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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
29/1991, de 11.04.1991
Data do Parecer: 
11-04-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
Conclusões: 
1 - Constitui actividade com risco agravado equiparável ás descritas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o reconhecimento da existencia e localização de material explosivo, nomeadamente granadas de morteiro, que acabara de sofrer violenta explosão que o espalhara pelo solo do aquartelamento, com vista a decidir a forma de utilização do auto-tanque do piquete dos bombeiros;
2 - O acidente de que foi vitima o capitão NM (...), ocorreu nas circunstâncias descritas na conclusão anterior, na sequência de rebentamento do material que reconhecia.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO ADJUNTO

DO MINISTRO DA DEFESA NACIONAL,


EXCELÊNCIA:







1.



O capitão NM (...), (...), foi vítima, em Março de 1972, no Campo Militar de Grafanil, em Angola, de um acidente que lhe provocou "problemas" na visão.


Tendo sido dado por "curado, sem aleijão, deformidade ou incapacidade para o serviço" (auto de exame de sanidade, de 26 de Julho de 1973), e, mais tarde, em 23 de Fevereiro de 1979 julgado "incapaz de todo o serviço", por JHI, veio a requerer, em 1980, que a sua doença fosse abrangida pelo disposto no Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.


Tendo-se procedido à necessária revisão do processo, foi o mesmo remetido a esta Procuradoria-Geral da República para emissão de parecer a que se refere o nº 4 do artigo 2º do referido diploma legal.


Cumpre, assim, emiti-lo.



2.



Consta do relatório exarado em 9 de Abril de 1981, no referido processo:

- Em Março de 1972 teve lugar uma explosão de grande volume no Pelotão de Munições, onde os paióis estavam integrados, da Companhia de Depósito de Material e Munições (CDMM) da qual o capitão (...) era comandante, esta integrada no Batalhão de Depósito de Material (BDM), todos localizados no Campo Militar de Grafanil, em Angola.

- A explosão teve origem nas munições julgadas incapazes que aguardavam auto de aniquilamento e se encontravam, por falta de instalações adequadas, recolhidas numa vala a céu aberto em forma de L.

- Dessas munições faziam parte granadas de morteiro de 60 e 81 e outras e também diverso material de sapadores.

- O oficial de dia ao Campo Militar de Grafanil, por ordem do Comandante do Campo, solicitou a comparência de um Piquete de Bombeiros e também a presença do capitão Murteira. Este, com o chefe do Piquete dos Bombeiros, logo que chegados, procederam a um reconhecimento prévio junto do foco explosivo no sentido de o chefe do Piquete dos Bombeiros avaliar das condições do terreno e decidir sobre a forma de actuar com o auto-tanque, mas não sem que primeiro o capitão Murteira tivesse que vencer a oposição do comandante do Campo Militar, pois este achava que o reconhecimento apresentava condições de que resultava necessariamente risco agravado semelhante àquele que ocorre em combate.

- O reconhecimento foi efectuado pelo chefe do Piquete dos Bombeiros na companhia do capitão Murteira e sob indicação e orientação deste.

- No regresso foram envolvidos por uma explosão de grande potência cujo sopro e clarão os envolveu completamente.

- Completado o regresso do capitão Murteira e do chefe do Piquete dos Bombeiros, estes, depois de receberem as ordens do seu chefe, actuaram de imediato até dominarem e eliminarem o foco explosivo. No dia imediato o capitão Murteira, juntamente com outros militares, procederam à recolha das munições projectadas pela explosão, no sentido de levantarem a interdição de que aquela zona foi objecto, por determinação superior, e classificada como "Zona Perigosa".

- Pouco tempo depois o capitão Murteira começou a notar uma quebra de visão ......................".


Vê-se da documentação junta (Informação da Repartição de Justiça e Disciplina da Direcção do Serviço de Justiça Disciplinar):

- "Em consequência da detonação, o cap. Murteira começou a sentir visão deficiente, pelo que foi submetido a uma intervenção cirúrgica no olho, em 26ABR.73, por sofrer de cataratas (fls. 17 e 22v).

- Foi submetido de novo a uma operação, agora aos dois olhos, em Londres, onde se deslocou expressamente para o efeito.

- Julgado incapaz de todo o serviço em 23FEV79 por JHI, por queratoplastia do olho direito e afaquia esquerda.

- Submetido de novo à JHI, em 25SET81, o cap. Murteira foi julgado incapaz de todo o serviço activo, sendo-lhe atribuída a desvalorização de 46,5% por "estafiloma da córnea do olho direito, afaquia operatória e sequelas de deslocamento da retina do olho esquerdo".

- A CPIP, em Parecer de 16JUN80, considerou que os motivos pelos quais a JHI julgou o militar incapaz de todo o serviço - queratoplastia do olho direito - deve ser considerada como doença agravada em serviço, e a afaquia esquerda sem qualquer relação com o serviço.

- Posteriormente, a CPIP complementou o Parecer referido, com um outro de 20OUT81, considerando que as lesões do olho direito correspondem a uma estafiloma pelas quais lhe foi atribuído 30% de desvalorização, devem ser consideradas como apuradas em serviço, e as lesões no olho esquerdo, a que foram atribuídos 10% e 15% de desvalorização, não têm qualquer relação com o serviço.

- A doença "queratoplastia do OD" foi considerada como adquirida em serviço por despacho de 2MAI74 do General Comandante da RMA. Por outro lado, o Brigadeiro da FMBP (Indep) considera verificarem-se no caso "subjudice" condições de risco agravado equiparável a uma situação de campanha.

- A CPIP emitiu, entretanto, novo Parecer - nº 245/90, de 27JUL90 - o qual considera que as lesões do olho direito, estafiloma da córnea, devem ser consideradas como contraídas em serviço e por motivo do seu desempenho, e mantendo a opinião de que as lesões no olho esquerdo não têm relação com o serviço".


A referida Repartição de Justiça e Disciplina veio a entender que "o acidente que determinou a incapacidade do oficial deverá justificar-se como sendo de risco agravado equiparável ao serviço de campanha".


E, por fim, o Chefe do Estado-Maior do Exército concordou com a proposta da Repartição de Justiça e Disciplina no sentido de ser homologado o referido parecer (nº 245/90) da CPIP - Comissão Permanente para Informação e Pareceres - e de o processo ser enviado ao Ministério da Defesa Nacional para os fins em vista.



3.



Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, é evidente que se não verificam os pressupostos da qualificação automática como DFA, nos termos do artigo 18º, nº 1, deste diploma legal (1 .


Daí que haja que apreciar o acidente, tal como vem requerido, ao abrigo do nº 2 do artigo 18º, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º do referido diploma.


Dispõe este preceito legal:

É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma

Quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;

Vem a sofrer, mesmo "a posteriori", uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;

Tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".


Por seu lado, o nº 4 do artigo 2º estabelece:

"O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, "seja identificável com o espírito desta lei" ( cfr. rectificação publicada no Diário da República, de 26 de Junho de 1976, 2º Suplemento).


Note-se, ainda, que se não levantam dúvidas quanto ao duplo nexo de casualidade entre o acidente e o cumprimento do serviço militar, por um lado, e o acidente e as lesões apresentadas pelo requerente, por outro, e se verifica o grau de incapacidade mínima de 30%, fixado na alínea b) do nº 1 do referido artigo 2º.



4.



Excluídas as hipóteses de aplicação directa do nº 2 do artigo 1º do citado Decreto-Lei nº 43/76, há que ponderar se a matéria de facto relatada pode ser valorada como consubstanciando uma actividade a que é inerente um risco agravado, idónea para a equiparação a qualquer das situações contempladas no nº 4 do artigo 2º.


Este corpo consultivo vem uniformemente entendendo que só devem considerar-se abrangidos pelo nº 4 do artigo 2º os casos em que haja um risco agravado necessário, implicando uma actividade arriscada por sua própria natureza e que, pela sua índole, circunstâncias e agentes, se identifiquem com o espírito da lei, equiparando-se às situações de campanha e equivalentes. E o espírito da lei, como se diz no parecer nº 35/77, "aponta para a especial consideração devida aos que têm de enfrentar situações que põem em causa a própria vida ou integridade física para além dos limites de risco inerente ao exercício normal de funções" ou, conforme se escreveu no parecer nº 56/76, espírito que é, sem dúvida, o reconhecimento do direito à reparação que assiste aos que se sacrificam pela Pátria, sendo certo que a dignificação deste sacrifício passa pela não inflação das situações enquadráveis no Decreto-Lei nº 43/76 (2 .


Igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade, que cuide da própria natureza da actividade desenvolvida.



5.



5. 1 No tocante ao manuseamento de material explosivo, nomeadamente granadas, tem firmado carreira neste corpo consultivo o entendimento inicialmente expresso no parecer nº 135/76, de 7 de Outubro de 1976 (3 , e amiudadamente citado, no sentido de se tratar de material e actividade perigosos por natureza, "ficando à mercê de imponderáveis que escapam ao poder de previsão expressa na observância das regras de segurança", "estudadas e concebidas, como é natural, em função de certas causas típicas, geradoras de accionamento dos respectivos engenhos ou dele condicionantes".


5.2 A situação ora em causa não é propriamente de manuseamento de material explosivo, mas de "reconhecimento" desse material, em circunstâncias de perigo muito próximas de outras já analisadas neste corpo consultivo.


Assim no parecer nº 15/77, de 27 de Janeiro (4 , foi apreciado um acidente assim descrito:

"Consta dos autos que em 8 de Junho de 1974 deflagrou um incêndio na arrecadação de uma Companhia de Caçadores estacionada na Zona Militar Leste de Angola. Por virtude do incêndio, verificou-se uma explosão no paiol, da qual resultou serem projectados para uma área circundante engenhos explosivos, como granadas de morteiro e ofensivas ainda não rebentadas.

O soldado [...] foi, então, destacado para recuperar esse material, procurando-o, levantando-o e transportando-o para um local determinado. No cumprimento dessa missão, ao remover uma granada ofensiva para a ir juntar a outras já recuperadas, a granada deflagrou-lhe na mão".

Foi ponderado que "procurar, levantar e transportar do solo, por onde se achavam espalhados, engenhos explosivos, como granadas de morteiro e ofensivas, que para ali haviam sido arremessados pela explosão ocorrida no paiol onde se encontravam resguardados, corresponde a uma actividade arriscada pela sua própria natureza ou com risco superior ao que normalmente resulta da actividade militar, por forma a merecer a equiparação às situações previstas no nº 2 do transcrito artigo 1º". E concluiu-se que tal actividade correspondia às "situações previstas nos três primeiros itens dessa disposição".


No parecer nº 261/78, de 4 de Janeiro de 1979 (5 , apreciou-se o seguinte acidente:

"No dia 28 de Setembro de 1943, cerca das 6H.10M., verificou-se uma explosão nos paióis do Governo Militar de Lisboa, na Ameixoeira.

O soldado nº 510/43 [...] que fazia parte da guarda de polícia aos referidos paióis, foi atingido pela explosão sendo projectado de encontro às paredes interiores da casa da guarda, sofrendo fractura de ambas as pernas"

Foi entendido que a actividade de "guarda de polícia de paióis militares" caracteriza uma actividade com risco agravado equiparável às situações previstas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, escrevendo-se, a esse propósito:

"Ora, a guarda de paióis tem implícito um risco agravado relativamente ao normal, como facilmente se deduz das características dos objectos explosivos que ali se conservam. De facto, a possibilidade de explosões aumenta esse risco quando comparado com o que corre um soldado numa rotineira missão de guarda a outras instalações militares".


No parecer nº 60/81, de 14 de Maio (6 foi apreciada outra situação assim relatada:

"O 2º sargento mil. [...] achando-se, em 6 de Dezembro de 1974, a comandar a guarda ao paiol do Batalhão de Manutenção de Material, em Nampula, Moçambique, foi informado pelas praças sob seu comando de que se encontrava caído no solo um detonador, nas traseiras da casa da guarda.

Deslocando-se ao local indicado e para melhor examinar o detonador, sentou-se no chão a observá-lo tendo este, nessa altura, explodido, ao que parece sem que tivesse chegado a tocar-lhe, provavelmente por já estar demasiado quente devido a exposição aos raios solares".


De igual modo se concluiu estar-se perante uma situação (actividade) com risco agravado equiparável às descritas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, escrevendo-se, nesse sentido:

"[...] é de concluir que o sinistrado se defrontou com uma situação objectivamente criadora de risco de grau superior ao normal da actividade militar.

Advertido da existência de um objecto perigoso caído no solo, nas imediações da casa da guarda de um paiol, cumpria-lhe tomar as providências necessárias para que o eventual manuseamento de tal objecto por terceiros, ainda que desprevenidamente, não pudesse produzir efeitos altamente danosos para a segurança de outros militares senão mesmo para a segurança das instalações que lhe estavam confiadas.

A explosão do engenho ocorre no momento em que o militar verifica a sua existência, se propõe avaliar o risco que deriva do facto observado e, naturalmente, adoptar as medidas necessárias à neutralização desse risco.


Trata-se de um circunstancialismo especial, em que pode estimar-se como actividade objectivamente perigosa a acção do militar sinistrado".


5.3. O caso ora em apreço apresenta certa analogia com os atrás expostos, especialmente com o último, e não se vê que tenha sido inferior o risco suportado pelo capitão MURTEIRA.


Ao aproximar-se, em operação de reconhecimento, do material explosivo espalhado pelo solo - material julgado incapaz, a aguardar auto de aniquilamento, e que acabara de ser submetido a uma explosão que o arremessou ao ar com violência -, era de admitir, e o sinistrado foi até advertido dessa possibilidade, que esse material explodisse, a qualquer momento, na sequência do embate e aquecimento a que acabara de ser sujeito. E tal ocorreu.


Havendo, pois, grandes possibilidades de o material explosivo em causa deflagrar, quando o capitão MURTEIRA, comandante do Depósito de Material e Munições, acompanhava o chefe do piquete dos bombeiros no reconhecimento do material explosivo espalhado pelo solo, para avaliar as condições do terreno e decidir sobre a forma de actuar com o auto-tanque, deverá considerar-se tal actividade como de risco agravado equiparável às descritas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76.




CONCLUSÃO:



6.



Termos em que se conclui:

1º. Constitui actividade com risco agravado equiparável às descritas nos três primeiros itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, o reconhecimento da existência e localização de material explosivo, nomeadamente granadas de morteiro, que acabara de sofrer violenta explosão que o espalhara pelo solo do aquartelamento, com vista a decidir a forma de utilização do auto-tanque do piquete dos bombeiros;

2º. O acidente de que foi vítima o capitão NM (...), (...), ocorreu nas circunstâncias descritas na conclusão anterior, na sequência de rebentamento do material que reconhecia.




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(1Cfr. sobre esta matéria os pareceres nºs 38/89, de 25 de Janeiro de 1990, 42/90, de 27 de Setembro de 1990, e 93/90, de 25 de Outubro de 1990, homologados e não publicados.

(2Cfr., entre outros, os pareceres nºs 152/77, 6/78, 188/78, 220/78, 13/79, e 79/80, deste corpo consultivo, respectivamente de 28/7/77, 26/1/78, 2/11/78, 16/11/78, 1/1/79 e 10/7/80.

(3Homologado por despacho de 23/10/76 e publicado no B.M.J., nº 266, pág. 66.

(4Publicado no Diário da República, II Série, de 9/3/77, e no B.M.J., nº 274, pág. 19.

(5Homologado e não publicado.

(6Homologado e não publicado.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 de 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N4.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
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