Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
12/1992, de 30.03.1992
Data do Parecer: 
30-03-1992
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CIRCULO
DETENÇÃO
TRIBUNAL JUDICIAL
PRISÃO
COMPETENCIA
COMPETENCIA DOS TRIBUNAIS
PRISÃO PREVENTIVA
COMPETENCIA EM RAZÃO DA MATERIA
ACTO JURISDICIONAL
DETENÇÃO ILEGAL
PRISÃO ILEGAL
ACTO DE GESTÃO PUBLICA
DANO
RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO A INDEMNIZAÇÃO
ESTADO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
FUNÇÕES DO ESTADO
FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
FUNÇÃO JURISDICIONAL
CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
Conclusões: 
1 - A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer (artigo 27, n 5, da Constituição da Republica - CRP);
2 - Os cidadãos que hajam sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal tem direito a exigir do Estado indemnização pelos danos decorrentes dessa privação da liberdade (artigo 225, n 1, do Codigo de Processo Penal - CPP);
3 - Os cidadãos que hajam sofrido prisão preventiva legal que se venha a revelar supervenientemente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto para que não hajam concorrido com dolo ou negligencia, tem direito a indemnização pelo Estado se da privação da liberdade lhes advieram prejuizos anomalos e de particular gravidade (artigo 225, n 2, do CPP);
4 - As causas que não sejam atribuidas por lei a jurisdição especial são da competencia dos tribunais comuns (artigos 66, do Codigo do Processo Civil e 14 da Lei n 38/87, de 23 de Dezembro);
5 - Inscreve-se na competencia do contencioso administrativo o conhecimento das acções de indemnização intentadas pelos particulares contra o Estado por danos decorrentes de actos de gestão publica (alinea b) do par 1, do artigo 815 do Codigo Administrativo);
6 - Concretamente, compete aos tribunais administrativos de circulo conhecer das acções referidas na conclusão anterior (artigo 51, n 1, alinea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei n 129/84, de 27 de Abril);
7 - O Estado realiza a actividade que lhe e propria no quadro das distintas funções politica ou governamental, legislativa, jurisdicional a administrativa;
8 - O conceito "actos de gestão publica" a que se referem a alinea b) do par 1 do artigo815 do Codigo Administrativo e a alinea h) do n 1 do artigo 51 do ETAF, reporta-se a actividade administrativa "stricto sensu" do Estado, portanto não incluindo os actos que integram a função jurisdicional;
9 - O conhecimento das acções relativas a indemnização dos danos decorrentes do exercicio da função jurisdicional e parajurisdicional a que se reportam as conclusões 2 e 3 não compete, pois, aos tribunais administrativos;
10- Compete aos tribunais comuns de jurisdição civel conhecer das acções de indemnização intentadas contra o Estado por danos decorrentes da prisão preventiva ou detenção ilegais ou da prisão preventiva injustificada.
Texto Integral
Texto Integral: 
Excelentíssimo Senhor

Conselheiro Procurador-Geral da

República,



I



Vossa Excelência solicitou ao Conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República o parecer sobre a questão de saber qual a ordem de tribunais - judiciais ou administrativos - competente para conhecer das acções intentadas contra o Estado com vista à indemnização por danos resultantes da prisão ou detenção ilegal.

Cumpre, pois, no condicionalismo da muita urgência que lhe foi conferida, emiti-lo.



II



A resolução da questão que nos é posta pressupõe, fundamentalmente, a análise das disposições relativas à competência jurisdicional dos tribunais comuns e administrativos.

Mas a resposta envolverá mais clareza se se equacionar a problemática da prisão preventiva e da detenção, fixando os traços distintivos das duas figuras e o seu regime jurídico, com individualização das situações que conferem direito a indemnização.

Assim, o parecer estruturar-se-á em duas partes essenciais. Numa, abordar-se-á a questão da prisão preventiva e da detenção; na outra, a da competência jurisdicional, analisando-se o problema da obrigação de indemnização por parte do Estado, a delimitação do conceito de "acto de gestão pública" e de "acto da gestão privada", com uma ou outra referência às soluções decorrentes do direito comparado.



III



1.1. A liberdade individual é, a seguir à vida, um dos mais relevantes bens do Homem. E isso explica por que as várias ordens jurídicas nacionais e a internacional consagram mecanismos que garantem a sua protecção.

A existência do Estado é impensável sem o exercício pelo homem, em algum momento, do originário direito à liberdade, e sem a autoridade do Estado não é configurável, na complexa sociedade em que vivemos, o direito de ser livre (1) .

A lei estabelece os mecanismos tendentes a assegurar o equilíbrio entre a autoridade do Estado e a liberdade dos cidadãos (2) .

É no domínio do processo penal que o direito à liberdade física dos cidadãos envolve mais sentido. A privação da liberdade de um cidadão em razão da suspeita de haver praticado um crime é, não raro, essencial à realização da justiça e à defesa da sociedade contra as acções humanas criminosas que a afectam, mas constituí cautela processual muito gravosa para o direito individual à liberdade física, sobretudo se afectou um inocente.

No direito processual penal "espelham-se as necessidades inalienáveis de segurança e defesa da sociedade e os princípios fundamentais da Constituição centrados nos direitos, liberdades e garantias (3) .

0 processo penal, que HENKEL considerou direito constitucional aplicado, visa "averiguar e condenar os culpados criminalmente e defender e salvaguardar os inocentes de perseguições e condenações injustas" (4) .

As leis reflectem, face à gravidade da privação liberdade de um arguido anteriormente à decisão judicial formação da culpa, a necessária e apertada cautela delimitação dos pressupostos objectivos da detenção e da competência para a levar a cabo.


1.2. A prisão preventiva já na antiguidade clássica era praticada por gregos e romanos, e foi aplicada na Península Ibérica, no tempo da Reconquista, mas sempre constituiu motivo de clamor dos povos que a sofriam (5)

Já vem de longe, designadamente em Portugal, a preocupação dos povos no que concerne à definição legal dos pressupostos de prisão preventiva.

(...) dá-nos notícia das queixas dos povos nas Côrtes de Viseu, Coimbra e Évora, realizadas durante o reinado de D.João I, sobre o uso mal ponderado daquela medida de privação da liberdade, as quais motivaram a publicação da Lei nº 21 de Janeiro de 1459, que veio a ser inserida na Ordenação Afonsina (6) .


1.3. A Assembleia Constituinte produziu em França, em 26 de Agosto de 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual foi proclamado que a liberdade, traduzida no poder fazer tudo o que não colide com direito de outrem, constitui um direito fundamental do ser humano, e que nenhum homem podia ser acusado, preso ou detido fora dos casos determinados na lei e pela forma nela prescrita (7) .

A Declaração Universal dos Direitos do Homem à luz da qual, por força do artigo 16º, nº 2, da CRP, devem interpretar-se as leis portuguesas que versam sobre direitos fundamentais, proclama que todo o indivíduo tem direito à liberdade e que ninguém pode ser arbitrariamente preso ou detido (artigos 3º e 9º) (8) .

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem - CEDH -estabelece, no que concerne à liberdade física, que ninguém dela pode ser privado, salvo se se tratar de prisão ou detenção de harmonia com o preceituado legal, a fim de a comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita de ter cometido uma infracção ou motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de a cometer ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido (artigo 5º) (9).

0 Comité de Ministros do Conselho da Europa produziu, em 9 de Abril de 1965, a Resolução nº (65)11, na qual afirmou que a "detenção nunca deve ser obrigatória" e que a “prisão preventiva não deve ser ordenada ou mantida senão quando for estritamente necessária" (alíneas a) e c)).

0 Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos - PIDCP -, aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1966, prescreve, por seu turno, que ninguém pode ser objecto de prisão ou detenção arbitrária, que a privação da liberdade do indivíduo só pode ocorrer nos casos legalmente fixado, e em conformidade com o procedimento e que a prisão preventiva deverá constituir a excepção necessária ao cumprimento das obrigações processuais (artigo 9º) (10)

Qualquer dos referidos textos internacionais traduz a ideia regra de que a defesa da sociedade contra o crime só deve exigir a privação de liberdade individual baseada em sentença judicial condenatória transitada em julgado e que a privação da liberdade a título preventivo deve constituir a excepção, envolvida de cautelas adequadas à gravidade da medida.


2.1. Analisada a problemática da preventiva privação da liberdade individual à luz do direito internacional, vejamos agora a respectiva normação pertinente no ordenamento jurídico português.

Dispõe o artigo 27º da CRP:

"l. Todos têm direito à liberdade e à segurança.

"2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

"3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

a) Prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;

b) Prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;

c) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para, o tribunal competente;

d) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;

e) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência, perante a autoridade judicial competente.

"4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos.

"5. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer" (11) .

0 artigo 27º da Constituição consagra a garantia do direito do indivíduo à "liberdade física, à liberdade de movimentos, ou seja o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço, ou impedido de se movimentar". É o "jus manendi, ambulandi anunde ultro citroque" (12) .

A regra geral que resulta do nº 2 daquele artigo é no sentido de que a privação da liberdade só é legítima quando resultar de uma decisão judicial condenatória pela prática de crime punível com prisão ou impositiva de uma medida de segurança.

0 nº 3 prevê a excepção de privação da liberdade fora do circunstancialismo previsto sob o nº 2, derivada ou não de decisão judicial, distinguindo, além do mais, entre as situações de prisão preventiva e de mera detenção.

Anteriormente à actual Constituição inexistia consenso no que concerne à distinção entre os conceitos de prisão preventiva e de detenção. Etimologicamente o conceito "detenção" significa o acto de colocar alguém na situação de prisão ou a captura (13) .

0 CPP de 1929 utilizava os conceitos "detenção" e “prisão", reportados à imposição de privação da liberdade individual, indistintamente. Mas enquanto uns autores consideravam "detenção" a privação da liberdade individual, anterior ao trânsito em julgado da decisão final de mérito, outros entendiam significar a prisão preventiva anterior à formação da culpa (14).

A CRP de 1976 traçou uma clara distinção entre os conceitos de "prisão", "prisão preventiva" e de "detenção". Esta é constitucionalmente autorizada, por imperativo da defesa do interesse colectivo, para cobrir algumas situações em que não é admitida a prisão preventiva.

O conceito de "detenção" é agora legalmente diferenciado do de prisão preventiva, abrangendo as situações de privação de liberdade previstas nas alíneas b) e e) do nº 3 do citado artigo 27º, no primeiro caso em termos de alternatividade com o conceito de prisão (15).

A CRP..,.no que concerne à prisão preventiva, dispõe ser esta admissível em flagrante delito ou por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão de máximo superior a três anos (artigo 27º, nº 3, alínea a)).

A CRP é claramente inspirada, na linha da CEDH, pelos princípios da máxima garantia dos direitos individuais dos cidadãos e da "jurisdicionalização da repressão", autorizando excepcionalmente a privação da liberdade fora da situação de condenação definitiva pela prática de crime punível com prisão e de aplicação judicial de medida de segurança, à luz do critério da relevância do interesse de defesa das "condições" essenciais de existência comunitária cuja tutela se revela, por vezes, necessária (16) .

A detenção é constitucionalmente admitida, além do mais, para assegurar a comparência do detido perante a autoridade judicial competente (artigo 27º, nº 3, alínea )).

No nº 5 consagra-se o importante princípio de que o Estado deverá indemnizar o prejuízo sofrido por qualquer pessoa em virtude da ilegal privação da liberdade seja no caso de prisão preventiva ou detenção injustificada, seja nas situações em que a prisão preventiva ou a detenção são justificadas mas não respeitaram o processo legalmente estabelecido para o efeito (17) .

Na sequência da referida disposição constitucional passou a responsabilidade civil do Estado a abranger, na área dos danos resultantes do erro judicial, a importante vertente da privação da liberdade a título de prisão preventiva e de mera detenção (18) .

E o artigo 28º da Constituição dispõe:

"l. A prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer das causas da detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.

"2. A prisão preventiva não se mantém sempre que possa ser substituída por caução ou por qualquer outra medida mais favorável prevista na lei.

"3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este indicados.

"4. A prisão preventiva, antes e depois da formação da culpa, está sujeita aos prazos estabelecidos na lei" (19) .

No nº 1 fixa-se, por um lado, o prazo de duração da privação da liberdade sem culpa formada, seja em resultado de mandado judicial ou por iniciativa de outra autoridade competente, até à decisão judicial que conheça das causas respectivas, e, por outro, traçam-se as linhas do procedimento relativas àquela decisão centradas no direito do detido ou preventivamente preso a ser informado pelo juiz da motivação da privação da liberdade e de sobre ela se pronunciar no plano fáctico-jurídico.

No nº 2 enuncia-se o princípio da necessidade da prisão preventiva à realização dos fins do processo penal em razão do facto concreto em causa, o que significa que aquela medida de privação da liberdade surge, face às outras medidas de coacção, em termos de subsidiaridade.


2.2. Aqueles princípios constitucionais de garantia do mínimo de compressão do direito fundamental à liberdade encontram-se plasmados em várias disposições do CPP.

No artigo 191º, nº 1, prescreve-se, desde logo, que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, em função exigências processuais de natureza cautelar, por medidas coacção legalmente previstas.

Por um lado, a limitação da liberdade das pessoas está em absoluto dependente de exigências processuais de natureza cautelar, e, por outro, as medidas de coacção em que tal limitação se pode desenvolver têm de constar da lei.

Funciona, pois, nesta sede, o princípio da legalidade e, em consequência, não pode a privação da liberdade individual servir, por exemplo, para forçar o arguido à confissão do crime nem para favorecer a mera prevenção criminal geral (20) .

E, nos termos do artigo 192º nenhuma medida de coacção - incluindo naturalmente a mais grave que é a prisão preventiva - pode ser aplicada ao indiciado sem que este seja constituído como arguido, e essa aplicação é proibida quando fundados motivos houver para crer na verificação de causas da isenção da responsabilidade ou do procedimento criminal, isto é, causas de justificação do ilícito ou de exclusão da culpa, prescrição do procedimento criminal ou amnistia.

Nos termos do artigo 193º as medidas de coacção concretamente aplicáveis devem adequar-se às exigências cautelares e ser proporcionais à gravidade do crime e às sanções de aplicação previsível, só podendo ser utilizada a prisão preventiva quando as outras medidas se revelem inadequadas e, em qualquer caso, não deve a sua execução prejudicar o exercício dos direitos fundamentais não incompatíveis.

Esta disposição inspirada pelos princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade das medidas de coacção sublinha, pois, que a sua aplicação deve ter em linha de conta a gravidade do crime, a respectiva sanção penal previsível, o exercício dos direitos fundamentais pelo cidadão afectado e que a prisão preventiva constitui a extrema ratio", apenas aplicável quando outras medidas menos gravosas se não mostrarem suficientes aos fins visados (21).

0 juiz deverá, aquando da decisão sobre a aplicação ou não de medidas de coacção ter em conta a situação criminosa em concreto na sua envolvência objectiva e subjectiva e formular um juízo de prognose póstumo relativo às sanções eventualmente aplicáveis, incluindo, naturalmente a hipótese de probabilidade de suspensão de execução da pena - princípios da adequação e proporcionalidade -,e ter presente, por outro lado, que a medida de prisão preventiva é de aplicação subsidiária.

A imposição da prisão preventiva, no caso de menos gravosas medidas de coacção se não mostrarem suficientes, tem como pressupostos necessários as situações previstas nas alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 27º da CRP (artigo 202º, do CPP).

A luz do disposto no artigo 194º, nºs. 1 e 2, do CPP, a prisão preventiva só pode ser aplicada por despacho do juiz, no inquérito a requerimento do Ministério Público, ou depois dessa fase, oficiosamente, ouvido este sempre que possível e conveniente, precedida da audição do arguido, podendo ter lugar aquando do primeiro interrogatório judicial.

E, nos termos dos nºs 2 e 4 daquela disposição, despacho determinante da prisão preventiva do arguido, se este o consentir ou independentemente do consentimento se ele tiver menos de 18 anos de idade, é imediatamente comunicado a parente, pessoa da sua confiança ou ao defensor por ele indicados.

A audição do arguido não será possível, por exemplo, quando ela não for compatível com o seu estado de saúde.

Haverá inconveniência na sua audição, por exemplo, quando haja fundado receio de que essa diligência lhe proporcione a concretização da fuga ou a destruição de meios de prova que existam contra ele (22) .

Nos termos do disposto nos artigos 195º e 202º, nº 1, alínea a), na aplicação da medida de prisão preventiva deve ter-se em linha de conta o máximo da pena correspondente ao crime que a justifica.

0 artigo 202º, em desenvolvimento do estatuído no artigo 27º, nº 3, do CRP, reporta-se aos casos em que o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva.

Nos termos do nº 1 daquela disposição, o juiz só lha pode impor quando houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos ou se se tratar de pessoas que estiverem irregularmente em território nacional, ou contra as quais esteja em curso processo de extradição ou de expulsão, se considerar inadequadas ou insuficientes menos gravosas medidas de coacção.

E, por força do nº 2, se o arguido a sujeitar a prisão preventiva sofrer de anomalia psíquica, pode o juiz, enquanto a doença perdurar, impor-lhe internamento hospitalar preventivo.

Resulta claramente desta disposição o carácter provisório e subsidiário da prisão preventiva em rigorosa conformidade com a correspondente autorização legislativa da Assembleia da República.

Não pode aplicar-se a prisão preventiva se se não verificar o condicionalismo previsto no artigo 204º isto é, a fuga ou perigo de fuga, o perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução, e, designadamente, em relação à aquisição, conservação ou veracidade da prova, ou o perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, da perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação pelo arguido da actividade criminosa.

Deixou o nosso sistema jurídico de consagrar a categoria dos crimes de prisão preventiva obrigatória, limitando-se a elencar, no artigo 209º deste Código, aqueles que, pela sua especial gravidade ou perigosidade dos respectivos agentes, e consequente alarme social, podem fazer supor a sua conveniência.

Num quadro de presunção de conveniência da cominação da prisão preventiva impõe a lei, em termos pouco consentâneos com o sistema de privação da liberdade anterior à decisão condenatória, que o juiz motive a decisão de não aplicação daquela medida de coacção, certo que ao optar pela aplicação de outra medida de coacção não pode deixar de operar a respectiva motivação.


2.3. Vejamos agora a natureza de privação da liberdade individual por via da detenção.

0 artigo 254º do CPP, na linha da alínea e) do nº 3 do artigo 27º da CRP, reporta-se ao conceito de detenção, perspectivado em função do fim a que se destina, ou seja, assegurar a presença imediata do detido perante o juiz em acto processual, submetê-lo a julgamento em processo sumário ou apresentá-lo ao juiz competente para o primeiro interrogatório ou aplicação de uma medida de coacção (23) .

A prisão preventiva e a mera detenção têm em comum o facto de se tratar de medidas motivadas por exigências processuais de natureza cautelar e de se traduzirem na privação da liberdade física de pessoas não derivada de decisão judicial condenatória transitada em julgado. Trata-se, porém, de medidas distintas quanto à sua finalidade, duração e qualidade processual das pessoas a quem se aplicam.

A prisão preventiva é uma medida de coacção susceptível de subsistir até ao trânsito em julgado da decisão judicial penal de mérito, pressupõe a constituição da qualidade processual de arguido, e só é susceptível de ser aplicada por um juiz.

A detenção é, por seu turno, uma medida cautelar ou de polícia, não necessariamente dependente de mandado judicial, que não pressupõe a qualidade processual de arguido a quem se destina, de natureza muito precária, superior a 48 horas (24) .

Os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação, corolários daqueloutro princípio da menor intervenção possível, que a lei refere a propósito das medidas de coacção, são de ordem geral e, consequentemente, aplicáveis em sede de decisão determinativa da mera detenção (25).

A lei distingue, não só para efeitos dos pressupostos objectivos da detenção, como também da competência para a ordenar, entre a situação de flagrante delito e de não flagrante delito (artigos 255º e 257º do CPP).

0 conceito de flagrante delito abrange três situações distintas, mas com idêntico efeito jurídico, que a Doutrina designa por flagrante delito em sentido próprio, quase flagrante delito e flagrante delito por extensão ou presumido.

0 flagrante delito, que obviamente não constitui elemento constitutivo do crime nem se confunde com a prova testemunhal respectiva, consubstancia-se na actividade da acção criminosa, isto é, no surpreendimento desta nas condições previstas no artigo 257º do CPP (26) .

Há flagrante delito quando o agente for surpreendido durante a actividade de execução do crime, e quase-flagrante delito quando a surpresa ocorre no momento em que aquela actividade terminou, no local desta, revelando o circunstancialismo envolvente o que se acabou de passar.

A situação de flagrante delito por extensão ou presumido verifica-se quando o agente do crime é perseguido por alguma pessoa, logo após o seu cometimento, caso em que a flagrância coincide com a perseguição, ou for encontrado, logo após o cometimento do crime, ou seja, em tempo razoavelmente curto que não permita a alteração da situação indiciária baseada em sinais ou objectos reveladores de o haver perpetrado ou nele haver participado (27) .

A detenção em flagrante delito, relativamente a crime a que corresponda a penalidade principal de prisão, é obrigatória para as autoridades judiciárias e entidades policiais e permitida a qualquer pessoa se não estiver presente qualquer das referidas autoridades ou entidades e não puderem ser chamadas em tempo útil (artigo 255º, nº 1, do CPP).

A lei estabelece, porém, no que concerne à obrigatoriedade da detenção em flagrante delito a que se fez referência, uma excepção e uma condição. Não é autorizada no caso de o respectivo procedimento criminal depender de acusação - crime particular -, e só se mantém, tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, - crime semipúblico -, se o titular deste direito o exercer em acto seguido à captura (artigo 255º, nºs. 3 e 4, do CPP).

A maior abertura no que concerne à admissibilidade da detenção em flagrante delito resulta do facto de estar, em princípio, verificada a prova da existência da infracção criminal e da respectiva autoria.

A impossibilidade de chamamento da autoridade judiciária ou da entidade policial em tempo útil deve ser aferida em termos de razoabilidade face ao desiderato de não deixar escapar o agente da infracção criminal. É que se o chamado não estiver presente ou muito próximo do local de verificação de qualquer das referidas situações de flagrante delito, pode correr-se o risco, optando-se pelo chamamento, de consolidação da fuga ou de descaracterização da própria situação de flagrante delito justificativa de imediata detenção.

A detenção fora da situação de flagrante delito não é, tal como ocorre, por igualdade de razão, com a prisão preventiva, obrigatória; trata-se, com efeito, para o juiz, Ministério Público ou para qualquer autoridade de polícia criminal, de uma faculdade (artigos 202º e 209º do CPP).

A regra relativa à detenção fora da situação de flagrante delito é no sentido de que só as autoridades judiciárias - o juiz ou o Ministério Público -, a podem ordenar (artigos 1º, nº 1, alínea b), e 257, nº 1, do CPP).

A competência do Ministério Público para ordenar a referida detenção, que só lhe assiste no caso de verificação de fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão de máximo superior a 3 anos consideravelmente mais restrita, como é natural, em razão do respectivo estatuto funcional, do que a do juiz (artigos 27º, nº 3, alínea a), da "CRP" e 257º, nº 1, do CPP)

0 juiz pode, com efeito, ordenar a detenção, não só nos casos em que seja admissível a prisão preventiva - aqui a competência coincide com a do Ministério Público -, como também quando o detido lhe deva ser presente para o primeiro interrogatório judicial em acto processual a que faltou ou no caso de entrada ou permanência irregular no território nacional, ou seja, em alguns casos em que a prisão preventiva não é legalmente admissível (artigos 202º, nº 1, alínea b), 254º e 257º, nº 1, do CPP).

As autoridades de polícia criminal - os directores, oficiais, inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas qualifiquem como tal -, também dispõem do embora em termos mais restritos do que as autoridades judiciárias, de competência legal para ordenar a detenção de pessoas fora da situação de flagrante delito (artigos 1º, nº 1, alínea d), e 257º, nº 2, do CPP).

A decisão de detenção de uma pessoa fora da situação de flagrante delito não é deixada, dada a sua gravidade face ao direito originário dos indivíduos à liberdade física, ao arbítrio das entidades a quem o Estado confere o poder-dever de defesa da sociedade contra o crime. Os pressupostos da detenção constam da própria lei na generalidade dos ordenamentos jurídicos, de harmonia com o princípio da legalidade a que já se fez referência (28) .

As leis delimitam, com redobrada cautela, tendente a obstar à ilegal detenção de pessoas fora da situação de flagrante delito, os pressupostos da detenção por banda de quem não tem o estatuto de autoridade judiciária.

Exige-se, com efeito, que as autoridades de polícia criminal, a quem cabe essencialmente a função de investigação ou de prevenção criminal, ponderem, quando forem confrontadas com uma situação alternativa de emitir ou não ordem de detenção de uma pessoa, se se trata ou não de um quadro fáctico que envolva a admissibilidade da prisão preventiva, o fundado receio de fuga da pessoa em causa, a urgência ou o perigo na demora que se não compadeça com a chamada à intervenção da autoridade judiciária, naturalmente vocacionada à produção de decisão de tal gravidade (artigo 257º do CPP).

Não é, obviamente, tarefa fácil a determinação sobre se se verificam ou não, no caso concreto que motivou a intervenção da autoridade de polícia criminal, os pressupostos da emissão da ordem de detenção. As cautelas que o legislador revela nesta matéria são, por isso, justificadas (29) .

Importará averiguar, em primeiro lugar, se no caso concreto é ou não admissível a prisão preventiva, o que implica um juízo sobre se:

- há ou não fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos;

- se trata ou não de pessoa que penetrou ou permanece irregularmente em território nacional, ou contra a qual está em curso processo de extradição ou de expulsão (artigo 202º, nº 1, do CPP).

A constatação da existência ou inexistência de fortes indícios da prática do crime com a gravidade mencionada e do nexo de imputação a determinado agente suscita, desde logo, as maiores dificuldades. É que por um lado não basta a mera intuição, exigindo-se que a suspeita seja alicerçada em factos relevantes, isto é, em motivos racionais bastantes para crer que alguém cometeu ou participou no facto criminoso, sob pena de se correr o risco de se privar de liberdade quem nada tem a ver com a prática da infracção criminal, e, por outro, como já atrás se referiu, se o agente perpetrou ou participou no facto averiguado ao abrigo de causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, caso em que não cometeu um crime, porque, havendo motivos de configuração de tal situação, queda injustificada a detenção (artigos 192º, nº 2, e 260º, alínea a), do CPP).

E não fica por aí a dificuldade. Ê que, embora haja indícios - factos assentes que permitam inferir, por um processo de lógica mental, a existência ou a inexistência do facto principal provando -, da existência de crime com a gravidade mencionada imputável a certo agente, inexistirá fundamento legal de detenção se tiver decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal (artigo 260º, alínea a), do CPP).

Configurada a suspeita sobre a existência dos pressupostos de admissibilidade da prisão preventiva, cabe ajuizar sobre a verificação ou inverificação do fundado receio de fuga do detendo.

Também aqui, não basta um juízo de possibilidade abstracta ou a intuição das autoridades de polícia criminal relativamente à fuga do indiciado, devendo o receio fundar-se em relevantes factos objectivos, relativos ao agente ou ao crime averiguado.

Verificada a suspeita da existência do crime justificante da admissibilidade da prisão preventiva e o fundado receio de fuga do respectivo agente, há-de a autoridade de polícia criminal formular o juízo sobre a urgência e perigo na demora que inviabilize a eficiência da intervenção posterior da autoridade judiciária - o juiz ou o Ministério Público -, especialmente vocacionados para formular o juízo sobre a legalidade e/ou necessidade de detenção, que o caso justifique.

É urgente o que não pode esperar e perigo a probabilidade do dano futuro. A urgência ou o perigo na demora da intervenção da autoridade judicial só é susceptível de ser aferida perante o circunstancialismo que envolve o caso concreto, como por exemplo a gravidade do crime, o local mais ou menos afastado da zona onde a autoridade judiciária exerce funções, o tempo diurno ou nocturno, a necessidade premente de recolher ou conservar a prova.


2.4. Analisados os pressupostos substantivos da detenção, vejamos os respectivos pressupostos formais.

A ordem de detenção deve constar de mandados e triplicado, assinados pela autoridade competente, contendo a identificação da pessoa a deter e a menção dos factos motivadores da detenção, sendo um exemplar para entregar ao visado (artigo 258º, nºs. 1 a 3, do CPP).

A urgência ou o perigo na demora justificam a requisição, por qualquer meio de comunicação, do acto de detenção, mas este deverá ser logo confirmado através da remessa dos mandados (artigo 258º, nº 2, do CPP).

A ordem escrita necessária à detenção e a menção dos factos jurídico-penais que a motivaram facilita a ponderação sobre a gravidade do acto, permite a verificação da competência legal da autoridade emitente bem como o exacto conhecimento pelo detido da sua obrigação jurídica de acatamento e a individualização da responsabilidade que haja por virtude da violação do direito fundamental dos cidadãos (30) .

A detenção de uma pessoa realizada por quem não é autoridade judicial ou judiciária não oferece, na perspectiva do legislador, a mesma garantia de equilíbrio entre a necessidade de realização processual do interesse de defesa da sociedade contra o crime e o direito individual dos cidadãos à liberdade da que é ordenada por aquela autoridade.

Daí que a detenção não precedida de um juízo de pronúncia ou equivalente nem da profunda investigação criminal confirmatória do juízo de mera suspeita, seja de natureza precária, sujeita a validação no curtíssimo prazo de quarenta e oito horas, sob pena de caducidade (artigos 141º, nº 1, e 254º, alínea a), do CPP).

Com efeito, a detenção de qualquer pessoa, seja em flagrante delito, seja fora do flagrante delito, que não deva ser imediatamente julgada, deverá ser submetida, no prazo máximo de 48 horas, ao juiz competente, que a interrogará, dando-lhe a conhecer os motivos da detenção e aceitando a sua impugnação, na sequência do que proferirá decisão de validação ou de declaração da sua ilegalidade (artigo 28º, nº 1, da CRP e 141º, nº 1, do CPP) (31) .

A autoridade de polícia criminal que ordenar detenção que venha a ser executada deve comunicá-la, se o detido não for logo apresentado ao juiz competente, ao Ministério Público (artigo 259º, alínea b) do CPP).

Se o detido não for interrogado pelo juiz de instrução logo após a detenção, deve ser apresentado ao Ministério Público competente na área territorial da detenção, que pode ouvi-lo sumariamente (artigo 143º, nº 1 do CPP).

Se o Ministério Público verificar que a detenção derivou do erro sobre a pessoa ou operou fora dos casos em que é legalmente admissível, ou que se tornou desnecessária proferirá despacho de imediata libertação do detido (artigos 143º, nº 3, e 261º do CPP).

A própria autoridade de polícia criminal que ordenou a detenção deverá, oficiosamente, logo que verifique o erro nos pressupostos que determinaram a detenção, anteriormente à apresentação do detido ao Ministério Público ou ao juiz de instrução, proceder à libertação do detido, elaborando sumário relatório da ocorrência (artigo 261º do CPP).

As autoridades de polícia criminal e judiciárias estão sujeitas, por mais cautelosas que sejam no cumprimento dos seus deveres, e por maior que seja a sua experiência profissional ou formação técnico-jurídica, a certo risco de erro. É que se está perante uma realidade onde obviamente não valem juízos de ordem matemática ou de certeza absoluta. Na interpretação do sentido prevalente da realidade fáctica observada e das normas jurídicas apenas é consentida a certeza relativa ou a razoável probabilidade que é própria das ciências do espírito, como é o Direito.

Na interpretação fáctico-jurídica que opera nesta sede, há, por um lado, o risco e, numa outra perspectiva, a garantia dos cidadãos, da não coincidência entre os juízos formulados pelas entidades que têm o poder-dever de se pronunciar sobre ela.

É, com efeito, configurável, sem que isso justifique, dada a matéria em causa, a formulação de qualquer juízo de censura ético-jurídica sobre o modo do exercício da função legalmente confiada à autoridade judiciária ou à de polícia criminal, o erro sobre os pressupostos da detenção ou da prisão preventiva, isso apesar do estudo, zelo e ponderação envolvente da decisão de que derivou a privação da liberdade física.

A ideia que deve envolver quem tem a cargo a função de decidir sobre a privação da liberdade individual sem culpa formada é a de que ela constitui um mal necessário exigido pelo processo penal, mas que este é que serve o Homem e não o contrário.

É neste quadro de interdisciplinaridade que deve ser encarada a intervenção judicial para validação ou não validação da detenção. Se o juiz entender que se não verificaram, aquando da detenção, os respectivos pressupostos, cabe-lhe declarar a ilegalidade da detenção e soltar o detido ou, se for caso disso, fixar-lhe medida de coacção diversa da prisão preventiva, ou esta, se nenhuma das medidas não privativas de liberdade se revelar suficiente, nos termos do artigo 202º do CPP.

A atribuição às autoridades de polícia criminal da competência para ordenar a detenção de pessoas sem culpa formada, motivada por razões de necessidade e de urgência relacionadas com a produção da prova dos factos penalmente ilícitos e culposos "lato sensu" e do nexo de imputação a agente que os perpetrou ou neles participou, foi envolvida face ao relevo do direito individual à liberdade física que afecta, anterior ao próprio Estado, por um regime legal assaz restritivo de cautelas.

A validação em curtíssimo prazo da detenção é uma das mais importantes cautelas que a lei prevê com vista ao controlo judicial da verificação ou inverificação dos pressupostos legais que justificam aquela medida excepcional de privação da liberdade.


3.1. Empreendido o antecedente excurso sobre os pressupostos e requisitos da prisão preventiva e da mera detenção, isto é, sobre os parâmetros da sua legalidade e ilegalidade, é oportuno analisar o quadro legal de indemnização dos danos sofridos em resultado da privação da liberdade ilegal ou injustificada.

A CEDH estabelece que "qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo tem direito a indemnização" (artigo 5º, nº 5)

0 PIDCP dispõe, por seu turno, a esse propósito que "todo o indivíduo vítima de prisão ou detenção ilegal terá direito à compensação" (artigo 9º, nº 5).

A Lei nº 43/86 inseriu um segmento de autorização legislativa para regulamentação no CPP dos pressupostos, modalidades e processos relativos à reparação pelo Estado dos danos sofridos com a detenção ou prisão preventiva de carácter ilegal ou injustificada (alínea 42º).


3.2. Na sequência do disposto no nº 5 do artigo 27º da CRP que atrás ficou transcrito, e de harmonia com as mencionadas disposições internacionais e autorização legislativa, insere o CPP um capítulo, integrado pelos artigos 225º e 226º, que versam sobre esta matéria.

Dispõe o artigo 225º:

"1. Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade.

"2. 0 disposto no número anterior aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, se a privação de liberdade lhe tiver causado. prejuízos anómalos e de particular gravidade. Ressalva-se o caso de o preso ter concorrido, por dolo ou negligência, para aquele erro" (32) .

É manifesto o que é evidente, inequívoco ou claro, isto é, o que não deixa dúvidas.

Será prisão ou detenção manifestamente ilegal aquela cujo vício sobressai com evidência, em termos objectivos, da análise da situação fáctico-jurídica em causa, como é o caso da prisão preventiva com fundamento na indiciação da prática de um crime a que corresponda pena de prisão de máximo inferior a três anos, e da detenção com base na indiciação de uma infracção criminal apenas punível com pena de multa.

Trata-se da responsabilidade civil do Estado tendente à reparação dos prejuízos derivados de erros judiciários, configurando-se em termos responsabilidade por actos lícitos.

Contraponto da referida obrigação de indemnizar por parte do Estado é o direito subjectivo dos cidadãos directamente lesados com a privação da liberdade ao ressarcimento (33) .

0 prejuízo reparável abrange, à míngua de distinção pela lei e de inexistência de motivação razoável para que o intérprete a ela proceda, a partir do tempo da prisão preventiva ilegal, os danos patrimoniais - emergentes e os lucros cessantes -, e os morais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, necessariamente resultantes da privação da liberdade.

0 nº 1 contém normação de amplitude e conteúdo diverso do nº 2, pois ali prevê-se a privação de liberdade em razão de detenção ou de prisão preventiva, e aqui só em virtude da prisão preventiva.

Os pressupostos de indemnização a que alude o nº 1 consubstanciam-se na privação da liberdade manifestamente ilegal, na existência de prejuízo reparável e de um nexo de causalidade adequada entre este e aquela.

A obrigação de indemnização - e o correspondente direito - a que se reporta o nº 2 deste artigo depende, porém, da verificação dos seguintes elementos:

- prisão preventiva injustificada;

- motivação na apreciação dos respectivos pressupostos fácticos com erro grosseiro;

- não concorrência para aquele erro do visado por dolo ou negligência;

- verificação de prejuízos anómalos e de particular gravidade;

- existência de nexo de causalidade adequada entre o dano reparável e a prisão preventiva;

No nº 2 prevê-se o caso da prisão preventiva haver sido legal, mas posteriormente se haver revelado total ou parcialmente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos fácticos.

0 erro é o desconhecimento ou a falsa representação da realidade fáctica ou jurídica envolvente de uma determinada situação.

0 erro grosseiro é o erro indesculpável, crasso ou palmar em que se cai por falta de conhecimento ou de diligência (34) .

Tendo em consideração que a responsabilidade civil do Estado em apreço deriva de actos lícitos no exercício da actividade jurisdicional, nem todos os prejuízos derivados da prisão preventiva injustificada são reparáveis, mas só os anómalos e de particular gravidade.

A exigência, como pressuposto do direito ao ressarcimento, da anomalia e especial gravidade do prejuízo, aponta no sentido de que só são reparáveis os prejuízo excepcionalmente graves (35) .

Ademais, com a limitação por via negativa do direito à indemnização no caso do arguido haver concorrido de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico para o erro de apreciação dos pressupostos fácticos de cominação da prisão preventiva, faz-se apelo à sua acção ou omissão intencional ou culposa no quadro do esclarecimento dos factos relevantes para o efeito.


3.3 0 artigo 226º do CPP dispõe, por seu turno, quanto ao prazo de accionamento e legitimidade para o efeito, o seguinte:

"1. 0 pedido de indemnização não pode em caso algum, ser proposto depois de decorrido um ano sobre o momento em que o detido ou preso foi libertado ou foi definitivamente decidido o processo penal respectivo.

"2. Em caso de morte do injustificadamente privado da liberdade e desde que não tenha havido renúncia da sua parte, pode a indemnização ser requerida pelo cônjuge não separado de pessoas e bens, pelos descendentes e pelos ascendentes. A indemnização arbitrada às pessoas que a houverem requerido não pode, porém, no seu conjunto, ultrapassar a que seria arbitrada ao detido ou preso".

Do nº 1 resulta tratar-se de um curto prazo de prescrição do direito à indemnização contado, e conformidade com o disposto no artigo 306º, nº 1, do Código Civil, do momento em que ao arguido era possível o se exercício, e ainda que o pedido indemnizatório não tem de ser formulado no processo penal.

E do nº 2 emerge a natureza renunciável do mencionado direito indemnizatório, a determinação do seu quantitativo em função do dano exclusivamente sofrido pelo arguido e sua transmissão "mortis causa" segundo o regime de direito sucessório com a particularidade do limite na escala do sucessíveis a que se reporta o artigo 2133º do Código Civil.


4.1. Analisados os pressupostos e requisitos do direito à indemnização em apreço, é altura de enfrentarmos a questão nuclear da consulta, ou seja, a da determinação dos órgãos jurisdicionais competentes para dele conhecerem.

A lei confere aos vários órgãos das pessoas colectivas públicas poderes funcionais a fim de prosseguirem as respectivas atribuições.

Em geral o conceito de competência é definido como o “complexo de poderes funcionais conferidos por lei a cada órgão ou cargo para o desempenho das atribuições da pessoa colectiva em que esteja integrado" (36) .

No âmbito da pessoa colectiva Estado e no quadro da clássica divisão de poderes ou funções - legislativas, administrativas e jurisdicional -, a questão da competência em apreço recorta-se, entre nós, na área jurisdicional, isto é, face às diversas ordens de tribunais (37).

Tratando-se de conhecer de um pedido de indemnização cível deduzido contra o Estado, a questão da competência jurisdicional para o efeito coloca-se perante o ramo da alternativa de uma de duas ordens de tribunais - judiciais e administrativos.

Aos referidos tribunais - órgãos de soberania - compete administrar justiça em nome do povo (artigo 205º, nº 1, da CRP).

Os conceitos de jurisdição e de competência traduzem realidades conexas mas distintas, significando o primeiro o poder de julgar genericamente atribuído, na organização do Estado, ao conjunto de tribunais, e o último a medida de jurisdição legalmente atribuída a cada um deles (38) .

A medida de jurisdição de cada um dos tribunais, ou seja, a sua competência é susceptível de variar em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território (artigo 13º, nº 1, da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro - LOTJ) (39) .

No caso vertente só releva a divisão interna do poder jurisdicional pelas diferentes categorias de tribunais segundo o critério da natureza da matéria dos litígios, isto é, a vertente da competência material.

A competência em razão da matéria fragmenta-se pelas diversas categorias de tribunais à luz do chamado princípio da especialização inspirado na ideia de vantagem de atribuir a determinados órgãos jurisdicionais o conhecimento de questões reguladas por específicas áreas de direito em razão da sua vastidão ou especificidade (40).


4.2. Nos termos do artigo 211º, nº 1, alíneas a) a d), da CRP existem, além do Tribunal Constitucional, as seguintes ordens de tribunais:

- 0 Supremo Tribunal de Justiça e os tribunais judiciais de primeira e de segunda instância;

- 0 Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais;

- O Tribunal de Contas;

- Os Tribunais Militares.

E, por força do nº 2 daquela disposição, pode existir tribunais marítimos e tribunais arbitrais (41) .

Os tribunais judiciais - Supremo Tribunal de Justiça, Relações, e os de primeira instância - têm uma área de jurisdição tendencialmente genérica (42).

Trata-se, com efeito, dos tribunais comuns em matéria civil e criminal que exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens de tribunais (artigo 213º, nº 1, da CRP).

Na linha da Lei Fundamental estabelece o artigo 2º da LOTJ que aos tribunais judiciais comuns compete "assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados".

Têm vocação para o exercício da jurisdição em geral, isto porque lhes cabe conhecer dos litígios cuja competência a lei não atribua a outra ordem de tribunais (artigo 14º da LOTJ).

São tribunais administrativos, os tribunais administrativos de circulo, o Tribunal Administrativo de Macau e o Supremo Tribunal Administrativo - 1ª Secção (artigos 2º, nº 1, alínea a) e c), e 14º, nº 2, do ETAF).

Compete-lhes, segundo a referida matriz constitucional, o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenha por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais (artigo 214º, nº 3, d CRP).

Em desenvolvimento do estatuído nos artigos 211º, nº 1, alínea b), e 214º, nº 3, da CRP foram publicados o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, e a Lei de Processo nos Tribunais Administrativos - LPTA -, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (43).

A jurisdição administrativa e fiscal é exercida por tribunais administrativos e fiscais, com o estatuto de órgãos de soberania com competência para administrar justiça em nome do povo (artigo 1º do ETAF).

Incumbe-lhes, em sede de administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (artigo 3º do ETAF).

E a alínea b) do § 1º do artigo 815º do Código Administrativo dispõe que o contencioso administrativo abrange os pedidos de indemnização feitos à administração relativamente aos danos emergentes de actos de gestão pública (44).


4.3. A expressão “contencioso administrativo "é utilizada pelas leis em pelo menos cinco sentidos distintos - orgânico, funcional, material, instrumental e normativo - a maioria deles sem grande rigor.

Na economia do parecer releva o sentido material da expressão contencioso administrativo isto é, "o conjunto de litígios entre a Administração Pública e os particulares, que hajam de ser solucionados pelos tribunais administrativos com aplicação do Direito Administrativo'“ (45)

No quadro da competência material dos tribunais administrativos distingue-se entre o contencioso por natureza ou essencial e o contencioso por atribuição ou acidental, abrangendo o primeiro os actos e regulamentos administrativos e o último os contratos administrativos, a responsabilidade da administração, os direitos e interesses legítimos e as questões eleitorais (artigos 51º, alíneas a) a d), e) f), g) e h), do ETAF e 59º e segs. da LPTA).

0 contencioso administrativo por natureza ou essencial constitui a garantia dos particulares contra o exercício ilegal por via unilateral do poder administrativo.

Já o contencioso administrativo por atribuição ou acidental, por não respeitar à impugnação de actos unilaterais de autoridade, é susceptível de ser conferido aos tribunais comuns, derivando a solução da ideia de que tais matérias ainda se prendem com a problemática das garantias dos particulares contra administração.

0 contencioso administrativo por natureza desenvolve-se através dos recursos contenciosos, e o contencioso administrativo por atribuição através das várias acções com o referido objecto, dos contratos administrativos, da responsabilidade extracontratual da Administração Pública, dos direitos e interesses legítimos dos particulares.

Compete aos tribunais administrativos de círculo, em tanto quanto releva na economia do parecer, conhecer "das acções para obter o reconhecimento de um direito ou interesse legalmente protegido", " ... e sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso" (artigo 51º, nº 1, alíneas f) e h)).

Estão, porém, excluídos da jurisdição administrativa, além do mais que não interessa na economia do parecer, os recursos e as acções que tenham por objecto actos praticados no exercício da função política e a responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício, as normas legislativas e a responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício da função legislativa, os actos em matéria administrativa dos tribunais judiciais, e os "actos relativos ao inquérito e instrução criminais e ao exercício da acção penal" (artigo 4º, nº 1, alíneas a) a d), do ETAF).


4.4. 0 sentido actual do velho princípio da separação de poderes e funções do Estado traduz-se na atribuição a órgãos distintos - mas não necessariamente autónomos - do núcleo essencial de cada função, sem prejuízo da atribuição a uns da actividade que deveria, no rigor dos princípios, caber a outros (46) .

Verifica-se, com efeito, que o Governo acumula as funções política, legislativa e executiva, o Parlamento as duas primeiras e os tribunais já concorrem, no exercício da actividade jurisdicional com algumas autoridades administrativas, como é o caso, por- exemplo, do julgamento do ilícito de mera ordenação social.

A Administração Pública - O Estado-Administração - entendido em sentido objectivo, é susceptível de ser perspectivado no quadro das funções estaduais política ou governamental, administrativa, legislativa e judicial.

A função política consubstancia-se, "grosso modo", na actividade tendente a implementar a aplicação da lei pela Administração, de harmonia com determinada orientação baseada, em regra, em certo corpo de doutrina.

No âmbito da função política, em que alguns autores integram a função legislativa, define-se primária e globalmente o interesse público, interpretam-se os fins do Estado, e escolhem-se os meios em cada momento adequados à sua prossecução.

No quadro da função administrativa o Estado realiza o interesse de satisfação das necessidades colectivas através de prestação de bens e serviços.

A função legislativa traduz-se na actividade relativa ao estabelecimento das normas jurídicas, com o exclusivo limite do ordenamento constitucional e internacional.

A função jurisdicional consiste, por seu turno, na actividade da resolução, com imparcialidade, à luz do direito constituído, dos conflitos de interesses ou litígios de natureza pública ou privada.

No âmbito da função jurisdicional o Estado declara o direito, controla a constitucionalidade e a legalidade das leis, e decide questões factico-jurídicas seja na resolução de litígios, seja na cominação de sanções.

Como ponderou o Tribunal Constitucional, a separação real entre a função jurisdicional e a função administrativa passa pelo campo de interesses em jogo, integrando-se naquela a resolução dos litígios cujos interesses em confronto são apenas os das partes, e nesta a vertente de, no âmbito de interesses alheios, realizar o interesse público, situando-se a decisão, no primeiro caso em plano distinto dos interesses em conflito, e no segundo no quadro da osmose entre o caso resolvido e o interesse público.

Noutra perspectiva dir-se-á que o "médium" da jurisdição se consubstancia na vontade da lei -concretização do elemento decisório a partir das premissas previamente enunciadas no silogismo judiciário -, enquanto o "médium" da administração se situa na vontade própria desta, o que pressupõe a possibilidade de agir sobre as vária alternativas legalmente previstas (47) .

A Administração Pública em sentido subjectivo significa o conjunto de órgãos - políticos, legislativos, jurisdicionais e administrativos -, a quem a lei confere a atribuição das referidas funções.


4.5. 0 Estado, no exercício da sua múltipla e variada actividade, através dos seus órgãos, funcionários e agentes, pode causar, naturalmente, prejuízos a outrem, e já não é, geralmente, posto em causa o fundamento social da sua obrigação indemnizatória.

A própria Constituição estabelece no artigo 22º, a tal propósito, que "o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem".

Tem vindo a ser discutido no plano doutrinal e jurisprudencial se a referida disposição constitucional abrange ou não a responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos causados aos cidadãos no exercício de função jurisdicional.

Uns entendem que na previsão daquela normação, face ao seu teor literal não restritivo, é abrangida não só a responsabilidade da Administração como também a derivada da actividade legislativa e jurisdicional (48) .

Outros consideram, sobretudo à luz de outra normação constitucional, que a aludida disposição é inaplicável a responsabilidade civil extracontratual do Estado por danos decorrentes da função jurisdicional.

Afirmam, que não faria sentido, por lado, que não podendo os juizes, por força do artigo 218º, nº 2, da CRP, ser responsabilizados pelas suas decisões salvo nos casos excepcionais de condenação pela prática de crimes de peita, suborno, concussão ou prevaricação, de dolo, de imposição legal expressa de tal responsabilidade ou de denegação de justiça - artigo 1083º do Código de Processo Civil -, que o artigo 22º da Constituição os responsabilizasse pelos danos decorrentes do exercício da sua actividade profissional em termos de solidariedade com o Estado.

E por outro lado, que também resultaria incompreensível que a própria Constituição, não obstante o conteúdo do seu artigo 22º, previsse nos artigos 27º, nº 5, e 29º, nº 6, a obrigação de indemnização pelo Estado dos prejuízos decorrentes da prisão e detenção ilegais ocorridas exercício da função jurisdicional (49) .

Não tem, porém, este corpo consultivo de se pronunciar, por não relevar quanto ao objecto da consulta, sobre esta complexa problemática, que a doutrina e a jurisprudência, naturalmente, vão esclarecendo.


4.6. A lei ordinária distingue para efeitos de indemnização pelo Estado dos danos causados a terceiros pelos seus órgãos, agentes ou representantes entre os casos em que o prejuízo resultou de actividade de gestão privada e de gestão pública.

No caso de o prejuízo de terceiros haver resultado da actividade de gestão privada, o Estado e as outras pessoas colectivas de direito público respondem independentemente de culpa se o facto danoso houver ocorrido no exercício da função pública e sobre o seu autor recair a obrigação de indemnização ficando-lhe reservado o direito de regresso contra aquele pelo que houver pago a título indemnizatório ou compensatório (artigos 500º e 501º do Código Civil).

No que concerne ao prejuízo causado a terceiros pelos órgãos, funcionários e agentes do Estado ou das demais pessoas colectivas de direito público - responsabilidade extracontratual.

Nesta área de actividade de gestão pública o Estado e as outras pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício (artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48051).

E se os titulares dos órgãos ou os agentes houverem procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo, tem o Estado e as outras pessoas públicas contra eles o direito de regresso (artigo 2º, nº 2).

Os titulares dos órgãos e agentes mencionados que tenham cometido factos ilícitos ofensivos dos direitos de terceiros ou das disposições destinadas a proteger os seus interesses respondem civilmente perante aqueles se agiram fora dos limites das suas funções ou, actuando no seu desempenho e por causa deste, hajam procedido com dolo (artigo 3º, nº 1).

Neste último caso - facto ilícito doloso no exercício da função ou por causa desta -, o Estado e as outras pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com os titulares dos órgãos ou agentes respectivos (artigo 3º, nº 2).

São actos ilícitos para os efeitos previstos no Decreto-Lei nº 48051 os actos jurídicos violadores de normas legais e regulamentares ou dos princípios gerais aplicáveis, bem como os actos materiais que infrinjam aqueles princípios e normas ou as regras técnicas e de prudência comum que devam ser tidos em consideração (artigo 6º).

Também o Estado e as outras pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento dos serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, se não tiver havido força maior estranha a esse funcionamento e exercício ou culpa das vítimas ou de terceiros.

Nesta última hipótese - ter havido culpa das vítimas ou de terceiro - a responsabilidade é determinada segundo o grau de culpa de cada um (artigo 8º).

Os particulares têm, por outro lado, direito a ser indemnizados pelos referidos entes públicos se, no interesse geral, mediante actos administrativos ou materiais lícitos, lhes impuseram encargos ou originado prejuízos especiais e anormais.

E se em estado de necessidade e por motivo de imperioso interesse público a Administração sacrificar especialmente coisa ou direito de terceiros, deverá indemnizá-los (artigo 9º).

Do disposto nas referidas disposições resulta uma complexa distribuição de responsabilidades entre os entes públicos e os titulares dos seus órgãos e agentes que hajam cometido, por acção ou omissão, os factos ilícitos geradores do prejuízo, distinguindo-se claramente entre os casos em que estes são envolvidos de culpa "lato sensu" e os casos em que se não verifica o aludido nexo subjectivo de imputação.

Se o facto ilícito gerador do dano foi praticado no exercício de função pública ou por causa dele, há que distinguir se ele ocorreu a título de dolo ou de mera culpa.

No primeiro caso os entes públicos mencionados e c autor de facto ilícito respondem perante terceiros a título de solidariedade, e no segundo só há responsabilidade dos entes públicos.

Quanto ao funcionamento do direito de regresso doa entes públicos contra os titulares dos seus órgãos ou agentes que cometeram o facto ilícito, há que distinguir entre os casos de dolo e de mera negligência, por um lado, e os casos da diligência e zelo manifestamente inferiores às exigência do cargo.

Nos casos em que os titulares dos órgãos ou os agentes agiram com dolo, ou com mera negligência envolvente de diligência e zelo manifestamente inferiores às exigência do cargo, os entes públicos gozam de direito de regresso contra aqueles.

Nos casos em que os titulares dos órgãos ou os agentes agiram com mera culpa não envolvente de diligência e zelo manifestamente inferiores ao exigido pelo cargo, não tem a Administração o referido direito de regresso.

Se os titulares dos órgãos ou os agentes dos ente públicos praticaram o facto ilícito danoso fora do exercício das suas funções ou durante ele mas não por causa dele, só eles respondem civilmente perante os lesados pelo dano dele derivado.

No que concerne a responsabilidade por factos meramente casuais, em regra só os entes públicos respondem pelo prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento dos serviços administrativos ou de actividades e coisas excepcionalmente perigosas, salvo caso de força maior ou culpa das vítimas ou de terceiros.

0 mero exercício da actividade própria pelos entes públicos que origine aos cidadãos encargos ou prejuízos especiais e anormais ou lhes imponha sacrifícios especiais de coisa ou direito também implica, naturalmente apenas para aqueles entes, a obrigação de indemnizar.

Temos, assim, responsabilidade do Estado e das outras pessoas colectivas de direito público baseada na culpa, no risco e no princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos (51) .


4.7. Tendo em conta o que resulta da já citada alínea b) do § 1º do artigo 815 do Código Administrativo e do artigo 51º, nº 1, alínea h), do ETAF, a Administração responde, em geral, pelos danos causados no exercício da actividade de gestão pública, nos tribunais administrativos, mais concretamente, em 1º grau de jurisdição, nos tribunais administrativos de círculo.

E responde nos tribunais judiciais ou comuns, por força do estatuído naquela disposição e nos artigos 66º do CPC e 14º de LOTJ, pelos danos causados no exercício da actividade de gestão privada.

Parece que o legislador considerou a possibilidade de toda e qualquer actividade da Administração ser recondutível ao conceito de gestão.

Como refere FREITAS DO AMARAL, tal recondução ignora a importante distinção entre a actividade de autoridade e actividade de gestão, entre esta e a de missão, e o facto de os actos técnicos e as operações materiais próprias da actividade administrativa não serem qualificáveis de gestão (52) .

De qualquer modo, importa caracterizar os conceitos de actos de gestão pública e de gestão privada, do que depende a determinação do tribunal competente para conhecer dos litígios deles derivados.

A gestão pública é (grosso modo) a actividade da administração regida pelo direito público, e a gestão privada aquela que é regida pelo direito privado (53) .

PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, depois de referirem que os actos de gestão privada são, de um modo geral, os que embora praticados pelos órgãos, agentes, ou representantes dos entes públicos estão sujeitos às mesmas regras que vigorariam se praticados por simples particulares, exemplificam que um professor ao dar uma aula ou a examinar um aluno, o conservador ao lavrar um registo, o notário ao fazer uma escritura, e o juiz ao proferir uma sentença praticam actos de gestão pública, mas o director de um museu público ao comprar para o Estado um quadro pratica um acto de gestão privada (54) .

VAZ SERRA, partindo da ideia de que a distinção entre actos de gestão pública e de gestão privada deve atender à circunstância de o acto se integrar ou não numa actividade de direito público da pessoa colectiva pública, refere que se o acto se compreende numa actividade de direito privado idêntica à desenvolvida pelos particulares é de gestão privada, e se se compreender no exercício de um poder público à margem da realização de interesses de direito civil é de gestão pública (55) .

Nessa linha de entendimento tem a jurisprudência vindo a decidir serem "actos de gestão pública os praticados pelos órgãos e agentes da Administração no exercício de um poder público, ou seja, no exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público, ainda que não envolvam ou representem o exercício de meios de coerção", e que são actos de gestão privada "os praticados pelos órgãos e agentes da Administração em que esta aparece despida do poder público e, portanto, numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitem, e, daí, nas mesmas condições e no regime em que poderia proceder um particular, com inteira submissão às normas de direito privado" (56) .

Por outro lado, também constitui jurisprudência quase uniforme dos nosso tribunais superiores a solução de considerar o exercício da função jurisdicional propriamente dita integrada na actividade de gestão pública do Estado (57) .

Em discrepância com aquele entendimento, o Supremo Tribunal Administrativo, em decisão relativamente recente, considerou que os actos jurisdicionais propriamente ditos, com meios próprios para os apreciar e julgar das suas consequências, não são qualificáveis de actos de gestão pública, com o fundamento de que no conceito de Administração que tem como órgão superior o Governo não cabe o poder judicial que é independente e soberano (58)

O relevo que a questão da distinção entre “actos de gestão pública” e de gestão privada” assume na resposta à problemática nos é posta justifica que sobre ela tentemos reflectir um pouco mais.

A repartição das competências entre as ordens dos tribunais administrativos e dos tribunais judiciais ou comuns tem constituído, não só em Portugal como também no estrangeiro, sobretudo em França, tema de profunda reflexão.

Esta questão tem em geral sido resolvida pelo legislador, quer atribuindo certas categorias de litígios e uma ou a outra daquelas jurisdições, quer definindo e competência específica dos tribunais administrativos E relegando para os tribunais judiciais a restante competência jurisdicional, quer definindo critérios de atribuição de competência a partir de conceitos de relativa vaguidade, como, por exemplo, atribuindo ao contencioso administrativo o conhecimento dos litígios resultantes da actividade de gestão pública e aos tribunais comuns os derivados de actividade de gestão privada do Estado.

Perante a insuficiência ou a falta de normação clara relativa aos limites da competência das jurisdições administrativas e comum, a doutrina e a jurisprudência têm elaborado ao longo dos tempos, e utilizado com aquele desiderato, vários critérios tais como o do serviço público na sua dupla vertente material e organizacional, o do poder público ou o da gestão pública.

Tem vindo, porém, a ser reconhecido que qualquer dos referidos critérios não é, em variados casos, perante a crescente interacção do sector público e do sector privado, suficiente para traçar com rigor os limites da competência jurisdicional das referidas ordens de tribunais.

Daí que, na actualidade se propenda a considerar, perante a insuficiência de qualquer dos referidos critérios de per si, a utilização de critérios de natureza mista, envolvidos de posicionamento mais pragmático que teórico ou especulativo.

Reconhece-se que a atitude do juiz perante a resolução dos casos concretos sobre os quais tem de decidir varia não só em função dos próprios litígios em si, como também em função das matérias que cada um envolve.

Nessa linha, por exemplo em França, a jurisprudência tem entendido , sobretudo com base na ideia de que sendo as ordens dos tribunais administrativos e comuns independentes no exercício da sua actividade, à jurisdição administrativa não compete apreciar o funcionamento da jurisdição comum, e vice-versa (59).

De harmonia com os referidos princípios vem sendo entendido pela jurisprudência francesa, incluindo a do Tribunal de Conflitos, que os litígios relativos ao funcionamento do serviço judiciário público e aos actos da polícia judiciária se inscrevem na competência dos tribunais comuns, e os que concernem à sua organização são da competência dos tribunais administrativos.

Entende-se, com efeito, por um lado, que qualquer decisão de carácter jurisdicional proferida no exercício da função judicial é insusceptível de controlo pela jurisdição administrativa.

E, por outro, que os actos conexos com o procedimento judicial comum, designadamente os de polícia judiciária, e de execução de decisões proferidas pelos tribunais judiciais se inscrevem na competência destes.

Assim, tudo o que respeita à regularidade ou à duração de uma detenção consequência directa de uma decisão judicial penal seria da competência dos tribunais comuns, mas já as decisões das autoridades penitenciárias no que concerne ao regime de detenção e aos acidentes sofridos pelos reclusos se inscreverá na competência dos tribunais administrativos (60) .


5.1. Aqui chegados é altura de aproximar as considerações jurídicas expendidas da problemática que é objecto da consulta.

Está fora de questão, obviamente, que a actividade jurisdicional, enquanto tal, possa ser considerada actividade de gestão privada.

É, porém, legítimo questionar sobre se a função jurisdicional do Estado, entendido o conceito no sentido da pessoa colectiva de direito público pluriorgânica poderá ou não em rigor, ser considerada actividade de gestão.

Na verdade, o que nos parece relevar mais nesta área é a actividade própria do Estado-colectividade praticada no exercício de funções distintas - políticas, legislativas, administrativas e jurisdicionais.

E se no exercício da função administrativa faz sentido distinguir entre actividade de gestão pública e privada, já tal não nos parece ocorrer em relação ao exercício das outras funções do Estado.


5.2. 0 conceito "Estado" é susceptível de significar, além do mais, a comunidade de cidadãos politicamente organizada ou a pessoa colectiva pública que, no seio daquela comunidade e sob a égide do Governo, desenvolve a actividade administrativa (61).

Admite-se que, em sentido amplíssimo, a actividade de gestão abranja não só o exercício das funções administrativas como também as políticas, legislativas e jurisdiconais.

Mas será esse o sentido da expressão quando reportada à atribuição da competência do contencioso administrativo para conhecer dos pedidos de indemnização feitos à administração por danos decorrentes de actos de gestão pública, ou seja, na área da responsabilidade extracontratual?

A referida disposição resultou, como já se referiu, do artigo l0º, nº 2, do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967.

Nessa altura, isto é, anteriormente ao início da vigência da actual Constituição, não se suscitavam dúvidas de que a responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público por actos de gestão pública a que se reporta o Decreto-Lei nº 48051 só abrangia os danos derivados da actividade administrativa "stricto sensu" do Estado.

Não era, com efeito, configurável que naquele diploma estivesse prevista a responsabilidade extracontratual do Estado por actos ou factos realizados no âmbito das funções jurisdicionais, políticas e legislativas.

Tendo a alínea b) do § 1º do artigo 815º do Código Administrativo íntima conexão com o regime substantivo derivado do Decreto-Lei nº 48051, parece impor-se e conclusão de que o conceito de actos de gestão pública inserto na primeira das referidas disposições veicula o sentido de actos de gestão pública na área da actividade administrativa "stricto sensu".

Nesta perspectiva, claudica toda a argumentação no sentido de conferir ao conceito "actos de gestão" previsto na alínea b) do nº lº do artigo 815º do Código Administrativo a amplitude abrangente da actividade política, legislativa e jurisdicional do Estado.

Este entendimento de que no contencioso administrativo só se conhece, no âmbito da responsabilidade extracontratual do Estado, dos litígios que tenham por objecto danos resultantes da sua actividade de gestão administrativa “stricto sensu" encontra apoio no próprio artigo 214º, nº 3, da CRP enquanto refere que aos tribunais administrativos e fiscais cabe conhecer das acções e recursos que visem dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

E idêntico subsídio nesse sentido resulta do artigo 3º do ETAF enquanto prevê que aos tribunais administrativos compete assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas.

Dir-se-á, no entanto, que se assim fosse não faria sentido útil a exclusão por lei expressa da jurisdição administrativa - artigo 4º, nº 1, alíneas a) e b), do ETAF -dos recursos e acções relativos a actos praticados no exercício da função política e da responsabilidade pelos danos decorrentes desse exercício e as normas legislativas e a responsabilidade pelos danos delas decorrentes.

Não se nos afigura que esta objecção constitua obstáculo ao entendimento atrás delineado. Na verdade, tal exclusão já constava, de algum modo, do artigo 16º, nºs. 1 e 2, da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo e parece não ter outro alcance que não seja deixar clara a solução de que aos tribunais administrativos não compete conhecer das referidas matérias.

Isto é, com a referida exclusão não parece que a lei pretenda veicular seja o princípio da obrigação de ressarcimento pelo Estado do prejuízo sofrido pelos particulares por virtude do exercício das funções políticas “stricto sensu" e legislativas, nem o de que o contencioso administrativo abrangeria, não fora aquela exclusão, por se tratar de actos de gestão pública com o sentido previsto na alínea b) do § 1º do artigo 815º do Código Administrativo, o conhecimento dos respectivos litígios (62) .


5.3. A resposta negativa à questão de saber se a responsabilidade extracontratual do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional propriamente dita se inscreve ou não na competência dos tribunais administrativos já de algum modo resulta das considerações que se deixaram expendidas.

Impõe-se, no entanto, melhor aprofundamento problemática.

Os actos de privação da liberdade individual no âmbito do processo penal - detenção, prisão preventiva ou prisão resultante de decisão judicial condenatória transitada em julgado - são, indubitavelmente, de natureza jurisdicional material.

0s actos de detenção operados no âmbito do processo penal - que na forma comum, começa com o inquérito -realizados pelo Ministério Público ou pelas autoridades de polícia criminal competentes podem qualificar-se, em razão da finalidade cautelar que prosseguem, de parajudiciais.

0 regime indemnizatório de quaisquer dos referidos actos de privação de liberdade individual - judiciais e para-judiciais - é o que consta dos artigos 225º e 226º do CPP e os tribunais que forem competentes para conhecer das respectivas acções quanto a uns sê-lo-ão quanto aos outros.

0 tribunal que apreciar os pedidos indemnizatórios dirigidos ao Estado com o fundamento na ilegalidade ou injustificação da privação da liberdade dos cidadãos não pode deixar de julgar sobre os fundamentos fáctico-jurídicos da decisão de que derivou a privação da liberdade, certo que isso constitui o núcleo fundamental da causa de pedir dessas acções.

Sabendo-se que o contencioso administrativo, mesmo àquele que é qualificado de atribuição ou não essencial, recebe a competência material em função de critérios que se prendem com a sua especial vocação para conhecer de questões a que é aplicável o direito administrativo, resultaria no mínimo desrazoável que também lhe fosse dado conhecer de litígios relativos a questões de uma área jurídica de competência de diversa ordem de tribunais.

E o intérprete deve presumir, na fixação do sentido prevalente da lei, que o legislador consagrou as soluções mais acertadas (artigo 9º, nº 3, do Código Civil).

Ademais, e não obstante o que dispõe o artigo 51º, nº 1, alínea h), do ETAF - competência do tribunal administrativo de círculo para conhecer das acções de indemnização civil por prejuízos derivados da actividade dos titulares e agentes do Estado e demais entes públicos - é à ordem dos tribunais comuns, concretamente aos órgãos jurisdicionais com competência em matéria cível, que cabe conhecer das acções relativas à responsabilidade dos magistrados judiciais e do Ministério Público por danos causados quando hajam sido condenados por crime de peita, suborno, concussão ou prevaricação bem como nos casos de dolo, denegação de justiça e noutras situações em que a lei lhes imponha expressamente tal responsabilidade (artigos 1083º e 1084º do CPC).

Por outro lado, também nos caso de sentença penal absolutória proferida no juízo de revisão é na própria jurisdição comum penal, ou na cível no caso de haver sido relegado o respectivo “quantum” para execução de sentença, que o Estado é responsabilizado pelo pagamento a que houver lugar (artigos 461º e 462º do CPP) pedidos de indemnização por danos causados no exercício da jurisdição não se inscreve no contencioso administrativo.

Noutro plano, até mesmo no que concerne à actividade de cariz administrativo desenvolvida nos tribunais comuns ou judiciais, excluída está do contencioso administrativo por natureza e por atribuição (artigo 4º, nº 1, alínea c) do ETAF).

0 mesmo ocorre, por outro lado, em matéria especificamente administrativa da competência do Conselho Superior da Magistratura, certo que das suas deliberações só cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 168º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho).

Afloramento do princípio de que não compete ao contencioso administrativo conhecer das acções de indemnização intentadas contra o Estado por danos causados a particulares no exercício da função jurisdicional resulta da alínea d) do nº 1 do artigo 4º do ETAF, enquanto exclui daquela área jurisdicional as acções e os recursos que tenham por objecto actos relativos ao inquérito e à instrução criminais e ao exercício da acção penal.

É que não há fundamento, ao que nos parece, atento o que expressamente consta do proémio do nº 1 do artigo 4º do ETAF, enquanto se reporta a acções e recursos, para restringir aquele segmento normativo ao contencioso administrativo por natureza (63)

Pretendeu-se com a referida normação deixar claro ao intérprete que, em zona de actividade processual susceptível de gerar a dúvida, tendo em conta o estatuto de intervenção processual penal do Ministério Público, das autoridades de polícia criminal e dos órgãos de polícia criminal, acerca da natureza jurisdicional ou administrativa de tal actividade, esta também está excluída do contencioso administrativo.


6. Por todo o exposto e à guisa de remate, forçoso nos parece concluir que a competência para conhecer dos pedidos formulados contra o Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional e parajudicial se inscreve na área jurisdicional comum e mais especificamente, no que concerne aos danos derivados da cominação de prisão preventiva ou detenção ilegal ou de prisão preventiva injustificada, na dos órgãos jurisdicionais com competência em matéria cível (64) .



Conclusão:

IV



Formulam-se, com base exposto, as seguinte conclusões:

1ª. A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer (artigo 27º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa - CRP);

2ª. Os cidadãos que hajam sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal têm direito a exigir do Estado indemnização pelos danos decorrentes dessa privação da liberdade (artigo 225º, nº 1, do Código de Processo Penal - CPP);

3ª. Os cidadãos que hajam sofrido prisão preventiva legal que se venha a revelar supervenientemente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto para que não hajam concorrido com dolo ou negligência, têm direito a indemnização do Estado se da privação da liberdade lhes advieram prejuízos anómalos e de particular gravidade (artigo 225º, nº 2, CPP);

4ª. As causas que não sejam atribuídas por lei a jurisdição especial são da competência dos tribunais comuns (artigos 66º, do Código do Processo Civil e 14º da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro );

5ª. Inscrevem-se na competência do contenciosos administrativo conhecimento das acções de indemnização intentadas pelos particulares contra o Estado por danos decorrentes de actos de gestão pública (alínea b) do § 1º, do artigo 815º do Código Administrativo);

6ª. Concretamente, compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer das acções referidas na conclusão anterior (artigo 51º, nº 1, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF -, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril);

7ª. O Estado realiza a actividade que lhe é própria no quadro das distintas funções políticas ou governamental, legislativa, jurisdicional e administrativa;

8.ª O conceito “actos de gestão pública” a que se referem a alínea b) do § 1º do artigo 51º do ETAF, reporta-se à actividade administrativa “strito sensu” do Estado, portanto não incluindo os actos que integram a função jurisdicional;

9ª O conhecimento das acções relativas à indemnização dos danos decorrentes do exercício da função jurisdicional e parajurisdicional a que se reportam as conclusões 2ª e 3ª não compete, pois aos tribunais administrativos;

10ª Compete aos tribunais comuns de jurisdição cível conhecer das acções de indemnização intentadas contra o Estado por danos decorrentes da prisão preventiva ou detenção ilegais ou da prisão preventiva injustificada.








(1) 0 artigo 359º do Código Civil de 1867 dispunha: "Dizem-se direitos originários os que resultam da própria natureza do homem e a lei civil reconhece e protege como fonte e origem de todos os outros.
Estes direitos são:
lº - o direito de existência;
2º - o direito de liberdade;
3º -o direito de associação;
4º -o direito de apropriação;
5º -o direito de defesa".
0 artigo 361º do mesmo Código proclamava, por seu turno, que "direito de liberdade consiste no livre exercício das faculdades físicas e intelectuais, e compreende o pensamento, a expressão, e a acção".
Cfr. o parecer deste corpo consultivo nº 111/90, de 6 de Dezembro de 1990, que nesta matéria seguiremos de perto, não raro textualmente.

(2) MANSO PRETO, "Regime Legal de Detenção", Coimbra, 1963, págs. 11 e segs.

(3) Acórdão do Tribunal Constitucional, de 8 de Junho de 1988, "Diário da República", II Série, de 5 de Setembro de 1988.

(4) CASTANHEIRA NEVES, "Sumários de Processo Criminal (Lições), Coimbra, 1967, pág. 7.

(5) FERNANDO FABIÃO, "Prisão Preventiva", 1964, pág. 6.

(6) Aquele autor refere que "A Ordenação Afonsina acusa a existência de várias leis da sua lavra no intuito de regular a aplicação daquele instituto jurídico. Aí se diz que os povos requereram ... que ninguém fosse preso sem culpa formada ou por facto que não merecesse tal pena, ou por juiz incompetente; dando motivo a essas queixas o abuso que havia de se prenderem pessoas por carta de mal dizer, libelos famosos, querelas e denunciações dadas por pessoas a quem os feitos não pertenciam; e também por que os carregadores e mais Justiças prendiam os homens por feitos muito leves, e os punham em prisão, fazendo-lhes gastar o que tinham. Nas Côrtes de Évora acrescentaram os povos que qualquer homem bom estava sujeito aos capítulos ou acusações de qualquer vadio, pelo que era preso sem que, depois de provada a sua inocência, o acusador pudesse ser punido e obrigado a pagar todas as custas, perdas e danos que os presos sofreram, por isso que depois de dadas as querelas fugiam e não podiam ser encontrados...” (“Prisão Preventiva”, págs.3 e seguintes).

(7) CLAUDE-ALBERT COLLIARD, "Libertés Publiques", Paris, 1989, págs. 54 a 56.

(8) A DUDH emanou da Assembleia Geral das Nações Unidas de 10 de Dezembro de 1948, na sequência da Carta das Nações Unidas de 26 de Junho de 1945, de algum modo inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.

(9) Portugal aprovou para ratificação a CEDH, que vigora desde 1953, e os seus cinco primeiros Protocolos, todos concluídos em Estrasburgo, os nºs. 2 e 3 em 6 de Maio de 1963, o nº 4 em 16 de Setembro de 1963, e o nº 5 em 20 de Janeiro de 1966, pela Lei nº 65/78, de 13 de Outubro, e, posteriormente, pelas Resoluções da Assembleia da República nº 12/86, de 6 de Junho, 22/90, de 27 de Setembro, e 30/86, de 10 de Dezembro, os Protocolos nºs. 6, 7 e8, concluídos em Estrasburgo em 28 de Abril de 1983, de 22 de Novembro de 1984 e 19 de Março de 1985, respectivamente.
0 processo de assinatura do Protocolo nº 9 foi aberto, em Roma, em 6 de Novembro de 1990.
A CEDH vigora em Portugal desde 9 de Novembro de 1978, data do depósito do instrumento de ratificação - artigo 66º, nº 3.

(10) 0 "PIDCP" entrou em vigor em 23 de Março de 1976. A Assembleia da República Portuguesa aprovou-o para ratificação, sem reservas, pela Lei nº 29/78, de 12 de Junho.

(11) A redacção actual do nº 2 e das alíneas b), c), d) e e) do nº 3 e do nº 5 resultou da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, e a da alínea a) do nº 3 e do nº 4, da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho.
0 artigo 17º, nº 1, da Constituição Espanhola de 1978 dispõe no artigo 17º, nº 1: "Toda persona tiene derecho a la libertad y a la seguridad. Nadie puede ser privado de su libertad, sino con la observância de lo estabelecido en este articulado y en los casos y en la forma previstos en la ley".

(12) GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 1º vol., Coimbra, 1984, pág. 198.

(13) JESUS RODRIGUEZ y RODRIGUEZ, "La detención preventiva y los derechos humanos en derecho comparado", México, 1981, pág. 15.

(14) LUÍS OSÓRIO, "Comentário ao Código do Processo Penal Português", Coimbra, 1933, págs. 5 e 6; e CAVALEIRO DE FERREIRA, "Curso de Processo Penal", 1º volume, Editora Danúbio, Lisboa, 1986, págs. 288 e segs.

(15) Cfr., porém, o artigo 28º, nº 1, da CRP no qual se designa a prisão sem culpa formada, ou seja, uma situação de prisão preventiva, pela expressão "detenção".

(16) RODRIGUES MAXIMIANO, "A Prisão Preventiva - Jornadas de Processo Penal", Revista do Ministério Público, nº 2, págs. 175 a 219; JORGE TAVARES DE ALMEIDA, "A Precaridade da Prisão Preventiva e os Delitos Incaucionáveis", Revista da Ordem dos Advogados, ano 42, Set./Dez. de 1982, págs. 743 e 744.

(17) J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, pág. 202.

(18) 0 artigo 29º, nº 6, da CRP estabelece que "os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos".

(19) A redacção actual do nº 2 resulta da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho, que substituiu a expresso "de liberdade provisória" que constava do texto primitivo pela de "mais favorável". A redacção do nº 3 resulta da Lei nº 1/82, de 30 de Setembro que acrescentou ao texto primitivo a expressão "por este indicados".

(20) JOSÉ DA COSTA PIMENTA, "Código de Processo Penal Anotado", Lisboa, 1991, págs. 479 e 480.

(21) São medidas de coacção menos gravosas do que a prisão preventiva o termo de identidade e residência, a caução, a obrigação de apresentação periódica, a proibição de permanência, de ausência ou de contactos, a suspensão do exercício de funções, da profissão e de direitos, e a obrigação de permanência na habitação (artigos 196º a 201º do "CPP").

(22) No acórdão da Relação de Lisboa de 6 de Março de 1990, publicado na "Colectânea de Jurisprudência", Ano XV, tomo 1, pág. 171, decidiu-se que a audição do arguido é impossível quando ele está em perigo de vida.
Cfr. JOSÉ COSTA PIMENTA, obra citada, pág. 485.

(23) Cfr. os artigos 116º, nº 2, do CPP e 619º, nº 2, do Código de Processo Civil, que prevêem casos de detenção para assegurar a presença imediata do detido perante o juiz em acto processual.

(24) MAIA GONÇALVES, "Código de Processo Penal Anotado”, Coimbra, 1991, págs. 376 e 377; e pareceres deste corpo consultivo nºs. 150/88 e 24/89, não publicados.

(25) JOÃO DE CASTRO e SOUSA, "Os Meios de Coacção no Novo Código de Processo Penal - Jornadas de Processo Penal", Centro de Estudos Judiciários, Coimbra, 1989, págs. 149 a 163, e "A Tramitação do Processo Penal", Coimbra, 1985, págs. 67 e 68; e pareceres deste corpo consultivo nºs. 150/88, de 11 de Maio de 1989, e 24/89, de 12 de Julho de 1989, não homologados nem publicados.

(26) CAVALEIRO DE FERREIRA, Obra citada, págs. 410 e 411; e LUÍS OSÓRIO, Obra citada, págs. 20 e 21.

(27) LUÍS OSÓRIO, Obra citada, págs. 21 e 22.

(28) T.S.VIVES ANTON y GIMENO SENDRA, "La Detencion", Barcelona, 1977, págs. 85 e segs.

(29) Pode ver-se também, sobre esta problemática, SILVIA BARONA VILAR, "Prision Provisional y Medidas Alternativas", Barcelona, 1988; D.CARNO. A. FOJADELLI, "Custodia Cautelar e Libertà Personale", Padova, 1985; V. GREVI, P. CORSO, A. GIARDA, G. ILLUMINATTI e V.PERCHINUNNO, “La Nuova Disciplina Della Libertá Personale nel Processo Penale”, Padova, 1985; e LUÍS RODRIGUES RAMOS, "La detención" Madrid, 1987.

(30) CAVALEIRO DE FERREIRA, obra citada, pág. 430, e RAYMOND CHARLES, "Liberté et Détention - Commentaire de la Loi du 17 Juillet 1970, Première et Deuxième Parties", Paris, 1972, págs. 42 e segs.

(31) Já foi entendido, no que concerne à prisão preventiva ordenada pelo juiz sem prévio interrogatório do arguido, que este não tinha de ser interrogado pelo juiz nos termos e prazo previstos nos artigos 28º, nº 1, da CRP e 141º, nº 1 do CPP.
0 Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, porém, nos acórdãos de 19 de Junho, 6 de Setembro e 13 de Novembro de 1990, nos recursos nºs. 949/90, 542/89 e 86/90, ainda não publicados, que o artigo 141º do CPP não proíbe e o artigo 28º, nº 1, da CRP impõe o referido interrogatório do arguido a fim de lhe ser comunicada a causa da prisão e dada oportunidade de defesa.
0 Procurador-Geral da República emitiu e fez circular, em 15 de Novembro de 1990, nos termos do artigo 10º, nº 2, alínea b), da Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, despacho onde conclui que o artigo 141º, nº 1, do CPP deve ser interpretado no sentido de que o primeiro interrogatório judicial do detido é obrigatório, tanto nos casos de detenção realizada por iniciativa do Ministério Público ou dos órgãos de polícia criminal, como nos casos de detenção operada em cumprimento de despacho do juiz de instrução que ordena a aplicação da medida de prisão preventiva".

(32) 0 artigo 225º, nº 1, do Projecto do CPP tinha a seguinte redacção: "Quem tiver sofrido detenção ou prisão preventiva manifestamente ilegal pode requer, no processo penal que tenha lugar ou perante o tribunal administrativo competente, indemnização dos danos sofridos com a privação da liberdade".
E no nº 2 incluia-se também a situação de detenção.
Em França rege o artigo 149º do Code de Procédure Pénale, que dispõe "sans préjudice de l'application des dispositíons des articles 505 et suivants du Code de procédure civile, une indemnité peut être accordée à la personne ayant fait l’object d'une détention provisoire au cours d'une procédure terminée à son égard par une décision de non-lieu, de relaxe ou d'acquittement devenue définitive, lorsque cette détention lui a causé un préjudice manifestement anormal et d'une particulière gravité".

(33) J.J.CANOTILHO, "0 problema da responsabilidade do Estado por actos lícitos", Coimbra, 1973, págs. 208 a 217; Acórdão do Tribunal Constitucional nº 90/84, publicado no "Diário da República", II Série, de 6 de Fevereiro de 1985.
No referido acórdão, a propósito de uma situação de detenção legalizada pelo presidente do tribunal da Relação de Lisboa no âmbito de um processo de extradição, considerou o Tribunal Constitucional que se tratava de responsabilidade do Estado por um acto lícito da função judicial, que era inaplicável o Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, e que o ordenamento jurídico português, salvo nos casos previstos no § 1º do artigo 690 do CPP de 1929, e no Código das Custas Judiciais quanto à indemnização devida pelo cumprimento do dever público de colaboração com a justiça, não previa nem regulava em geral nem no limitado âmbito de aplicação do artigo 27º, nº 5, da CRP a responsabilidade do Estado por actos lícitos ou ilícitos dos juizes no exercício da respectiva função.

(34) LUÍS A. CARVALHO(...), "Teoria Geral do Direito Civil", vol. II, Lisboa, 1983, pág. 278; DE PLÁCIDO E SILVA, "Vocabulário Jurídico", vol. II, Rio de Janeiro - Brasil, 1963, págs. 612 e 613; JAQUES ROUVIÈRE, "Réflexions sur l’erreur manifeste", "études et documents", nº 39, Paris, 1988, págs. 65 a 68; LAURENT HABIB, "LA notion d'erreur manifeste d'appréciation, dans la jurisprudence du Conseil Constitutionnel", "Revue du Droit Public", 3-1986, págs 694 a 730. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Maio de 1987, publicado em "Acórdãos Doutrinais", Ano XXVII, nº 325, págs. 1 a 8.

(35) GASTON STEFANI, GEORGES LAVASSEUR et BERNARD BOULOC, "Procédure Pénale", Paris, 1990, pág. 770.

(36) MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", 1º vol., Coimbra, 1991, pág. 223.

(37) Em França a competência para conhecer do direito à indemnização em apreço não se inscreve na área dos tribunais judiciais "tout court".
0 artigo 149º 1 du Code de Procedúre Pénale dispõe, com efeito, que "L'indemnité prévue à l'article précédent est allouée par décision d'une commission qui statue souverainement.
La comission est composée de trois magistrats du siège à la Cour de cassation ayant le grade de président de chambre ou de conseiller. Ces magistrats sont designés annuellement, en même temps que trois suppléants, par le bureau de la Cour de cassation.
Les fonctíons du ministere public sont remplies par le parquet genéral près la Cour de cassation".
Na Bélgica, a Lei atribui aos tribunais comuns a referida competência.
0 artigo 27º, § 2º, da Lei belga de 20 de Abril de 1874 (alterada pelas Leis de 13 de Março de 1973 e de 20 de Julho de 1990) estabelece, com efeito:
"L'action est portée devant les jurisdictions ordinaires dans les formes prévues par le Code judiciaire et dirigée contre l’État belge en la personne du Ministre de la Justice". Em Espanha o pedido indemnizatório referido é dirigido ao Ministério de Gracia y Justicia, de cuja decisão cabe recurso para a jurisdição administrativa (artigos 293º, nº 2, e 294º, nº 2, da LOPJ).

(38) ALBERTO DOS REIS, "Comentário", lº, págs. 103 e segs; CASTRO MENDES, "Direito Processual Civil (Lições ao 4º ano de 1969/70) “ Lisboa, 1969, pág. 318; e ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, "Manual de Processo Civil", 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, págs.196.

(39) A LOTJ foi alterada pelas Leis nºs. 52/88, de 4 de Maio, e 24/90, de 4 de Agosto; e a Lei nº 49/88, de 19 de Abril, definiu o âmbito de aplicação do seu artigo 106º.
A LOTJ foi regulamentada pelo Decreto-Lei nº 214/88, de 17 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 206/91, de 7 de Junho.

(40) ANTUNES VARELA, J.MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, obra citada, pág. 207.

(41) A actual redacção deste artigo resultou da lei constitucional nº 1/89, de 8 de Junho. Anteriormente, não constavam no nº 1 os tribunais administrativos e fiscais, e o nº 2 consagrava apenas a possibilidade da sua existência.

(42) J.J. COMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2º vol., Coimbra, 1985, pág. 323.

(43) 0 Decreto-Lei nº 129/84, foi publicado ao abrigo da autorização legislativa conferida ao Governo pela Lei nº 29/83, de 8 de Setembro, resultante da aprovação da proposta de Lei nº 21/111, apreciada e votada, por maioria, na generalidade e especialidade, em 16 de Julho de 1983.

(44) Esta disposição resultou do artigo 10º, nº 2, do Decreto-Lei nº 48051, de 21 de Novembro de 1967, a que adiante se fará especial referência.

(45) FREITAS DO AMARAL, "Direito Administrativo, vol. IV, Lisboa, 1988, págs. 71 a 74, que neste passo seguiremos de muito perto.

(46) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, "Direito Administrativo" vol. I, Coimbra, 1980, págs. 10 e 11; e JORGE DE MIRANDA "Funções, órgãos e Actos do Estado (Lições), "Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1990, págs. 18 a 25, que nesta parte seguiremos de perto.

(47) Acórdão do Tribunal Constitucional, 2ª Secção, nº 443/91, proferido em 20 de Novembro de 1991 no processo nº 173/90, publicado no "Diário da República", II Série, de 2 de Abril de 1992.

(48) J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra citada, 1º vol., pág. 185; ISALTINO MORAIS, JOSÉ MÁRIO FERREIRA DE ALMEIDA e RICARDO LEITE PINTO, "Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada", Coimbra, 1983, pág. 52; J.J.GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", Coimbra, 1991, págs. 673 a 675; Acórdão do STA de 7 de Março de 1989, "Acórdão Doutrinais", Ano XXIX, nºs. 344-345, pág. 1035, e "Revista de Legislação e Jurisprudência", Ano 1239, nº. 3799, págs. 293 a 307.
0 Partido Comunista Português apresentou na Assembleia da República, com data de 5 de Dezembro de 1991, o Projecto de Lei nº 24/VI relativo à responsabilização do Estado no ressarcimento dos prejuízos causados aos cidadãos, em cujo exórdio é afirmado que a mais recente jurisprudência do Tribunal Administrativo enveredou por uma interpretação restritiva do artigo 22º da CRP na medida em que considera excluída da sua previsão responsabilidade do Estado por actos jurisdicionais lícitos mesmo que tenha havido grave violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, com graves prejuízos para eles, cujo artigo 2º é do seguinte teor:
”0 Estado é civilmente responsável por actos jurisdicionais lícitos desde que dos mesmos tenha resultado a violação de direitos, liberdades e garantias, determinante de prejuízos especiais e anormais" ("Diário da Assembleia da República", II Série-A, nº 8, de 18 de Dezembro de 1991).
No sentido de que o artigo 22º da CRP abrange todos os titulares de órgãos, funcionários, agentes ou representantes do Estado e demais pessoas colectivas públicas, incluindo os agentes em termos amplos de todas as funções do Estado e só os prejuízos provindos de factos ilícitos e culposos pode ver-se J.A.DIMAS DE LACERDA, "Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (Alguns Aspectos"), Revista do Ministério Público, Ano 69, volume 21, págs. 43 a 78.
Relativamente à Itália pode consultar-se GIANPIERO PAOLO CIRILLO e FEDERICO "La Responsabilitá del Giudice", Napoli, 1988.

(49) Acórdão do STA de 9 de Outubro de 1990, proferido no recurso nº 25101.

(50) No Acórdão do STJ de 6 de Maio de 1986, publicado no BMJ, nº 357, págs. 393 a 395, decidiu-se que a partir da vigência da Constituição de 1976 cessou a do Decreto-Lei nº 48051 na parte eu que este diploma limita a responsabilidade dos titulares dos órgãos e agentes administrativos do Estado e das demais pessoas colectivas públicas.

(51) J.A.DINAS DE LACERDA, citado estudo, págs. 43 a 78; DIOGO FREITAS DO AMARAL, "A Responsabilidade da Administração no Direito Português", Separata da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXV, Lisboa, 1973, págs. 14 a 31.

(52) "A Responsabilidade da Administração no Direito Português, citada, págs. 17 e 18.

(53) MARCELO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, "vol. I, Coimbra, 1991, pág. 44; FREITAS DO AMARAL, - obra citada, pág. 18.

(54) "Código Civil Anotado", vol. I, Coimbra, 1987, págs. 510 e 511.

(55) "Revista de Legislação e de Jurisprudência", Ano 1039, págs. 350 e 351.

(56) Neste sentido podem ver-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 5 de Novembro de 1981, publicado no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 311, págs. 195 e segs.; e o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de Dezembro de 1985, publicado em "Acórdãos Doutrinais", Ano XXV, nº 298, págs. 1117 a 1123.
Ainda sobre a distinção entre "actos de gestão pública" e de "gestão privada" do Estado podem ver-se os seguintes acórdãos:
Tribunal de Conflitos
de 10 de Fevereiro de 1983, de 26 de Junho de 1986, de 12 de
Janeiro de 1989 publicados, os, dois primeiros no BMJ, nºs.
324, pág. 403, e 359, pág 332, respectivamente, e o último em
"Acórdãos Doutrinais", Ano XXVIII, nº 330, págs. 849;
Supremo Tribunal de Justiça
de 7 de Novembro de 1985, 6 de Maio de 1986 e de 2 de Dezembro
de 1986, publicados no BMJ, nºs. 351, pág. 381, 357, pág. 392
e 362, pág. 514, respectivamente;
Supremo Tribunal Administrativo
de 24 de Julho de 1986, publicado no BMJ, nº 360, pág. 389.

(57) Neste sentido podem ver-se, além do mais, os acórdãos do STA de 10 de Dezembro de 1985 e 12 de Janeiro de 1988, publicados em "Acórdãos Doutrinais", Ano XXV, nº 298, págs. 1117 a 1122, e no BMJ, nº 373, págs. 349 a 354, respectivamente.

(58) Citado acórdão de 9 de Novembro de 1990, proferido no recurso nº 25101, inédito. Em sentido contrário podem ver-se os já citados acórdãos do STA de 10 de Dezembro de 1985 e de 12 de Janeiro de 1988, bem como o de 7 de Março de 1989, publicado em "Acórdãos Doutrinais", Ano XXIX, nºs. 344/345, pág. 1035.

(59) JEAN-MARIE AUBY, "Droit Public", Ed. Economica, Paris, 1985, págs. 598 a 618.

(60) RENÉ ROMEUF, "La Justice Administrative", Droits et Recours des Administrés, Paris, J.DELMAS, 1989, págs. 131 e 132; J.M.AUBY, "Note de Jurisprudence - La responsabilité de l’État du fait de la justice judiciaire - Tribunal Grande Instance de Paris, lre Chambre, lre Section, 19 Setembre 1990, Meme le Rue C. Agent Judiciaire du Trésor Public"), Revue du Droit Public et de La Science politique en France et à L'Étranger, Tomo 106 - nº 6 (Out.-Dez/1990), págs. 1860 e 1865.

(61) FREITAS DO AMARAL, "Lições de Direito Administrativo” 1983/84, pág. 18; e C..LAVACNA, "Instituzioni di Diritto Publico, 1979, pág. 60” .

(62) 0 pedido de indemnização por perdas e danos resultantes da prática de crimes por titulares de cargos políticos no exercício das respectivas funções pode ser deduzido no processo em que correr acção penal ou, separadamente, em acção intentada no tribunal cível (artigo 47º da Lei nº 34/87, de 16 de Julho).

(63) No citado acórdão do STA de 12 de Janeiro de 1988 decidiu-se que a exclusão prevista no artigo 4º, nº 1, alínea h), do ETAF tem em vista o contencioso administrativo próprio dos recursos directos de anulação e não as acções administrativas.

(64) Neste sentido foi decidido no acórdão do STJ de 11 de Junho de 1987, publicado no BMJ, nº 368, págs. 495 a 498
Anotações
Legislação: 
L DE 1459/01/21. LC 1/82 DE 1982/09/30. LC 1/89 DE 1989/07/08.
CONST76 ART16 ART22 ART27 ART28 ART29 ART211 ART213 ART214 ART218.
DL 48051 DE 1967/11/21 ART2 ART3 ART6 ART8 ART9 ART10.
DL 100/84 DE 1984/03/29 ART90 ART91.
CPP87 ART116 N2 ART141 ART143 ART191 ART192 ART193 ART194 ART195 ART202 ART209 ART225 ART257 ART258 ART259 ART260 ART261 ART461 ART462. L 21/85 DE 1985/07/30 ART168. L 43/87 DE 1987/07/16.
CPP29 ART690 PAR1. L 29/78 DE 1978/06/12. L 43/76 DE 1976/12/26.
CCIV867 ART359 ART361. L 65/78 DE 1978/10/13.
CCIV66 ART9 ART500 ART501 ART306 ART2133.
CADM36 ART815. LOSTA56 ART16.
ETAF84 ART2 ART3 ART4 ART14 ART51.
LPTA85 ART59. LOTJ87 ART13 ART14. L 52/88 DE 1988/04/05.
L 49/88 DE 1988/19/04. L 24/90 DE 1990/04/08. * CONT REF/COMP
Jurisprudência: 
AC TC DE 1988/06/08 IN DR IIS DE 1988/09/05.
AC TC 90/84 IN DR IIS DE 1985/02/06.
AC TC 443/91 DE 1991/11/20 IN DR IIS DE 1992/04/02.
AC TCONF DE 1981/11/05 IN BMJ 311 PAG195.
AC TCONF DE 1983/02/10 IN BMJ 324 PAG403.
AC TCONF DE 1986/06/26 IN BMJ 359 PAG332.
AC TCONF DE 1989/01/12 IN AD 330 PAG849. * CONT REF/COMP
Referências Complementares: 
DIR JUDIC * ORG COMP TRIB / DIR PROC PENAL / DIR ADM * CONTENC ADM.*****
L BE DE 1970/07/20 ART27 PAR2.
CONT ES ART17 N1.
LOPJ ES 293 N2 ART294 N2.
CPC F ART505.
CPP F ART149.*****
* CONT REFLEG
CPC39 ART66 ART619 N2 ART1083 ART1084.
RAR 12/86 DE 1986/06/06.
RAR 30/86 DE 1986/10/12.
RAR 22/90 DE 1990/09/27.
DUDH ART3 ART9.
CEDH ART5 ART66.
PIDESC ART9.
RES CE N(65)11 A C.
* CONT REFJUR
AC STJ DE 1985/11/07 IN BMJ 351 PAG381. AC STA 25101 DE 1990/10/09.
AC STJ DE 1986/05/06 IN BMJ 357 PAG392. AC RL DE 1990/03/06 IN CJ ANO XV T1 PAG171. AC STJ DE 1986/12/02 IN BMJ 362 PAG514.
AC STJ DE 1987/06/11 IN BMJ 368 PAG495.
AC STA DE 1985/12/10 IN AD 298 PAG1117.
AC STA DE 1986/05/06 IN BMJ 357 PAG393.
AC STA DE 1986/07/24 IN BMJ 360 PAG389.
AC STA DE 1987/05/05 IN AD 325 PAG1.
AC STA DE 1989/03/07 IN AD 344-345 PAG1035 RLJ ANO123 3799 PAG293.
AC RL DE 1990/06/19 RECURSO949/90. AC RL DE 1990/11/13 RECURSO86/90.
AC RL DE 1990/09/06 RECURSO542/89.
Divulgação
9 + 2 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf