Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
17/1996, de 09.07.1998
Data do Parecer: 
09-07-1998
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
SOUTO DE MOURA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
RISCO AGRAVADO
INCAPACIDADE GERAL DE GANHO
SERVIÇO DE CAMPANHA
Conclusões: 
1ª O salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade de risco agravado que se enquadra no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, em referência ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma;

2ª A qualificação como deficiente das Forças Armadas exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;

3ª Os acidentes de que foi vítima o 1º SAR/SAS, NIP (...), (...) ocorreram os dois em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1ª, mas determinaram-lhe ambos, como efeito global, uma incapacidade de 18,1%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:

I
 A fim de ser submetido a parecer deste Conselho Consultivo, nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, dignou-se Vossa Excelência determinar o envio à Procuradoria-Geral da República de dois processos, ambos respeitantes ao 1º SAR/SAS com o NIP (...), (...)
Cumpre emiti-lo.
 
II
Seleccionam-se com relevância os seguintes elementos de facto constantes do processo:
a) Cerca das 11 horas e 30 minutos do dia 23 de Novembro de 1990, o militar referido participou numa sessão de saltos em pára-quedas que teve lugar na ZL de Montavil, na margem sul do rio Tejo;
b) No momento do abandono da aeronave o vento soprava com intensidade média de 10kt (5 metros/segundo), intensidade inferior aos limites estabelecidos para o tipo de saltos em questão (12kt ou sejam 6 metros/segundo), mas, quando a patrulha de salto de que fazia parte se situava a 150metros do solo surgiram súbitas rajadas de vento, que atingiram os 16kt, com direcção variável;
c) O conjunto formado pela calote do pára-quedas e pelo militar (...) (...) com a mochila de cerca de 20 kg que tinha consigo, foi animado de maior velocidade horizontal, o que se traduziu no fecho parcial da calote principal, em movimento pendular acentuado junto ao solo, e, por último, numa aterragem violenta e em piso mais duro e irregular que o previsto;
d) Em virtude da aterragem deficiente que fez, o militar sofreu lesões de que foi considerado clinicamente curado, após 246 dias de incapacidade parcial, e sem qualquer deformidade aleijão ou incapacidade permanente para o serviço, mas, face ao agravamento do seu estado de saúde, requereu a reabertura do processo de averiguações;
e) Submetido a novo exame médico, os peritos do Hospital da F.A. atenderam a uma lombocitalgia direita pós-traumática estabilizada, à revelação de canal estreito lombar e de protusão discal calcificada em L5-S1, para, a 31 de Maio de 1994, lhe atribuírem um coeficiente de desvalorização de 15,%. Tal coeficiente viria a ser fixado em 7%, na sequência do exame de sanidade de 22 de Setembro desse mesmo ano, e face a novos elementos de diagnóstico apresentados;
f) Entretanto, o 1ª SAR. (...) voltara a participar numa sessão de salto em pára-quedas pelas 13H do dia 21 de Novembro de 1991, desta feita na Zona do Arripiado;
g) Em virtude de um circunstancialismo descrito em termos rigorosamente iguais ao que envolveu o acidente de 1990, o militar em questão protagonizou de novo um embate no solo deficiente, ficando a queixar-se do ombro e braço esquerdos;
h) Em exame de sanidade de 22 de Fevereiro de 1994, fora verificada a cura das lesões deste segundo acidente, do qual resultara porém rigidez do ombro esquerdo com abdução a atingir os 90º, o que implicou a atribuição do coeficiente global de incapacidade de 12%;
i) Ambos os acidentes foram considerados em serviço, sem culpa do sinistrado ou de outrem;
j) A constatação da pendência de dois processos diferentes, relativos a acidentes também diversos, implicou a realização de um exame de sanidade final, com o propósito de se descreverem as lesões resultantes de cada um dos sinistros e o cálculo global da desvalorização;
k) Assim, em exame de 25 de Outubro de 1994, foram diagnosticadas as lesões permanentes "ciatalgia com crises fracas" e "rigidez do ombro esquerdo com abdução que atinge os 90º", tendo sido atribuído o coeficiente global de incapacidade de 18,1%;
l) A Junta de Saúde da Força Aérea decidiu a 23 de Janeiro de 1995 manter anterior decisão sua de 1 de Setembro de 1994 acrescentando a atribuição do coeficiente de incapacidade de 18,1%, o que por sua vez foi confirmado pelo Chefe do Estado Maior da Força Aérea a 24 de Janeiro de 1995;
m) O 1º SAR. (...) requereu oportunamente "que os acidentes referidos lhe sejam considerados em situação de risco agravado".
 
III
Procedendo ao enquadramento jurídico dos factos disponíveis, vê-se que:
a) O nº 2 do artigo 18º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro manda aplicar o diploma aos cidadãos que, nos termos e pelas causas a que se refere o nº 2 do artigo 1º daquele Decreto-Lei, venham a ser reconhecidos D.F.A. após revisão do processo, certo que tal revisão deverá ter lugar de acordo com os nºs 1 e 3 da Portaria nº 162/76 ,de 24 de Março.
b) Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro:
«2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
Quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
Vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar».
E o artigo 2º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma, dispõe:
«1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) (...)
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei».
Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º estabelecem:
«2. O "serviço de campanha" ou "campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
«3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
«4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).
A qualificação destes casos do nº 4 do artigo 2º compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".
 
IV
O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das Forças Armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.
Nem sempre assim aconteceu, porquanto na vigência de diplomas anteriores, com idênticos objectivos, não se encontrava estabelecido tal limite mínimo.
Como se afirmou em anteriores pareceres, trata-se de um requisito claramente expresso com a finalidade de "permitir o enquadramento como deficiente das forças armadas dos militares ou equiparados que tenham sido vítimas de uma diminuição da capacidade física ou psíquica de carácter permanente, de certa relevância, atingindo as respectivas capacidades de ganho, colocando-os em dificuldades profissionais e sociais". E observou-se que a fixação desse mínimo visou equiparar, neste aspecto, os deficientes das forças armadas aos acidentados do trabalho, por este modo se "terminando com a inconsequência do Decreto-Lei nº 210/73, de 9 de Maio, que, não fixando limite mínimo àquela diminuição de capacidade, permitia a qualificação de militares portadores de incapacidades insignificantes em contradição com os objectivos fundamentais do diploma" (1). Ressalvam-se, porém, as situações de qualificação automática - artigo 18º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/76 -, o que não é o caso em análise.
Confirmando tal interpretação, no nº 4 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, afirma-se expressamente que nos casos de revisão do processo "a apreciação será feita pela nova definição de DFA, constante do artigo 1º e complementado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro", salientando-se, em concreto, a "verificação da capacidade de percentagem atribuída".
Deste modo, o grau de incapacidade de 18.1% atribuído ao requerente torna legalmente inviável a qualificação desejada.
Não obstante, e à semelhança do que vem constituindo procedimento usual deste Conselho, nem por isso deixaremos de abordar a questão da qualificação dos acidentes que se encontram na base da pretensão.
  
V
1. Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiros de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só é aplicável aos casos que, «pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas».
«Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas» (2).
Este Conselho Consultivo tem vindo a entender que o risco inerente ao salto em pára-quedas de uma aeronave surge agravado relativamente ao comum das actividades castrenses, em termos de permitir a sua equiparação abstracta a qualquer das outras actividades directamente contempladas na lei (3).
Na generalidade dos casos, os acidentes vêm descritos segundo uma tipicidade própria que aponta para a relevância do risco, designadamente porque se mostram observadas as regras técnicas e de segurança, ausência de culpabilidade do sinistrado ou de outrem, intromissão no processo causal de factores condicionantes ou agravantes (fortes e súbitas rajadas de vento, dificuldades na abertura do pára-quedas ou «enganche» noutros). Estes factores aparecem de tal modo ligados ao processo causal normal, típico, que não podem ser considerados imprevistos ou ocasionais.
2. No processo de averiguações levado a cabo, não há qualquer indício de que o 1º SAR/SAS (...) (...) tenha contribuído, com o seu descuido ou inobservância das regras de segurança para as lesões sofridas. Pelo contrário, ambos os acidentes ocorreram, como se viu, sem culpabilidade tanto do sinistrado como de outrem, o que afasta a circunstância impeditiva da classificação como D.F.A., consistente no desrespeito injustificado das condições de segurança, e prevista no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 citado.
Os acidentes ocorreram devido a rajadas súbitas de vento sobrevindas aquando da aproximação do militar ao solo, que imprimiram uma velocidade muito forte ao pára-quedas no momento da aterragem, ocorrido aliás em local de solo mais duro e irregular que o previsto.
Pelo exposto, o caso dos autos enquadra-se numa situação de risco agravado necessário, equiparável ao resultante do serviço de campanha, por se desenhar todo o condicionalismo antes referido, próprio do salto em pára-quedas duma aeronave em voo.
Conclusão:
VI 
Termos em que se formulam as seguintes conclusões:
1ª O salto em pára-quedas de uma aeronave em voo corresponde a um tipo de actividade de risco agravado que se enquadra no nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, em referência ao nº 2 do artigo 1º do mesmo diploma;
2ª A qualificação como deficiente das Forças Armadas exige a verificação de um grau mínimo de incapacidade geral de ganho de 30%;
3ª Os acidentes de que foi vítima o 1º SAR/SAS, NIP (...), (...) ocorreram os dois em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão 1ª, mas determinaram-lhe ambos, como efeito global, uma incapacidade de 18,1%, o que impede a sua qualificação como deficiente das Forças Armadas.

 1) Parecer nº 115/78, de 6.07.78, publicado no Diário da República, II Série, nº 244, de 23.10.78, pág. 6414, cujos termos foram retomados nos pareceres nºs 113/87, de 28.04.88, não publicado, e nº 153/88, de 2.02.89, publicado no Diário da República, II Série, nº 224, de 28.9.89, pág. 9808.
Cfr. ainda os pareceres nºs 207/77, de 27.10.77, e 51/87, de 17.06.87, homologados e o último publicado no Diário da República, II Série, nº 219, de 23.04.87, pág. 11559, nos quais se versou a matéria deste limite mínimo de incapacidade. Mais recentemente, cfr. os pareceres nºs 44/89, de 11.05.89, 25/90, de 12.07.90, 89/91, de 30.01.92, 24/92, de 7.09.92 e 40/93, de 1.07.93, todos homologados mas não publicados.
2) Dos pareceres nºs 55/87, de 29 de Julho de 1987, e 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também os pareceres nºs 10/89, de 12-04-89, e 89/90, de 06-12-90.
(3) Cfr. parecer nº 33/86, de 29-07-87, homologado, e outros aí citados, v. g., pareceres nºs 4/80, de 07-02-80, 86/81, de 11-06-81, 147/81, de 22-10-81, 219/81, de 04-03-82, 42/82, de 01-04-82, e 6/86, de 27-02-86, não publicados. Vejam-se ainda, os seguintes pareceres: nº 44/89, de 11-05-89; nº 25/90, de 12-07-90; nº 89/90, já citado; nº 89/91, de 30-01-92; nº 24/92, de 09-07-92; nº 12/93, de 01-94-93; e nº 24/93, de 20-04-93, nº 3/95 de 09-02-95, nº 41/97, de 15.1.97, ou nº 9/98, de 16.1.98, e 25/98, de 31.3.98, todos inéditos.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 N3 N4 ART2 N4 ART18 N2.
PORT 162776 DE 1976703/24.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
8 + 12 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf