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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
74/1996, de 14.10.1999
Data do Parecer: 
14-10-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Finanças
Relator: 
LUÍS DA SILVEIRA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
GOVERNADOR CIVIL
ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
CAMPANHA ELEITORAL
CANDIDATURA A DEPUTADO
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
DISPENSA DE FUNÇÕES
SUSPENSÃO DE MANDATO
REMUNERAÇÃO
INCOMPATIBILIDADE
CARGO PÚBLICO
CARGO POLÍTICO
INCOMPATIBILIDADE ABSOLUTA
INCOMPATIBILIDADE RELATIVA
INELEGIBILIDADE
CAPACIDADE ELEITORAL PASSIVA
MAGISTRADO ADMINISTRATIVO
PARLAMENTO EUROPEU
DEPUTADO
LACUNA
Conclusões: 
Os governadores civis suspensos do exercício das suas funções, para se poderem candidatar à eleição para deputados à Assembleia da República, não têm, enquanto se encontrarem nessa situação, direito a receber as remunerações correspondentes ao seu cargo.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado do Orçamento,
Excelência:


1.

1.1 - Por despacho de 20 de Setembro de 1996 ([1]), a antecessora de Vossa Excelência solicitou o parecer deste Conselho acerca da situação, em termos remuneratórios, de um governador civil durante a campanha eleitoral para a Assembleia da República, a que se candidatara.


1.2 - A questão foi suscitada a propósito de um Governador Civil que, para se poder candidatar às eleições para a Assembleia da República, solicitou ao então Ministro da Administração Interna a suspensão das respectivas funções.

Tal suspensão foi concedida, por despacho, proferido por delegação, do então Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, e datado de 26 de Julho de 1995, para o período compreendido entre 6 de Agosto e 1 de Outubro de 1995.

Essa decisão de suspensão foi proferida tendo em conta, nomeadamente, um parecer da Comissão Nacional de Eleições, aprovado em 26 de Julho de 1995, segundo o qual “os governadores civis e os vice-governadores civis, que queiram candidatar-se para a Assembleia da República, deixam de estar feridos de inelegibilidade desde que requeiram a suspensão do exercício de funções antes da apresentação efectiva da candidatura”.

Face à aludida suspensão, o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro aceitou a candidatura em causa.


1.3 – A Direcção-Geral da Contabilidade Pública (4ª Delegação) recusou ([2]) o abono de quaisquer remunerações ao governador civil em causa durante todo o período da candidatura, com o fundamento em que ele deveria ter pedido, para se candidatar à Assembleia da República, a exoneração daquele cargo, e não apenas a suspensão do exercício das correspondentes funções.

E, isso, pelo facto de o artigo 5º da Lei n.º 14/79 considerar inelegíveis para a Assembleia da República os Governadores Civis e Vice-Governadores Civis enquanto no exercício das suas funções, conjugado com o teor do artigo 9º da mesma Lei ([3]), que apenas se reportaria à obrigatoriedade de suspensão do mandato dos Presidentes das Câmaras Municipais, e não à dos daqueles outros elementos.

Acresceria que, sendo a respectiva candidatura incompatível com o exercício das funções de Governador Civil ou Vice-Governador Civil, estes não poderiam beneficiar da dispensa de funções, com manutenção de remuneração, prevista no artigo 8º da Lei n.º 14/79.


1.4 - A Auditoria Jurídica do Ministério da Administração Interna, ouvida sobre o assunto ([4]), considerou que, na perspectiva remuneratória, o período de candidatura em questão se deveria cindir em duas partes: a relativa aos últimos trinta dias anteriores à data das eleições, e aquela que a antecedeu.

Quanto a esta primeira parte do período de candidatura, aceitou que os elementos na situação em apreço não teriam direito à remuneração como Governador Civil (ou Vice-Governador Civil).

Na verdade, o direito ao vencimento dependeria, como norma, do exercício efectivo de funções, pelo que só por força de lei expressa se poderia admitir excepção a tal princípio – circunstância essa que não ocorreria no caso presente.

Já, contudo, em relação aos últimos trinta dias do período da candidatura a Auditoria Jurídica preconizou uma posição diversa da 4ª Delegação da DGCP.

Ponderou, na verdade, que este organismo teria feito uma interpretação demasiado literal do artigo 8º da Lei n.º 14/79.

Este preceito, ao invés, ostentaria um âmbito assinalavelmente amplo, com o propósito de evitar que, por razões financeiras, quaisquer candidatos pudessem ver-se impedidos de participar efectivamente na campanha eleitoral.

Para assim concluir, a Auditoria Jurídica discorreu, nomeadamente, do modo seguinte:

“A nosso ver, a posição expendida pela Sr.ª Directora da 4ª Delegação da Contabilidade Pública parte de uma interpretação puramente literal do preceito que, salvo melhor opinião, não coincide com o espírito da lei.

Com efeito, o legislador eleitoral teve como preocupação que existisse o maior número de candidaturas às eleições para os órgãos de soberania e que estas se fizessem sem quaisquer constrangimentos ou obstáculos, nomeadamente de ordem política ou financeira.

É certo que procurou afastar do processo eleitoral candidatos que tivessem intervenção no mesmo, como os Presidentes das Câmaras (cfr. art.º 9º da citada Lei). Mas, mesmo neste caso, e é aquele que é mais semelhante ao que nos foi colocado – embora existam diferenças, uma vez que num caso o órgão é eleito e no outro é nomeado – até à recente alteração da epígrafe do preceito pela Lei n.º 10/95, de 7 de Abril, apenas se exigia a suspensão de funções e nem sequer a suspensão do mandato.

No caso “sub judice”, estamos perante uma suspensão do exercício de funções, como vimos, que tem de ser dividida em dois períodos: o primeiro que decorreu desde 6 de Agosto até ao dia que antecede o começo dos trinta dias anteriores à data das eleições; o segundo que abrange estes 30 dias.

Tendo em atenção a vontade do legislador, parece-nos que este consagrou, em termos amplos, o direito dos candidatos à dispensa do exercício de funções - repare-se que usa a expressão “das respectivas funções, sejam públicas ou privadas” -, limitando, contudo, esse período aos 30 dias anteriores a essa data.

Não faria sentido e seria até injusto, sendo certo que a lei de financiamento dos partidos políticos não prevê o pagamento das remunerações dos candidatos que fazem parte das listas, que o Senhor Governador Civil de Aveiro, só pelo facto de ter de ultrapassar uma questão de inelegibilidade, ficasse impedido de auferir qualquer remuneração, depois de deter a qualidade de candidato às eleições, a exemplo do que acontece com todo os candidatos, por força do citado art.º 8º da Lei Eleitoral para a Assembleia da República.

Assim sendo, a nosso ver, o citado preceito não pode ser interpretado literalmente, devendo ser considerado, no conceito de dispensa do exercício de funções, o caso de suspensão obrigatória das mesmas. A não ser assim, haveria como que uma “capitis deminutio” para estes candidatos, que não está no espírito da lei. Ora, há que incluir o cargo de governador civil no conceito amplo de funções públicas.

Quanto ao período anterior aos 30 dias que precedem a data das eleições, o legislador não previu qualquer norma que contemplasse a situação, sendo certo que, como regra geral, o direito ao vencimento corresponde ao exercício efectivo de funções.

Com efeito, todas as situações em que se prevê o pagamento de remunerações, sem o exercício de funções, resultam ou têm de resultar expressamente de previsão normativa, como é a do mencionado art.º 8º da Lei n.º 14/79, de 7 de Abril, relativamente ao período nela referido.”


1.5 – A Consultadoria Jurídica da DGCP, posta perante a solicitação do pagamento da remuneração do Governador Civil em questão, relativa aos últimos trinta dias do período da respectiva candidatura à Assembleia da República, reiterou a opinião de que esse abono não seria devido ([5]).

Fundamentou-se, para tanto, designadamente, na seguinte ordem de razões:

“5.1. A Comissão Nacional de Eleições, em informação anexa, entende “que os governadores civis e os vice-governadores civis, que queiram candidatar-se à Eleição para a Assembleia da República, deixam de estar feridos de inelegibilidade desde que requeiram a suspensão do exercício de funções antes da apresentação efectiva da candidatura.

5.2. Este entendimento da CNE, relativamente aos governadores civis, é o que a Lei n.º 14/79 determina no seu artigo 9º relativamente aos candidatos que sejam presidentes de câmaras municipais e que obrigatoriamente têm de suspender o respectivo mandato para se poderem candidatar a deputados.

5.3. Ora, não podendo exercer obrigatoriamente as respectivas funções, não poderá haver lugar ao recebimento das correspondentes remunerações, salvo se houver lei expressa em contrário.
Neste sentido se pronunciou a Auditoria Jurídica do MAI.

5.4. Quanto ao pagamento dos trinta dias anteriores à data das eleições, a solução preconizada por aquela Auditoria baseia-se no art.º 8º da Lei n.º 14/79.

Ora, essa norma refere-se à dispensa do exercício de funções, sejam públicas ou privadas, por parte dos candidatos que necessitam de ser dispensados do dever de assiduidade, para que esse tempo lhes possa ser considerado como tempo de serviço efectivo para todos os efeitos legais.

Neste caso, o legislador encontrou o modo de conciliar a candidatura com a situação profissional plena dos candidatos.

Não é, pois, o caso dos candidatos cuja actividade, pela sua natureza, foi considerada incompatível com a candidatura, exigindo-se uma prévia suspensão do exercício do cargo para a viabilizar.

5.5. Nestes termos, e tendo em conta o Parecer da Auditoria Jurídica do MAI, afigura-se-nos não haver lugar à aplicação do disposto no art.º. 8º às situações de suspensão do mandato.
Uma coisa é a dispensa do exercício de funções, outra, bem diferente, é a suspensão obrigatória do mandato (art. 9º) do cargo político.

Por isso mesmo, a lei, na dispensa de funções previstas no artigo 8º, apenas considera os trinta dias anteriores à data das eleições, enquanto que no segundo caso impõe a suspensão obrigatória do exercício de funções políticas desde a data da apresentação de candidaturas até ao dia do acto eleitoral.”


2.

2.1. A questão em análise incide, fundamentalmente, na interpretação conjugada das seguintes normas da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio (Lei Eleitoral para a Assembleia da República) ([6]):

“Capítulo II
Capacidade eleitoral passiva

Artigo 4º
(Capacidade eleitoral passiva)
São elegíveis para a Assembleia da República os cidadãos portugueses eleitores.


Artigo 5º
(Inelegibilidades gerais)

São inelegíveis para a Assembleia da República:
a) O Presidente da República;
b) Os governadores civis e vice-governadores em exercício de funções;
c) Os magistrados judiciais ou do Ministério Público em efectividade de serviço;
d) Os juízes em exercício de funções não abrangidos pela alínea anterior;
e) Os militares e os elementos das forças militarizadas pertencentes aos quadros permanentes, enquanto prestarem serviço activo;
f) Os diplomatas de carreira em efectividade de serviço;
g) Aqueles que exerçam funções diplomáticas à data da apresentação das candidaturas, desde que não incluídos na alínea anterior;
h) Os membros da Comissão Nacional de Eleições.

(Na redacção dada pela Lei n.º 10/95,de 7 de Abril) ([7]).


Artigo 6º
(Inelegibilidades especiais)

1 – Não podem ser candidatos pelo círculo onde exerçam a sua actividade os governadores civis, os administradores de bairro, os directores e chefes de repartição de finanças e os ministros de qualquer religião ou culto com poderes de jurisdição.
2 – Os cidadãos portugueses que tenham outra nacionalidade não poderão ser candidatos pelo círculo eleitoral que abranger o território do país dessa nacionalidade.

Capítulo III
Estatuto dos candidatos
Artigo 8º
(Direito a dispensa de funções)

Nos trintas dias anteriores à data das eleições, os candidatos têm direito à dispensa do exercício das respectivas funções, sejam públicas ou privadas, contando esse tempo para todos os efeitos, incluindo o direito à retribuição, como tempo de serviço efectivo.

Artigo 9º
(Obrigatoriedade de suspensão do mandato)

Desde a data da apresentação de candidaturas e até ao dia das eleições, os candidatos que sejam presidentes de câmaras municipais ou que legalmente os substituam não podem exercer as respectivas funções.”


(Na redacção dada pela Lei nº 10/95)


2.2. O enquadramento jurídico básico do problema posto ficaria incompleto se não se tivessem também em conta os termos em que o Estatuto dos Deputados ([8]) define as respectivas incompatibilidades.

Importa considerar, sob esse ponto de vista, o artigo 20º desse diploma, quando dispõe:

“Artigo 20º
Incompatibilidades

1- Não podem exercer as respectivas funções enquanto exercerem o mandato de Deputados à Assembleia da República:
.......................................................................................
g) Os governadores e vice-governadores civis;
......................................................................................”


3.

3.1 – Para devidamente se apreender o significado e alcance das normas acabadas de transcrever, enquanto reportadas aos governadores civis, convirá caracterizar sinteticamente este órgão público no actual sistema jurídico –constitucional.

A Constituição de 1976, na sua versão originária, integrava, no Título relativo ao “Poder local”, uma norma que, sob a epígrafe “Distritos”, dispunha:

“Artigo 263º ([9])
(Distritos)

1. Enquanto as regiões não estiverem instituídas, subsistirá a divisão distrital.
2. Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios e presidida pelo governador civil.
3. Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito.”

A figura do governador civil apresentava, assim, uma feição dúplice, reconhecida pelo Decreto–Lei n.º 399-B/84, de 28 de Dezembro ([10]) (que intentou regular, conquanto apenas provisoriamente, alguns dos seus aspectos principais), quando , no respectivo preâmbulo, o qualificava de “cabeça executiva de uma estrutura transitória ..., o distrito; representante do Governo e magistrado administrativo ... na divisão territorial que agrega os concelhos”.

O aludido diploma legal definiu, no seu artigo 1º, o posicionamento do governador civil, ainda por alteração do artigo 404º do Código Administrativo, nos termos seguintes:

“Artigo 404º - 1 – Em cada distrito haverá um governador civil, nomeado e exonerado pelo Governo, em Conselho de Ministros, por proposta do Ministro da Administração Interna, de quem orgânica e hierarquicamente depende.
2. ..........................................................................................
3. O governador civil representa o Governo na área do distrito.
.............................................................................................. .“

O subsequente artigo 3º estipulou vencimento próprio para os governadores civis, que acompanharia a actualização dos vencimentos da função pública, em conformidade com as alterações aplicáveis aos da correspondente letra A.

Em 8 de Setembro de 1988, o Decreto–Lei n.º 316/88 reiterou a necessidade de atribuição de vencimento próprio aos governadores (e vice-governadores) civis, distinto dos concernentes ao pessoal dirigente, fixando-o na percentagem de 75% do vencimento base relativo ao cargo de secretário de Estado.

Este Conselho teve oportunidade de, no domínio da legislação mencionada, tipificar assim o cargo e funções de governador-civil, no parecer n.º 38/91, de 21 de Novembro de 1991 ([11]):

“Após a entrada em vigor da Constituição da República, o Governador Civil surge sob duas vestes: como órgão autárquico (presidente da assembleia distrital e órgão executivo) e como órgão de administração estadual (representante do Governo e órgão de tutela).

Compete ao Governador Civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito (artigo 291º, n.º 3, da Constituição).

............................................................................................

O governador civil continua, assim, a ser um magistrado administrativo que representa o Governo no distrito, como é acentuado por FREITAS DO AMARAL, que define magistrados administrativos como os órgãos locais do Estado que nas respectivas circunscrições administrativas desempenham as funções de representantes do Governo para fins de administração e de segurança pública.”


3.2 – Na sequência do parcialmente diverso enquadramento constitucional conferido ao cargo de governador civil pela revisão constitucional de 1989 (artigo 291º) ([12]), o legislador ordinário considerou ajustado estabelecer, em moldes mais precisos, o “estatuto orgânico e pessoal, as competências e o regime dos actos praticados pelo governador civil.”

Fê-lo através do Decreto–Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro, que apresentou do seguinte modo o conceito e regime de provimento do cargo em referência:


“Artigo 2º ([13])
Definição

O governador civil é o órgão que representa o Governo na área do distrito, e que, nesse âmbito geográfico, exerce as competências que a lei lhe confere.”

Artigo 3º
Nomeação e exoneração

1. O Governador Civil é nomeado e exonerado pelo Governo, em Conselho de Ministros, por proposta do Ministro da Administração Interna, de quem depende hierárquica e organicamente.

2. ........................................................................................ .“

No subsequente artigo 4º enumera-se uma extensa lista de competências do governador civil, que podem ver-se sintetizadas, quanto ao aspecto administrativo, por REBELO DE SOUSA ([14]), que não deixa contudo de realçar o ingrediente político que caracteriza esse cargo público:

“1ª - Representar, também em termos administrativos, o Governo, informando-o, executando as ordens e instruções daquele e contribuindo para a possível cooperação entre todos os órgãos e os serviços públicos locais do Estado-Administração, embora sem dispor de competência explícita adequada a esta última vertente.

2ª - Tutelar, em nome do Estado-Administração, as autarquias locais, e associações públicas de autarquias, em termos inspectivos, bem como em matéria eleitoral, para o efeito devendo participar aos órgãos competentes as ilegalidades detectadas.

3ª - Garantir a ordem e a segurança públicas, cabendo-lhe, neste domínio, elaborar regulamentos policiais, conceder autorizações e licenças e requisitar forças de segurança.”

Merecem ainda particular realce, para tipificação deste cargo, os artigos 16º e 17º do diploma em referência.

No primeiro, indica-se que o governador civil estará sujeito a um regime de incompatibilidades a definir por lei (n.º 1) e atribui-se-lhe o direito a um subsídio de reintegração similar ao aplicável aos cargos políticos, em geral (nºs. 2 e 3).

No segundo, confere-se-lhe um vencimento calculado segundo uma percentagem (70%) do respeitante ao cargo de Ministro.

O regime jurídico acabado de sumariar deu aso a que este corpo consultivo haja definido da seguinte forma a actual configuração do governador civil, nas conclusões do seu parecer n.º 52/93 ([15]):

“1ª O governador civil é o magistrado administrativo a quem compete representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito, para além de desempenhar outras competências que lhe são atribuídas – artigo 291º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, e artigo 2º do Decreto–Lei n.º 252/92, de 19 de Novembro;
2ª O governador civil deve ser considerado uma “autoridade administrativa com funções de polícia”, e não como uma “autoridade policial” ou “autoridade de polícia;”


3.3 – No acervo dos poderes de que os governadores civis são titulares detectam-se alguns que têm clara incidência em matéria eleitoral.

A Comissão Nacional de Eleições ([16]) curou de os apresentar agrupadamente, em publicação que promoveu:
“No âmbito do processo eleitoral, o Governador Civil tem várias intervenções no desenrolar das operações eleitorais, quando realizadas no território do continente, das quais se podem destacar:
- o julgamento do recurso da decisão dos presidentes de câmara de desdobramento das assembleias de voto, nas eleições de órgãos colegiais;
- nas capitais de distrito recebe o aviso que os promotores de qualquer manifestação, comício ou desfile em lugar público devem obrigatoriamente fazer de tal realização, procedendo à distribuição igualitária desses lugares, designadamente através de sorteio, quando houver simultaneidade de pedidos para o mesmo local e à mesma hora;
- a coordenação e atribuição igualitária das salas de espectáculo ou outros recintos de reunião para propaganda eleitoral relativamente às eleições para as Assembleia da República, para a Presidência da República e para o Parlamento Europeu; ([17])
- na impossibilidade da escolha das tipografias pelas câmaras municipais para a impressão dos boletins de voto nas eleições autárquicas, cabe-lhe assumir essa função.
Nos governos civis funciona ainda o centro de coordenação que recebe e envia os resultados do “escrutínio provisório” para a Direcção-Geral de Informática do Ministério da Justiça no dia das eleições.”


3.4 – De todo o exposto é legítimo inferir que o governador civil constitui órgão que, para além de integrado na administração pública, assume também inegável cariz político, enquanto representante do Governo a nível distrital.

Denota-o aliás sobejamente o facto de ser qualificado e tratado como órgão político pela legislação respeitante à determinação das incompatibilidades que atingem as entidades desta índole.

Assim é que a Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto (Regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos de cargos políticos e altos cargos públicos), prescreve que ([18]):

“Artigo 1º
Âmbito

1. A presente lei regula o regime de exercício de funções pelos titulares de órgãos de soberania e por titulares de outros órgãos políticos.
2. Para efeito da presente lei, são considerados titulares de cargos políticos:
.............................................................................................

c) O governador e o vice-governador civil; ([19])”

E isto, nomeadamente, para estipular que os aludidos cargos políticos têm de ser exercidos em regime de exclusividade (artigo 4º).


4.

4.1 – O presente parecer incide, pois, sobre uma limitação imposta aos governadores civis relativamente ao direito a serem eleitos como deputados à Assembleia da República.

Tratando-se de uma restrição concernente a um direito político, ela teria de encontrar-se prevista e consentida na Lei Fundamental.

É assim que, com efeito, o artigo 150º ([20]) da Constituição estipula, acerca da eleição para aquele órgão de soberania:



“Artigo 150º
(Condições de elegibilidade)

São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvas as restrições que a lei eleitoral estabelecer por virtude de incompatibilidades locais ou de exercício de certos cargos.”

Na definição destas restrições a lei ordinária deve, aliás, respeitar os critérios gerais antes consignados, acerca do direito de acesso a cargos públicos:

“Artigo 50º
(Direito de acesso a cargos públicos)
1. .....................
2. .....................
3. No acesso a cargos electivos a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.”


4.2 – Apesar da redacção menos feliz do artigo 150º da Constituição (ao empregar a este propósito o termo “incompatibilidades”), é patente que foi ao abrigo desta regra que foram emanados os artigos 5º e 6º da Lei n.º 14/79 – ambos, aliás, correctamente subordinados à epígrafe “inelegibilidades”, gerais no tocante ao primeiro, especiais no concernente ao segundo.

Trata-se, pois, de verdadeiros obstáculos legais ao direito a ser eleito para um cargo público – ou seja, de incapacidades eleitorais passivas.

Logicamente, quem se encontre em qualquer dessas situações não tem direito a candidatar-se à eleição para o cargo em questão, nem a participar na correspondente campanha eleitoral.

Assim, se alguém ferido de inelegibilidade vem a ser eleito, tal designação é nula.

E, se a inelegibilidade surgir já no decurso do respectivo mandato, este cessa automaticamente.

Instituto de eficácia menos gravosa é o das incompatibilidades.

Conquanto possam, parcialmente, fundar-se em razões do mesmo tipo que as que justificam as inelegibilidades – nomeadamente na medida em que se trate de salvaguardar a neutralidade e imparcialidade dos titulares de cargos públicos – as incompatibilidades não obstam, por si, à eleição (ou outro modo de designação). Não constituem, pois, incapacidades eleitorais passivas.

O que sucede é que, se for eleito para certo cargo quem esteja atingido por alguma incompatibilidade, essa pessoa terá de optar entre o exercício daquele e o da função que com ele seja incompatível.

A doutrina tem curado de distinguir, na sua natureza e efeitos, as figuras da inelegibilidade e da incompatibilidade.

Refira-se, por todos, o que a esse respeito discorrem ISALTINO MORAIS e outros ([21]):

“As inelegibilidades devem ser distinguidas das incompatibilidades, ainda que ambas visem o mesmo objectivo: assegurar que as influências, oriundas quer do poder executivo quer de interesses específicos de origem profissional, não exerçam qualquer influência nos eleitos.

A inelegibilidade constitui um impedimento jurídico à eleição. Pelo contrário, a incompatibilidade não é obstáculo à validade da eleição, mas impõe ao eleito uma opção entre a sua profissão e o mandato (conferir art.º 17º, n.º 3 da Lei Eleitoral para A.R.)”.

Bem como JORGE MIRANDA ([22]):

“Em sentido amplo diz-se inelegível aquele que não pode ser eleito e, por conseguinte, I. significa incapacidade eleitoral passiva (em paralelo com a incapacidade eleitoral activa, com a qual tende a coincidir nas democracias modernas). Convém, no entanto, distinguir entre a falta dos requisitos gerais que habilitam à eleição e a verificação de algum facto ou a posse de algum atributo que em especial impedem o aceder à qualidade de destinatário do acto electivo. Para designar a 2ª situação é que se fala em I. em sentido restrito e próprio ou ainda em I. (no plural).

Ao passo que os requisitos de elegibilidade se aferem por um juízo positivo, as I. hão-de ser reconhecidas mediante um juízo negativo, de inintegração nas categorias previstas pela norma. A averiguação daqueles requisitos precede logicamente a averiguação da existência de I.: estas só constituem problema relevante e autónomo como circunstâncias inibitórias da eleição depois de admitida uma capacidade de base. Os requisitos de elegibilidade são sempre absolutos e de natureza institucional, porque têm de estar presentes em quaisquer eleições compreendidas no tipo (polít. Admin., civis, canónicas, etc.; presidenciais, parlamentares, municipais, etc.) e justificam-se por razões ligadas ao bom funcionamento das instituições (v.g., garantias de lealdade ou maturidade dos titulares dos cargos). Pelo contrário, as I. podem tb. ser relativas e pessoais, visto que podem afectar apenas certa ou certas eleições e derivar de causas pessoais. Seja como for, o acto eleitoral será inválido, se porventura a I. for declarada depois de ele se realizar. Não assim na hipótese de incompatibilidade, que é uma impossibilidade de exercício simultâneo de dois cargos ou funções e que, por isso, em vez de pôr em causa o processo designativo, apenas determina a perda de um dos cargos (com opção permitida ou não ao interessado) ou, mais raramente, dos dois.”

Este Conselho também já em vários pareceres teve ocasião de abordar a mencionada distinção.

Recorde-se, nomeadamente, o que a esse respeito afirmou no parecer n.º 100/82, de 22 de Julho de 1982:

“A existência de um regime de inelegibilidades visa assegurar garantias de dignidade e genuinidade ao acto eleitoral e, simultaneamente, evitar a eleição de quem, pelas funções que exerce (ou outras razões que o tornem indigno), se entende que não deve ou não pode representar um órgão autárquico.

Na sequência dessa motivação perde o mandato quem, já eleito, se colocar em situação que o tornaria inelegível.

A incompatibilidade, como o seu nome dá a entender, impede que um mesmo cidadão possa desempenhar dois ou mais cargos ou funções, pelo que de inconveniente, potencialmente contraditório ou moralmente atentatório pode implicar a defesa de interesses porventura divergentes.

É assim que se fala de “incompatibilidades morais” como as que resultam da necessidade de impedir que o agente possa ser suspeito de utilizar a função pública para favorecer interesses privados de que esteja dependente – designadamente pela prestação de serviços remunerados a particulares, vinculação por laços de parentesco a quem possa influir na marcha dos negócios públicos em proveito pessoal ou “comprometimento” com interesses privados.

Existe, nesta óptica, uma “repugnância natural” pelo exercício acumulado de certas funções.

Sendo a inelegibilidade e a incompatibilidade duas figuras distintas, como que se interpenetram e complementam a ponto de uma incompatibilidade surgida supervenientemente criar uma situação que equipara o eleito a inelegível, provocando-lhe a perda do mandato (cfr. o artigo 7º, alínea a), do Decreto–Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro).

Pretende-se, em resumo, proteger a independência das funções e, do mesmo passo, manter na acção administrativa a moralidade, objectividade e serenidade que lhe deva imprimir o cariz indiscutível do interesse geral – o que mais não é do que a afloração, em Estado democrático de Direito, do princípio segundo o qual os agentes públicos não devem encontrar-se em situação de confronto entre o interesse próprio, de natureza pessoal, e os interesses do Estado ou dos entes públicos que representam e que lhes compete defender” ([23]).


4.3 – As inelegibilidades podem ser relativas ou absolutas – ou, na terminologia da Lei n.º 14/79, especiais ou gerais.

As inelegibilidades relativas ou especiais reportam-se apenas à designação concernente a certo círculo ou circunscrição eleitoral – fundando-se normalmente na influência que a entidade em causa poderá ter no normal funcionamento do processo eleitoral respectivo.

As segundas correspondem a situações que, pelo seu posicionamento, normalmente na estrutura do Estado, tornam de todo em todo inadmissível – nomeadamente por razões atinentes à salvaguarda da separação de poderes - a possibilidade de as pessoas em causa serem escolhidas para o cargo electivo em questão.

Ou, parafraseando a Comissão Nacional de Eleições: ([24]).

“As inelegibilidades podem classificar-se em gerais e especiais, se se aplicam indistintamente a todo o território nacional ou se têm apenas que ver com alguma relação especial com o círculo, a autarquia ou a área de jurisdição”.


4.4 – Na redacção originária da Lei n.º 14/79, os governadores civis eram afectados por uma inelegibilidade especial no tocante à eleição para deputados à Assembleia da República.

Não podiam, assim, nos termos do respectivo artigo 6º, n.º 1, ser, nessas eleições, candidatos pelo círculo onde exercessem a sua actividade.

Essa foi, aliás, a solução preconizada na maioria dos projectos de lei apresentados pelos diversos partidos no âmbito dos trabalhos preparatórios daquele diploma ([25]) – uns deles apelidando tal inelegibilidade de “especial”, outros de “local”.

O PSD, todavia, propôs, na ocasião, que os governadores civis fossem, em relação às eleições em causa, objecto de uma inelegibilidade geral ([26]).

Esta solução, apresentada em proposta de aditamento, em nova alínea, ao artigo 5º do diploma em preparação, foi rejeitada pelo voto contrário de todos os demais partidos, quando, em sede de Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, se procedeu à discussão e elaboração de um texto conjunto, aglutinador dos vários projectos apresentados ([27]).

Não consta dos trabalhos preparatórios da lei em referência quais tenham sido os motivos que conduziram à adopção deste critério legislativo.

É de pressupor, contudo – atendendo à própria natureza da inelegibilidade especial – que a maioria que foi decisiva para o teor da redacção formalizada na Lei n.º 14/79 haja considerado que caberia evitar, nomeadamente, que os governadores civis pudessem influenciar o processo eleitoral no círculo correspondente ao distrito abrangido pela respectiva competência político-administrativa.


4.5 – De entre as várias modificações operadas pela Lei n.º 10/95 na Lei n.º 14/79 merece realce, no tocante ao assunto do presente parecer, o facto de se ter passado a consagrar uma inelegibilidade geral, quanto à eleição para deputados à Assembleia da República, relativa aos “governadores civis e vice-governadores civis em exercício de funções” (alínea b) do artigo 5º).

O legislador manteve, contudo, a referência aos governadores civis no preceito relativo às inelegibilidades especiais (artigo 6º). Isso parece ter resultado, contudo, de lapso ou desatenção, como o sugerem MARIA DE FÁTIMA ABRANTES MENDES e JORGE MIGUÉIS ([28]), quando apontam que: “No n.º 1 (do artigo 6º) a referência aos governadores civis perdeu sentido em função da nova redacção dada ao artigo 5º pela Lei n.º 10/95”.

Uma eventual tentativa no sentido de sustentar a manutenção da utilidade desta menção aos governadores civis em sede de inelegibilidades especiais, porventura baseada na circunstância de no correspondente preceito se não reportar expressamente essa incapacidade eleitoral aos que se encontram “em exercício de funções”, não resultaria convincente, na medida em que se atente em que tal regra se refere aos que se candidatam pelo círculo “onde exerçam a sua actividade”.

Os trabalhos preparatórios da Lei n.º 10/95 não patenteiam, por modo expresso e preciso, qual haja sido o fundamento da consagração da apontada inelegibilidade geral concernente aos governadores civis (e vice-governadores civis).

Essa solução legislativa não constava do projecto de lei ([29]) que esteve na base daquele diploma, mas veio a figurar no Projecto de lei ([30]) elaborado, como texto de substituição, pela Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – o qual veio a ser aprovado por unanimidade em votação “na especialidade e final global”, sem discussão e apreciação discriminada de cada um dos seus preceitos ([31]).

De qualquer modo, a modificação legislativa operada revela, objectivamente, o espírito que lhe esteve subjacente.

O legislador considerou que os governadores civis não deveriam estar afectados por uma mera inelegibilidade especial, relativa ao correspondente círculo eleitoral.

Entendeu, assim, que a respectiva incapacidade eleitoral passiva não deveria cingir-se a tal área, por não estar apenas em causa a eventual influência desse órgão público no processo eleitoral aí realizado.

Ao estender tal incapacidade a todo o âmbito da eleição para deputado à Assembleia da República, a lei actual denuncia ter acolhido a perspectiva de que a titularidade desse cargo de representação governamental e o exercício das inerentes funções implicariam por si mesmos uma indevida pressão sobre a liberdade de escolha do eleitorado, ou afectariam, mesmo, a rigorosa integridade da separação de poderes.


4.6 – Justifica-se salientar, a propósito, que análoga inelegibilidade fere os governadores civis no concernente à eleição para deputados do Parlamento Europeu.

Essa inelegibilidade estava assim consignada na versão originária da Lei n.º 14/87, de 29 de Abril (Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu):

“Artigo 5º
Inelegibilidade

1 – São inelegíveis para o Parlamento Europeu:
....................................................................
c) Os membros do Governo ... e os governadores civis em funções à data da apresentação das candidaturas ...;

2. A inelegibilidade referida na alínea c) do número anterior não tem lugar quando as entidades nele referidas façam prova da suspensão das respectivas funções à data da apresentação das candidaturas, mantendo-se a suspensão até à data das eleições.”

Em correlação com esta norma, e como sua lógica consequência, o subsequente artigo 6º (alínea b) prescreve que o exercício do mandato de deputado ao Parlamento Europeu é incompatível “com o desempenho efectivo dos cargos a que se referem as inelegibilidades previstas no artigo anterior.”

O Tribunal Constitucional ([32]), comentando estes preceitos, explicitou do seguinte modo o sentido e alcance do regime deles resultante:
“A Lei n.º 14/87, de 29 de Abril – Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu -, no seu artigo 5º, subordinado à epígrafe “Inelegibilidade”, declara inelegíveis para o Parlamento Europeu, entre outras entidades, “os membros do Governo, de órgão de governo próprio da região autónoma, do Governo ou da Assembleia Legislativa de Macau e os governadores civis em funções à data da apresentação das candidaturas, bem como os juízes do Tribunal Constitucional não abrangidos pelo disposto na alínea anterior [n.º 1, alínea c)]; e no n.º 2 do mesmo artigo dispõe que “a inelegibilidade referida na alínea c) do número anterior não tem lugar quando as entidades nela referidas façam prova de suspensão das respectivas funções à data da apresentação das candidaturas, mantendo-se a suspensão até ao dia das eleições”. No artigo 6º, subordinado à epígrafe “Incompatibilidade”, diz, por seu lado [alínea b)], que o exercício do mandato de deputado ao Parlamento Europeu é incompatível com o desempenho efectivo dos cargos a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 5º.
Assim, por exemplo, um governador civil em funções à data da apresentação das candidaturas à eleição para o Parlamento Europeu é inelegível para esse órgão; já poderá, porém, ser eleito, se fizer prova de suspensão das funções à data da apresentação das candidaturas e se essa suspensão se mantiver até ao dia da eleição. Isto, o que resulta do artigo 5º, n.º 1, alínea c), e n.º 2. Por força do artigo 6º, alínea b), esse mesmo governador civil só pode exercer mandato de deputado se não desempenhar o cargo de governador.”

Os artigos 5º e 6º da Lei n.º 14/87 vieram, contudo, a ser dotados de nova redacção, por força da Lei n.º 4/94, de 9 de Março.

No tocante aos governadores civis, as ditas regras legais passaram a dispor:

“Artigo 5º
São inelegíveis para o Parlamento Europeu:
................................................................................ .
c) Os governadores civis e vice-governadores civis em exercício de funções.
....................................................................... .”


Artigo 6º

A qualidade de deputado ao Parlamento Europeu é incompatível com a titularidade dos seguintes cargos:
.....................................................................
h) Governador civil e vice-governador civil
.................................................................... .”

Mantiveram-se, assim, tanto a inelegibilidade como a incompatibilidade de que em relação ao Parlamento Europeu eram objecto os governadores civis.

A inelegibilidade, tal como na versão inicial da Lei em questão, continua a reportar-se apenas aos governadores civis em exercício de funções.

Foi eliminado, é certo, o n.º 2 do originário artigo 5º da Lei n.º 14/87.

Mas, se bem se atentar, o seu conteúdo mais não era do que uma lógica consequência do teor da inelegibilidade antes definida.

Nessa medida, o legislador deve tê-lo considerado dispensável, quiçá redundante.


5.

5.1 – Cumpre, agora, intentar uma interpretação tão precisa quanto possível da inelegibilidade relativa aos “governadores civis no exercício de funções”, com vista a dela extrair o regime jurídico que adequadamente lhe corresponda.

Nesse sentido, caberá, antes de mais, discutir se ela significa – como a DGCP sustenta – a necessidade de, para se candidatarem às eleições para deputados à Assembleia da República, os governadores civis terem de pedir e obter a exoneração desse cargo.

Não parece que essa posição deva ser acolhida.

E isso, desde logo, porque, se a lei teve o cuidado de especificar que essa inelegibilidade atinge os governadores civis “em exercício de funções”, daí se infere, por contraposição, que, se os titulares de tal cargo não se encontrarem a exercer as correspondentes funções, já tal incapacidade eleitoral passiva não subsistirá.

Acresce que a circunstância de se ser elegível para certo cargo electivo, e, portanto, ter direito a candidatar-se ao respectivo processo de designação, não implica, obviamente, que, a final, se venha efectivamente a ser eleito.

Ora, se, para poderem ser candidatos à eleição como deputados, os governadores civis tivessem de ser previamente exonerados desse lugar, poderia, então, suceder que, não só não viessem a ser eleitos, como, também, se encontrassem juridicamente desvinculados do seu cargo de origem.

Esse resultado seria claramente desproporcionado, nomeadamente se, ademais, se tiver em conta que, enquanto restrições ao direito de acesso a cargos electivos – integrado nos “direitos, liberdades e garantias” de participação política (artigo 50º, n.º 3, da Constituição) –, as inelegibilidades devem ser entendidas por forma a “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (artigo 18º, n.º 2, da Lei Fundamental).

A posição aqui defendida surge, ainda, corroborada pela circunstância de, como antes se realçou, o Estatuto dos Deputados estabelecer, para estes, uma incompatibilidade respeitante a “governadores e vice-governadores civis”. Tanto vale dizer que não se podem exercer, simultaneamente, as funções de deputado e as de governador ou vice-governador civil. Mas dessa disposição também decorre, implicitamente, que um governador civil (que não se encontre em exercício de funções)pode ser eleito deputado – sem ter, para o efeito, de se afastar daquele cargo, através de exoneração.


5.2 – Pôde já apontar-se, de resto, que a Comissão Nacional de Eleições (e também, pelo menos, o tribunal que apreciou a candidatura que deu ocasião ao presente parecer) adoptou a posição de considerar que, para que cesse a inelegibilidade que afecta os governadores civis, basta que eles consigam a suspensão do exercício das suas funções.

É certo que a lei não prevê expressamente este tipo de acto – suspensão de funções – em relação aos governadores civis.

Mas a sua legitimidade decorrerá da consideração do princípio geral segundo o qual “quem pode o mais, pode o menos”.

Assim, se o Governo tem o poder legal de exonerar os governadores civis, é lógico que, por maioria de razão, possa praticar o acto, de eficácia menos profunda, que é o da suspensão do exercício das correspondentes funções.

Trata-se assim, de uma daquelas situações que FILIPE BAPTISTA ([33]) qualifica como “inelegibilidades aparentes” (designação não de todo em todo indiscutível), e que caracteriza nos seguintes moldes:
“b) Inelegibilidades aparentes.

72. Aquilo que designámos por inelegibilidade aparente apenas ocorre, para efeitos de exercício do poder de aceitação, até ao momento em que se concretizam os efeitos deste. A partir daí a inelegibilidade torna-se bem “real”, com todas as suas consequências.
A inelegibilidade aparente aparece e caracteriza-se pela possibilidade implícita atribuída ao titular do poder de aceitação, de afastar as circunstâncias impeditivas da sua eleição. Por exemplo, em todos aqueles casos em que a elegibilidade está dependente da cessação do serviço efectivo, da não efectividade de funções, a inelegibilidade pode ser ultrapassada mediante um acto do aspirante a candidato que vise pôr termo a essa situação.
Consideramos que esta inelegibilidade é meramente aparente, na medida em que, antes da apresentação da candidatura, não projecta os efeitos típicos de uma inelegibilidade (impedir a eleição) sobre a esfera do aparentemente inelegível. No momento prévio à aceitação, a causa da incapacidade, o impedimento, permite ainda ao aceitante a faculdade de a remover, gerando ao mesmo tempo efeitos (outros efeitos, que não os impeditivos da eleição) sobre terceiros que mantêm com aquele a relação causal da situação impeditiva: sobre estes deve imperar uma vinculação ao pedido daquele, com fundamento na justa causa de concretização de um direito fundamental.
Por exemplo, se a passagem à reserva de um militar é essencial para que ele exerça um direito fundamental, então ele, querendo, deve requerê-la e a autoridade militar deve concedê-la.”


5.3 – Da natureza da suspensão de funções dos governadores civis – que assim afasta a inelegibilidade em causa e lhes confere direito à candidatura a deputado – decorrem, uma vez terminada a correspondente campanha eleitoral, as seguintes consequências:
- se a pessoa em causa não for eleita, retomará, naturalmente, o exercício das funções de governador civil, cargo cuja titularidade manteve;
- se esse indivíduo for eleito deputado, não pode, enquanto tal, exercer funções como governador civil, pois a tanto obsta a incompatibilidade a esse respeito legalmente estipulada.


6.

6.1 – Delineadas, assim, as características que permitem configurar a suspensão de exercício de funções dos governadores civis que constitui condição para a respectiva elegibilidade para a Assembleia da República, cumpre agora confrontá-la com as situações previstas nos artigos 8º e 9º da Lei n.º 14/79.

Nessa perspectiva, uma ilação ressalta imediatamente, quanto à natureza jurídica dessas figuras, do seu tratamento sistemático na economia do diploma legal em referência.

A suspensão do exercício de funções de governador civil é, como se salientou, condição de elegibilidade como deputado à Assembleia da República. Trata-se, assim, de pressuposto da respectiva candidatura a essa eleição, sem o qual esta não pode ser admitida. Por isso a mesma surge regulada no Capítulo II da dita Lei, a propósito da “Capacidade eleitoral passiva”.

Diversamente, os artigos 8º e 9º do mesmo diploma estão integrados no subsequente Capítulo III, sob a epígrafe “Estatuto dos candidatos”.

Isto significa que as situações previstas em cada um desses preceitos se reportam já à definição da situação jurídica dos candidatos pressupondo, pois, a prévia admissão da candidatura das pessoas a que se reportam.


6.2 – Começando por atentar na situação abrangida pelo artigo 9º da Lei n.º 14/79, é patente, antes de mais, que a respectiva previsão abrange apenas os candidatos que sejam presidentes de câmaras municipais ou que legalmente os substituam.

A proibição de exercício das respectivas funções que essa norma impõe a tais candidatos “desde a data de apresentação de candidaturas e até ao dia das eleições” parece ter uma clara finalidade: a de obstar a que tais pessoas, dada a intervenção que legalmente compete, no processo eleitoral, aos órgãos autárquicos que ocupam, possam de algum modo influenciar o normal andamento deste.

É por isso que MARIA DE FÁTIMA ABRANTES MENDES e JORGE MIGUÉIS ([34]) referem:
“II – A justificação deste impedimento, limitado ao período de tempo em que decorre o processo eleitoral, é o de impedir que candidatos que sejam também importantes titulares de órgãos da administração eleitoral possam tirar benefício dessa dupla qualidade.
Com efeito os presidentes de câmara intervêm activamente no processo eleitoral, por exemplo, na definição dos desdobramentos e localização das assembleias de voto (artigo 40º, n.º 4 e 43º), na nomeação e substituição dos membros das assembleias de voto (artigo 47º, nºs. 3 a 7), na entrega e controlo do material eleitoral (artigo 52º), na implementação e direcção do sistema de voto antecipado (artigos 79º-A, -B e –C) etc.”

Onde se não tem verificado unanimidade, na interpretação desta norma, é quanto à questão de saber se ela implica a suspensão do mandato dos autarcas em causa, ou apenas a suspensão do exercício das correspondentes funções.

Para tanto também terá contribuído, em parte, a oscilação de critério do legislador no tocante à própria epígrafe da norma em apreciação.

Na verdade, a versão inicial deste artigo 9º tinha como epígrafe, tão-somente, o vocábulo “Incompatibilidades” – o que, valha a verdade, não denotava um absoluto rigor científico, visto que tal figura jurídica se aplica, no nosso direito, tradicionalmente, a outro tipo de situações.

A Lei n.º 10/95, sem alterar o teor da prescrição em análise, substituiu aquela epígrafe por “Obrigatoriedade de suspensão do mandato”.

Na vigência da redacção originária do preceito, o Tribunal Constitucional ([35]) entendeu que, apesar de a epígrafe do preceito parecer apontar no sentido da suspensão do mandato, o seu conteúdo e espírito exigiam apenas a suspensão do exercício de funções por parte dos autarcas por ele abrangidos.

E este Conselho explicitou ([36]), a propósito desse teor inicial da norma mencionada, que a mesma não implicaria a perda de remunerações por parte dos autarcas a que se aplicava, visto a suspensão do exercício de funções nela consignada se operar por força da lei, na mira da realização de um interesse público:

“Estabelece, com efeito, o artigo 9º da Lei n.º 14/79 (Lei Eleitoral para a Assembleia da República), sob a epígrafe “Incompatibilidades”: “Desde a data da apresentação de candidaturas e até ao dia das eleições os candidatos que sejam presidentes de câmaras municipais ou que legalmente os substituam não podem exercer as respectivas funções.

Ou seja, os presidentes das câmaras municipais que se candidatem a deputados à Assembleia da República ficarão com o exercício do mandato autárquico suspenso desde a data da apresentação da candidatura até ao dia das eleições. E, atendendo à teleologia da norma e ao interesse público envolvente da candidatura em causa, não faria sentido que, no caso da vertente suspensão de exercício de funções, ocorresse cessação do processamento das respectivas remunerações.”

Depois da alteração operada (apenas na epígrafe do preceito, é certo, mas introduzindo nesta a expressão “suspensão do mandato”) pela Lei n.º 10/95, os intérpretes do mencionado artigo 9º têm revelado alguma indecisão quanto à determinação do seu real sentido.

A opinião dominante tem, contudo, continuado a encontrar nele consagrada apenas uma suspensão do exercício de funções (e não uma suspensão de mandato) dos autarcas a que se reporta.

Citem-se, nesse sentido, a Comissão Nacional de Eleições, em deliberação de 26 de Julho de 1995 ([37]), e o próprio FILIPE BAPTISTA ([38]), que, apesar de considerar que a lógica da norma em apreciação corresponderia mais adequadamente à sua actual epígrafe, acaba por concluir que o conteúdo da sua estatuição continua a reportar-se apenas à suspensão de exercício de funções:
“Olhando para a letra da lei, verifica-se que não se exige mais do que esta suspensão do exercício de funções, e que a suspensão do mandato vai para além do que prevê a letra da lei.
....................................................................................
Nestes termos, consideramos que o elemento lógico não coincide com o elemento literal do artigo 9º da LEAR, a ratio da incompatibilidade exige verdadeiramente a suspensão do mandato ou, então, um regime de suplência que exclua qualquer acto de vontade do presidente da câmara a substituir.
155. A última lei que veio introduzir alterações na Lei Eleitoral para a Assembleia da República introduziu uma alteração na epígrafe do artigo 9º, substituindo “incompatibilidades” por “obrigatoriedade de suspensão do mandato”, mas não consumou esta alteração no corpo do artigo, que manteve exactamente a mesma redacção.
Esta alteração vem em apoio do que dissemos no número anterior, mas tem um alcance prático limitado. De facto a epígrafe não constitui um elemento normativo, não tem o sentido de determinação, não possui um carácter vinculativo directo, antes constitui mais um elemento interpretativo”.


6.3. A “dispensa de funções” prevista no artigo 8º da Lei n.º 14/79, por seu turno, aplica-se a candidatos que exerçam funções públicas ou privadas e reporta-se aos trinta dias anteriores à data das eleições” ([39]).”

Esta medida aplica-se, pois, a pessoas cuja candidatura à eleição para deputados à Assembleia da República haja sido admitida e que se encontrem a trabalhar, no sector público ou no privado, no momento da campanha eleitoral antecedente ao início do período de trinta dias indicado nesse preceito.

Essa norma tem, primacialmente, o propósito de corresponder a um interesse de tais candidatos – o de estarem disponíveis para poderem, no período em causa, participar cabalmente na campanha eleitoral.

Isto, claro, sem deixar de reconhecer que tal medida corresponde também, directa ou indirectamente, a um interesse público, pois que é de interesse da colectividade que os eleitores possam tomar integral conhecimento das posições dos candidatos em presença, para entre eles melhor poderem escolher.

O facto de tal dispensa respeitar, em primeira linha, a um interesse dos candidatos faz com que ela seja objecto duma faculdade que lhes é conferida pela lei: “direito à dispensa…”.

Tratando-se de um direito dos candidatos em questão, eles podem ou não exercê-lo (conforme preferirem), ou exercê-lo apenas em parte do período a que se reporta.

O objectivo deste direito explica, ademais, que o período em que a dispensa incide conte, “para todos os efeitos, incluindo o direito a retribuição, como tempo de serviço efectivo”.

Tem cabimento, a propósito, verificar em que termos o alcance e o regime desta dispensa de funções são desenvolvidos, respectivamente, pela Comissão Nacional de Eleições ([40]):

“Mais se entendeu que o cidadão não tem que apresentar uma programação do tempo a utilizar à empresa onde trabalhe, nem pode esta impedir o exercício do direito que a lei lhe confere, nem de algum modo, ameaçar os candidatos com a privação de quaisquer prémios, com o despedimento ou qualquer outra sanção. (cfr. parecer de 30.11.82);

- e por FILIPE BAPTISTA ([41]):
“O que parece ficar consagrado não é um simples direito a dispensa de funções, mas vários direitos. Entre eles, o da dispensa de funções, com o qual se relacionam os outros. Assim, em primeiro lugar, aparece o direito à dispensa de funções, que quer dizer que a entidade com quem o candidato mantém uma relação laboral está vinculada a lhe conceder a dispensa pelo presente motivo e que a ausência do local do serviço tem uma causa justificativa legítima, não constituindo qualquer violação de dever pelo trabalhador, não afectando o respectivo vínculo laboral. Em segundo lugar, aparecem outros direitos que normalmente estão associados ao dever de prestação efectiva do serviço, como, por exemplo, o direito à remuneração independentemente da prestação efectiva. Esta formulação do direito à remuneração permite não prejudicar a situação das incompatibilidades de candidatura, em que o candidato não tem só um direito de dispensa de funções, mas também uma verdadeira imposição de suspensão da sua situação.”




7.

Uma vez aceite que a índole jurídica da dispensa de funções prevista no artigo 8º da Lei n.º 14/79 seja a acabada de expor, parece legitima a conclusão de que esse instituto não é aplicável aos governadores civis que, para poderem ser candidatos à eleição para deputados à Assembleia da República, hajam sido suspensos do exercício das respectivas funções.

Com efeito, a referida dispensa de funções tem em vista candidatos que, imediatamente antes do início do prazo de trinta dias anteriores às mencionadas eleições, se encontram a exercer efectivamente funções públicas ou privadas.

Não teria sentido conceder tal dispensa a candidatos que – tal como os governadores civis – tenham de, para poder ser admitidos como tais, ter previamente solicitado e obtido a suspensão das correspondentes funções.

Não pode ser dispensado do exercício de certas funções quem, na data em referência, se encontre já, por força da lei, suspenso do respectivo exercício.

A incongruência apontada mais ainda se patenteia na medida em que se considere a diversa natureza das situações jurídicas a que corresponde, num caso e noutro, o não exercício de funções.

A suspensão de funções dos governadores civis que pretendam candidatar-se à eleição para deputados à Assembleia da República constitui, como se salientou, uma condição da respectiva elegibilidade.

Nessa medida, tal suspensão é pressuposto da admissão da correspondente candidatura e tem de, por imperativo legal, forçosamente manter-se durante todo o período que antecede as eleições, sob pena de essa candidatura não poder subsistir.

Diversamente, a dispensa de funções prevista no artigo 8º da Lei n.º 14/79 constitui objecto de um direito que o candidato interessado pode ou não exercer, no todo ou em parte.

Não seriam juridicamente compatíveis, pois, em relação ao mesmo candidato e ao mesmo período de tempo (de trinta dias anteriores à data das eleições), uma suspensão do exercício das suas originárias funções legalmente necessária – sob pena de perda da elegibilidade e da qualidade de candidato – e a faculdade de pedir ou não a dispensa desse exercício, no todo ou em parte.



8.

Afastada assim a aplicabilidade do artigo 8º da Lei nº 14/79 aos governadores civis candidatos à eleição para deputados à Assembleia da República, resta precisar qual seja a respectiva situação remuneratória durante o período de suspensão das suas funções (requisito necessário à admissão de tal candidatura).

Antes do Novo Sistema Retributivo legalmente definido para a Função Pública em 1989 ([42]), essa questão seria, muito provavelmente, solucionada na perspectiva do princípio geral, afirmado pela doutrina, de que a remuneração constitui o correspectivo de serviço efectivamente prestado.

Era nessa perspectiva que, nomeadamente, MARCELLO CAETANO ([43]) ponderava que “O mero decurso do tempo sem exercício efectivo de funções só dá direito a receber total ou parcialmente vencimentos nos casos autorizados por lei”.

Sucede, contudo, que o Decreto–Lei nº 353-A/89, de 16 de Outubro (artigo 3º, nº 4), veio prescrever que:

“4. As situações e as condições em que se suspende o direito à remuneração, total ou parcialmente, constam da lei.”

Afigura-se, pois, que, a partir da entrada em vigor desta norma geral, o vencimento só pode ser suspenso se a lei assim dispuser ([44]).

E não existe de facto preceito expresso que prescreva a suspensão das remunerações dos governadores civis que se encontrem na situação em apreciação.

Afigura-se, todavia, que o problema deve ser abordado sob perspectiva diversa.

É que a verdade é que não existe qualquer regulamentação legal própria da situação geral de suspensão do exercício de funções.

É, por isso, natural que tão-pouco exista qualquer regra específica relativa ao aspecto remuneratório dessa situação.

Para alcançar o regime legal aplicável a tal situação, caberá, através dos processos consagrados no artigo 10º do Código Civil para a integração das lacunas da lei, encontrar as soluções que melhor se lhe ajustem.

Tem cabimento, a este propósito, atentar em que, se um governador civil que se haja candidatado à Assembleia da República for efectivamente eleito, passará, enquanto deputado, a ser abrangido pela incompatibilidade definida no artigo 20º da Lei nº 7/93, situação que apresenta características paralelas à da suspensão do exercício de funções.

A norma citada diz, na verdade, que os deputados “não podem exercer as respectivas funções enquanto exercerem o mandato”.

Não existem dúvidas de que a essa proibição de exercício de funções corresponde a não percepção dos vencimentos respectivos.

Merece, enfim, reconhecer-se a devida relevância, para a abordagem da questão em análise, ao lugar paralelo constituído pelo regime de suspensão de mandato dos eleitos locais.

É certo que a suspensão de mandato é figura com mais profundas implicações que a suspensão do exercício de funções.

Mas, no concernente à questão em apreciação, de índole remuneratória, denota-se entre ambas assinalável analogia: trata-se de saber se deve ou não receber vencimento um agente do Estado cujo exercício de funções se encontre suspenso.

Sobre a eficácia remuneratória da suspensão do mandato dos autarcas dispõe o nº 3 do artigo 24º do Estatuto dos Eleitos Locais (Lei nº 29/87, de 30 de Junho):

“3. A suspensão do exercício dos mandatos dos eleitos locais faz cessar o processamento das remunerações e compensações, salvo quando aquela se fundamente em doença devidamente comprovada ou em licença por maternidade ou paternidade” ([45]).

Interpretando o aludido preceito, este Conselho ([46]) já teve ocasião de assinalar que ele assenta no princípio segundo o qual a suspensão do mandato por iniciativa do autarca implica a não percepção de remuneração durante essa situação, enquanto que da suspensão independente da sua vontade não decorre tal consequência.

Aplicando este princípio ao caso em análise, haverá que concluir que o governador civil que haja requerido e obtido a suspensão do exercício de funções para se candidatar à Assembleia da República não deverá, nessa situação, receber o correspondente vencimento, dado ela ter resultado de um acto voluntário da sua parte.



9.

Em conclusão:

Os governadores civis suspensos do exercício das suas funções, para se poderem candidatar à eleição para deputados à Assembleia da República, não têm, enquanto se encontrarem nessa situação, direito a receber as remunerações correspondentes ao seu cargo.


[1]) Comunicado pelo ofício n.º 1859, de 23 de Setembro de 1996.
[2]) Informação n.º 290, de 16 de Outubro de 1995.
[3]) Qualquer dessas regras na nova redacção conferida pela Lei n.º 10/95.
[4]) Informação n.º 606-L/95, de 20 de Outubro de 1995.
[5]) Parecer Jurídico n.º 244/95, de 19 de Janeiro de 1996.
[6]) Alterada pelas Leis nº 10/95, de 7 de Abril, e 26/99, de 3 de Maio, e pela Lei Orgânica nº 1/99, de 22 de Junho.
[7]) A redacção originária deste preceito era a seguinte:
“Artigo 5º
(Inelegibilidades gerais)
1 – São inelegíveis para a Assembleia da República:
a) Os magistrados judiciais ou do Ministério Público em efectividade de serviço;
b) Os militares e os elementos das forças militarizadas pertencentes aos quadros permanentes, enquanto prestarem serviço activo;
c) Os diplomatas de carreira em efectividade de serviço.
2. São ainda inelegíveis os abrangidos pelo artigo 308º da Constituição, nos termos e pelo período aí previsto.”
[8]) Lei nº 7/93, de 1 de Março (alterada por diversos diplomas posteriores, conquanto sem incidência na questão em análise).
[9]) A redacção desta norma constitucional foi mantida na revisão de 1982, embora ela passasse a figurar nas “Disposições transitórias” da Lei Fundamental, sob o nº 295º.
[10]) Alterado, mas sem especial relevância para as questões em análise, pelo Decreto–Lei n.º 128/85, de 26 de Abril.
[11]) Sobre a evolução histórica da figura do governador civil podem consultar-se, nomeadamente, os pareceres deste Conselho nºs. 8/78, de 16 de Março de 1978, 173/79, de 24 de Janeiro de 1980 (Bol.Ministério da Justiça, n.º 299, pág. 55), 86/85, de 3 de Julho de 1986, e 50/91, de 27 de Junho de 1991.
[12]) Esse artigo 291º (mantido na revisão de 1997) recebeu a seguinte redacção:
“Artigo 291º
Distritos
1. Enquanto as regiões administrativas não estiveram concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido.
2. Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios.
3. Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área distrito.”
[13]) Na redacção dada pelo Decreto–Lei nº 316/95, de 28 de Novembro.
[14]) “Lições de Direito Administrativo”, I, Lisboa, 1994/5, págs. 332-333.
[15]) De 2 de Dezembro de 1993 (DR, II Série, de 19 de Maio de 1994); v. também os pareceres nºs. 9/96, de 19 de Agosto de 1996 (e seus pareceres complementares) e 131/96, de 6 de Fevereiro de 1997.
[16]) “Dicionário de Legislação Eleitoral”, Lisboa, 1995, pág. 156.
[17]) V., a propósito, os recentes Despachos Conjuntos nºs. 338/99 e 339/99, de 16 de Setembro de 1999.
[18]) Na redacção dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto. A Lei n.º 64/93 foi ainda alterada, mas sem relevância para o aspecto ora em vista, pelas Leis nºs. 39-B/94, de 27 de Dezembro, 12/96, de 18 de Abril, e 42/96, de 31 de Agosto.
[19]) Distinguindo-os, pois, mesmo, dos “altos cargos públicos” também contemplados no mesmo diploma.
[20]) Correspondente ao artigo 153º, antes da revisão de 1997, mas mantendo a redacção deste.
[21]) Constituição da República Portuguesa, Anotada e Comentada“, Lisboa, 1983, págs. 205-206.
[22]) “Verbo-Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura”, tema “Inelegibilidade”, págs. 1366-1367. V. também, do mesmo autor: “Estudos de Direito Eleitoral”, Lisboa, 1995, págs. 75-77.
[23]) V., em termos muito similares, também, os pareceres deste Conselho nºs. 64/91, de 5 de Dezembro de 1991, 8/84, de 27 de Abril de 1984, 52/84, de 24 de Janeiro de 1985; 8/85, de 16 de Maio de 1985, 19/87, de 17 de Dezembro de 1987.
[24]) Op. cit., pág. 193.
[25]) Projectos de lei nºs. 125/I (PCP), artigo 7º; 128/I (CDS), artigo 7º; 129/I (PS), artigo 6º; e 130/I (UDP, artigo 7º), artigo 7º - in Comissão Nacional de Eleições, “Lei Eleitoral para a Assembleia da República – Anexos”, respectivamente págs. 111, 264, 339 e 409.
[26]) Projecto de lei nº 127/I, artigo 6º, nº 1, alínea j) (Comissão Nacional de Eleições, “Lei Eleitoral” – Anexos, págs. 182-183); ibidem “Parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias”, pág. 419.
[27]) Comissão Nacional de Eleições, “Lei Eleitoral ... Anexos”, pág. 439.
[28]) “Lei Eleitoral da Assembleia da República – actualizada”, Lisboa, 1995, pág. 11.
[29]) Projecto de Lei n.º 225/VI (DAR, II Série-A, de13 de Novembro de 1992).
[30]) N.º 225/VI (DAR, II Série-A, de 27 de Janeiro de 1995).
[31]) DAR, I Série, de 26 de Janeiro de 1995.
[32]) Acórdão n.º 404/89 (Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1989).
[33]) ”Regime jurídico das candidaturas”, Lisboa, 1997, págs. 94-95.
[34]) Op. cit., pág. 13.
[35]) Acórdão n.º 404/89, (Diário da República, II Série, de 14 de Setembro de 1989).
[36]) Parecer n.º 52/95, de 20 de Dezembro de 1995.
[37]) “Dicionário ...”, vol. I, pág. 343.
[38]) Op. cit., págs. 169-171.
[39]) O desfasamento entre o período de apresentação de candidaturas e o início deste prazo de 30 dias passou a ser bastante encurtado a partir da alteração produzida pela Lei Orgânica nº 1/99 no nº 2 do artigo 23º da Lei nº 14/79: quando, na versão inicial dessa norma, tal período se compreendia entre os 70 e os 55 dias anteriores à data prevista para as eleições, a partir daquela modificação as candidaturas passaram a poder ser apresentadas até ao 41 dia anterior àquela data.
[40]) M.FÁTIMA ABRANTES MENDES e outro, op.cit., págs. 12-13.
[41]) Op. cit., págs. 167-168.
[42]) É certo que os governadores civis não são funcionários públicos. Mas tem-se entendido que a legislação relativa à Função Pública reflecte princípios gerais igualmente aplicáveis aos agentes políticos, nomeadamente em sede remuneratória – salvo na medida em que a estes se apliquem normas legais específicas.
[43]) “Manual de Direito Administrativo”, 10ª ed., vol. II, pág. 762.
[44]) A sustentação desta mudança de critério legislativo pode encontrar-se, p.e., em VEIGA e MOURA, “Função Pública”, 1º Vol., Coimbra, 1999, págs. 259-260.
[45]) Na redacção dada pela Lei nº 127/97, de 11 de Dezembro.
[46]) Parecer nº 52/95, já citado.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART50 N3 ART18 N2 ART150 ART263 N1 N2 N3 ART291.
L 14/79 DE 1979/05/10 ART4 ART5 A B C D E F G H ART6 N1N2 ART8 ART9.
L 10/95 DE 1995/04/07 ART5 B ART6.
L 7/93 DE 1993/03/01 ART20 N1 G.
DL 399-b/84 DE 1984/12/28 ART1 ART3.
CADM36 ART404 N1 N3.
DL 316/88 DE 1988/09/08.
DL 252/92 DE 1992/11/19 ART2 ART3 N1 ART4 ART16 N1 N2 N3 ART17.
L 64/93 DE 1993/08/26 ART1 N1 N2 C ART4.
L 14/87 DE 1987/04/29 ART5 N1 C N2 ART6 B.
L 4/94 DE 1994/03/09 ART5 C ART6 H.
DL 353-A/89 DE 1989/10/16 ART3 N4.
CCIV66 ART10.
L 29/87 DE 1987/06/30 ART24 N3.
Jurisprudência: 
AC TC 404/89 DE 1989/05/30 IN DR II SÉRIE DE 1989/09/14
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND * ORG PODER POL / DIR ADM * ADM PUBL / DIR CIV * TEORIA GERAL / DIR ELEIT.
Divulgação
Data: 
14-01-2000
Página: 
901
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