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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
97/1998, de 25.03.1999
Data do Parecer: 
25-03-1999
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
ESTEVES REMÉDIO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
TEATRO DE GUERRA
TEATRO DE OPERAÇÕES
SERVIÇO DE CAMPANHA
CIRCUNSTÂNCIAS DIRECTAMENTE RELACIONADAS COM O SERVIÇO DE CAMPANHA
RISCO AGRAVADO
NEXO DE CAUSALIDADE
Conclusões: 
O rebentamento, em condições não esclarecidas, de uma granada de mão ofensiva (que, por simpatia, faz deflagrar outras), ocorrido pelas 8H10 do dia 30 de Outubro de 1968, no aquartelamento de Gandembel, Bissalanca, na Guiné, junto a um abrigo, onde vários militares procediam à operação de limpeza das respectivas espingardas G-3, não caracteriza uma situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:

1.

Dignou-se Vossa Excelência mandar remeter à Procuradoria-Geral da República o processo relativo a (...), ex-1º CAB/PARAQ NIP (...), para emissão do parecer a que alude o nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.

Cumpre emiti-lo.


2.

A matéria de facto disponível é a que consta do processo por acidente em serviço oportunamente instaurado, donde é possível destacar:

a) O acidente ocorreu em 30 de Outubro de 1968, pelas 8H10, no aquartelamento de Gandembel, Bissalanca, na Guiné;

b) O Sinistrado e outros militares procediam, junto a um abrigo, à limpeza das respectivas espingardas G-3;

c) Numa seteira, a cerca de dois metros, encontravam-se 4 ou 5 granadas de mão ofensivas;

d) Junto à seteira e às granadas não se encontrava ninguém;

e) A dado momento, «sem qualquer justificação», houve um rebentamento de uma das granadas, tendo as outras rebentado por simpatia, vindo os estilhaços a atingir quatro militares, matando um e ferindo três (um dos quais o Requerente);

f) «ninguém se encontrava junto às granadas, tendo estas explodido inexplicavelmente»;

g) «Não se verifica ter havido culpabilidade no acidente nem por parte do sinistrado nem por qualquer outra pessoa»;

h) Do acidente resultaram, para (...), «múltiplas feridas por estilhaços», referindo-se, em relatório final - datado de 8 de Janeiro de 1969 -, que o acidente originou «um período de 36 dias de doença com incapacidade para o serviço», que dele «não resultou aleijão, nem incapacidade para o serviço militar» e que «o sinistrado se encontra já curado»;

i) Encerrado o processo, foi, em 23 de Janeiro de 1969, proferido o seguinte despacho pelo Comandante da 1ª Região Aérea da Guiné: «Confirmo a participação que deu origem ao presente processo e declaro que o sinistrado sofreu o acidente em serviço para o que estava legalmente nomeado e não houve culpabilidade do sinistrado ou de outrem militar ou civil ao serviço da F.A.»;

j) O acidente foi considerado em serviço por despacho de 28 de Abril de 1969 do Secretário de Estado da Aeronáutica;

l) Em 18 de Dezembro de 1976, o ex-militar requereu a revisão do processo, porquanto lhe foram detectados estilhaços na vista esquerda que lhe provocaram a perda de visão;

m) Submetido a exames médicos, conclui-se no exame de sanidade, de 31 de Agosto de 1978, que apresenta as seguintes lesões:
«OD - sem lesões e com visão igual a 10/10.
OE - iridectomia periférica às 12h; afaquia cirúrgica; vítreo liquefeito; fundo ocular sem alterações apreciáveis. Visão igual à contagem de dedos a 0,5m/m.»
A estas lesões é atribuído o coeficiente global de desvalorização de 0,325.

n) A Junta de Saúde da Força Aérea (FA), em 19 de Abril de 1979, emitiu parecer onde considera o Requerente «Incapaz de todo o serviço. Apto para o trabalho e angariar meios de subsistência. Com um coeficiente de desvalorização de 0,325, ao abrigo da TNIATDP. Não carece de acompanhante.»

o) O parecer da Junta foi confirmado por despacho da mesma data;

p) O Sinistrado encontra-se na situação de pensionista de invalidez desde 19 de Abril de 1979;

q) Em 10 de Agosto de 1994, o ex-militar requereu novamente a revisão do seu processo «a fim de que o seu acidente seja considerado como ocorrido em serviço de campanha»;

r) Procedeu-se, de novo, à audição do Requerente e das testemunhas já antes inquiridas, sem que, todavia, resulte clarificado o circunstancialismo que originou o acidente ([1]);

s) A Junta de Saúde da FA mantém, em 28 de Novembro de 1996, a decisão de 19 de Abril de 1979, que volta a ser confirmada, agora por despacho de 29 de Novembro de 1996;

t) O Serviço de Justiça e Disciplina da FA - em informação que obtém a concordância do Chefe de Estado-Maior da FA (despacho de 14 de Fevereiro de 1997) -, entende que há «relação entre as lesões e o acidente» e considera que, nos termos do disposto nos artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, «o acidente poderá ser qualificado como tendo ocorrido “no exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulta, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores”»;

u) Remetido o processo ao Ministério da Defesa Nacional, é elaborado parecer no Departamento de Assuntos Jurídicos (DeJur) ([2]), no qual, motivadamente, se afasta o enquadramento do acidente nos conceitos de «serviço de campanha», de «circunstâncias relacionadas com o serviço de campanha» e de «risco agravado» àqueles equiparável, concluindo-se pela proposta de remessa do processo à Procuradoria-Geral da República, uma vez que a qualificação, nesta terceira hipótese, «compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República» (artigo 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76). O parecer e proposta obtêm a expressa concordância da Directora do DeJur e do Secretário de Estado da Defesa Nacional (despacho de 30 de Novembro de 1998).


3.

O Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, reconhece o direito à reparação material e moral que assiste aos deficientes das Forças Armadas e institui medidas e meios que concorram para a sua plena integração na sociedade.

Ao nível axiológico, o diploma assenta na justeza do «reconhecimento do direito à plena reparação de consequências sobrevindas no cumprimento do dever militar aos que foram chamados a servir em situações de perigo ou perigosidade», e parte do princípio de que a integração social dos que nessas condições se deficientaram constitui um imperativo e um dever nacionais.

Neste quadro valorativo, consta daquele decreto-lei «a materialização da obrigação de a Nação lhes prestar assistência económica e social, garantindo a sobrevivência digna, porque estão em jogo valores morais estabelecidos na sequência do reconhecimento e reparação àqueles que no cumprimento do dever militar se diminuíram, com consequências permanentes na sua capacidade geral de ganho, causando problemas familiares e sociais» ([3]).

Apesar de o acidente ter ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, este diploma é-lhe aplicável, face às disposições conjugadas dos nºs 2 e 3 do seu artigo 18º:

«O presente diploma é aplicável aos:
(...)
2. Cidadãos que, nos termos e pelas causas constantes do nº 2 do artigo 1º, venham a ser reconhecidos DFA após revisão do processo.
3. Militares que venham a contrair deficiência em data ulterior à publicação deste decreto-lei e forem considerados DFA.»

Na delimitação do conceito de deficiente das Forças Armadas, o Decreto-Lei nº 43/76 estabelece, designadamente, o seguinte:

«Artigo 1º
Definição de deficiente das forças armadas

1. O Estado reconhece o direito à reparação que assiste aos cidadãos portugueses que, sacrificando-se pela Pátria, se deficientaram ou se deficientem no cumprimento do serviço militar e institui as medidas e os meios que, assegurando as adequadas reabilitação e assistência, concorrem para a sua integração social.
2. É considerado deficiente das forças armadas portuguesas o cidadão que:
No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho;
quando em resultado de acidente ocorrido:
Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;
Na manutenção da ordem pública;
Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores;
vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:
Perda anatómica; ou
Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função;
tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:
Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou
Incapaz do serviço activo; ou
Incapaz de todo o serviço militar.
3. Não é considerado DFA o militar que contrair ou sofrer doenças ou acidentes intencionalmente provocados pelo próprio, provenientes de acções ou omissões por ele cometidas contra ordens expressas superiores ou em desrespeito das condições de segurança determinadas por autoridades competentes, desde que não justificadas.»


«Artigo 2º
Interpretação de conceitos contidos no artigo 1º

1. Para efeitos de definição constante no nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que:
a) A diminuição das possibilidades de trabalho para angariar meios de subsistência, designada por 'incapacidade geral de ganho', deve ser calculada segundo a natureza ou gravidade da lesão ou doença, a profissão, o salário, a idade do deficiente, o grau de reabilitação à mesma ou outra profissão, de harmonia com o critério das juntas de saúde de cada ramo das forças armadas, considerada a tabela nacional de incapacidade;
b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei.
2. O ‘serviço de campanha ou campanha’ tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.
3. As ‘circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha’ têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade.
4. 'O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores' engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei.
A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República.» ([4])


4.

4.1. A qualificação de um cidadão como deficiente das Forças Armadas pressupõe, portanto, basicamente:

a) um certo quadro genérico de serviço - cumprimento do serviço militar e defesa dos interesses da Pátria;
b) um certo resultado - diminuição permanente, em pelo menos 30%, da capacidade geral de ganho - produzido no desenvolvimento do serviço e derivado de
c) um certo acidente ocorrido:
- em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha ou como prisioneiro de guerra;
- na manutenção da ordem pública;
- na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou
- no exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores ([5]).

Reconhecendo a verificação dos pressupostos referidos nas alíneas a) e b), fixemo-nos nos itens da alínea c), pondo de parte - por não estarem relacionados com o objecto do parecer -, os conceitos de manutenção da ordem pública e de acto humanitário ou de dedicação à causa pública.


4.2. Como o Conselho Consultivo tem repetidas vezes afirmado ([6]), nunca foi posto em dúvida que, embora algumas das expressões e conceitos utilizados nestas matérias envolvam uma específica conotação de cariz técnico-militar, não deixa de estar ao seu alcance a delimitação e densificação dos respectivos conteúdos ([7]).

Teatro de guerra é o «espaço terrestre, marítimo ou aéreo, que está, ou pode vir a estar, envolvido em operações de guerra»; teatro de operações (TO) é a «parte de um teatro de guerra necessária às operações militares, ofensivas ou defensivas empreendidas ou a empreender de acordo com uma dada missão, e às tarefas administrativas e logísticas delas directamente decorrentes. Os seus limites geográficos são estabelecidos pelo mais alto órgão de direcção da defesa nacional».

Em regra, o teatro de operações divide-se em zona de combate e zona de comunicações.

«Em guerra subversiva, um TO poderá ter uma organização semelhante, desde que o In tenha atingido um desenvolvimento tal que as operações militares a levar a efeito contra ele sejam de tipo clássico, permitindo, portanto, definir uma “frente” e uma “retaguarda”. Normalmente, porém, um TO em guerra subversiva será dividido em áreas de subversão activa e áreas de subversão latente. Nestas últimas, onde a subversão não atingiu a fase insurreccional, a organização militar territorial de tempo de paz poderá manter-se. As outras, onde a situação exige operações militares activas de certo vulto, serão divididas em Zonas de Operações e estas, por sua vez em Sectores de Operações.» ([8])

De entre as formas principais de guerra, distingue-se entre guerras internacionais [guerra fria, guerra clássica (pura), guerra clássica sob a ameaça nuclear, guerra nuclear limitada e guerra nuclear ilimitada] e guerras internas (revolta militar, golpe de Estado e guerra subversiva); a guerra subversiva é definida como a «luta conduzida no interior dum território, pela sua população ou parte dela, ajudada e reforçada ou não do exterior, contra as autoridades de direito ou de facto estabelecidas, com a finalidade de lhes retirar o controlo desse território ou, pelo menos, de paralisar a sua acção.» ([9])

O próprio Decreto-Lei nº 43/76 contém noções que aqui nos interessam: é o que sucede com a de serviço de campanha ou campanha (artigo 2º, nº 2), com a de circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha (artigo 2º, nº 3) e com a de exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores (artigo 2º, nº 4).

O serviço de campanha ou campanha «tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta de inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional».

As circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha «têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características impliquem perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional, ou em actividade directamente relacionada, que pelas suas características próprias possam implicar perigosidade».

O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores engloba os «casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei».

«A toda esta problemática - afirma-se no parecer nº 27/85 -, está subjacente a ideia de perigosidade proveniente da própria natureza dos eventos produzidos no teatro de guerra ou no espaço mais reduzido do teatro de operações ou com estes directamente relacionados, em situação de contacto ou possibilidade de contacto com o Inimigo.»

O serviço de campanha e as circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha têm lugar no teatro de operações e envolvem, o primeiro, uma actuação directa ou indirecta do inimigo, as segundas, os eventos de natureza operacional que, pelas suas características específicas, possam implicar perigosidade, resultante, designadamente, de contacto possível com o inimigo.

Quanto à articulação do nº 2 do artigo 1º com o nº 4 do artigo 2º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, o Conselho Consultivo tem interpretado estas disposições no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com elas relacionadas, de prisioneiros de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública - só é aplicável aos casos que, «pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que, excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas.

«Assim, implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre de situações de campanha ou a elas por lei igualadas.» ([10])

Exige-se uma actividade de risco agravado, superior ao risco genérico que toda a actividade militar encerra, risco a valorar em sede de objectividade, pois se mostra incompatível com circunstâncias ocasionais e imprevisíveis.

Todavia, não basta estabelecer-se a equiparação do risco. Desenvolvendo esta ideia, afirma-se no parecer nº 22/97:

«(...) a lei (nº 2 do artigo 1º) aponta ainda, entre os requisitos de qualificação como deficiente das Forças Armadas, que a diminuição de capacidade geral de ganho resulte de acidente ocorrido nessas circunstâncias de risco, o que implica uma relação de causalidade adequada entre essa situação de risco agravado e o acidente e entre este e as lesões determinantes daquela incapacidade.

«Quer dizer: nem todos os acidentes ocorridos no decurso de actividades desenvolvidas em circunstâncias de risco agravado são merecedores do regime de privilégio previsto no diploma em causa.

«Consoante já se ponderou em anteriores pareceres (x), é ainda exigível, para a qualificação como deficiente das Forças Armadas, apurar-se no domínio da matéria de facto - estranha à competência deste corpo consultivo - que o acidente, ocorrido em situação de risco agravado, se encontre numa dupla relação de causalidade adequada com aquela situação e com a incapacidade sofrida pelo sinistrado.»

No mesmo sentido, afirmara-se já no parecer nº 154/88 ([11]): «Para que se possa qualificar como deficiente das Forças Armadas o militar autor de actos subsumíveis nos diversos itens do nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 é necessário que exista um duplo nexo causal, concebido em termos de causalidade adequada, entre o acto (situação) e o acidente e entre este último e a incapacidade.»


5.

A descrição factual do acidente, face aos elementos constantes do processo, não permite concluir que tenha ocorrido em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha.

E admitindo que o mesmo se deu no teatro de operações, onde se podiam verificar situações de guerrilha, não resulta da matéria de facto provada qualquer indício de que a deflagração das granadas tivesse resultado de uma acção directa do inimigo, de evento decorrente de actividade indirecta do inimigo ou de qualquer outra acção de natureza operacional ([12]).

Por outro lado, a concreta actividade desenvolvida pelos militares - a limpeza das armas -, bem como o momento e o local em que o fazem, não indiciam, face aos elementos probatórios recolhidos, a existência de um risco agravado, que exceda o risco específico inerente ao desenvolvimento normal da actividade militar.

Como se frisou, ninguém se encontrava junto às granadas, afasta-se a culpabilidade do sinistrado e de qualquer outra pessoa e não se aponta qualquer indício que explique a explosão.

Num quadro como este, o rebentamento das granadas, que as testemunhas não conseguem justificar nem explicar, apresenta-se com o recorte de um acontecimento fortuito, acidental e imprevisível, que impossibilita a afirmação de uma situação de risco agravado subsumível à previsão do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76.

É certo que o Conselho Consultivo tem entendido que o manuseamento de granadas em actos de instrução corresponde a uma actividade militar de risco superior ao normal das actividades castrenses, logo de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 ([13]). O que já não acontece quando o militar é vítima ocasional de um desses engenhos em circunstâncias ocasionais e imprevisíveis ([14]).

Todavia, no caso em apreço, a actividade militar desenvolvida não implicava (nem tal é sugerido ou indiciado) o manuseamento das granadas; o rebentamento das granadas surge à margem de tal actividade, não está com ela relacionado e ocorre em condições que não foi possível determinar.

No fundo, o que se mostra decisivo é que os elementos de facto disponíveis não se afiguram suficientemente esclarecedores das circunstâncias em que ocorreu a deflagração das granadas, o que impede a afirmação da existência de risco agravado.

Dir-se-á que a investigação efectuada é, primeiro, lacunar, e depois, repetitiva, uma vez que, nos dois pedidos de revisão, são ouvidas precisamente (e apenas) as pessoas que já antes haviam prestado declarações.

Trata-se, todavia, de insuficiências de natureza factual que, a poderem ser supridas ([15]), são estranhas à competência do Conselho Consultivo, a quem não cabe a fixação nem da matéria de facto nem do nexo de causalidade ([16]).


6.

Em face do exposto, formula-se a seguinte conclusão:

O rebentamento, em condições não esclarecidas, de uma granada de mão ofensiva (que, por simpatia, faz deflagrar outras), ocorrido pelas 8H10 do dia 30 de Outubro de 1968, no aquartelamento de Gandembel, Bissalanca, na Guiné, junto a um abrigo, onde vários militares procediam à operação de limpeza das respectivas espingardas G-3, não caracteriza uma situação de risco agravado enquadrável no nº 4 do artigo 2º, referido ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro.


([1]) O Requerente (ouvido em 5 de Fevereiro de 1996) afirma que «se encontrava, assim como os outros elementos do pelotão, no interior de um género de trincheira a proceder à limpeza do armamento, quando inexplicavelmente se deu o rebentamento de um ou mais explosivos que supõe fossem granadas, não sabendo descrever se ofensivas se defensivas»; «disse não saber quais as razões ou factores que originaram o acidente, mas que a zona onde se encontravam era tida como zona de alto risco, onde se davam confrontos próximos»; «da parte dos militares que se encontravam no interior do abrigo não houve qualquer culpa porquanto o explosivo terá vindo do exterior».
Uma das testemunhas (ouvida a 6 de Fevereiro de 1996) afirma que «procediam à limpeza do armamento e em determinada altura e inexplicável, rebentou todo o armamento que se encontrava nas seteiras (material explosivo), nunca sabendo qual a origem do rebentamento»; as «razões ou factores que originaram a ocorrência, deu-se ao inexplicável rebentamento do material explosivo».
A outra testemunha (inquirida a 28 de Fevereiro de 1996) afirma que «em dia que já não se recorda no decorrer da tarde, se encontrava com os restantes militares (...) a fazer limpeza de armamento, que a determinada altura deu-se um rebentamento, causado por granadas presumivelmente ofensivas, originando ferimentos em vários militares»; «não sabe dizer qual a origem do acidente, mas que supõe que tivesse existido sabotagem por algum elemento estranho ao grupo, em virtude de existirem ali militares de etnia africana».
Para além de localizar o acidente «no decorrer da tarde» (a participação inicial, datada de 31 de Outubro de 1968, é precisa quanto ao tempo do sinistro («8 horas e 10 minutos»), esta última testemunha (antes ouvida em 10 de Novembro de 1968 e 9 de Novembro de 1978), apenas quando é ouvida pela terceira vez, fala, ainda que em termos conjecturais - «não sabe (...) mas supõe que (...)» -, em «sabotagem por algum elemento estranho ao grupo, em virtude de existirem ali militares de etnia africana».
O próprio Requerente, quando ouvido a 5 de Dezembro de 1968, referiu que «procedia à limpeza de armamento», que numa seteira «se encontravam quatro ou cinco granadas de mão ofensivas» e que «inesperadamente houve o rebentamento de uma das granadas, e as restantes rebentado por simpatia»; para além do seu carácter dubitativo, a afirmação de que «o explosivo terá vindo do exterior» apenas surge no processo na audição de 5 de Fevereiro de 1996.
([2]) Informação nº 25349/98 (Procº nº 161/79/Dejur), de 17 de Novembro de 1998, subscrita por Técnica Superior.
([3]) Do preâmbulo do Decreto-Lei nº 43/76.
([4]) A redacção do nº 4 resulta de rectificação publicada no Diário da República, I Série, nº 148 (2º Suplemento), de 26 de Junho de 1976.
([5]) Cfr. os pareceres nºs 85/89, de 23 de Novembro de 1989, e 1/97, de 6 de Março de 1997, do Conselho Consultivo.
([6]) V., por exemplo o parecer no 82/96, de 23 de Janeiro de 1997.
([7]) Seguimos, nesta parte, o parecer nº 27/85, de 16 de Maio de 1965 (Diário da República, II Série, nº 287, de 13 de Dezembro de 1985), cujos termos têm sido repetidas vezes retomados.
([8]) Dicionário de Termos Militares, ed. do Estado-Maior do Exército, Instituto de Altos Estudos Militares, 1977, págs. 104-195.
([9]) Ob. cit., págs. 58-59.
([10]) Dos pareceres nºs 55/87, de 29 de Julho de 1987, e 80/87, de 19 de Novembro de 1987, homologados mas não publicados, cujos termos têm sido repetidas vezes retomados - cf., por exemplo, os pareceres nºs 44/94, de 27 de Outubro de 1994, 71/96, de 23 de Janeiro de 1997, 22/97, de 27 de Outubro de 1997, 44/98, de 19 de Novembro de 1998, e 81/98, de 28 de Janeiro de 1999.
«(x) Cfr., por ex., os pareceres nº 42/82, de 1/4/82, nº 160/82, de 24/2/83, nº 7/83, de 10/2/83 e nº 47/84, de 25/7/84.»
([11]) Votado na sessão de 9 de Fevereiro de 1989.
([12]) Cf. o parecer nº 71/98, de 14 de Janeiro de 1999.
([13]) Cf., por último, os pareceres nºs 84/98, de 14 de Janeiro de 1999, e 81/98, de 28 de Janeiro de 1999.
([14]) Cf., neste sentido, por ex., os pareceres nºs 159/82, de 9 de Dezembro de 1982, 107/83, de 7 de Julho de 1983, e 4/99, de 11 de Março de 1999,
([15]) Sobre o ónus de prova neste tipo de procedimentos, pode ver-se o parecer nº 82/96 do Conselho Consultivo, referido na nota 6.
([16]) Assim, o parecer nº 44/94, de 27 de Outubro de 1994.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N4 ART18 N2 N3.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA
Divulgação
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