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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
3/1998, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
CABRAL BARRETO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONFERÊNCIA DOS MINISTROS DA JUSTIÇA DOS PAÍSES HISPANO-LUSO-AMERICANOS
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS EM MATÉRIA COMERCIAL
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRA
DECISÃO ARBITRAL
EXECUÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL
SENTENÇA ARBITRAL ESTRANGEIRA
Conclusões: 
1º - Não existem obstáculos de ordem jurídica à adesão de Portugal ao Convénio celebrado em Buenos Aires, em 1975, no âmbito da Conferência dos Ministros da Justiça dos países Hispano-Luso-Americanos e Filipinas, sobre um sistema uniforme para a execução de sentenças civis e decisões arbitrais;

2º - O Projecto de modificação ao referido Convénio, que o enriquece substancialmente, se vier a ser adoptado, também não suscita, numa perspectiva de adesão, dificuldades de ordem jurídica;

3º - O Convénio e o Projecto de modificação suscitam as observações constantes da parte expositiva do Parecer.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
                     Excelência:
 
 
1. - Solicita-se Vossa Excelência uma informação/parecer sobre um Projecto de modificação ao "Convénio sobre um sistema uniforme para a execução de sentenças civis e decisões arbitrais", que será eventualmente discutido na próxima Conferência dos Ministros da Justiça dos Países Hispano-Luso-Americanos.
 
Cumpre , por isso, emiti-la.
 
 
2. - A III Conferência dos Ministros da Justiça dos países Hispano-Luso-Americanos e Filipinas, Buenos Aires - 1975, aprovou o "Convénio sobre um sistema uniforme para a execução de sentenças civis e decisões arbitrais".
 
Esta Convenção foi objecto da Informação deste Conselho Consultivo nº 23/76, de 26 de Abril de 1976, onde se salientou:
 
           «..... é bastante limitado, não abrangendo decisões estrangeiras em matéria de Direito Público (Direito Penal, Direito Administrativo, Direito do Trabalho, Previdência Social) e, no que concerne ao Direito Privado, exclui também aqueles domínios afectados pelo interesse público (Direito de Família e Sucessões).
 
           «Mesmo nas matérias que o Convénio abrange permite-se que o exequatur seja negado quando a decisão respeitar a uma obrigação ilícita no Estado requerido ou afectar a ordem pública deste Estado (artº 9º, a) e b)). Por outro lado, respeita-–se a competência dos tribunais do Estado a que o exequatur foi requerido, permitindo-se que seja negado quando nele tenha primeiro sido posta a acção (artº 9º, c)).
 
           «Face à limitação das matérias a que o Convénio respeita e aos fundamentos mencionados de negação do exequatur afigura-se-nos que o estabelecido no nº 3 do artº 12º - Não poderá ser negado o reconhecimento pelo facto de o tribunal que proferiu a decisão ter aplicado lei diferente da que corresponderia segundo o Direito Internacional Privado do Estado requerido - que contraria o preceituado na alínea g) do artº 1096º do Código de Processo Civil (que permite ao tribunal negar a confirmação da sentença estrangeira quando ofenda disposições do direito privado português se a questão devesse ser por este resolvida em conformidade com as regras de conflito portuguesas ) - não será razão bastante para repudiar o Convénio.
 
           «O disposto na alínea g) do artº 1096º do Código de Processo Civil é demasiado restritivo da cooperação entre Estados e não existe hoje na generalidade dos países da Europa Ocidental».
 
A Informação mostrava-se assim positiva quanto a ratificação por Portugal do referido Convénio.
 
Contudo, o nosso país ainda não procedeu a essa ratificação.
 
 
3. - Respondendo de certo modo à crítica sobre o âmbito limitado do Convénio, o Projecto de modificação vem alargar significativamente o seu objecto.
 
 
3. 1 - Assim, o artigo 1º do Convénio estatui:
 
           «O presente Convénio aplica-se a decisões judiciais e arbitrais sobre questões de direito privado, exceptuadas as seguintes matérias:
 
           a) Estado e capacidade das pessoas e direito de família, se se tratar de decisões constitutivas ou declarativas de tais estados ou direitos, não sendo compreendidas as respeitantes a obrigações pecuniárias consequência da declaração;
 
           b) Sucessões por causa de morte;
 
           c) Constituição ou existência de pessoas colectivas ou sociedades e competência do seus órgãos» ([1]).
 
O Projecto de modificação do Convénio propõe para este artigo 1º a seguinte redacção:
 
           «O Convénio aplicar-se-á às decisões judiciais em matéria civil e comercial, independentemente da natureza ou denominação do órgão judicial, assim como às decisões arbitrais».
 
Não compete, numa análise estritamente dedicada, por limitação estatutária do Conselho Consultivo, à compatibilidade jurídico-constitucional do projecto em causa, tecer considerações sobre o alcance deste.
 
Recorde-se apenas que a "Convenção sobre o reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras em matéria civil e comercial", feita em Haia, em 1 de Fevereiro de 1971, no quadro da 10ª Sessão da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado ([2]), exclui matérias que aqui são contempladas, nomeadamente as relativas ao estado e capacidade das pessoas - cf. o seu artigo 1º.
 
 
3. 2 - No artigo 2º do Convénio ainda se exceptuavam da sua aplicação algumas matérias, tais como as decisões dos tribunais administrativos ou do contencioso administrativo (al. a)), dos tribunais penais, mesmo quando respeitem a direitos privados (al. b), e as decisões em matéria de trabalho, incluindo a Segurança e Protecção Social, salvo no que concerne às obrigações pecuniárias resultantes dessas decisões (al. c).
 
O Projecto de modificação do Convénio melhora a redacção deste artigo 2º, aditando ainda algumas excepções.
 
Eis a redacção oferecida:
 
           «O Convénio não se aplica aos litígios relativos às seguintes matérias:
 
           a) Fiscais, aduaneiras e administrativas;
 
           b) Falências, concordatas ou procedimento análogos;
 
           c) Segurança social;
 
           d) Responsabilidade por danos derivados da energia nuclear».
 
 
3. 3 - O Convénio não se aplica às decisões penais, mesmo quando respeitem a direitos privados - alínea b) do artigo 2º.
 
Propondo o Projecto a eliminação do conteúdo desta alínea, tal não significa que se pretenda abranger as decisões penais em geral, pois o Convénio é dedicado apenas a questões de direito privado.
 
Pretende-se no entanto cobrir os aspectos civis das decisões penais, alterando o disposto no nº 2 do artigo 3º.
 
Este número estabelece:
 
           «O presente Convénio será também aplicável a decisões proferidas em matéria de jurisdição voluntária ou não contenciosa».
 
O Projecto propõe:
 
           «O presente Convénio aplicar-se-á também às decisões em matéria de jurisdição voluntária ou não contenciosa, assim como às condenações sobre responsabilidade pecuniária contidas numa sentença penal».
 
 
4 . O artigo 6º do Convénio disciplina a competência dos tribunais relativamente às diversas matérias abrangidas.
 
Dado o novo alcance que se pretende atribuir, o Projecto modifica este artigo acrescentando-lhe o regime da competência dos tribunais para as novas matérias, para além de melhorar a sua redacção.
 
Assim, começa-se com um corpo do artigo que estabeleceria:
 
           «As pessoas domiciliadas num Estado parte não podem ser demandadas perante os tribunais de outro Estado parte, salvo nos caso e condições estabelecidos neste Convénio».
 
Os nºs 1 e 2 que tratam da competência relativa às obrigações contratuais e extracontratuais não sofrem alterações.
 
O nº 3 sofre uma melhoria de redacção, precisando-se que, no que concerne às acções respeitantes a bens móveis, o tribunal competente é o do lugar onde estes se encontrarem.
 
Os nºs 4 a 7 encarregam-se de definir a competência dos tribunais relativamente às novas matérias que passariam a estar abrangidas no Convénio: alimentos, seguros, resseguros, trabalho, casamento, divórcio e separação de pessoas ([3]) e sucessões.
 
 
5. - O Capítulo II do Convénio trata dos "Requisitos e efeitos do reconhecimento"; o Projecto aponta algumas modificações ao artigo 8º que importam conhecer.
 
O artigo 8º do Convénio admitia que a competência dos tribunais tal como estava definida nos artigos anteriores (6º e 7º) pudesse não ser reconhecida nos seguintes casos:
 
           «a) Se a lei do Estado requerido reservar aos seus tribunais competência exclusiva para conhecer da acção quer em razão da matéria quer por acordo das partes;
 
           b) Se o país a que se solicita o reconhecimento se considera obrigado a reconhecer um acordo em que a competência exclusiva tenha sido submetida à arbitragem».
 
Mas o Convénio era omisso sobre qual o tribunal competente neste contexto.
 
O Projecto propõe-se suprir esta lacuna, dividindo o artigo 8º em dois números.
 
O nº 1 corresponde ao actual artigo 8º.
 
O nº 2 indica nas diversas alíneas quais os tribunais competentes quando funcionar a excepção prevista no nº 1.
 
O nº 3 deste mesmo artigo merece, pela sua importância, uma transcrição integral:
 
           «Também pode ser negado o reconhecimento àquelas decisões fundadas numa regra de competência que não tenha uma ligação suficiente com as partes em litígio, as circunstâncias do caso ou objecto da acção, o que não tenham em conta o princípio de uma boa administração da Justiça.
 
           «Esta regra não terá aplicação quando o tribunal de origem tiver exercido a jurisdição para evitar uma denegação de justiça».
 
 
6. - O Capítulo III está consagrado ao "Processo de reconhecimento ou exequatur".
 
O artigo 10º define a autoridade judicial competente para conceder o reconhecimento.
 
Sem modificar este propósito, o Projecto vem completá-lo do modo seguinte:
 
           «1. O pedido de reconhecimento e se for o caso a execução apresentar-se-á perante o órgão judicial que cada país designe no momento da ratificação ou de adesão ao presente Convénio. No mesmo acto se designará o órgão perante o qual se pode interpor recurso de apelação.
 
           «2. A lei interna determinará se contra as decisões dos órgãos previstos no número anterior cabe outro tipo de recurso.
 
           3. Os Estados Parte notificarão o Secretário-Geral da Conferência de qualquer modificação da competência prevista neste artigo».
 
 
7 - Recolhidas as modificações que o Projecto propõe para o Convénio, dir-se-á preliminarmente que aquelas modificações, além de melhorarem a redacção de alguns preceitos e de suprirem algumas lacunas, pretendem alargar o objecto do Convénio de modo a cobrir as decisões judiciais e arbitrais sobre praticamente todos os ramos do direito civil e comercial.
 
Recorde-se que o nº 3 do artigo 12º se mantém na sua redacção  anterior:
 
           «Não poderá ser negado o reconhecimento pelo facto de o tribunal que proferiu a decisão ter aplicado lei diferente da que corresponderia segundo o Direito Internacional Privado do Estado requerido».
 
Esta norma foi apreciada com alguma reserva na Informação de 1976, como se viu supra.
 
Ela colidia com o disposto na alínea g) do artigo 1096º do Código de Processo Civil (CPC) então vigente, e que estatuía:
 
«Para que a sentença seja confirmada é necessário:
 
..................................................................................
 
           g) Que, tendo sido proferida contra português, não ofenda as disposições do direito privado português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as regras de conflitos do direito português».
 
Porém, na revisão introduzida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, as exigência para a confirmação das sentenças estrangeiras sofreram algumas alterações, nomeadamente no que respeita a esta alínea.
 
Escreve-se no preâmbulo do diploma que introduziu a reforma:
 
           «O processo relativo à revisão de sentenças estrangeiras não se revelou carecido de revisão substancial, dado o seu reconhecido carácter aberto e progressista. Introduziram-se, contudo, algumas clarificações no seu regime, na esteira dos ensinamentos da mais moderna doutrina do direito internacional privado.
 
           ..............................................................................
 
           «O designado «privilégio da nacionalidade» - aplicação das disposições do direito privado português quando fosse este o competente segundo as regras de conflitos do nosso ordenamento -, constante da alínea g) do mesmo preceito, deixou de ser considerado requisito de reconhecimento para ser configurado como obstáculo ao reconhecimento, cuja iniciativa fica reservada à iniciativa da parte interessada».
 
Efectivamente, desapareceu a alínea g) do artigo 1096º do CPC e aditou-se um nº 2 ao artigo 1100º, disposição consagrada aos "Fundamentos da impugnação do pedido":
 
           «Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo as normas de conflitos da lei portuguesa».
 
Traduziu-se aqui aquilo que a nossa jurisprudência tinha vindo a aceitar, sob o impulso da doutrina representativa, ou seja, o entendimento de que já a referida alínea g) do artigo 1096º do CPC não impunha a revisão de mérito das sentenças estrangeiras proferidas contra portugueses se estes é que formulassem o pedido de revisão, renunciando à de mérito ([4]).
 
Importa, no entanto, sublinhar que para as decisões judiciais ou arbitrais que estejam cobertas pelo Convénio, o interessado não se pode prevalecer como fundamento de impugnação do agora disposto no nº 2 do artigo 1100º do CPC.
 
E, isto por duas ordens de razões:
 
           a) primeiro, porque o direito internacional pactício prevalece sobre o direito ordinário;
 
           b) segundo, e mesmo que assim se não quisesse, o artigo 1094º do CPC consagra no seu nº 1 a prevalência nesta matéria do que se aceitar em tratados:
 
           «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados ou leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro ou por árbitros no estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada».
 
Por isso, de reduzida relevância se apresenta neste campo a alteração agora introduzida no Código pois , e quanto às matérias cobertas pelo Convénio, nem mesmo ao nível da impugnação do pedido se poderá suscitar a "cláusula da nacionalidade".
 
Questão diferente, que releva de pura opção política, é saber se deverá aceitar-se uma cláusula tão abrangente ou será de ressalvar determinadas matérias, nomeadamente as mais sensíveis, as relativas ao estado e capacidade das pessoas ([5]).
 
 
8. - De um modo geral, não se descortinam razões para abandonar a opinião favorável emitida em 1976 sobre o Convénio na sua redacção actual.
 
 
8. 1 - O reconhecimento das decisões arbitrais estrangeiras tem aliás sido objecto de preocupação acrescida, com diversas Convenções a disciplinar e a implementar o seu reconhecimento internacional ([6]).
 
E o mesmo se adianta relativamente às sentenças judicias estrangeiras em matéria civil e comercial, de que é expoente a Convenção de Haia já citada.
 
No Mundo cada vez mais "aldeia global", a tendência será para que os Estados deixem de vedar o reconhecimento das sentenças proferidas no estrangeiro, judiciais ou arbitrais, invocando  o princípio de soberania ou a falta de confiança na jurisdição estrangeira ([7]).
 
É certo que os sistemas jurídicos preconizam, no que concerne à revisão e confirmação das sentenças estrangeiras, o princípio do controlo dos fundamentos de facto e de direito da decisão (revisão de mérito), ou o de aceitar os seus efeitos se, em análise superficial, não revelarem irregularidades formais (revisão formal), ou ambos os princípios ([8]).
 
Mas, o nosso sistema jurídico, na linha da tutela do interesse dos indivíduos e colectividades da comunidade internacional na estabilidade da regulamentação das diversas situações jurídicas subjectivas em que se envolvam, consagra um sistema de revisão de sentenças estrangeiras, incluindo as arbitrais, de considerável flexibilização.
 
E a tendência actual dos direitos internos e do resultante de convenções internacionais é, realizando aquela ideia, no sentido de cada vez maior facilidade de revisão das sentenças estrangeiras, exigindo apenas o sistema de delibação ou de revisão formal ([9]).
 
Poderá dizer-se que, a este propósito, a nossa lei passou a adoptar um princípio geral fundamentalmente formal, consubstanciado nas diversas alíneas do artigo 1096º do CPC.
 
O Convénio assume também esta via, ao estatuir no artigo 12º, nº 1:
 
           «Em caso algum se procederá ao reexame do mérito ou fundo da causa, salvo no que se mostrar necessário para a prova da verificação dos requisitos estabelecidos».
 
 
8. 2 - O primeiro requisito de confirmação das sentenças estrangeiras consiste na inexistência de dúvidas sobre a autenticidade dos documentos que inserem as decisões ou sobre a inteligência da decisão - alínea a) do artigo 1096º do CPC. ([10]).
 
O segundo requisito reporta-se ao caso julgado, segundo a lei do Estado em que foi proferida a decisão a reconhecer - alínea b) do artigo 1096º do CPC.
 
O terceiro requisito prende-se com a competência internacional dos tribunais onde a sentença foi proferida, segundo as regras de conflitos de jurisdição da lei portuguesa -alínea c) do artigo 1096º do CPC.
 
Estas regras constam dos artigos 65º e 65º-A do CPC, que elencam os factores de atribuição de competência aos tribunais portugueses e não, naturalmente, aos tribunais estrangeiros, e daí a dificuldade de interpretação da alínea c) do artigo 1096º.
 
«A referida dificuldade tem sido superada a partir do entendimento interpretativo, baseado na intenção legislativa, de que o tribunal estrangeiro é competente para proferir a decisão revidenda se em relação a ele se verificar qualquer dos pressupostos fácticos previstos nos artigos 65º e 65º-A do Código de Processo Civil» ([11]).
 
O quarto requisito para a revisão é a inexistência de litispendência ou de caso julgado  derivados de acção intentada nos tribunais portugueses, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição - alínea d) do artigo 1096º do CPC ([12]).
 
O quinto requisito de revisão consiste na citação do réu e, novidade importante na nova redacção, que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes - alínea e) do artigo 1096º ([13]).
 
O sexto e último requisito refere-se à ordem pública: a decisão a rever não pode conduzir a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português - alínea f) do artigo 1096º do CPC ([14]).
 
A reserva de ordem pública internacional consiste na limitação inerente à remissão das normas de conflitos para o direito estrangeiro, que legitima a recusa de aplicação deste pelo juiz do foro, quando verificar que dessa aplicação resulta intolerável ofensa dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico em que está integrado ([15]).
 
 
8. 3 - O Convénio adapta-se perfeitamente as estas exigências.
 
Sobre a autenticidade do documento, a necessidade de trânsito em julgado e a citação do réu, exige-se no seu artigo 13º, nº 1:
 
           «A parte que pretenda o reconhecimento deverá apresentar cópia literal, autêntica ou autenticada, da decisão a que se refira, assim como documento certificativo de que a decisão transitou em julgado, e, no caso de ter sido proferida à revelia, documento que certifique que a citação do réu foi feita pela forma determinada na alínea c) do artigo 5º» ([16]).
 
Sobre a «inteligência» do documento, previne o nº 2 do artigo 13º:
 
           «Se a decisão for proferida em idioma diferente do Estado requerido, deverá também ser acompanhada de tradução oficial».
 
Sobre a competência do tribunal estrangeiro, o disposto nos artigos 6º, 7º, 8º do Convénio mostra-se harmónico com os princípios contidos nos artigos 65º e 65º-A do CPC.
 
Relativamente à litispendência e ao caso julgado, estabelece o artigo 9º, nas alíneas c) e d):
 
           «O reconhecimento pode ser negado nos seguintes casos:
 
           .....................................................................................
 
           c) Se estiver pendente num Tribunal deste Estado um litígio em que as partes sejam as mesmas partes, com o mesmo objecto e fundado nos mesmos factos, a menos que a acção tenha sido primeiro proposta em Estado competente nos termos do presente Convénio.
 
           b) Se no Estado requerido ou em outro Estado tiver já sido proferida decisão sobre a mesma causa e esta se encontrar em condições de ser reconhecida no Estado requerido».
 
Também a ordem pública é devidamente acautelada no Convénio que no seu artigo 9º assim estabelece:
 
           «O reconhecimento pode ser negado nos seguintes casos:
 
           .....................................................................................
 
           b) Se a decisão for manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado requerido».
 
Constata-se assim a perfeita adaptação do Convénio ao nosso sistema de revisão de sentenças judiciais e decisões arbitrais estrangeiras.
 
 
9 - Do que se deixou consignado, fácil será constatar que não existem obstáculos de ordem jurídica à adesão de Portugal ao Convénio na sua redacção actual, como se afirmou na Informação de 1976, e que as propostas de modificação, que o enriquecem substancialmente, convivem sem dificuldade com a nossa jurídica, pois respiram idênticas preocupações e objectivos.
 
 
10 - Pelo exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
 
1º - Não existem obstáculos de ordem jurídica à adesão de Portugal ao Convénio celebrado em Buenos Aires, em 1975, no âmbito da Conferência dos Ministros da Justiça dos países Hispano-Luso-Americanos e Filipinas, sobre um sistema uniforme para a execução de sentenças civis e decisões arbitrais;
 
2º - O Projecto de modificação ao referido Convénio, que o enriquece substancialmente, se vier a ser adoptado, também não suscita, numa perspectiva de adesão, dificuldades de ordem jurídica;
 
3º - O Convénio e o Projecto de modificação suscitam as observações constantes da parte expositiva do Parecer.
 
 
 
 
Lisboa, 19 de Março de 1998
 
 
 
 
O Procurador-Geral-Adjunto,
 
 
 
 
(Ireneu Cabral Barreto)
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

[1]) Utiliza-se a tradução feita na referida Informação.
     O Projecto de modificação do Convénio está apenas redigido em espanhol, pelo que a tradução, no que for necessário, será feita livremente.
[2]) Aprovada para ratificação pelo Decreto do Governo nº 13/83, de 24 de Fevereiro, com entrada em vigor para Portugal em 20 de Agosto de 1983.
[3]) Em regra, o critério elegido é o do domicílio ou do "demandante" ou do "demandado".
     Porém, para as acções relativas à nulidade do casamento, ao divórcio ou à separação de pessoas, permite-se que os Estados façam uma declaração precisando se aplicarão o critério da nacionalidade ou do domicílio.
[4]) Assim, Parecer nº 48/91, de 26 de Setembro de 1991, que cita os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Fevereiro de 1984, de 28 de Outubro de 1986, de 31 de Março de 1987, e de 7 de Julho de 1987, publicados no Boletim do Ministério da Justiça nºs 334, pág 437, 360, pág. 546, 365, pág. 592, e 369, pág. 504, respectivamente.
[5]) Cfr., neste sentido, a referida "Convenção de Haia sobre o reconhecimento e execução de sentenças estrangeiras em matéria civil e comercial", que previne no seu artigo 7º:
     «O reconhecimento ou a execução não podem ser recusados com o simples fundamento de o tribunal do Estado de origem ter aplicado uma lei diferente da que seria aplicável, segundo normas de direito internacional privado do Estado requerido.
     «Todavia, o reconhecimento ou a execução podem ser recusados quando o tribunal do Estado de origem, para tomar a sua decisão, teve de resolver qualquer questão relativa quer ao estado ou à capacidade de uma das partes, quer aos seus direitos nas outras matérias excluídas da Convenção pelo artigo 1º, segundo parágrafo, nºs 1) a 4), e chegou a um resultado diferente do que teria obtido pela aplicação a essa questão das normas de direito internacional privado do Estado requerido».
[6]) Ver, por todas, a "Convenção sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, celebrada em Nova Iorque aos 10 de Junho de 1958", aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República nº 37/94, de 8 de Julho, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 52/94, da mesma data, analisada no Parecer nº 48/91, de 26 de Setembro de 1991.
[7]) Ferrer Correia, "Lições de Direito Internacional Privado", "Do Reconhecimento e Execução das Sentenças Estrangeiras", Aditamento, Coimbra, 1975, págs. 38 e 39. Ver também o Parecer nº 48/91, que se acompanha de perto.
[8]) Ferrer Correia, Ob. cit., págs. 50 e 56.
[9]) Ferrer Correia, "Breves reflexões sobre a competência internacional indirecta”, "Revista de Legislação e de Jurisprudência”, Ano 109, págs. 133 e segs. Cfr. ainda o Parecer nº 48/91.
[10]) Sobre a autenticidade dos documentos, ver os artigos 365º do Código Civil e 540º do CPC.
     A inteligibilidade da decisão estrangeira passa antes de mais pela língua em que está redigida e o respectivo conteúdo.
     Note-se que a inteligibilidade da decisão, face ao princípio geral da revisão formal, não pressupõe a formulação de um juízo de coerência lógica entre a parte decisória e os respectivos fundamentos - Ferrer Correia, Ob. cit., págs 102 e 105, e Alberto dos Reis, "Processo Especiais”, Vol, II, Coimbra, 1956, págs. 161 e 162.
[11]) Parecer nº 48/91.
[12]) Para a litispendência e o caso julgado, cfr., os artigos 497º, nº1, e 498º, nº 1 do CPC.
     Prevenir a jurisdição por um tribunal estrangeiro significa que a acção foi ali primeiramente intentada.
[13]) Esta alteração visa deixar claro «que também a ordem pública processual - e não só a material - pode constituir obstáculo ao reconhecimento das sentenças estrangeiras» - preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95.
[14]) Norma em consonância com  o artigo 22º do Código Civil que proíbe a aplicação pelos tribunais de direito estrangeiro quando isso envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português.
[15]) Ferrer Correia, Ob. cit., págs. 634 e segs. Cfr., para maiores desenvolvimentos, o Parecer nº 48/91.
[16]) Diz esta alínea c): «Para que a decisão proferida num Estado contratante possa ser reconhecida noutro Estado contratante é necessário: c) Que as partes tenham sido citadas pessoalmente ou na pessoa do seu representante legal, nos termos da lei onde correu o processo».Ver ainda o artigo 5º, alínea b) (para que a decisão possa ser revista, ela deve ter «força de caso julgado»).
Anotações
Legislação: 
CPC67 ART1096 G.
DL 329-A/95 DE 95-12-12 ART65 ART65A ART1100 N2 ART1094 N1 ART1096.
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL * TRATADOS / DIR PROC CIV.*****
CONV SOBRE O ESCLARECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL, HAIA 1971 ART1
CONV SOBRE UM SISTEMA UNIFORME PARA A EXECUÇÃO DE SENTENÇAS CIVIS E DECISÕES ARBITRAIS BUENOS AIRES 1975
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