1 - O Decreto-Lei n 65/89, de 1 de Março, criou, para a construção do Centro Cultural de Belem, a empresa que denominou Centro Cultural de Belem - Sociedade de Gestão e Investimento Imobiliario, S.A. (Centro Cultural de Belem - S.G.I.I., S.A.), com a forma de sociedade anonima de capitais maioritariamente publicos (artigo 1, n 1), e definiu-lhe o regime, dispondo (n 2 do mesmo artigo) que se rege pela legislação comercial aplicavel, pelo proprio Decreto-Lei n 65/89, pelos estatutos por este aprovados e anexos (artigo 5, n 1), e pelo Decreto-Lei n 291/85, de 24 de Julho, com excepção dos seus artigos 2, 3, 5 e 6, com a redacção que lhe foi dada pelos Decretos-Leis ns 211-A/86, de 31 de Julho, e 237/87, de 12 de Julho;
2 - O Decreto-Lei n 65/89 prove para uma situação concreta, a produção de um bem certo e determinado - o Centro Cultural de Belem cuja construção visa -, e institui um regime globalmente concebido e formulado para um unico e individualizado destinatario a empresa que criou e denominou para aquele fim,
Centro Cultural de Belem, S.G.I.I., S.A.;
3 - O mesmo Decreto-Lei alem de normas juridicas, inclui actos concretos: o acto de criação da sociedade referida nas conclusões antecedentes (artigo 1, n 1) e o acto de convocação da assembleia geral, com determinação de data, local e agenda da reunião (artigo 8);
4 - A Constituição da Republica Portuguesa, de 1976, não proibe ao legislador ordenario a emissão de leis-normas individuais e concretas, como se deduz, por contraste, das disposições dos seus artigos 18, n 3, 49, n 1, 29, n 4, 282, n 3, e 37, n 3, 38, n 3, ainda que lhe assinale limites;
5 - Não se encontra tambem constitucionalmente vedada, em absoluto, ao legislador ordenario a emissão de normas individuais com caracter consuntivo, isto e, de normas em que se incorporem medidas ou actos administrativos, as denominadas leis pessoais, desde que não infrinjam normas e principios constitucionais (v.g. igualdade dos cidadãos perante a lei, reserva de competencia de outros poderes do Estado ou outros principios fundamentais);
6 - Sob pena de inconstitucionalidade por desvio ou excesso de poder legislativo, a lei, enquanto tenha função de execução, desenvolvimento ou prossecução dos fins estabelecidos na Constituição, e vinculada ao fim constitucionalmente fixado (vinculação ad extra), e, embora tendencialmente livre no fim, não pode ser contraditoria, irrazoavel e incongruente consigo mesma (vinculação ad intra);
7 - O Decreto-Lei n 65/89, enquanto regime individual e concreto, considerado do ponto de vista do principio constitucional da igualdade perante a lei (artigo 13 da Constituição), principio que se antolha como limite a ter em consideração, não e inconstitucional;
8 - O mesmo diploma, quanto aos actos concretos referidos na conclusão 3, por não infringir os limites constitucionais impostos ao principio da liberdade de forma que ao legislador e consentida nos termos da conclusão 5, não e inconstitucional;
9 - O regime de fiscalização de execução do Orçamento no tocante as empresas publicas, aspecto que interessa no presente parecer, nos termos dos artigos 110 e 216 da Constituição caracteriza-se por: a) estabelecer o principio dessa fiscalização; b) estabelecer um orgão supremo de fiscalização o Tribunal de Contas; c) deixar ao legislador ordenario alguma margem de liberdade para definir o ambito objectivo e subjectivo dessa fiscalização;
10- A vinculação do legislador ao fim especifico estabelecido na Constituição que consiste em submeter as despesas publicas ao regime de fiscalização orçamental delineado, nos termos da conclusão anterior, nos artigos 110 e 216 da Constituição (vinculação ad extra), tem como limite inultrapassavel não poder o legislador configurar um regime juridico tal que subtraisse todas e quaisquer despesas publicas a fiscalização, em si mesma e mediante o Tribunal de Contas, ou mesmo, uma parte significativa das despesas orçamentais, em termos tais que ultrapassasse na pratica afectada a utilidade do principio da fiscalização, confinada que ficasse esta a uma parcela mais ou menos insignificante do todo orçamentado a despender;
11- O Decreto-Lei n 65/89, considerados os limites de vinculação quer ad extra, no sentido exposto nas conclusões 6 e 10, quer ad intra nos termos da conclusão 6, não se mostra ferido de inconstitucionalidade por desvio ou excesso de poder legislativo;
12- O Decreto-Lei n 65/89 não se encontra ferido de ilegalidade, visto que, por um lado, enquanto considerado do ponto de vista das normas juridicas que contem, não ha normas ordinarias de hierarquia ou de valor normativo superior que se lhe imponham, e, por outro lado, no tocante aos actos concretos que nele se observam, estes, porque aplicativos de normas juridicas que explicita ou implicitamente se contem no diploma, não se mostram em colisão com elas;
13- O Centro Cultural de Belem, S.G.I.I., S.A., sociedade anonima de capitais maioritariamente publicos, não se encontra sujeito ao regime de fiscalização sucessiva pelo Tribunal de Contas estabelecido na Lei n 86/89, de 8 de Setembro, enquanto se não insere no elenco taxativo das entidades sujeitas a prestação de contas constante do artigo 17 ns 1 e 2, da referida lei, inclusão que e pressuposto daquela fiscalização como resulta do n 2 do artigo 16;
14- O artigo 207 da Constituição da Republica, enquanto proibe aos tribunais que infrinjam o que nela se dispõe os principios que nela se consignam, e uma norma integradora do sistema de fiscalização de constitucionalidade, cuja sede propria e o ulterior Titulo I da Parte IV da mesma Constituição por respeitar ao processo de fiscalização difusa, concreta e sucessiva ai regulado;
15- O processo de fiscalização difusa, concreta e sucessiva de constitucionalidade tem como pressuposto, do ponto de vista da materia acerca da qual aos tribunais se coloque a questão da inconstitucionalidade de normas eventualmente aplicaveis, a resolução vinculante de uma questão de direito que essa resolução se destine a consecução pratica da "paz juridica" para a solução de conflitos decorrentes da violação do direito objectivo ou de direitos subjectivos, quer essa resolução se destine a assegurar a correcta aplicação do direito ainda que para fins praticos diversos da mera pacificação de conflitos;
16- Os tribunais tem competencia para sindicar a legalidade de diplomas legais nos termos quer da Constituição, artigo 280, n 2, quer da lei ordinaria, como se alcança da Lei n 28/82, de 15 de Novembro - Lei sobre a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional (artigo 70, n 1 alineas) a) a i), na redacção da Lei n 85/89, de 7 de Setembro, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n 126/84, de 27 de Abril (artigos 26, n 1, alinea i), 32, n 1, alinea b), 33 n 1, alinea e)), e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei n 267/85, de 16 de Julho (artigo 66, n 1);
17- A sindicabilidade pelos tribunais da legalidade de actos concretos contidos em diplomas legais encontra assento no artigo 268, n 4, da Constituição, quanto a actos administrativos, tambem no artigo 4, n 1, alinea b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, enquanto nesta disposição as "normas legislativas", a entender em sentido material, constituem limite negativo a jurisdição destes tribunais, e ainda no artigo 134, ns 1 e 2, do Codigo de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n 442/91, de 15 de Novembro, nos termos do qual "quaisquer tribunais" tem competencia para declarar, a todo o tempo a nulidade de actos administrativos, disposição que, atenta aquela disposição constitucional, se tem de aplicar por identidade de razão e eventuais actos nulos sob forma de diploma legal;
18- O Tribunal de Constas no ambito da fiscalização sucessiva prevista no artigo 16, n 1, da Lei n 86/89 tem competencia para se pronunciar autonomamente, em processos de inquerito ou auditoria subordinados, sobre a inconstitucionalidade e a ilegalidade de diplomas legais quer na hipotese de tais processos serem instrumentais de julgamento de contas, quer do parecer sobre a Conta Geral do Estado;
19- E admissivel decisão do Tribunal de Contas autonoma e publica, inclusive mediante inserção no Diario da Republica, nos termos do artigo 63, n 2, alinea f), da Lei n 86/89, em processo de inquerito ou auditoria subordinados quer ao julgamento de contas quer ao parecer sobre a Conta Geral do Estado;
20- A obrigatoriedade do Acordão n 61/91, de 11 de Abril de 1991, publicado no Diario da Republica, II Serie, n 134, de 14 de Junho seguinte, define-se quanto a materia e quanto aos sujeitos da obrigação pelos termos da sua parte decisoria, constituida pelo n 3.3 - Determinações imediatas, do seu texto;
21- Consideradas em si, isto e, enquanto decisões judiciais, as decisões que constam especificamente dos items 3.3.1 a 3.3.8 desse n 3.3, gozam da vinculatividade e prevalencia estabelecidas no n 2 do artigo 208 da Constituição da Republica, no sentido de que nenhuma autoridade esta imune a autoridade das decisões judiciais, nem estas necessitam de nenhuma homologação ou confirmação de outra autoridade para se tornarem obrigatorias nem anuladas ou superadas por uma decisão de nenhuma outra autoridade inclusive quando investida de poder legislativo;
22- As decisões constantes dos items 3.3.1 a 3.3.8 são de dois tipos consoante os destinatarios: decisões externas as da 1 parte do item 3.3.1 e do item 3.3.8, decisões internas, as demais;
23- a 1 parte do item 3.3.1 versa sobre a fiscalização sucessiva de despesas feitas pelo Instituto Portugues do Patrimonio Cultural com o Conjunto Monumental de Belem na parte abrangida pelos relatorios dos inqueritos de auditoria apreciados pelo Tribunal, parte em que emite um juizo de ilegalidade dos actos, a que se reporta, do IPPC, ao qual nessa medida vincula e a quem recomenda emenda futura do que for possivel e que se não repitam erros semelhantes;
24- A decisão constante do item 3.3.8 tem o conteudo que o texto exprime - publicação do acordão no Diario da Republica, e dirige-se a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, empresa publica a que e vinculada como destinataria do que ai se determina;
25- As demais decisões tem o conteudo que delas consta e dirigem-se ao interior dos serviços do Tribunal de Contas a cujo cumprimento obrigam;
26- O Centro Cultural de Belem S.G.I.I., S.A., embora se não encontre sujeito a fiscalização sucessiva do Tribunal de Contas, encontra-se, enquanto entidade privada, terceiro relativamente a outras entidades sujeitas a essa fiscalização, adstrito ao dever de "coadjuvação" do Tribunal, nos termos do n 1 do artigo 31 da Lei n 86/89, enquanto a coadjuvação ai prevista signifique cooperação nos precisos limites das funções do mesmo Tribunal, isto e, limites em que não se incluem os actos e despesas realizados pelo proprio CCB, S.A. com a construção do Centro Cultural de Belem, não podendo, por isso, a dita sociedade ser sujeita de inqueritos e auditorias por parte do Tribunal.