Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:
1
No parecer nº 42/92, de 11 de Fevereiro de 1993, formularam-se as seguintes conclusões:
"lª - Os despachos de nomeação dos candidatos aprovados no concurso de pessoal para a Administração Pública, não podem ser proferidos antes de decorrido o prazo estabelecido para a interposição de recurso da homologação das lista de classificação final (artigo 35º, nº 3, do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro);
2ª - O prazo para a interposição do recurso referido na conclusão anterior é de dez dias contados nos termos estabelecidos no artigo 24º, nº 3;
3ª - O recurso tem efeito suspensivo e deve ser decidido pelo membro do Governo competente, no prazo de quinze dias a contar da data da sua interposição (artigo 34º, nºs. 1 e 2);
4ª - Os despachos de nomeação dos candidatos podem ser proferidos logo que decorrido o prazo referido na conclusão 2ª sem que tenha sido interposto qualquer recurso;
5ª - Interposto recurso nos termos do artigo 34º, nº 1, se o membro do Governo o não decidir no prazo fixado no nº 2 do mesmo preceito, considera- se o recurso indeferido (artigo 175º, nº3, do Código do Procedimento Administrativo);
6ª - Indeferido o recurso hierárquico, expressa ou tacitamente, o acto recorrido recobra a sua eficácia, cessando o efeito suspensivo atribuído pelo nº 1 do citado artigo 34º".
Assim respondeu o Conselho Consultivo a questão que o Senhor Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território se dignou submeter à sua apreciação, e que equacionou nos termos que seguem:
"Qual a duração do efeito suspensivo do recurso hierárquico de homologação de listas de classificação em concurso de pessoal da função pública, previsto no artigo 34º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro" (1).
2
O Senhor Auditor Jurídico junto do Ministério da Indústria e Energia representou a V. Exª as dúvidas que a conclusão 3ª do parecer - mais especificamente, o seu segmento final - lhe suscita, a fim de serem repensadas por este corpo consultivo.
Dúvidas que podem resumir-se assim:
-a conclusão de que o prazo para a decisão do recurso se conta a partir da data da sua interposição inviabiliza a intervenção quer dos contra interessados, quer do órgão recorrido, imposta pelos artigos 171º e 172º do Código do Procedimento Administrativo;
-esse prazo deve, hoje, contar-se "a partir da remessa do procedimento ao órgão competente para dele conhecer" (artigo 175º, nº 1, do CPA).
3
Após analisar a disciplina vertida nos artigos 2º, 3º e 4º do Decreto-Lei nº 256-A/77, de 17 de Junho, o parecer concluiu pela sua revogação, face ao (novo) regime das causas de extinção do procedimento e da figura do acto tácito contido no C.P.A., que operou uma regulamentação global e exaustiva da matéria.
Considerou-se, por isso, que a questão haveria de ser equacionada procurada no contexto legislativo definido por este Código.
Questão cujos termos estavam perfeitamente demarcados Qual a duração do efeito suspensivo do recurso previsto no artigo 34º do Decreto-Lei nº 498/88?
Ou, mais concretamente:
O efeito suspensivo atribuído ao recurso pelo nº 1 do citado artigo 34º, cessa no termo do prazo fixado no nº 2 do mesmo preceito, ou perdura para além desse prazo?
Reconhecendo não ser a solução isenta de dúvidas (2), o parecer propendeu para o primeiro termo da alternativa.
Assim, o cerne da questão teve a sua resposta nas conclusões 5ª e 6ª.
As demais conclusões foram ditadas pelo propósito de conferir à questão um melhor e mais compreensivo enquadramento sistemático e reproduzem, fundamentalmente, normas do Decreto-Lei nº 498/88.
É o que sucede, precisamente, com a conclusão 3ª que importará recordar:
"O recurso tem efeito suspensivo e deve ser decidido pelo membro do Governo competente, no prazo de quinze dias a contar da data de sua interposição (artigo 34º, nºs 1 e 2".
Trata-se - como, aliás, expressamente nela se refere - de reprodução conjugada dos nºs 1 e 2 do artigo 34º, dispondo este último:
"O membro do Governo competente deve decidir no prazo de dias a contar da data da interposição do recurso".
4
As dúvidas do Senhor Auditor Jurídico prendem-se exclusivamente com o segmento final da citada conclusão.
Não estão, pois, em causa nem o prazo para a interposição do recurso (conclusão 2ª), nem o prazo para a sua decisão (primeira parte da conclusão 3ª).
Questiona-se (apenas) o momento a partir do qual se conta para o membro do Governo decidir o recurso.
Adianta-se desde já que se afiguram pertinentes as dúvidas atrás referidas.
Porque não estava directamente em causa, essa questão - reconheça-se - não foi encarada no parecer, que aceitou, sem mais, o texto do nº 2 do citado artigo 34º, não cuidando de testar a sua vigência face à disciplina do CPA (3).
5
5.1. O artigo 162º do C.P.A. regula o prazo de apresentação da reclamação, dispondo:
"A reclamação deve ser apresentada no prazo de 15 dias
a contar:
a) Da publicação do acto no Diário da República ou em qualquer outro periódico oficial, quando a mesma seja obrigatória;
b) Da notificação do acto, quando esta se tenha efectuado, se a publicação não for obrigatória;
c) Da data em que o interessado tiver conhecimento do acto, nos restantes casos".
O prazo para decisão é fixado no artigo 164º: "O prazo para o órgão competente apreciar e decidir a reclamação é de 30 dias".
5.2. Sobre os prazos de interposição do recurso hierárquico rege o artigo 168º:
"1. Sempre que a lei não estabeleça prazo diferente, é de 30 dias o prazo para a interposição do recurso hierárquico necessário.
2. O recurso hierárquico facultativo deve ser interposto dentro do prazo estabelecido para interposição de recurso contencioso do acto em causa".
assinalado.
Sublinhe-se que este preceito é omisso sobre a contagem do prazo nele assinalado.
Afigura-se, todavia, que também aqui deve aplicar-se o disposto no artigo 162º, não obstante a sua inserção sistemática na subsecção II (Da reclamação).
Neste sentido DIOGO FREITAS DO AMARAL, e outros (4), bem como MARCELO REBELO DE SOUSA (5).
O artigo 169º regula a interposição do recurso hierárquico e, sob a epígrafe "notificação dos contra- interessados ", reza assim o artigo 171º:
"Interposto o recurso, o órgão competente para dele conhecer deve notificar aqueles que possam ser prejudicados pela sua procedência para alegarem, no prazo de 15 dias, o que tiverem por conveniente sobre o pedido e os seus fundamentos".
Possibilita-se, deste modo, a intervenção no procedimento daqueles que sejam titulares de um interesse oposto ao do recorrente, alargando-se ao procedimento administrativo uma regra do processo contencioso - cfr. artigos 36º, nº 1, alínea b), e 49º da Lei do Processo Administrativo (6) .
Sobre a intervenção do órgão recorrido dispõe o artigo 172º:
"1. Após a notificação a que se refere o artigo anterior ou, se a ela não houver lugar, logo que interposto o recurso, começa a correr um prazo de 15 dias dentro do qual o autor do acto recorrido se deve pronunciar sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer (7).
2. Quando os contra interessados não hajam deduzido oposição e os elementos constantes do procedimento demonstrem suficientemente a procedência do recurso, pode o autor do acto recorrido substituir o acto de acordo com o pedido do recorrente".
Na respectiva anotação, escrevem FREITAS DO AMARAL, e outros (8):
"Trata-se de inovação no Direito Administrativo português.
As intenções primordiais são duas: possibilitar ao autor do acto amplas possibilidades de retratação, apenas limitadas pelos direitos dos contra interessados, e garantir ao recorrente que o seu recurso é rapidamente remetido ao órgão com competência para o decidir".
Importa, por último, conhecer o que o artigo 175º dispõe sobre o prazo para a decisão:
" 1. Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso hierárquico deve ser decidido no prazo de 30 dias contado a partir da remessa do procedimento ao órgão competente para dele o conhecer.
2. O prazo referido no número anterior é elevado até ao máximo de 90 dias quando haja lugar à realização de nova instrução ou de diligências complementares.
3. Decorridos os prazos referidos rios números anteriores sem que haja sido tomada decisão, considera-se o recurso tacitamente indeferido" (9).
Retenha-se que o nº1 estabelece expressamente que o prazo para a decisão do recurso hierárquico se conta a partir da remessa do procedimento (10) ao órgão competente para dele conhecer - diferentemente do artigo 168º que, recorde-se, nada diz sobre a contagem do prazo para a interposição do recurso (11).
6
6.1. A análise dos preceitos atrás recenseados permite detectar no iter procedimental do recurso hierárquico determinadas etapas ou fases. A saber:
- interposição do recurso (artigo l69º)
- notificação dos contra-interessados (artigo 171º)
- intervenção do órgão recorrido (artigo 172º)
- rejeição do recurso (artigo 173º)
- decisão (artigo 174º).
Merecem especial atenção para o tema em apreço a notificação dos contra-interessados e a intervenção do órgão recorrido.
Os respectivos preceitos representam inovação no direito administrativo português, ditada pelos propósitos que já atrás deixámos assinalados.
Interessa agora recordar que o artigo 171º confere aos contra-interessados um prazo de 15 dias para alegarem, enquanto o artigo 172º concede um prazo, também de 15 dias, dentro do qual o autor do acto recorrido se deve pronunciar sobre o recurso e remetê-lo ao órgão competente para dele conhecer.
Assim sendo, compreende-se que o artigo 175º, ao fixar o prazo para a decisão do recurso, não o pudesse mandar contar a partir da data da sua interposição, mandando-o antes contar "a partir da remessa do procedimento ao órgão competente para dele conhecer".
A não ser assim, não seria possível conferir exequibilidade prática aos ditames dos artigos 171º e 172º, cujos comandos resultariam inviabilizados.
6.2. Do exposto resulta claro que a matéria do recurso hierárquico foi objecto de uma (nova) regulamentação global e exaustiva por parte do CPA.
Por isso, pode concluir-se, sem mais, pela revogação do segmento final da norma do nº2 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 498/88 (12).
Assim, o prazo aí fixado não pode, hoje, contar-se "da data da interposição do recurso", mas sim "a partir da remessa do procedimento ao órgão competente para dele conhecer".
Conclusão:
7
Termos em que se conclui:
O prazo fixado no nº 2 do artigo 34º do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, conta-se a partir da remessa do procedimento ao membro do Governo competente para conhecer do recurso.
(1) O parecer, homologado pela entidade consulente, foi publicado no D.R., II, nº 224. de 23/9/93.
(2) Dúvidas que o voto de vencido bem ilustra.
(3) São inúmeras e complexas as questões que a entrada em vigor do C.P.A- veio levantar no ordenamento jurídico português, suscitando melindrosos problemas de coexistência/revogação com abundante legislação. Compreende-se, assim, que este Conselho Consultivo já tenha sido chamado a pronunciar-se, por várias vezes, sobre algumas dessas questões, como pode ver-se dos pareceres nºs 38/92, 49/92, 55/92 e 3/93, respectivamente de 10/3/93, 11/2/93, 22/10/93 e 11/4/93, para além do citado nº 42/92.
MARCELO REBELO DE SOUSA terminou uma sua intervenção no Seminário realizado a 18 de Maio de 1992 - "Regime do Acto Administrativo", in Direito e Justiça, Volume VI, 1992, págs. 37 a 52 - dizendo que "há inovações apreciáveis na matéria que percorri, algumas perplexizantes, outras a suscitar a intervenção doutrinária e jurisprudencial, eu adivinharia que muito restritiva".
(4) Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, 1992, pág. 250.
(5) Loc. cit., pág. 48, ponto 3.10.4
(6) FREITAS DO AMARAL, e outros, "Código pág. 253.
Cfr., também, JOSÉ MANUEL SANTOS BOTELHO, AMÉRICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO, Código do Procedimento Administrativo, Anotado-Comentado, Jurisprudência, Coimbra, 1992, pág. 502, e ANTÓNIO REBORDÃO MONTALVO, Código do Procedimento Administrativo, Anotado - Comentado, págs. 258--259.
(7) Cfr., sobre notificações, os artigos 66º a 70º.
(8) "Código pág. 254.
Cfr., também, SANTOS BOTELHO, e outros, loc. cit., pág. 503.
(9) Os artigos precedentes ocupam-se, respectivamente, da rejeição do recurso (artigo 173º) e da decisão (artigo 174º).
(10) Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, loc. cit., págs. 50-51, "também aqui há que proceder a uma interpretação subtil porque, ao contrário do que diz o Código logo no seu início, a letra da lei fala na remessa do procedimento ao órgão competente, quando se deveria referir a remessa do processo, uma vez que, na lógica do Código, procedimento é a tramitação e a sua corporização formal é o processo".
(11) Cfr.. sobre contagem dos prazos, o artigo 72º, cuja alínea a) não inclui na contagem do prazo o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr.
(12) Para maiores desenvolvimentos sobre este ponto - revogação pelo CPA de legislação avulsa vejam-se os citados pareceres nºs. 38/92, 3/93 e 55/92 (deste último, cfr. em especial os pontos 5.4.l., 6.2. e conclusão 2ª).