actos administrativos (ex.: despachos, directivas, etc.).

A interpretação autêntica de leis só pode, pois, ser feita por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo. A interpretação através de regulamento jamais pode ter força e valor de lei."

Por isso se veio, a final, a extrair as seguintes conclusões gerais:

1ª - O nº 5 do artigo 115º da Constituição da República, ao estabelecer que "nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos", confirma o princípio da tipicidade dos actos legislativos, já proclamado no nº 1 do mesmo artigo;

2ª - O nº 5 do artigo 115º não proíbe todo e qualquer acto interpretativo das leis, mas apenas a interpretação autêntica de leis através de actos normativos não legislativos, ou de actos administrativos;

3ª - O nº 5 do artigo 115º estabelece a proibição dos regulamentos delegados ou autorizados nas suas manifestações de regulamentos modificativos, suspensivos, revogatórios e derrogatórios;

4ª - Da proibição estabelecida no nº 5 do artigo 115º excluem-se os reenvios normativos que se traduzem na remissão para a Administração editar normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina estabelecida por lei;"

O entendimento acabado de sintetizar (60) tem vindo a ser sucessiva e sistematicamente reafirmado por este Corpo Consultivo, nomeadamente através dos pareceres nºs 8/89, de 23 de Novembro de 1989 (61), 10/91, de 21 de Março de 1991 (62), 4/96, de 16 de Maio de 1996 (63) e 19/97, de 12 de Fevereiro de 1998 (64).

Significado semelhante - com um ou outro desenvolvimento ou especificidade - tem sido atribuído pela clara maioria da doutrina portuguesa ao teor do actual nº 6 do artigo 112º da Lei Fundamental.

Seguem esta dominante linha de pensamento, designadamente, Jorge Miranda (65) - realçando que o propósito da norma em apreciação é o de consagrar o princípio da tipicidade das formas de lei - António Vitorino e outros (66) que explicam a expressão "com eficácia externa" precisamente com o intuito de não inviabilizar, em particular" as "circulares administrativas" -, e Vital Moreira e Gomes Canotilho (67) - que comentam a norma em análise do modo seguinte:

"XVIII. Por maiores que sejam os problemas de interpretação levantados pela norma do nº 5, são líquidos, porém, dois sentidos primordiais: a) afirmação do princípio da tipicidade dos actos legislativos e consequente proibição de actos legislativos apócrifos ou concorrenciais, com a mesma força e valor de lei: b) a ideia de que as leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação seja efectuada por outro acto que não seja uma outra lei. Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. art. 172º), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. Quando uma lei regula uma determinada matéria, ela estabelece ipso facto uma reserva de lei, pois só uma lei ulterior pode vir derrogar ou alterar aquela lei (ou deslegalizar a matéria).

Os "actos de outra natureza" a que o preceito se refere abrangem, quer os demais actos normativos (regulamentos, etc), quer os actos administrativos, quer os actos jurisdicionais. Nenhum acto dessa natureza pode deixar de estar subordinado à lei, nem nenhuma lei pode ela mesma autorizar qualquer excepção.

A proibição constitucional só abrange os actos dotados de "eficácia externa". Aparentemente, visa-se excluir os actos que esgotem a sua eficácia no âmbito da esfera interna da Administração pública. Ainda assim, haverá que restringir a excepção aos actos de interpretação ou integração, não se vendo bem como é que uma lei pode autorizar a Administração, mesmo para efeitos meramente internos, a suspender, modificar ou revogar essa ou outra qualquer lei."

A interpretação da norma em análise feita pelo Tribunal Constitucional tem-se firmado em termos da consagração do critério dominante na doutrina e preconizado por este corpo consultivo.

Assim é que já na fundamentação do acórdão nº 354/86, de 16 de Dezembro de 1986 (68), se pode ler - para além de, mais adiante, se referir mesmo, em apoio dessa tese, o teor do Parecer deste Conselho nº 34/84:
"3- Era frequente na nossa legislação o uso de preceitos como o que se contém no artigo 3º do Decreto-Lei nº 39/81, em apreciação no presente processo, isto é, preceitos segundo os quais as dúvidas suscitadas na execução dos diplomas legais em que estavam inseridos seriam resolvidas por despachos ministeriais. A interpretação da lei era assim confiada às autoridades administrativas.

Sempre se entendeu, porém - como dizia o Professor Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, t. I, 10ª ed., 1973, p. 54, que "a interpretação feita pelas autoridades administrativas não obriga os tribunais, que conservam a sua liberdade na apreciação da legalidade das decisões tomadas de acordo com ela, mesmo que se trate da interpretação dada à lei por um ministro, sob a forma de portaria ou por incumbência expressa na lei".

Por outras palavras: - a interpretação feita pela autoridade administrativa não era dotada de eficácia externa, embora valesse dentro dos serviços dirigidos pela autoridade que a fizesse (eficácia interna).

O nº 5 do artigo 115º da Constituição, aditado pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, ao dispor que "nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos (além dos enumerados no nº 1, que são as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais) ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos", veio mesmo inconstitucionalizar os "actos de outra natureza", isto é, os actos de natureza diferente das leis, com o poder de, com eficácia externa, interpretar, (só a interpretação está aqui em causa) qualquer dos preceitos contidos na lei."

A mesma posição tem vindo a ser expressa pelo Tribunal Constitucional em posteriores decisões, nomeadamente nos acórdãos nºs 19/87, de 14 de Janeiro de 1987, 384/87, de 22 de Julho de 1987, 1/92, de 8 de Janeiro de 1992, 869/96, de 4 de Julho de 1996, 262/97, de 19 de Março de 1997, e 192/98, de 19 de Fevereiro de 1998 (69).

É lícito, pois, afirmar que a opinião largamente dominante no seio da nossa ordem jurídica é no sentido de entender que o que o nº 6 do artigo 112º da Constituição proíbe é a possibilidade de a lei conferir a diplomas de inferior grau hierárquico a faculdade de a interpretar autenticamente (e também de a integrar, modificar, suspender ou revogar) - mas apenas se forem dotados de eficácia externa.

A "autenticidade" de tal tipo de interpretação implica, em termos de lógica jurídica - e, até, de lógica formal - que essa operação só possa ser efectuada, desde que destinada a valer para a ordem jurídica estadual geral, aplicando-se aos particulares e vinculando os tribunais, mediante acto dotado da mesma força que o acto interpretado.

A isto se cinge a proibição constante do preceito em apreciação - que não abrange a interpretação sem eficácia externa, ou seja, contida no âmbito institucional da Administração Pública.

É certo que, por vezes, se fala, a este propósito, de "uma espécie de leis interpretativas autênticas" (70).


Mas trata-se, claramente, de uma forma de expressão aproximativa que, apesar de sugestiva, não se pretende absolutamente rigorosa.


Não se esquece, enfim, que as circulares interpretativas podem acabar por produzir indirectamente efeitos jurídicos externos sobre os particulares, através da actuação dos seus destinatários hierarquicamente vinculados a aplicá-las.


Mas tanto não obsta a que continue a ser exacto afirmar que esses actos não são dotados de eficácia externa no sentido do nº 6 do artigo 112º da Constituição, na medida em que não geram directamente situações jurídicas positivas ou negativas para os administrados, e por isso os comandos neles ínsitos não podem, na administração da justiça respeitante às relações entre estes e as autoridades públicas que os produzem, ser aplicados pelos tribunais como fonte de Direito.


Das circulares em causa se pode, pois, com Garrido Falla (71), dizer que "ni modifican situaciones juridicas individuales, ni vinculan al cuidadano, ni a los magistrados, ni funcionarios que no sean estrictamente los inferiores jerarquicos de la autoridad que las dicta".




6


6.1. Mesmo que admitida, assim, em geral, a legitimidade constitucional das circulares interpretativas, isso não esgota, contudo, o objecto do presente parecer.


Cabe ainda, na verdade, apreciar se o Director-Geral dos Registos e do Notariado tem competência para emanar actos dessa natureza dirigidos aos conservadores dos diversos tipos de registo abrangidos pelo departamento em que superintende.


Também esta questão não é absolutamente líquida.


Baste, a comprová-lo, ter em atenção o que Rocheta Gomes (72) sustenta, acerca da caracterização da posição dos conservadores e dos respectivos actos:


"Os actos típicos do conservador não são de todo actos administrativos, mas, sim, actos com uma natureza jurisdicional ou parajudicial (quase judicial) que se inserem no direito privado. A essência da função registral consiste em tornar públicos os actos, factos e contratos da vida das pessoas ou que se celebram no âmbito desse direito, como sejam um registo de nascimento, de casamento, de aquisição, do contrato de sociedade.


Visando a publicitação de direitos de foro privado, o registo integra-se na esfera dos interesses individuais e não estatais. Não traduz qualquer comando, nomeadamente para a prossecução de um objecto ou fim de direito público, no sentido que é próprio do acto administrativo. O acto administrativo é esse comando, «uma estatuição autoritária».


É por isso que os recursos previstos nos códigos e demais legislação aplicável aos actos típicos praticados pelos conservadores são interpostos, na fase denominada «hierárquica», para o director-geral dos Registos e Notariado, tão somente, e, na contenciosa, para os tribunais comuns. Não cabe nesses casos verdadeiro recurso hierárquico até ao respectivo Ministro ou Secretário de Estado e, deste, recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo como é próprio dos actos administrativos.


O juízo de apreciação do conservador não pode ser ordenado ou influenciado administrativamente, escapando de todo a uma afirmação de hierarquia, que aqui não existe.


É certo que o director-geral e o Ministro exercem uma determinada tutela em alguns aspectos previstos na lei, como é o caso do procedimento disciplinar. Simplesmente, tal poder não existe sem a correspondente infracção. E não constitui infracção uma qualificação dos actos contra o entendimento ou o desejo do director -geral ou do Ministro, logo que seja feita de forma isenta. Como a doutrina tem acentuado, o conservador terá mesmo de decidir «contra o Estado quando esse for o caso». Também os magistrados, judiciais ou do Ministério Público estão sujeitos a procedimento disciplinar e nunca isso constituiu argumento para pôr em causa a sua independência.


Outra sequência legal da natureza específica da função do conservador é a inaplicabilidade das disposições do Código do Procedimento Administrativo aos actos típicos praticados pelo conservador, apenas se aplicando aos actos que escapam a tal natureza, como sejam as certificações e as contas emolumentares."


Análoga perspectiva é sustentada, p.e., por Mouteira Guerreiro (73), ao entender que o conservador do registo predial "não é, ele próprio, órgão da administração", goza de "independência semelhante à dos juízes", "não pratica nem pode praticar, objectivamente, actos administrativos " - acrescentando, ademais, que "a actividade de registo jurídico de bens não é objectivamente realizada pelo Estado ou por outro ente público. As direcções-gerais, que são departamentos do Estado, não praticam (entre nós e noutros países) actos de registo e não interferem na sua execução, da exclusiva competência funcional dos conservadores".

E tem recebido, mesmo, particular relevo institucional em alguns pareceres do Conselho Técnico da Direcção-Geral dos Registos e Notariado.

De entre estes merecem especial menção:

- o parecer nº 75/93 (74), em que se refere que a decisão do conservador constitui "juízo inteiramente livre, feito apenas em obediência à lei", o que significa que, apesar de não constituir decisão judicial, "se exerce com independência semelhante", num encargo de julgar que se identifica como "uma função para judicial",

- e, sobretudo, o Parecer nº 58/93 (75), cujas conclusões se transcrevem:

2. "1 - Os actos típicos praticados por conservadores e notários não são actos administrativos.

II - São, sim, actos que se inserem no âmbito do direito privado, tendo uma natureza jurisdicional ou para-judicial, pois têm por finalidade titular e publicitar de um modo autêntico e juridicamente eficaz o estado civil e os direitos individuais das pessoas singulares ou colectivas.

III - O Código do Procedimento Administrativo tem aplicação quanto aos actos administrativos, visando os recursos hierárquicos nele previstos impugnar tais actos.

IV - Das decisões proferidas quanto aos actos administrativos cabe recurso hierárquico até ao respectivo Ministro ou Secretário de Estado e, deste, recurso, contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo.

V - Os recursos previstos nos Códigos e demais leis que versam os actos típicos praticados por Conservadores e Notários são interpostos em fase denominada "hierárquica" - não obstante não estar aqui em causa uma afirmação de hierarquia - para o Director-Geral dos Registos e do Notariado e, na contenciosa, para os tribunais comuns.

VI - As certificações e as contas emolumentares, que têm uma natureza administrativa, não se incluem no conceito de actos notariais e registrais típicos.

VII - Deste modo, a estas, são-lhes aplicáveis as disposições contidas no Código do Procedimento Administrativo, na parte referente ao recurso hierárquico, o qual pode ser interposto até à decisão ministerial, que é, nos termos constitucionais, passível ainda de recurso contencioso para o Supremo Tribunal Administrativo.

VIII - O Código do Procedimento Administrativo não contém, e jamais visaria conter, normas referentes aos actos típicos praticados por conservadores e notários, nem inovatórias no que respeita ao específico recurso hierárquico.

IX - Os actos administrativos meramente anuláveis são passíveis de impugnação, com fundamento em ilegalidade ou em inconveniência, diversamente do que ocorre quanto aos actos notariais e registrais, em que apenas a ilegalidade constitui fundamento da sua impugnação.

X - Nestes actos de registo e de notariado a anulabilidade - tal como acontece no direito civil - não é do conhecimento oficioso, nem constitui fundamento para atacar a celebração do acto". - (Parecer de 14/12/93 do CT. no Pº 58/93 - RP.4).

6.2. Das tomadas de posição acabadas de expor resultam, pois, fundamentalmente, os seguintes argumentos:

- em termos funcionais, a actividade dos conservadores, porque livre e apenas norteada por critérios de legalidade, não assumirá a natureza de actividade administrativa, apresentando-se antes como semelhante à judicial, ou "para-judicial";

- não sendo, em rigor, funcionários públicos, e não estando integrados na hierarquia administrativa, os conservadores não podem, na sua actividade típica, ser condicionados por instruções emanadas a nível ministerial ou de Director-Geral - não cometendo por isso infracção disciplinar se não acatarem estas últimas;

- por razões similares, os "pela lei" chamados "recursos hierárquicos" dos seus actos não teriam, em rigor, esse carácter;

- os actos típicos dos conservadores não são actos administrativos, não sendo por isso regulados pelo Código do Procedimento Administrativo.

7


7.1. Curando de, sucessivamente, ajuizar do peso de cada um deste argumentos, cabe começar por contrapor, de entre as funções do Estado, a administrativa e a judicial.

Recorde-se em que termos o fazem - de entre outros, e recorrendo apenas à lição de autores recentes - Jorge Miranda (76):

"Através da função administrativa realiza-se a prossecução dos interesses públicos correspondentes às necessidades colectivas prescritas pela lei, sejam estes interesses da comunidade política como um todo ou com eles se articulem relevantes interesses sociais diferenciados.

Na função judicial define-se o Direito (juris dictio) em concreto, perante situações da vida (litígios entre particulares, entre entidades públicas e entre particulares e entidades públicas, e aplicação de sanções) e em abstracto, na apreciação da constitucionalidade e legalidade de normas jurídicas", e Marcelo Rebelo de Sousa (77):

"A essência do jurisdicional consiste na realização da paz jurídica, na afirmação do Direito na resolução de conflitos de interesses à luz de valores.

Já na função administrativa, a afirmação da prevalência do interesse público concreto, impondo ainda o sacrifício de outros interesses, é feita através da aplicação da Constituição e das leis, mas visa garantir aquele primeiro interesse, consistente na satisfação de uma necessidade colectiva de consecução também colectiva".

O Tribunal Constitucional também tem considerado pertinente, em múltiplas ocasiões, fazer a destrinça entre as duas mencionadas funções do Estado.

Assim, já em 1985, no acórdão nº 104/85 (78), se podia ler:

"A separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa pelo campo dos interesses em jogo: enquanto a jurisdição resolve litígios em que os interesses em confronto são apenas os das partes, a Administração, embora na presença de interesses alheios, realiza o interesse público. Na primeira hipótese, a decisão situa-se num plano distinto do dos interesses em conflito; na segunda hipótese, verifica-se uma osmose entre o caso resolvido e o interesse público.

Todavia, ainda por outra vertente se distinguem as funções consideradas: ao passo que o medium da jurisdição é a vontade da lei (concretizada no apuramento da conclusão decisória a partir das premissas previamente enunciadas do silogismo judiciário) o medium da Administração é a vontade própria (o que pressupõe a possibilidade de agir sobre as várias alternativas propostas pela lei)."

Esta perspectiva encontra-se reafirmada, nomeadamente, nos acórdãos nºs 443/91, 452/95, 757/95, 259/97 (79).

7.2. Cabendo, pois, indagar em qual destas funções do Estado se integra a actividade registral (80), a primeira observação que ressalta é a de que a questão não é recente - o que de resto denota a sua razão de ser.

Já há uma trintena de anos Ferreira de Almeida (81) se ocupava de a discutir, analisando as principais teses em presença, propendendo umas para a noção de "administração pública do direito privado", outras, ao invés, para a aproximação à função judicial, nomeadamente na modalidade de "jurisdição voluntária".

Deve dizer-se que, apesar do tempo transcorrido, as apreciações a propósito feitas por este autor, e a posição a final assumida, se afiguram ainda de actualidade, e fundamentalmente acertadas.

E, isso, quando afirma (82) que:

"O acto registral é, assim, um juízo e um acto de vontade, isto é, uma apreciação e uma decisão.

Distingue-se contudo nitidamente da sentença contenciosa (83), porque esta pressupõe uma contenda entre partes, uma "lide", que se desenha pela contrariedade de interesses, que se resolve por um comando sobre os intervenientes na causa ou sobre terceiros.

Pelo contrário, a apreciação no acto registral faz-se, não pela composição de interesses com a lei, mas directamente entre o facto a registar e as disposições que regulam a admissibilidade a registo.

A decisão registral não é um comando, porque se não dirige a outrem, mas ao próprio órgão registador ou seu subordinado".

Por isso conclui por alinhar na doutrina da "administração pública do direito privado", entendida como a zona da actividade administrativa que consiste na intervenção das autoridades administrativas na formação dos actos jurídicos privados ou no estabelecimento da sua plena eficácia".


7.3. Verifica-se, com efeito, que, ao exercerem a actividade tipicamente registral, os conservadores não têm por função dizer e aplicar o direito nas relações entre particulares ou entre estes e o Estado.

Não "administram a justiça", apreciando e dirimindo segundo o Direito situações litigiosas que lhes são apresentadas.

Os registos têm por finalidade, em geral, conferir publicidade a certos factos e situações relevantes para a vida da generalidade dos particulares (registo civil), para o exercício de determinadas actividades (registo comercial) ou de determinados direitos sobre bens materiais (registo predial, registo da propriedade automóvel) ou imateriais(registo da propriedade industrial e da propriedade literária e artística).

Através desses actos de registo, e da publicidade que deles decorre, condiciona-se, umas vezes parte, outras vezes, mesmo, a totalidade dos efeitos jurídicos respeitantes a certos factos ou situações (84).

Diz-se, pois, a este respeito, que, umas vezes, o registo é condição de eficácia relativa, ou extrínseca - isto é, condiciona a oponibilidade a terceiros de certos factos ou situações. É o caso típico do registo predial (com ressalva da hipoteca).

Outras vezes, o registo condiciona absoluta, intrinsecamente, a produção de efeitos dos factos ou situações a que se reporta. Tem esta natureza, tipicamente, o registo civil (85). Sobre esta modalidade de registo se pode dizer que, sendo os factos por ele provados "não só em si mesmos, mas também nos seus efeitos", ele "constitui a base da prova indispensável e plenamente suficiente para se provar os factos registados", assumindo, assim, a índole de autêntico "titulo" em relação aos efeitos correspondentes (86).

Enquanto não registados, os factos e situações sujeitos a registo encontram-se desprovidos, consoante as hipóteses, de parte ou da totalidade da respectiva eficácia típica.

Ou, dito de outro modo: os particulares a que os mesmos respeitam não podem opô-los a terceiros, ou, mesmo, valer-se da totalidade dos seus efeitos, na medida em que esses factos ou situações não estejam registados.

Os actos de registo não se assumem, pois, como juízos proferidos sobre determinadas situações pré-existentes.

Constituem, sim, o pressuposto da produção de parte ou da totalidade dos efeitos jurídicos relativos a factos ou situações da vida da generalidade (por vezes, mesmo, da totalidade, como sucede, a respeito de certos factos ou situações sujeitos a registo civil) dos particulares.

É por isso que, se mesmo no âmbito da função judicial o valor da igualdade merece consideração - e é tendencialmente prosseguida através dos recursos, e, em especial, de recurso para uniformização de jurisprudência -, ele apresenta, em matéria de registo, um relevo primacial.


Dificilmente se aceitaria que no âmbito do mesmo Estado (de Direito) o exercício de direitos ou outras modalidades de eficácia jurídica de factos ou situações paralelos sujeitos a registo, relativos a assuntos importantes da vida dos particulares, se processassem em moldes diferentes, consoante a área geográfica em que ocorressem.


Justifica-se, pois, que seja de interesse público, quer a publicidade conferida pelo registo, quer a consecução da igualdade de tratamento de questões objectivamente iguais que a respeito deste surgem.

E correlativamente se entende que essa igualdade de tratamento seja neste âmbito impulsionada e promovida pelo Estado - e não apenas realizada se requerida pelos interessados (ou porventura, pelo Ministério Público), como sucede quando está em causa o exercício da função judicial.

Assim, também através do prisma dos valores a prosseguir se pode reforçar a ideia de que a actividade registral se integra na função administrativa - à qual incumbe, activamente, realizar a igualdade (artigos 13º e 266º, nº 1, da Constituição, e artigo 5º do Código do Procedimento Administrativo) -, e não na função judicial.


7.4. É certo que o legislador (na nossa ordem jurídica, e noutras também) tem por vezes atribuído aos órgãos do registo civil competência para a prática de actos que não assumem natureza tipicamente registral, antes mais se aproximando, em termos materiais, da jurisdição voluntária (87).

É esse o caso, entre nós, designadamente, das decisões que aos conservadores do registo civil cabem em matéria de dispensa de impedimento de casamento, ou suprimento da autorização para casamento de menores, separação e divórcio por mútuo consentimento ou afastamento da presunção de paternidade (respectivamente, artigos 254º, nº 3, 257º, 272º, nº 4 e 277º do Código do Registo Civil).

Actos desta índole não cabem, todavia, no âmbito do presente parecer, já que as circulares interpretativas a que o mesmo se reporta dizem especificamente respeito à actividade vinculadas dos conservadores, desempenhada em termos de legalidade estrita.

8


8.1. Também sob o aspecto do respectivo enquadramento institucional é lícito considerar as conservatórias (dos registos civil, predial, comercial e de automóveis), tal como os cartórios notariais, integrados na Administração Pública em sentido orgânico.

Basta, para tanto, atentar no artigo 3º da Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado (Decreto-Lei nº 40/94, de 11 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei nº225/96, de 27 de Novembro):

"Órgãos, serviços e suas competências"

Artigo 3º

1 - A DGRN compreende os seguintes órgãos:

a) Director-Geral;

b) Conselho Técnico (CT);

c) Conselho Administrativo (CA);


2 - São Serviços Centrais da DGRN:


a) Serviço de Auditoria e Inspecção (SAI);

b) Direcção dos Serviços de Identificação Civil (DSIC);

c) Direcção de Serviços Jurídicos (DSJ);

d) Direcção de Serviços de Recursos Humanos (DSRH);

e) Direcção de Serviços Financeiros e Administrativos (DSFA);

f) Direcção de Serviços de Organização e Logística (DSOL);

g) Gabinete de Apoio e Desenvolvimento dos Sistemas Informáticos (GADSI);

h) Centro de Formação dos Registos e do Notariado (CFRN).

3 - A DGRN compreende ainda as Delegações do Porto e de Coimbra, com competência na área da identificação civil.

4 - São serviços externos:

a) Conservatória dos Registos Centrais;

b) Conservatórias do registo civil;

c) Conservatórias do registo predial;

d) Conservatórias do registo comercial;

e) Conservatórias do registo de automóveis;

f) Cartórios notariais;

g) Arquivo Central do Porto".

Aliás, a Lei Orgânica dos Serviços dos Registos e Notariado (Decreto-Lei nº 519-F2/79, de 29 de Dezembro) (88) já antes qualificava também as conservatórias como "serviços externos dos registos e do notariado".

Apresentando-se, assim, como organismos que, dotados de competência geograficamente definida, exercem, em termos de desconcentração, funções próprias da Administração Central, as conservatórias merecem ser tidas por integradas na chamada "administração periférica do Estado" - da qual Freitas do Amaral (89) propõe a seguinte definição: "conjunto de órgãos e serviços de pessoas colectivas públicas que dispõem de competência limitada a uma área territorial restrita, e funcionam sob a direcção dos competentes órgãos centrais".

Mencione-se, de resto, que, no estudo que entre nós mais profundamente se ocupou da administração periférica, João Caupers (90) expressamente integra nesta as conservatórias das várias espécies de registo.

Embora, naturalmente, a caracterização institucional e funcional dos órgãos de registo dependa, sempre, da opção feita pela legislação de cada Estado, é significativo apontar que, tanto entre nós, como por banda de autores de países dotados de sistemas similares ao português, não poucas vozes se têm manifestado em termos de considerar as conservatórias (ou órgãos análogos) integradas organicamente na Administração Pública e de qualificar a sua actividade como materialmente administrativa.

Refiram-se, por todos:

- em Portugal, Ferreira de Almeida (91).

- em Espanha Pere Raluy (92), que, a par de salientar a analogia entre os sistemas espanhol e português, discorre:

"Ante todo, debe notarse que la función registral se halla al margen de la jurisdicción contenciosa, es decir, de la verdadera y propia actividad jurisdiccional;

....................................................................................................

La actividad registral pertenece de lleno a la función administrativa, bien que, dentro de ella, constituya una categoría especial, conjuntamente con todo un amplio sector de actividades encomendadas, ya a órganos jurisdiccionales, ya a órganos administrativos, y cuya nota en común, en cuanto al objeto sobre que recae, es la de referirse a lo que pudiera llamarse administración pública del Derecho privado, y en cuanto a las caracteristicas de la actividad la de tratarse de una función legitimadora".


-em Itália, Zanobini (93) já em 1957 ensinava que:


"3. La pubblicità dei fatti giuridici è uno dei servizi più importanti che la pubblica amministrazione presta ai privati nell’interesse della regolare costituzione e del pacifico svolgimento dei loro rapporti."


8.2. - A relação de hierarquia administrativa típica do modo de conexão entre os órgãos da Administração Periférica e os órgãos centrais correspondentes ressalta com aparente nitidez do sistema previsto na Lei Orgânica da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.

Assim é que, designadamente:

- ao definir a natureza da DGRN, logo o artigo 1.º desse diploma dispõe que ela "dirige, orienta e coordena os serviços do registo do estado civil e da nacionalidade, da identificação civil, dos registos predial, comercial, de automóveis e de navios e do notariado.

- ao delimitar a competência do Director-Geral, o subsequente artigo 4º, nº 2 (94), começa por estatuir que lhe compete" a) orientar e dirigir os serviços centrais e os serviços externos".

Das normas citadas resulta, assim, a estipulação - sem especiais restrições ou condicionamentos - duma genérica competência da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, e do Director-Geral que a encabeça, para, enquanto órgão central, dirigir, orientar e coordenar os serviços nela integrados, incluindo as conservatórias, enquanto serviços externos ou periféricos.


8.3. A esta posição hierárquica do Director-Geral dos Registos e do Notariado há-de corresponder, em contraponto, um dever de obediência por parte dos respectivos subordinados, incluindo os conservadores dos registos.

Tal dever encontra-se hoje caracterizado no nº 7 do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (Decreto-Lei nº 24/84, de 16 de Janeiro).

"O dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal".

E, que se saiba, jamais se suscitaram dúvidas quanto ao facto de os conservadores dos registos estarem abrangidas pelo campo de aplicação deste Estatuto (95).
O que se acaba de referir é de resto expressivamente corroborado pelo Regulamento dos Serviços dos Registos e do Notariado (Decreto Regulamentar nº 55/80, de 8 de Outubro) no qual se dispõe:

"Artigo 49º

1- Os conservadores e notários estão hierarquicamente subordinados ao Ministro da Justiça através do Director-Geral Registos e do Notariado.

2 - O disposto no número antecedente não prejudica o exercício directo do poder hierárquico por parte do Ministro da Justiça".

8.4. E isto é assim porque, legalmente - e não obstante várias e importantes especialidades de regime, adequadas à índole das respectivas funções - os conservadores são considerados funcionários públicos (96).

Declara, sem margem para dúvidas, o artigo 25º da Lei Orgânica dos Serviços dos Registos e do Notariado:

"Artigo 25º

Os conservadores e notários são funcionários públicos de nomeação definitiva e exercem as suas funções na área de competência da respectiva conservatória ou cartório."

Coerentemente, o artigo 24º, nº 1, alínea d) do mesmo diploma estipula que, para ingresso nas carreiras de conservadores e notários têm - além de satisfazer certas condições específicas - de se "reunir os demais requisitos de ingresso na função pública".

Confirma esta asserção (se tanto assim fosse mister) a verificação de que também em matéria de estabelecimento da relação de emprego e remunerações - e não obstante surgirem, também aqui, diversas peculiaridades de regulamentação - os conservadores estão sujeitos ao regime geral relativo à função pública, conforme este Conselho já teve ocasião de apontar no parecer nº 35/94, de 12 de Janeiro de 1994 (97).

No tocante ao regime de faltas e licenças, semelhantemente é aplicável aos conservadores e notários a lei geral do funcionalismo (artigo 60º do Regulamento dos Serviços dos Registos e do Notariado).


8.5. Como argumento coadjuvante - e que, reconheça-se, não é para todos óbvio - pode ainda invocar-se o da consagração, nos diplomas reguladores das diversos modalidades de registo, dum recurso hierárquico, dos actos dos conservadores, para o Director--Geral dos Registos e do Notariado.

Este tipo de impugnação, que fora regulamentado unitariamente no artigo 69º do Decreto-Lei nº 519-F 2/79, veio a receber tratamento algo diferenciado em posteriores Códigos respeitantes às principais modalidades de registo.

Assim é que, nomeadamente:

- no Código do Registo Civil (artigo 286º e segs.) (98), dos actos dos conservadores que recusem a realização dum registo requerido ou a prática de outros actos da sua competência, pode, em alternativa, recorrer-se hierarquicamente para o DGRN ou contenciosamente para o juiz da comarca (99); o recurso contencioso faz precludir o direito ao recurso hierárquico ou equivale à desistência deste, se já interposto; se o recurso hierárquico for julgado improcedente, o interessado pode ainda interpor recurso contencioso do despacho inicial do Conservador;

- no Código do Registo Predial (artigos 140º e segs.) (100) dos actos do conservador, cabe, inicialmente, reclamação obrigatória para ele próprio; do indeferimento da reclamação pode interpor-se recurso hierárquico para o DGRN, e, da eventual decisão negativa deste, recurso contencioso para o tribunal da comarca;

- no Código de Registo Comercial (artigos 98º e segs.) (101), estabelece-se sistema de impugnação similar ao vigente no âmbito do Registo Predial.

É indesmentível que as impugnações não contenciosas acabadas de referir estão sujeitas a um regime específico, diverso do regulamentado, em geral, no Código do Procedimento Administrativo (artigos 158º e segs.). Nomeadamente:

- apenas podem fundamentar-se em razões de legalidade, e não de oportunidade;

- a reclamação, onde expressamente prevista, tem natureza obrigatória, e não facultativa;

- o recurso hierárquico segue, em princípio, em sede de registo civil, o procedimento do recurso contencioso;

- o recurso contencioso é interposto do acto do conservador, e não do acto decisório do eventual recurso hierárquico que o haja precedido.

Tanto não bastará, contudo, para justificar a recusa do carácter de recurso hierárquico ao meio de impugnação que, naqueles diplomas, é assim uniformemente (102) chamado.

Seria, desde logo, pouco natural (e o intérprete deve presumir que assim não sucederá) que o legislador houvesse conferido essa designação, com um significado preciso e tradicional em termos de Direito Administrativo, a um instituto que não assumisse a natureza correspondente.

Por outro lado, tão - pouco é incompatível com a índole do recurso hierárquico o facto de o DGRN, ao decidi-lo, não se poder substituir ao conservador, praticando ele próprio o acto de registo que considerasse legal.

É que pode existir recurso hierárquico mesmo em situações em que apenas o inferior (e não já o superior) tenha competência para praticar o acto em questão.

Estar-se-á, então, perante um recurso de mera revisão, e não já de reexame. (103)

Enfim, nem é de sustentar que se trate, neste âmbito, duma modalidade do chamado "recurso hierárquico impróprio", alheio a uma verdadeira relação de hierarquia (artigo 176º do Código Procedimento Administrativo).

É que, apesar de os diplomas aplicáveis o não dizerem expressamente, deles parece decorrer, implicitamente, que a decisão do DGRN que decida, em termos favoráveis, recurso hierárquico contra a recusa do conservador em praticar certo acto envolve uma ordem ou comando no sentido de tal acto ser realizado. (104)

Note-se, ademais, que minguada justificação teria, em matéria de registos, face à existência do recurso contencioso, a consagração dum chamado "recurso hierárquico" que, afinal, não o fosse - e não propiciasse, por isso, uma das finalidades típicas deste meio de impugnação: a de possibilitar ao superior hierárquico a detecção de situações que justifiquem a emanação de instruções gerais de harmonização da interpretação e aplicação das leis por parte das subalternos.


8.6. Aceita-se, enfim, que os actos de registo típicos não se ajustam à qualificação de "acto administrativo" nos termos do Código do Procedimento Administrativo.

Mas esta questão não é decisiva para o problema em apreciação, que se situa por assim dizer "a montante" dela - o da determinação da existência ou não de relação hierárquica entre o DGRN e os conservadores dos registos.

De todo o modo, dificilmente se poderia retirar da caracterização dos actos de registo uma eventual conclusão no sentido de os conservadores não se integrarem na Administração Pública para os efeitos do artigo 2º do Código do Procedimento Administrativo nem deverem respeitar os princípios gerais da actividade administrativa definidos neste diploma, e que, segundo o nº 5 daquele preceito, "são aplicáveis a toda e qualquer actuação da Administração Pública".


9.


9.1. Considera-se, pois, que o Director-Geral dos Registos e do Notariado, porque posicionado numa relação de hierarquia (105) em relação aos conservadores dos registos, tem competência para dirigir a estes "circulares interpretativas" vinculantes.

Trata-se, de resto, de figura jurídica que de modo algum é original, antes surgindo adoptada também no âmbito de sistemas registrais análogos ao nosso.

Basta, a confirmá-lo, referir que, ao enunciarem respectivamente, as competências da "Dirección general de los Registros y de lo Notariado" do país vizinho, Lucas Gil (106) e Pere Raluy (107) mencionam ambos, em primeiro lugar:

"a) Una función normativa y consultiva: La elaboración de "Circulares" e "Instrucciones" de carácter general para la mejor ordenación del servicio y la interpretación de las normas legales;"

"Corresponden a la DGRN las siguientes funciones:

A) Función normativa.- Corresponde al Centro directivo la función de elaborar instrucciones de carácter general relativas al servicio registral, sin otra limitación que la de respetar las normas de rango superior."


9.2. A legitimidade do Director-Geral dos Registos e do Notariado para emanar tais actos genéricos vinculantes não significa que tenha sempre de recorrer a essa via para promover uma harmonização da interpretação da lei por parte dos órgãos de registo.

Nada o impede, se o considerar mais ajustado, de lançar mão de procedimentos menos constrangentes (quem pode o mais, pode o menos).

Um caso típico desta natureza constituiu objecto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12 de Novembro de 1997 (108), o qual - expressamente afirmando, aliás, tratar-se também de acto interno, não recorrível - se reportou a um despacho daquele dirigente que, concordando com as conclusões dum parecer do Conselho Técnico, mandou "levá-las ao conhecimento" dos notários e conservadores do Registo Predial e Comercial.


9.3. Não deixará de se notar, ainda, que, a ser exacta a qualificação da função registral como judicial ou para-judicial, e a denegação da existência de relação hierárquica entre as conservatórias e os órgãos centrais do Ministério da Justiça (Ministro e Director-Geral dos Registos e do Notariado), então haveria que concluir, em lógico rigor, que os conservadores dos registos também não estariam vinculados a seguir a doutrina dos pareceres deste Conselho, uma vez homologados pelo Ministro da Justiça, nos termos do artigo 40º da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro.

Ora, a verdade é que daquele ponto de vista não se costuma extrair uma tal ilação - podendo mencionar-se, por todos, o parecer nº 79/91 (109), respeitante à declaração de nascimento, normalmente citado em comentário ao artigo 101º do Código do Registo Civil. (110)


10


Em conclusão:


1ª- O poder de direcção típico da relação de hierarquia administrativa integra, entre outras, a faculdade de emanar circulares interpretativas, ou seja, instruções gerais, vinculativas, dirigidas aos órgãos, funcionários ou agentes subalternos, acerca do sentido em que devem - mediante interpretação ou integração - entender as normas ou princípios jurídicos que, no âmbito do exercício das suas funções, lhes caiba aplicar;


2ª- As circulares interpretativas, porque não constituem actos com "eficácia externa", não são incompatíveis com o nº 6 do artigo 112º da Constituição;


3ª- O Director-Geral dos Registos e do Notariado tem, enquanto superior hierárquico dos conservadores dos registos, competência para emitir circulares interpretativas, a estes dirigidas, relativas a questões respeitantes ao exercício da sua actividade vinculada tipicamente registral.





1) Comunicado através do ofício nº 4564 (Procº 2759/93), de 7 de Agosto de 1996, do Chefe do Gabinete do Gabinete de Vossa Excelência.

2) Ofício nº 322, GDG, de 29 de Julho de 1996.

3) Hoje artigo 112º, após a revisão constitucional de 1997.

4) "Manual de Direito Administrativo", 10ª ed., 5ª Reimp., Coimbra 1991, T.I, págs. 245-246.

5) "Conceito e natureza do recurso hierárquico", vol. I, Coimbra, 1981, págs. 50-52.

6) "Noções de Direito Administrativo", vol. I, Lisboa, págs. 197-201.

7) "Conceito e fundamento da hierarquia administrativa", Coimbra, 1992, págs. 109 e 115.

8) Mais recentemente, o mesmo autor propôs uma visão mais discriminada dessas faculdades: poder de direcção, poderes de controlo (englobando o poder de inspecção, o de supervisão e o disciplinar) e poderes dispositivos de competência (poderes de resolução de conflitos de competência; de delegação e de substituição primária), tema "Hierarquia administrativa", in "Dicionário Jurídico da Administração Pública".

9) "Lições de Direito Administrativo", Lisboa, 1994/95, V. I, págs. 259 e segs.

10) "Direito Administrativo I", Lisboa, 1996, págs. 3-84.

11) "Direito Administrativo", 2ª Reimp., Coimbra, 1989, V.I, págs. 282-284.

12) Op. cit., pág. 263.

13) "Tratado de Derecho Administrativo", 9ª ed., V. I, Madrid, 1985, pág. 379.

14) "Diritto Amministrativo - I principi", V. 1, 4ª ed.rev. e act. Milão, pág. 71.

15) "Le circolari della pubblica amministrazione", Milão, 1984, pág. 18.

16) Op. cit., pág. 21.

17) "Institutions et droit administratifs" T.2, Paris, 1998, pág. 206.

18) "Traité de Droit Administratif", 14ª ed., T.1, Paris, 1996, pág. 695.

19) "Allgemeines Verwaltungsrecht", ed. H.-U. Erichsen , Berlim, 1995, pág. 135:

"Die Verwaltungsvorschriften sind durchweg an nachgeordnete Behörden oder Bedienstete adressiert, die Kraft der Geschäftsleitungs - oder/und Organisationsgewalt der vorgesetzten Stelle an diese Vorschriften gebunden sind".

20) Verwaltungsrecht", V.I., Munique, 10ª ed. rev., 1994, pág. 256.

"In der Befugnis zur Leitung eines Geschäftsbereichs ist die Befugnis zum Erlaub von Verwaltungsvorschriften (sog. Sachleitungsgewalt) enthalten. Deshalb bedarf es keiner weiteren ausdrücklichen Ermächtingung, soweit die Verwaltung in ihrem Funktionsbereich verbleibt (sog.originäres Administrativrecht)."

21) "Allgemeines Verwaltungsrecht", 9ª ed. rev. act., Munique, 1994, pág. 556.

"Verwaltungsvorschriften sind generell-abstrakte Anordnungen einer Behörde oder eines Vorgesetzten an die ihm unterstellten Verwaltungsbediensteten. Sie betreffen entweder die innere Ordnung einer Behörde oder das sachliche Verwaltungshandeln. Sie beruhen auf der Weisungskompetenz der vorgeserzten Instanz, die zu Einzelweisungen oder zu generellen Weisungen, eben zu Verwaltungsvorschriften, führen kann."

22) "Conceito e fundamento ...", págs. 110-111 e respectivas notas.

23) "Op. cit., pág. 556.

24) "Les directives", Paris, 1979, pág. 35.

25) Essa norma determina que sejam publicadas: "Les directives, instructions, circulaires, notes et réponses ministérielles qui comportent une interprétation du droit positif ou une description des procédures administratives."

26) Há pouco mais de uma vintena de anos, aliás: Boulois, "Sur une catégorie nouvelle d’actes juridiques: les directives", in "Mélanges Eisenmann", 1975, pág. 200.

27) A adequação do termo "directiva" a este tipo de figura jurídica pode até confirmar-se, por analogia, pela verificação de que a mesma designação costuma ser atribuída a instrumentos através dos quais - impondo objectivos, mas deixando liberdade quanto aos meios para os atingir: - uma pessoa colectiva orienta a actuação de outra sobre a qual detenha poderes de superintendência (João Caupers, "Direito Administrativo", I, Lisboa, 1996, pág. 92).

E, embora se trate, aí, de realidade jurídica mais diferenciada, própria do Direito Comunitário - algum parentesco, embora mais distante, se pode mesmo detectar entre aquelas e as "directivas" que órgãos da União Europeia podem emitir para os Estados membros desta. Na originária acepção do artigo 189º do Tratado de Roma - e sem olvidar que a jurisprudência, a nível europeu e nacional, tem vindo a reconhecer eficácia directa, sob certas condições, a alguns desses actos comunitários - as directivas obrigam quanto à consecução de determinados resultados, deixando porém aos legisladores a opção ("discricionária") entre as soluções legislativas capazes de as alcançar.

28) Se assim proceder, a autoridade administrativa deve fundamentar tal desaplicação da directiva - por analogia (ou, até, maioria de razão) com a regra constante do artigo 124º, nº 1, al. d) do Código do Procedimento Administrativo.

29) "Traité de Droit Administratif", 14ª ed., T. 1, Paris, pág. 701-703.

30) "Institutions et droit administratifs", v. 2, Paris, pág. 212-215.

31) "Droit Administratif", 5ª ed., Paris, págs. 530-531.

32) "La notion de directive", in AJDA, 1974, pág. 1974, pág. 459, onde da directiva se diz, impressiva, conquanto não muito dogmaticamente: "Elle n’est pas exactement un ordre, mais elle n’est pas non plus un souhait; elle est moins que l’un et plus que l’autre".

33) "Les directives" Paris, 1979, págs. 34-41.

34) "Recherches sur les pratiques administratives pararéglementaires", Paris, 1984, págs. 81 e segs.

35) Maurer (op. cit., pág. 566); Wolff (op. cit., págs. 258-259).

36) Caso 148/73, decidido em 30 de Janeiro de 1974 (com. por Meessen, "Administrative guidelines and judicial control", in "Administrative discretion and problemes of accountability", 25ª Col. de Dir. Europeu, Oxford, Set. 1995.

37) Cfr. a situação que a este propósito descrevia, ainda em 1987, Sérvulo Correia, in "Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos", Coimbra, pág. 111, nota 200.

38) Acords. de 23 de Janeiro de 1970 (A.D., nº 100), de 26 de Maio de 1977 (Ap. D.R. 10 de Julho de 1980).

39) Cfr. entre os mais, recentes, os seguintes acórdãos do STA: 11 de Maio de 1989 (A.D. 387, pág. 299), 28 de Março de 1995 (A.D., 411, pág. 73), 15 de Janeiro de 1997 (Bol. Min. Just., 463, pág. 608), 5 de Março de 1997 (A.D., 428-429, pág. 1038).

40) A. D., 421, pág. 10.

41) "Directivas de auto-vinculação em poderes discricionários", in "Revista Jurídica", nºs 18-19, 1995, págs. 185-186.

42) Mockle (op. cit., págs. 74-75), refere, a propósito: "À une époque où les progrès de l’imprimerie restaient limités, il était normal qu’un texte fasse le tour de tous les bureaux avant de revenir entre les mains de son auteur".

43) Catelani, op. cit., pág. 21.

44) J. Tiago Silveira (op. cit., pág. 184); Chapus, "Droit Administratif Général", T. 1, 5ª ed., Paris, págs. 360-363.

45) V., entre outros: Clicquennois e outro (op. cit., pág. 34); Debbasch (op. cit., pág. 205-210); Dupuis e outros (op. cit., pág. 529-530) - estes últimos sem deixarem de realçar que, na prática, a distinção em causa nem sempre é clara e precisa.

46) A.D., 401, pág. 527.

47) Chamam a atenção para esta eventualidade, p.e.: Wade (op. cit., págs. 871-873); Debbasch (op. cit., pág. 207).

48) V. Coutinho de Abreu, "Sobre os regulamentos administrativos e o princípio da igualdade", Coimbra 1987, pág. 107; Maurer (op. cit., pág. 557); Afonso Queiró, "Lições de Direito Administrativo", v. I, Coimbra, 1976, pág. 418.

49) V., por todos: Catelani (op. cit., pág. 66); Laubadère e outros (op. cit., pág. 695); Maurer (op. cit., pág. 557), Esteves de Oliveira, "Direito Administrativo", V. I, 2ª Reimp., Coimbra, 1989, pág. 127.

50) V. nesse sentido Sérvulo Correia (op. cit., pág. 198).

51) Wolff e outros (op. cit., pág. 257).

52) Ossenbühl (op. cit.,) pág. 137.

53) V. para além dos autores franceses antes citados, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 19 de Junho de 1989 (A.D., 95, pág. 1667) e de 23 de Julho de 1997(A.D., 320-321, pág. 10882).

54) V. Afonso Queiró (op. cit., págs. 416 e segs) e Coutinho de Abreu (op. cit., págs. 118 e seg.)

55) "Código do Procedimento Administrativo, Comentado", 2ª ed., Coimbra, 1997, pág. 514.

56) Nestes termos Afonso Queiró (op. cit., pág. 920), apelidando-as de fontes de direito de eficácia limitada ou relativa.

57) Mockle (op. cit., pág. 63-64); Clicquenois e outro (op. cit., pág. 37).

58) "Inconstitucionalidade dos despachos interpretativos genéricos", in "Regesta, Ano XV, nº 5, 4º Trim, 1994, págs 19-21.

59) Bol. Min. Just., 341, págs. 96 e segs.

60) Aliás já antes afirmado, p. e., no Parecer nº 20/83, de 21 de Julho (Bol. Min. Just., 333, págs. 131 e segs), em cujas conclusões se podia ler que: "V - se se entender que a Constituição revista proíbe a Administração de superar as dúvidas surgidas na execução de diplomas legislativos através de despachos normativos, isso não prejudicará a vinculação dos serviços às directivas emanadas da hierarquia".

61) Inédito.

62) Diário da República, II Série, de 28 de Julho de 1992.

63) Inédito.

64) Inédito.

65) "O actual sistema português de actos legislativos", in "Legislação", INA, nº 2, 1991, pág. 24.

66) "Constituição da República Portuguesa", Reimp., 1983 pág. 120.

67) "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 510-511.

68) Diário da República, II Série, de 11 de Abril de 1987.

69) Respectivamente publicados nos Diários da República, II Série, de 31 de Março de 1987; de 15 de Dezembro de 1987; de 20 de Fevereiro de 1992; no Diário da República I Série-A, de 3 de Julho de 1996; e no Diário da República, II Série, de 1 de Julho de 1997. O acórdão nº 192/98 ainda está inédito.

70) Paulo Otero ("Conceito...", pág. 116) - acrescentando: "dado tais interpretações administrativas valerem para os subalternos mais que a própria norma externa interpretada".

71) "Tratado de Derecho Administrativo", VI, 9ª ed., Madrid, 1985, pág. 319.

72) "Dicionário Jurídico da Adminsitração Pública", tema "Registo", págs. 168-169.

73) "A propósito do estatuto do conservador", in "Regesta", 1991, nº 1, pág. 48-51.

74) In "Regesta", nº 2, 1994, pág. 135.

75) Cfr. "Código do Registo Comercial Anotado", Isabel Pereira Mendes, Coimbra, 1981, pág. 200.

76) "Manual de Direito Constitucional", T. V, Coimbra, 1997, pág. 29.

77) "Lições de Direito Administrativo", I, Lisboa, 1994/95, pág. 16-17.

78) Diário da República, II Série, de 2 de Agosto de 1985.

79) Respectivamente publicados no Diário da República, II Série, de 2 de Abril de 1992, de 21 de Novembro de 1995, de 27 de Março de 1996, e de 30 de Junho de 1997.

80) Acerca da evolução histórica e descrição do regime aplicável aos vários tipos de registo, consulte-se Rocheta Gomes (op. cit., págs. 167 e segs).

81) "Publicidade e teoria dos registos", Coimbra, 1966, págs 1866 e segs.

82) Op. cit., pág. 196.

83) Relativamente à jurisdição voluntária (op. cit., pág. 192-195), Ferreira de Almeida, depois de realçar que a maioria a considera, materialmente, verdadeira actividade administrativa, distingue-a, de todo o modo, da actividade registral, por não estar sujeita, como estas, ao princípio da estrita legalidade, nem ao da disponibilidade do requerente, em matéria de prova.

84) V., quanto à eficácia dos registos, em geral: Ferreira de Almeida (op. cit., págs. 251 e segs.); Leal Henriques, "Dos registos", Braga, 1978; Mouteira Guerreiro, "Noções de Direito Registral", Coimbra, 1994, págs. 25 e segs.

85) Excepcionados alguns factos ou situações cuja relevância é tal que produzem (certos) efeitos independentemente do registo: p. e. o casamento não registado, enquanto impedimento matrimonial (Código Civil, art.1601º ).

86) Gomes da Silva, "Curso de Direito de Família", Lisboa 1960, pág. 205.

87) Não têm faltado, contudo, a esse respeito, algumas contundentes críticas doutrinárias (v. Antunes Varela, "Os tribunais judiciais, a jurisdição voluntária e as conservatórias do registo civil", in Rev. Leg. Jur., 128, págs. 130 e segs. - acerca da actual intervenção das conservatórias do registo civil em matéria de divórcio por mútuo consentimento; e J.Thierry, "Le Maire, le Juge du divorce: c’ est Montesquieu qu’on assassine", in "RECUEIL DALLOZ" 1998, nº 15, acerca duma proposta para atribuição ao "maire", em França, de poderes para decretar o divórcio de cônjuges sem filhos nem bens ....

88) Alterado pelo Decretos-Leis nº 300/93, de 31 de Agosto, e 256/95, de 30 de Setembro.

89) "Curso de Direito Administrativo", Vol. I, 2ª Ed. Coimbra, 1994, pág. 305.

90) "A Administração periférica do Estado", Lisboa, 1994, pág. 455.

91 ) Op. cit., pág. 185.

92) "Derecho del registro civil", T. I, Madrid, pag 45; em termos mais sucintos, mas praticamente idênticos, Lucas Gil, "Derecho Registral Civil", Barcelona, pag 12.

93) "Corso di Diritto Amministrativo", V. 5.º, pag. 305.

94) Na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 225/96.

95) Não tem cabimento , pois, alegar "a este respeito" que também os juízes estão sujeitos a um regime disciplinar: é que, precisamente, deste não consta o aludido dever de obediência hierárquica.

96) Maria Ema Guerra, "Manual de Organização e Gestão dos Serviços dos Registos e do Notariado", Lisboa, 1993, págs. 40 e segs.

97) Homologado em 20 de Outubro de 1995 e publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Janeiro de 1996.

98) Aprovado pelo Decreto-lei nº 131/95, de 6 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 36/97, de 31 de Janeiro.

99) Das decisões tomadas nos termos dos artigos 25º, 257º, 265º e 277º cabe recurso apenas para o Tribunal da comarca.

100) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 224/86, de 6 de Julho, e alterado pelos Decretos-Leis nº 355/85, de 26 de Setembro, 60/90, de 14 de Fevereiro, 80/92, de 7 de Maio, 30/93, de 1 de Fevereiro, 255/93, de 15 de Julho, 227/94, de 8 de Setembro, 267/94, de 25 de Outubro e 67/96, de 31 de Maio.

101) Decreto-Lei nº 403/86, de 3 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 349/89, de 13 de Outubro.

102) O artigo 286º do Código do Registo Civil começa por o apelidar de "reclamação hierárquica" - designação menos perfeita que, todavia, esse próprio preceito vem a substituir por aquela.

103) Freitas do Amaral, "Conceito..." (págs. 62 e segs.), falando nessas situações de "competência reservada" do inferior.

104) Isabel Pereira Mendes, "Código do Registo Comercial anotado", Coimbra, 1987, pág. 112, e "Código do Registo Predial", Coimbra, 1995, pág. 300.

105) "Hierarquia externa", no dizer de Freitas do Amaral ("Conceito",.págs. 52 e segs.), porque estabelecido entre órgãos administrativos, e não cingida ao âmbito interno de certo órgão administrativo.

106) Op. cit., pág. 36.

107) Op. cit., pág. 133.

108) AD, 435, pág. 386.

109) Diário da República, II Série, de 2 de Fevereiro de 1994.

110) V.,p. e., Alvaro Sampaio, "Código do Registo Civil anotado", Coimbra, 1997, pág. 110.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART13 ART112 N6 ART115 N5 ART199 D ART266 N2.
DL 422/89 DE 1989/12/02 ART95 N2.
ED84 ART13 N7.
CCIV66 ART1.
L 65/93 DE 1993/08/26 ART11 N1
CPADM91 ART5 ART158 ART176.
DL 225/96 DE 1996/11/27 ART1 ART3 ART4 N2 ART25.
DRGU 55/80 DE 1980/10/08 ART49.
Referências Complementares: 
DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR ADM * ADM PUBL * FUNÇÃO PUBL / DIR REG NOT.
Divulgação
Data: 
24-10-1998
Página: 
14960
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