Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
78/1991, de 05.12.1991
Data do Parecer: 
05-12-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Obras Públicas
Relator: 
LOPES ROCHA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
EMPREITEIRO
ALVARA REGIONAL
COMISSÕES
SERVIÇO PUBLICO
DELEGAÇÃO DE PODERES
PUBLICAÇÃO
VALOR DOS PARECERES DO CONSELHO CONSULTIVO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
NORMA EXCEPCIONAL
NORMA ESPECIAL
INTERPRETAÇÃO OFICIAL
Conclusões: 
1 - A concessão de alvara de ambito regional a que se refere o artigo 34 do Decreto-Lei n 100/83, de 23 de Março, não dispensa a comprovação das condições gerais do artigo 5 do mesmo diploma, relativas a idoneidade, a capacidade tecnica e a capacidade economica e financeira do requerente, exigiveis nos termos do n 4 do artigo 24 do mesmo diploma, sem prejuizo do que dispõem os ns5 e 6 daquele primeiro artigo;
2 - A Comissão de Alvaras de Empresas de Obras Publicas e Particulares (CAEOPP) e um serviço para os efeitos do disposto no n 1 do artigo 40 da Lei n 47/86, de 15 de Outubro);
3 - A lei não autoriza que a CAEOPP delegue competencias em qualquer dos membros, designadamente no seu presidente;
4 - A conclusão anterior prejudica a questão de saber se a delegação de competencia carece de publicação no Diario da República.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DAS OBRAS POBLICAS,
EXCELÊNCIA: 

1.
1.1.  No seio da Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares (CAEOPP), órgão do Conselho de Mercados de Obras Públicas e Particulares (CMOPP), suscitaram-se divergências relativamente às condições legais de que depende a concessão de alvarás de âmbito regional, previstas no artigo 34º do Decreto-Lei nº100/88, de 23 de Março, para os industriais da construção civil.
 
A 2ª secção da referida Comissão, com o apoio do Senhor Procurador-Geral Adjunto que dela faz parte (artigo 7º, nº3 do Decreto-Lei nº99/88, da mesma data), começou por entender (e decidir) que, para a instrução dos pedidos daqueles alvarás, era unicamente exigido o cumprimento do disposto no artigo 34º, conjugado com o disposto no nº1, alíneas a) e b) do artigo 24º, ambos daquele Decreto-Lei nº100/88
 
A questão fora suscitada pela Associação de Empresas dê Construção e Obras Públicas do Sul (AECOPS), que entendia depender, a concessão dos alvarás de âmbito regional, para além dos elementos indicados no artigo 349, ainda da comprovação, por parte dos requerentes, da idoneidade e capacidade técnica e financeira.
 
Esta última posição foi adoptada, por maioria, em sessão plenária das secções da Comissão (1)
 
1.2. Verificando-se que a 2ª Secção manteve o seu entendimento, sempre com o apoio do Senhor Procurador-Geral Adjunto, decidiu-se, em nova sessão plenária da CAEOPP, propor emissão de parecer sobre o assunto à Auditoria Jurídica do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que foi superiormente determinado.
 
Uma informação elaborada por um senhor consultor jurídico daquela Auditoria veio a concluir que "o pedido de alvará de âmbito regional, integrando-se na tipologia de alvará de industrial da construção civil deve conformar-se na sua instrução, para efeitos de comprovação do preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da autorização, com todas as determinações contidas no artigo 37º em igualdade de circunstâncias (2).
 
Vossa Excelência dignou-se homologar o parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto, concordante com esta informação, por despacho de 17 de Julho de 1991.
 
1.3. Acontece que, em nova reunião plenária da CAEOPP, o Senhor Procurador-Geral Adjunto que dela fez parte, disse, como consta da respectiva acta, "discordar em absoluto do despacho de homologação do Senhor Secretário de Estado", observando o seguinte:
 
"É que da referida informação, subscrita por Consultor Jurídico que entende, em suma, que o pedido de alvará de âmbito regional deve conformar-se com todas as determinações contidas no artigo 37º, em igualdade de circunstâncias consta despacho de concordância do Senhor Auditor Jurídico que, afinal, entende, por seu lado, que tal pedido deve ainda ser instruído com documentos especificamente impostos pelo artigo 37º, atentas as devidas adaptações.
 
Ora, não se especificando as devidas adaptações e dada a não coincidência de opiniões do Senhor Consultor Jurídico e do Senhor Auditor Jurídico fica-se sem saber qual a posição jurídica homologada pelo Senhor Secretário de Estado.
 
Acresce, a entender-se que o alcance do aludido despacho de homologação reside na obrigatoriedade de apresentação dos documentos referidos no artigo 37º, que nesta perspectiva, ele viola frontalmente o disposto no artigo 115º, nº5, da Constituição da República, ao revogar disposições excepcionais do Decreto-Lei nº100/88, relativas à concessão de alvará de âmbito regional, eliminando-o, em consequência, do quadro jurídico existente (pela exigência dos mesmos requisitos exigíveis para o alvará de âmbito nacional na classe 1)".
 
1.4. Convindo assentar doutrina sobre a matéria e dada a dissemelhança de pareceres entre dois Procuradores­Gerais Adjuntos, foi sugerido a Vossa Excelência que se solicitasse parecer a este Conselho Consultivo.
 
Mais se sugeriu que o parecer fosse extensivo a outros pontos que, não obstante não constarem de qualquer acta, não parecem totalmente inequívocos à CAEOPP. São eles:
 
a) É a CAEOPP um serviço nos termos e para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 40º da Lei nº47/86, de 15 de Outubro?
 
b) Será possível à CAEOPP delegar competências em qualquer dos seus membros, designadamente no seu presidente, ainda que com a concordância do Procurador-Geral Adjunto, dado o disposto no nº2 do artigo 9º do Decreto-Lei nº99/88,de 23 de Março?
 
c) Caso a resposta à alínea anterior seja afirmativa, carece tal delegação de competências, de pu­blicação no Diário da República?
 
2.
 
2.1. A questão fundamental da consulta consiste, concretamente, em saber qual das duas posições descritas no número anterior é, afinal, a que tem apoio na lei.
 
Convém explicitar os argumentos deduzidos na informação e acolhidos no parecer, anteriormente referidos, para boa inteligência da questão jurídica em debate.
 
Esses argumentos são os seguintes:
 
a) Com a publicação do Decreto-Lei nº100/88 procurou-se, para além de reforçar os aspectos concorrenciais e de competitividade no sector, "conferir efectivamente ao titular do alvará a idoneidade técnica e financeira indispensável" (do Preâmbulo);
 
b) Neste, e mais adiante, indicam-se determinados aspectos inovadores do novo regime, como sejam a criação da figura do alvará de âmbito regional, com menor exigência de quadro técnico e a exigência de equilíbrio económico-financeiro, a aferir mediante um conjunto de indicadores fixados previamente, a partir de classes com acesso a um volume de negócios significativo;
 
c) As referidas preocupações vêm contempladas logo no artigo 5º das disposições gerais (Capítulo I), relativo aos requisitos de acesso à actividade de construção civil e obras públicas, devendo os respectivos interessados preencher cumulativamente as condições de idoneidade, capacidade técnica e capacidade económica e financeira;
 
d) De seguida, faz-se abordagem objectiva dos contornos de cada uma das condições exigidas, explicitando determinadas situações que destroem o carácter de idoneidade ou que permitem a avaliação da capacidade técnica ou a demonstração da capacidade financeira das empresas (respectivamente nºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 5º);
 
e) No artigo 6º estabelecem-se os tipos e as classificações dos alvarás que, no caso do alvará de industrial da construção civil, contempla autorizações agrupadas numa única categoria, designada por obras particulares, e subdividida em 18 subcategorias, nos termos dos artigos 31º e 32º (Capítulo III, relativo ao alvará de industrial da construção civil;
 
f) As autorizações contidas no alvará de construção civil são atribuídas, ainda, em classes numeradas de 1 a 8, que devem fixar-se-lhes de acordo com o valor dos trabalhos que os seus titulares fiquem habilitados a realizar (nº2 do artigo 6º);
 
g)  A fixação das classes tem interesse acrescido, porquanto indicam o quadro permanente mínimo de pessoal e a respectiva qualificação mínima, de acordo com o anexo III previsto no artigo 36º;
 
h) No nº2 do artigo 34º estabelece-se, porém, que “as autorizações constantes do alvará de âmbito regional serão exclusivamente da classe 1”, a que corresponde menor grau de exigência, em termos de quadro permanente e de qualificação de pessoal;

i) Clarificadas, pois, determinadas situações previsíveis de carácter geral que permitem aferir a idoneidade e avaliar a capacidade técnica ou demonstrar a capacidade económica e financeira das empresas, de acordo com os nºs 3, 4, 5 e 6 do artigo 5º, o legislador preocupa-se, ao longo do Capítulo II (artigos 18º a 20º), com as condições de atribuição do alvará de empreiteiro de obras públicas;
 
Porém prevê-se, designadamente, que os pedidos para a concessão de autorização a empresas estabelecidas segundo a legislação portuguesa sejam formulados em requerimentos identificativos dos interessados, nos termos do nº1 do artigo 24º, e que os referidos requerimentos sejam acompanhados dos elementos comprovativos do preenchimento dos requisitos exigidos, nomeadamente aqueles que vêm indicados no nº2, alíneas a), b), c) e d), relativos à aferição da idoneidade e à avaliação ou comprovação da capacidade técnica ou económico-financeira dos requerentes;
 
Para além daqueles elementos, os interessados poderão ainda juntar quaisquer outros que entendam como justificativos da sua pretensão, ficando, porém, obrigados a apresentar, subsequentemente, todos os documentos e informações adicionais que se considere, em cada caso, necessários para a instrução do requerimento, de acordo com o nº3;
 
m) Contudo, na instrução dos requerimentos para a concessão de autorizações da classe 1 serão apenas exigíveis os documentos indicados no nº4, o que se traduz no aligeiramento da comprovação das condições previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 5º;
 
n) As condições, de atribuição dos alvarás de industrial da construção civil são definidas no âmbito do Capítulo III (artigos 31º a 39º);
 
o) De entre os alvarás, o legislador prevê a concessão do alvará de âmbito regional, cujo requerimento deve conter os elementos identificativos constantes do artigo 34º;
 
p) Assim, para além dos elementos exigidos nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 24º, o requeri­mento deve contemplar a subcategoria pretendida e as referências caracterizadoras do âmbito regional, com salvaguarda das limitações permitidas face ao disposto no artigo 34º, ou seja, deve conter a definição da área de actuação que, por sua vez, deverá constar do próprio alvará;
 
q) Nos nºs. 5  e 6 do artigo 34º estabelecem-se, aliás, regras de excepção relativas à direcção técnica das empresas interessadas na obtenção de alvarás de âmbito regional, cujos quadros de pessoal não têm que integrar qualquer director com carácter permanente, embora tenham que possuir um consultor técnico com formação adequada e residência em distrito que inclua um dos concelhos compreendidos na área de actuação da empresa titular do alvará;
 
r) Definida, pois, a área de actuação pretendida em função da subcategoria e classes indicadas no pedido, atento o disposto nos artigos 33º e 34º, os requerentes de autorizações de industrial da construção civil devem instruir os respectivos processos, conforme se determina no artigo 37º, aplicando, com as devidas adaptações, o que para os empreiteiros de obras públicas é estabelecido nos artigos 23º a 28º;
 
s) As normas contidas nos artigos 33º e 34º regulam apenas a delimitação das áreas de actuação dos futuros titulares de alvarás da construção civil e o tipo de trabalho em que ficam habilitados - o que é feito através da fixação da subcategoria e classes pretendidas;
 
t) Quando se pretenda um âmbito de actuação mais restrito, deverá, então, especificar-se a sua delimitação no próprio pedido, nos termos do artigo 34º;
 
u) A atribuição dos respectivos alvarás, designados de "âmbito regional", comporta autorizações exclusivamente da classe 1 e permite uma significativa simplificação no tocante às exigências do quadro técnico;
 
v)  Assim, com os pedidos de tais alvarás, a formular nos termos do nº3 do artigo 34º, deverão os interessados fazer comprovação do preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da autorização, conforme se determina no nº4 do artigo 24º, em igualdade de circunstâncias com os restantes interessados em alvarás de industrial de construção civil para autorizações da classe 1;
 
x) Verifica-se, assim, através do novo regime de acesso e permanência na actividade de construção civil, fixada no Decreto-Lei nº100/88, que o legislador procurou conferir ao titular do alvará idoneidade moral, técnica e financeira, estando estas condições tipificadas e caracterizadas ao longo dos nºs 1, 3, 4, 5 e 6 do artigo 5º.
 
Segue-se a conclusão já anteriormente reproduzida.
 
2.2.No parecer do Senhor Procurador-Geral Adjunto escreveu-se:
"Concordo.
Entendo que o pedido. de alvará de âmbito regional, para além das referências obrigatórias que deve conter, nos termos do artigo 34ºdo Decreto-Lei nº100/ /88, de 23 de Março, deve ainda ser instruído com documentos que digam da idoneidade, capacidade técnica, económica e financeira do requerente - genericamente apontadas pelo artigo 5º e, especificamente, impostos pelo artigo 37º, ambos do citado diploma, atentas as devidas adaptações, dado tratar-se de alvará cuja autorização será exclusivamente a classe 1".
 
2.3.Vejamos, agora, como deve resolver-se o diferendo.
 
3.

3.1.  0 exercício da actividade de industrial da construção civil depende de autorização, a conceder pela CAEOPP, seja qual for o valor das obras a executar, nas especialidades de obras de urbanização, fundações especiais em edifícios, construção de edifícios, estruturas de betão armado, estruturas de betão pré-esforçado e estruturas metálicas (artigo 3º, 1, alínea b), do Decreto-Lei nº100/88, de 23 de Março, de acordo com o alvará correspondente).
 
Nas restantes especialidades, a autorização é exigida quando se trate de obras cujo valor ultrapasse o limite para o efeito estabelecido em portaria do Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (alínea c) dos mesmos artigo e número).
 
As autorizações relativas a cada ramo de actividade (os restantes são o exercício das actividades de empreiteiro de obras públicas e de fornecedor de obras públicas), cujo exercício depende de inscrição na CAEOPP, constarão de alvará - citado artigo nº3 (3).
 
A doutrina administrativista costuma definir a autorização como um acto administrativo de conteúdo positivo ou, mais rigorosamente, como o acto administrativo que permite a alguém o exercício de um seu direito ou de poderes legais.
 
Como escreveu MARCELLO CAETANO "a entidade autorizada possui, pois, um direito ou certo poder mas o exercício deles está-lhe vedado antes que intervenha previamente o consentimento da Administração fundado na apreciação das circunstâncias de interesse público que possam tornar conveniente ou inconveniente esse exercício".
 
A autorização pressupõe o condicionamento de um direito do particular ou do exercício da competência de um órgão ou agente da Administração, caso este que não interessa ao tema do presente parecer (4). Aquela a que se refere o artigo 3º do Decreto-Lei nº100/88 corresponde à categoria doutrinária, na medida em que as actividades aí referidas não se analisam como relativamente proibidas, caso em que estaríamos perante uma licença (5).
 
3.2.   Sendo essencial à dogmática da figura da autorização a avaliação das "circunstâncias de interesse público", que possam tornar conveniente ou inconveniente o exercício de uma actividade condicionada, não admira que a lei, no caso do exercício da actividade de construção civil, o tenha   feito depender de certas exigências, confiando a um órgão especializado os necessários poderes de avaliação e decisão.
 
Nesta medida, o artigo 5º do Decreto-Lei nº100/88 estabelece as condições de que depende a autorização para o acesso e a permanência nas três actividades que por ele são regidas. Comum a todas elas (empreiteiro de obras públicas, industrial de construção civil e fornecedor de obras públicas) é a condição da idoneidade (nºs 1 e 2 daquela disposição), que se revela através de determinados índices, constantes do elenco do nº3.
 
As restantes condições (capacidade técnica e capacidade económica e financeira) são comuns apenas aos dois primeiros tipos de actividade.
 
3.3.     É visível a preocupação do legislador com o interesse público, na fixação de tais condições. Trata-se, com efeito, de actividades cujo exercício incondicionado poderia conduzir a resultados indesejáveis em diferentes planos, que transcendem os puros interesses privados ou particulares, repercutindo-se no interesse colectivo.
 
Para só falarmos da actividade da construção civil, a inidoneidade e a incapacidade técnica e económica dos agentes executadores é susceptível de potenciar frequentes litígios entre os mesmos e seus clientes, que interessa prevenir.
 
Mas também podem repercutir desfavoravelmente no interesse público, sabido, como é, que tal actividade está sujeita a regulamentações, por vezes minuciosas, que visam acautelar requisitos de segurança, exigências urbanísticas e ambientais de vária ordem, prevenindo situações de lesão ou simples produção de perigo de lesão para interesses públicos.
 
É certamente por isso que o preâmbulo do Decreto-Lei nº100/88, ao explicitar as razões de política legislativa que presidiram à sua consagração na ordem jurídica, põe a devida ênfase no facto de a revisão do enquadramento legal da actividade de construção e obras públicas apontar para uma maior responsabilização quer do dono da obra quer do agente executor; e ao aludir à intenção de conferir efectivamente ao titular do alvará a idoneidade moral, técnica e financeira indispensável, considera, para além disso, que se procura reforçar os mecanismos existentes para garantir o desenvolvimento de uma concorrência saudável e estimular a competitividade do sector (sublinhados nossos).
 
3.4. Do exposto decorre que a dispensa, relativamente a alguns agentes, das condições apontadas, viciaria a prossecução destes últimos objectivos, na justa medida em que estimularia o acesso ao mercado desses agentes em condições de desigualdade com os restantes, comprometedoras da "concorrência saudável" que é, sem dúvida, um desiderato que se pretende atingir no quadro de uma economia aberta e competitiva.
 
Ora, se é razoável admitir algumas especialidades, traduzidas em menores exigências nos planos técnico e económico-financeiro, relativamente a classes de menor valor, o mesmo não acontece com a condição da indoneidade, porque esta é indivisível.
 
Seria, por isso, desde logo, muito estranho que a lei dispensasse essa condição para a concessão dos alvarás de âmbito regional, com o pretexto de que o artigo 349 do Decreto-Lei nº100/88 exige unicamente a "documentação" aí referida.
 
3.5. Nota-se, aliás, um equívoco nesta argumentação, que consiste na não distinção entre o pedido de alvará e os documentos instrutores Na verdade, o artigo 34º não faz a mínima referência a estes últimos. 0 seu nº1 dispõe que "podem ser requeridos alvarás de âmbito regional às empresas estabelecidas segundo a legislação portuguesa, desde que a sua sede e área de actuação sejam externas aos concelhos de Lisboa e Porto e aos concelhos urbanos de 1ª ordem". 0 nº4 manda que “a área de actuação da empresa constará do próprio alvará". 0 nº5 dispensa as empresas nas condições do artigo de direcção técnica com carácter permanente, tendo, no entanto, de possuir um consultor técnico com formação adequada que, nos termos do seguinte nº6 deve ter residência em distrito que inclua qualquer dos concelhos compreendidos na área de actuação da empresa titular do alvará.
 
0 nº3, porventura o mais importante para a dilucidação da questão posta na consulta, limitase a determinar aquilo que deve ser especificado no pedido. E o que este deve especificar, além da subcategoria cuja autorização é pedida (5) e dos demais elementos exigidos nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 24º, os concelhos onde a empresa exercerá a sua actividade, que só podem abranger o da sede e os limítrofes desse, até ao máximo de seis no seu conjunto.
 
Mas os elementos exigidos nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 24º são, respectivamente: o nome, localização do escritório e número fiscal de contribuinte do requerente, no caso de se tratar de empresa em nome individual; e, tratando-se de sociedade comercial, a sua denominação social, sede e número de pessoa colectiva e o nome, morada e número fiscal de contribuinte dos seus representantes legais.
 
Só que se trata de elementos a indicar no pedido de concessão de autorização, como claramente decorre do preceito para que aquele nº3 do artigo 34º remete, coisa distinta dos elementos comprovativos do preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão, de que se ocupam os números 2 a 4 do citado artigo 24º.
 
 
3.6. Torna-se claro, assim, que o artigo 34º não consagra qualquer especialidade relativamente aos requisitos gerais para a concessão da autorização, a não ser a que decorre do seu nº2, que dispõe: "As autorizações constantes do alvará de âmbito regional serão exclu­sivamente da classe 1”.
 
Este normativo remete implicitamente para o nº4 do artigo 24º que estatui o seguinte:
 
"Para a concessão de autorizaç6es da classe 1 será apenas exigível a apresentação, com o requerimento a que se refere o nº1, dos documentos mencionados no nº2 deste artigo, nas suas alíneas a) e b), no nº1 da alínea c), nos nºs 3º, 4º, 5º e 8º da alínea d), quando não abrangidos pelo nº3 do artigo 22º, e ainda na alínea e), podendo a Comissão, quanto a estes últimos, em casos especiais, estabelecer um prazo para a sua posterior entrega".
 
3.7. Vejamos, seguidamente, quais os documentos mencionados na norma em causa.
 
As alíneas a) e b) do nº2 do artigo 24º referem-se, respectivamente, à certidão de matrícula definitiva do requerente no registo comercial, da qual constem todos os registos em vigor; e ao certificado do seu registo criminal ou, tratando-se de uma sociedade comercial, das pessoas encarregadas da sua administração, direcção ou gerência social.
 
0 nº1º da alínea c) refere-se à declaração bancária abonatória da capacidade financeira e económica do requerente.
 
Os nºs. 3º, 4º, 5º e 8º da alínea d) desse mesmo nº2, referem-se, sucessivamente, à relação nominal do quadro técnico permanente, compreendendo engenheiros, arquitectos, engenheiros técnicos e construtores civis ou equivalentes, com indicação do director técnico e da categoria profissional de cada um dos componentes; à declaração subscrita pelos técnicos referidos no número anterior, com assinatura reconhecida notarialmente, atestando, por sua honra, o tipo de vínculo que os liga à empresa requerente e as responsabilidades profissionais nela assumidas, bem como o facto de não se encontrarem abrangidos pelas incompatibilidades previstas no artigo 15º do presente diploma (6) de­claração essa que será acompanhada de certificado de habilitações ou de carteira emitida por associações profissionais, bem como do respectivo currículo profissional; à relação nominal dos encarregados e dos operários especializados que façam parte do quadro de pessoal da empresa, com indicação das profissões e dos respectivos tempos de exercício; e à declaração que descreva a ferramenta especial, o apetrechamento e o equipamento técnico que a empresa possui, referindo as suas características essenciais, bem como, sempre que possível, a data de fabrico, e acompanhada dos títulos de registo de propriedade ou de documentos equivalentes.
 
A frase "quando não abrangidos pelo nº3 do artigo 22º", referida a estes últimos documentos visa dispensar a obrigatoriedade de direcção técnica na classe 1, nas subcategorias que forem fixadas por portaria do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.
 
Enfim, a alínea e) refere-se a "outros documentos", nomeadamente:
 
1º. Duplicado autenticado da folha de férias entregue no respectivo centro regional de segurança social;
 
2º. Comprovação da posse de seguro de acidentes de trabalho do pessoal, mas, quanto a estes últimos, em casos especiais, a Comissão pode estabelecer um, prazo para a sua posterior entrega.
 
3.8. Já vimos que as autorizações constantes do alvará de âmbito regional serão exclusivamente da classe 1 (artigo 34º, nº2).
 
Ora, todos os documentos que acabam de ser referidos, e a que alude o nº4 do artigo 24º, são comprovativos do preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão da autorização (no caso, autorização da classe 1), ou seja a idoneidade (alíneas a) e b), capacidade financeira e económica (nº1º da alínea c), e da capacidade técnica (nºs. 3º, 4º, 5º e 8º da alínea e), todas do nº2 daquele artigo.
 
A única "especialidade" do artigo 34º é a dispensa da direcção técnica com carácter permanente (nº5) sem embargo de terem de possuir um consultor técnico com a formação adequada o qual, todavia, deve ter residência no distrito que inclua qualquer dos concelhos compreendidos na área de actuação da empresa titular do alvará (nº6), como já vimos.
 
Aliás, nem se tratará de uma verdadeira "especialidade" na medida em que o já citado nº3 do artigo 22º permite a dispensa da obrigatoriedade da direcção técnica na classe 1, para certas subcategorias que forem fixadas por portaria ministerial, como também já vimos.
 
3.9. Resumindo o que acaba de descrever-se, o artigo 34º do Decreto-Lei nº100/88 não contém qualquer referência a documentação acompanhante do pedido de autorização, limitando-se a estabelecer a área geográfica de actua­ção, determinadas "especificações "que devem constar do "pedido", e a dispensar a direcção técnica permanente (como no caso do nº3 do artigo 22º), mas agora sem dependência de fixação em portaria ministerial.
 
Posto isto, não é correcto concluir que o preceito tenha querido dispensar qualquer das condições gerais de que depende a concessão e manutenção das autorizações aos industriais da construção civil, que devem constar dos documentos comprovativos a que se refere o nº4 do artigo 24º.
 
Dito de outra maneira, o artigo 34º é omisso quanto a este ponto, donde não poder analisar-se a omissão como equivalente a dispensa.
 
Se tal fosse a intenção do legislador, o mínimo que poderia exigir-se-lhe era que a exprimisse "em termos adequados", como o fez quando quis atenuar o rigor das exigências relativas à comprovação dos requisitos da capacidade financeira e económica e da capacidade técnica para as autorizações da classe 1, única possível para os alvarás de âmbito regional. Em parti­cular, o disposto no nº3 não pode ser interpretado como introduzindo dispensas relativas às condições gerais de autorização, porquanto o seu escopo é indicar as "especificações" do pedido de autorização e os elementos atinentes à área geográfica de actuação, que deverão constar do alvará, como dispõe o nº4 do mesmo artigo (7).
 
3.10.Podemos, assim, concluir com segurança que o artigo 34º do Decreto-Lei nº100/88 não pode ser interpretado como norma dispensadora dos requisitos gerais de acesso e permanência na actividade de industrial da construção civil a que se refere o artigo 5º, nº1, apenas considerando algumas especialidades em matéria de capacidade técnica e de capacidade económica e financeira, nos termos já referidos, para a concessão de alvará de âmbito regional (cfr. nºs 5 e 6).
 
3.11.A disposição do nº2 (as autorizações constantes do alvará de âmbito regional serão exclusivamente da classe 1), não pode analisar-se como uma "especialidade", na medida em que, como vimos, implica uma remissão para o nº4 do artigo 24º, corroborada pelo artigo 37º.
 
Ora, aquele nº4 do artigo 24º não dispensa o requi­sito da idoneidade para a concessão de autorizações da classe 1, já que exige a apresentação, entre outros, dos documentos mencionados no nº2 do mesmo artigo, nas suas alíneas a) e b) que são precisamente destinado à prova daqueles requisitos.
 
Explicando melhor: a certidão de matrícula definitiva do requerente no registo comercial, da qual constem todos os registos em vigor, destina-se a provar que o requerente não está abrangido na previsão das alíneas a) e b) do nº3 do artigo 5º (proibição legal do exercício do comércio e inibição do exercício do comércio por ter sido declarada a sua insolvência ou falência, enquanto não for levanta a inibição ou declarada a reabilitação, respectivamente); e o certificado do registo criminal, ou, tratando-se de uma sociedade comercial, das pessoas encarregadas da sua administração, direcção ou gerência social, destina-se a comprovar que o requerente não está abrangido nas alíneas c) a e) do mesmo nº3 (condenação, com trânsito em julgado, pela prática de concorrência ilícita ou desleal, salvo havendo reabilitação; condenação, com trânsito em julgado, em pena não inferior a seis meses de prisão por crime contra a saúde pública ou a economia nacional, salvo havendo reabilitação; e condenação, com trânsito em julgado, não suspensa, por crime doloso contra a propriedade, em pena de prisão não inferior a um ano, salvo havendo reabilitação, também respectivamente.
 
0 preceito em causa considera idóneas as empresas em nome individual e as sociedades comerciais em que os titulares das primeiras e os indivíduos encarregados da administração, direcção da gerência social das segundas não se encontram em qualquer destas situações. E o seguinte nº4 preceitua que deixam de considerar­se idóneas as empresas que venham a encontrar-se em qualquer dessas situações. A sanção correspondente é a cassação do alvará (artigo 52º, 1, alínea a)).
 
3.12. 0 artigo 37º do diploma em causa, na medida em que manda aplicar, com as devidas adaptações, no tocante à capacidade económica e financeira das empresas referentes de autorizações de industrial de construção civil, à formulação e instrução dos pedidos de concessão dessas autorizações, à actualização anual da documentação e à alteração da classe das autorizações concedidas, o que para os empreiteiros de obras públicas sobre essas matérias se estabelece, respectivamente, nos artigos 23º, 24º, 25º, 26º, 27º e 28º, não distingue entre empresas a quem pode ser concedido alvará de âmbito nacional ou de regional. Como esta norma é, no plano sistemático do diploma, subsequente àquela que regula a concessão de alvarás de âmbito regional, que, como se julga ter demonstrado, não consagra qualquer isenção na matéria, seria nela que o legislador, se o quisesse, deveria estabelecer tal isenção.
 
0 mesmo acontece com o requisito da capacidade técnica (artigo 36º), onde não se contém qualquer isenção relativamente à concessão de alvarás de âmbito regional (o disposto nos nºs 5 e 6 do artigo anterior não configura uma isenção mas uma simples dispensa de direcção técnica, que com aquela se não confunde, já que tal dispensa é condicionada pela existência obriga­tória de "consultor técnico com a formação adequada").
 
Enfim, na medida em que o artigo 37º manda aplicar o artigo 24º, claramente postula a exigência de o pedido ser instruído com os documentos comprovativos da idoneidade, da capacidade técnica e da capacidade económica e financeira (nºs 2, alíneas a), b), c) e d) e nº4, este para a concessão de autorizações de classe 1.
 
3.13.Como se viu na exposição do nº1 do presente parecer, foi levantada uma dúvida a propósito da menção feita no parecer do Senhor Auditor Jurídico, às "devidas adaptações" a que se refere o artigo 37º, que não te­rão sido "especificadas" e, por via disso, se ficou "sem saber qual a posição jurídica homologada pelo Senhor Secretário de Estado".
 
Afigura-se-nos que a dúvida não tem razão de ser nem pode encarar-se como divergência relativamente à informação sobre que recaiu aquele parecer.
 
A referida menção mais não fez do que reproduzir uma expressão legal.
 
Embora não seja do inteiro agrado dos técnicos de legística, é frequente ver-se na lei (p.e. no Código Civil) o uso dessa expressão.
 
Com ela visa-se, por um lado, evitar a repetição monótona de preceitos incluídos em regimes ou institutos afins. É o caso deste diploma. Para não repetir fastidiosamente certos preceitos que o legislador consagrou no tocante aos empreiteiros de obras públicas, e que julgou aplicáveis e adaptáveis aos industriais da construção civil, utilizou a técnica que transparece do artigo.
 
Poderia ter seguido outra técnica, agrupando, por exemplo, num único capítulo, as normas comuns respeitantes à concessão de alvarás a uma e outra actividade e abrindo duas secções em que introduzisse aquelas que entendesse específicas ou particulares de cada uma dessas actividades.
 
Enfim, poderia ter começado pela enunciação das normas especialmente aplicáveis a uma e outra das referidas actividades e terminar com uma secção destinada às disposições comuns.
 
Só que a beleza e a elegância formais do discurso legislativo, sendo em si desejáveis, nem sempre prevalecem sobre razões de economia e de comodidade que aconselham, por vezes, certo aligeiramento dos textos legais, maxime quando se trata de diplomas do cunho marcadamente técnico, delegando no intérprete e no aplicador da lei a tarefa de adaptar as disposições de um instituto a outro ou outros que com o primeiro se propõem instituir disciplinas no essencial idênticas, divergindo em aspectos de pormenor. Daí o apelo às "devidas adaptações".
 
A expressão pode querer dizer muito pouco, significando, por exemplo, que onde se diz "empreiteiro de obras públicas" deve dizer-se "industrial da construção civil"; ou querer dizer muito, por exemplo quando se estiver perante normas que, sendo particulares da primeira categoria não são de todo adaptáveis ou aplicáveis à segunda.
 
Entre dois casos por assim dizer bem recortados, concebe-se uma zona mais ou menos ampla, em que pode ser necessário um esforço de adaptação, que faça apelo ao engenho interpretativo do aplicador da lei.
 
Com frequência as leis empregam a expressão "necessárias adaptações" em vez de "devidas adaptações", e esta última técnica é mais impressiva no sentido de que o legislador tem como certo que a aplicação adaptativa não será uma verdadeira necessidade, prevenindo, em todo o caso, hipóteses que escapam ao seu poder, sempre limitado, de previsão da diversidade relativa dos casos concretos. Neste caso, o uso da expressão assume a natureza de uma simples cautela, para não deixar sem regulação adequada qualquer caso que pode e deve ser regulado com base na disciplina prevista para situações semelhantes ou afina.
 
Ora, no diploma que estamos a analisar nem sequer é difícil encontrar exemplos em que disposições referidas no artigo 37º não são aplicáveis aos industriais da construção civil que pretendem obter alvará de âmbito regional: basta pensar em todas as que se referem a elevação de classe ou às empresas possuidoras de autorizações superiores à classe 1 ou as relativas a pedido de modificação de classe.
 
Assim, o senhor Auditor Jurídico não tinha que especificar as "devidas adaptações" a que se refere o artigo 37º, dedicando-se a um exercício jurídico que nem sequer lhe foi pedido.
 
A questão jurídica em debate era de ordem geral, não carecendo de descer a tais pormenores. 0 que verdadeiramente se discutia era se as remissões constantes do artigo 37º constituíam argumento válido para impor a tese de que os alvarás de âmbito regional não estavam isentos da comprovação documental das condições, genericamente apontadas no artigo 5º, pronunciando-se o seu autor pela afirmativa. Aliás, teve o cuidado de acrescentar, a propósito das "devidas adaptações", que esta exigência estava relacionada com o facto de estar em causa um alvará cuja autorização seria exclusivamente da classe 1, assim revelando o pensamento de que era neste sector que tais adaptações seriam naturalmente "devidas".
 
Com o que fica necessariamente esclarecido que o despacho homologatório aceitou como boa esta opinião, a qual, como anteriormente se salientou, não conflitua com a informação sobre que a mesma recaiu.
 
3.14.Resta-nos, nesta sede, apreciar o argumento de que o despacho homologatório "viola frontalmente o disposto no artigo 115º, nº5, da Constituição da República, ao revogar as disposições excepcionais do Decreto-Lei nº100/88, relativas à concessão de alvará de âmbito regional, eliminando-o, em consequência, do quadro jurídico existente".
 
Começaremos por notar que este argumento está inquinado de vício lógico da petição de princípio, por dar como demonstrado aquilo que deveria previamente demonstrar-se, isto é, que o artigo 34º do Decreto-Lei nº100/88 contém "disposições excepcionais" relativas à concessão de alvará de âmbito regional. A posição que defende esta tese limita-se praticamente a, dar como indiscutível tal interpretação, constituindo-a em verdadeiro postulado, o que está longe de ser uma demonstração, que deveria passar pela crítica, em termos concludentes, da súmula de argumentos que podem ser (e foram) validamente invocados em favor da tese oposta, de modo a aniquilar o seu potencial jurídico.
 
A doutrina considera disposições, normas ou mesmo leis excepcionais, aquelas que regulam, por modo contrário ao estabelecido na lei geral, certos factos ou relações jurídicas que, por sua natureza, estariam compreendidos nela (JOSÉ TAVARES); aquelas que precisamente se desviam dos princípios gerais, contrariando as últimas consequências que de tais princípios deveriam logicamente derivar, referindo-se a certas relações sociais que, por sua vez, também se desviam do tipo comum, assumindo uma índole especial ou seja, o direito comum é o direito de um género de relações jurídicas e o excepcional ou anómalo o de uma espécie dentro do género (CABRAL DE MONCADA); aquelas que consagram para certos casos, soluções contrárias às dos princípios gerais de direito admitidos em determinado sistema, revelando-se o carácter excepcional da norma algumas vezes do seu próprio contexto, outras resultando do comando que a contém (RODRIGUES BASTOS); ou aquelas que, regulando um sector restrito de relações com uma configuração particular, consagram uma disciplina oposta à que vigora para o comum das relações do mesmo tipo, fundada em razões especiais, privativas daquele sector de relações (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).
 
Há um certo parentesco entre as normas (ou leis) excepcionais e as normas (ou leis) especiais, mas também existem diferenças profundas. "0 que distingue a lei geral da especial é que esta regula matérias ou assuntos diversos das reguladas por aquela, podendo deixar de ser opostas e incompatíveis as respectivas disposições. Pelo contrário, o objecto da lei excepcional é o mesmo da lei geral; simplesmente esta deixa de ser aplicada em certos e determinados casos que, sem a lei excepcional, seriam regulados pela lei geral; de modo que o preceito da lei excepcional é o oposto ou contrário ao da lei geral" (JOSÉ TAVARES).
 
"Adentro de todos os grupos mais ou menos vastos de relações jurídicas, há outros institutos ou grupos menos vastos dessas relações cujas normas especiais se afastam das normas do tipo comum em que entram, sem constituírem por isso um direito excepcional. Para achar o conceito de direito excepcional, devemos sempre atender, não às particularidades técnicas da regulamentação de cada instituto, ou figura jurídica, dentro de um grupo mais vasto de relações jurídicas, mas à índole especial dos grandes grupos de relações sociais que por razões de utilidade pública exigem uma regulamentação e um direito também excepcionais (CABRAL DE MONCADA).
 
Enfim, as normas especiais representam, dentro da classificação tripartida (gerais, excepcionais, especiais), "os preceitos, que regulando um sector relativamente restrito de casos, consagram uma disciplina nova, mas que não está em directa oposição com a disciplina geral" (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA).
 
Recordadas muito sumariamente estas concepções da doutrina (8) torna-se claro que nem a. exegese do texto em questão nem a ponderação das razões de política legislativa do preâmbulo do diploma que o contém apontam para qualquer oposição frontal, desvio de princípios, anomalias, solução contrária a princípios gerais, disciplina oposta ou índole especial de relações sociais que, por razões de utilidade pública reclamam uma regulamentação excepcional.
 
0 que nele se consagra é uma disciplina que, em pontos concretamente determinados (especificações que devem constar do pedido de alvará, dispensa de direcção técnica etc.), se afasta (mas não em frontal oposição) das normas gerais aplicáveis às autorizações para o exercício da construção civil, e que se explicam pelo âmbito (regional) em que as empresas requerentes se propõem actuar, que postula, nesses pontos, menores exigências. Não há, em suma, qualquer consagração de soluções contrárias aos princípios gerais de direito vigentes no sistema de autorizações.
 
Pelo exposto, estamos perante uma disposição especial, ainda por cima em relação com requisitos próprios da classe para que exclusivamente é concedida a autorização, também ela sujeita a uma disciplina especial (cfr. o já várias vezes citado nº4 do artigo 24º).
 
3.15. Esta questão carece, aliás, de grande relevo, porquanto sejam excepcionais ou especiais as disposições do artigo 34º, o que importaria demonstrar era que o despacho homologador "revogou" as mesmas e as "eliminou do quadro jurídico existente".
 
Ora, nenhum despacho homologatório de um parecer interpretativo de certa disposição legal tem por efeito revogá-la ou eliminá-la. Quando muito, consagrará um entendimento a seguir pelos serviços dependentes da entidade homologadora, mas sem eficácia externa. Sempre ficariam salvaguardados os meios legais (graciosos ou contenciosos) ao dispor dos particulares para reagirem contra actos administrativos praticados pelo serviço competente, em obediência às instruções implícitas na interpretação (vinculante) da entidade que homologa.
 
Encurtando razões, não há nisso qualquer infracção ao disposto no nº5 do artigo 115º da Constituição.
 
4.
 
4.1. Passemos agora à análise dos restantes pontos da consulta, a começar pela questão de saber se a CAEOPP é um serviço para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 40º da Lei nº47/86, de 15 de Outubro, ou seja a norma da Lei Orgânica do Ministério Público que fixa o valor dos pareceres do Conselho Consultivo sobre disposições de ordem genérica, quando homologados e publicados no Diário da República.
 
Este valor, de interpretação oficial perante os respectivos serviços, não foi questionado em anterior  parecer, votado na sessão deste Conselho Consultivo de 30 de Setembro de 1988 e homologado por despacho do Secretário de Estado da Construção e Habitação de 28 de Outubro seguinte (9) , que oferece a particularidade de ter incidido sobre questão suscitada no âmbito da competência da CAEOPP.
 
Não se discutiu aí, ex-professo, o tema do valor vinculante do despacho homologatório relativamente àquela entidade. Mas é certo que este aspecto, que não constava da consulta, estava pressuposto na inteligência do parecer, aliás teria sido analisado, ao menos a título de questão prévia. Pode dizer-se que o tema não se representou como questão duvidosa.
 
Nem por isso deixaremos de o desenvolver, posto que a dúvida vem agora colocada na presente consulta.
 
4.2.      0 conceito de "comissão" não tem sido tratado em profundidade pela doutrina administrativista, provavelmente porque o termo é polissémico e tem sido utilizado nas leis para qualificar realidades muito diversas.
 
Em todo o caso, JOSÉ PEDRO FERNANDES esforçou-se por precisar-lhe os contornos, partindo da seguinte definição:
 
"Vocábulo que as leis administrativas empregam em diversas acepções como para designar determinadas situações em que podem encontrar-se os agentes administrativos quando incumbidos de uma missão especial temporária, com para denominar certos órgãos ou estações colegiais, activos ou consultivos, como, ainda, certo tipo de pessoas colectivas de direito público".
 
Decorrendo desta definição que nem sempre a palavra terá sido adoptada pelas leis administrativas sem ambiguidade, diz o autor que, a partir de textos legais não se torna possível discernir um só conceito jurídico mas tão somente algumas realidades a que a palavra se refere com maior ou menor propriedade.
 
A CAEOPP pertencerá àquele tipo que o mesmo autor admite como ajustável a um dos modos de actividade a que o termo comissão tem sido aplicado de iure constituto. Ainda neste plano, para o autor, "se afastarmos o qualificativo de comissões atribuído a certas pessoas colectivas (por, como dissemos, considerarmos resultar do emprego de uma figura estilística obviamente pouco compatível com o rigor da técnica legislativa) só poderemos concluir que a comissão é o colégio ao qual foi cometida uma tarefa (especial ou não, temporária ou não) e que não tenha designação diferente".
 
Mais adiante, recorda que as comissões desempenham papel de grande importância no quadro da actividade administrativa contemporânea, por constituírem uma das formas mais aptas para defrontar a crescente complexidade e especificação dos aspectos e das implicações que determinadas matérias suscitam ou podem suscitar.
 
Entre as classificações possíveis das comissões, as que têm maior interesse são as que se fundam na competência - comissões activas e consultivas – na duração - permanentes e temporárias ou eventuais - no âmbito territorial da administração central, local e ultramarina, no objecto - de turismo, assistência, higiene, arte e arqueologia, venatórias (que constituem órgãos de administração local, etc.).
 
Prosseguindo, o autor descreve as comissões activas como as que tomam resoluções e as consultivas, as que emitem pareceres, havendo, no entanto, inúmeras comissões que têm cumulativamente funções activas e consultivas (10).
 
4.3.   A CAEOPP é definida no Decreto-Lei nº99/88, de 23 de Março, como órgão do CMOPP (Conselho de Mercados de Obras Públicas e Particulares, organismo dotado dá autonomia administrativa) aí designada como "comissão especializada" (artigo 3º).
 
Este CMOPP foi criado na dependência do ministro responsável pela política geral de obras públicas, que passou a designar-se por Ministro da tutela (artigo 1º).
 
Como as demais comissões especializadas, a sua composição é estabelecida por portaria do Ministro da tutela, compreendendo membros oriundos das administrações central, local e das regiões autónomas; e membros oriundos dos sectores empresariais, do Estado ou privados ou de associações profissionais (artigos 4º, 2, e 8º, 2). Enfim, dele faz parte um procurador-geral adjunto, para prestar adequado apoio jurídico.
 
A CAEOPP pertence à categoria mista, com funções deliberativas e consultivas (artigo 10º).
 
0 CMOPP, de que a CAEOPP é órgão, dispõe de serviços de apoio técnico e administrativo (artigos 16º a 18º) e de um quadro de pessoal a aprovar por portaria do Ministro das Finanças e do Ministro da tutela, obedecendo o seu provimento, recrutamento, selecção e ingresso à lei geral da função pública (artigos 19º a 22º).
 
Em matéria de gestão financeira, dispõe de receitas provenientes de dotações do Orçamento do Estado e do produto de taxas e coimas, cobradas nos termos do Decreto-Lei nº100/88 e outras que lhe sejam atribuídas ou resultem da sua actividade (artigo 23º).
 
Ainda com interesse para a questão em análise, refira-se que a CAEOPP tem competência para aplicar coimas, e das suas deliberações pode reclamar-se para ela própria, havendo recurso das deliberações tomadas sobre reclamações para o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Decreto-Lei nº100/88, artigos 14º e 49º).
 
4.5.     É manifesto que a dúvida formulada, quanto a este ponto, na consulta, não incide propriamente sobre a qualificação da CAEOPP como serviço público do Estado, mas, concretamente, se lhe é aplicável o disposto no artigo 40º da Lei nº47/86, de 15 de Outubro.
 
A dúvida específica que se coloca a este Conselho Consultivo parece ter origem na circunstância de se tratar de um órgão colegial, estrutura da qual se tem dito na doutrina administrativista ser rebelde a uma relação típica de hierarquia e, consequentemente, a certos poderes que a caracterizam, designadamente o poder de direcção e aos que, em regra, lhe são inerentes: o poder de inspecção, o poder de superintendência e o poder disciplinar (11). É certo que estes poderes são, então, hierárquicos, mas tal não significa serem exclusivos da hierarquia: a lei atribui muitas vezes a certa autoridade alguns deles independentemente de qualquer relação hierárquica. Por isso se afirma que o poder típico é a direcção e os restantes só são hierárquicos quando atribuídos em conjunto com ele (12).
 
Não interessa abordar este tema em profundidade para resolução da dúvida exposta. Por um lado, porque o artigo 40º da Lei nº47/86 não impõe nem sugere que os respectivos comandos só se aplicam a órgãos que se encontrem numa relação de hierarquia típica ou, melhor dizendo, em sentido próprio. Por outro, porque havendo recurso das deliberações tomadas sobre reclamações para o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ainda que, no rigor dos conceitos, deva qualificar-se como recurso hierárquico impróprio, tal só se compreende à luz de um poder de supervisão ou de superintendência da entidade governativa ad quem, ou seja, um poder de um órgão sobre outro da mesma pessoa colectiva (o Estado), fora do âmbito de hierarquia administrativa (13).
 
0 poder de supervisão de um órgão administrativo sobre outro não é, pois, exclusivo de relações hierárquicas em que o Órgão a ele sujeito se apresenta como subalterno.
 
Acresce que a CAEOPP é, como se disse, um órgão do CMOPP, estrutura datada de competências essencialmente consultivas a exercer, em certos casos, por determinação do Ministro dito da tutela (artigo 2º, 1, alíneas a) a c) do Decreto-Lei nº99/88); que o seu plenário é presidido por aquele ou pelo membro do Governo em quem delegar ou pelo presidente do Conselho Superior de Obras Públicas e Transportes (CSOPT), que exerce normalmente as funções de vice-presidente, com voto de qualidade e que presidirá sempre que não esteja presente um membro do Governo (idem, artigo 4º, 1 e 5); que dispõe de um secretário-geral a quem compete, sob orientação do presidente, presidir às "comissões especializadas", logo à CAEOPP, funcionário equiparado, para todas os efeitos legais, a director­geral (idem, artigo 7º, nº1, alínea a) e 2); enfim, que os seus regulamentares internos são aprovados por despacho do Ministro da tutela (idem, artigo 5º, 1, alínea c) e 2).
 
Tudo isto aponta para uma relação que, não sendo de tipo hierárquico puro, na medida em que está em causa um órgão de tipo colegial, todavia apresenta traços característicos do referido poder de superintendência, que, se afiguram bastantes para que possa justificar-se, relativamente à CAEOPP, o acatamento de interpretações com valor oficial, sobre disposições de ordem genérica, nos termos do artigo 40º da Lei nº47/86, de 15 de Outubro.
 
Certo que o poder de superintendência não se confunde com o poder de direcção, típico da relação hierárquica, embora dela não exclusivo, como vimos. Mas, na parte em que este poder de direcção comporta a imposição de actos necessários à mais conveniente interpretação da lei, nada impede que se aplique a órgãos que se encontrem numa situação de dependência relativamente a outros, como é o caso do CMOPP e do seu órgão CAEOPP. 0 vínculo de dependência relativamente ao Ministro responsável pela política de obras públicas é claramente afirmado no artigo 1º do Decreto-Lei nº99/88.
 
Uma coisa é o poder de sindicar actos administrativos praticados por um determinado órgão da mesma pessoa colectiva mesmo fora do âmbito da hierarquia administrativa a exercer, no caso, não pela avocação mas exclusivamente pela via do recurso; outra o impor interpretações sobre disposições de ordem genérica, para bom funcionamento dos serviços ou para mais conveniente aplicação da lei.
 
Nem o Decreto-Lei nº99/88 nem o Decreto-Lei nº100/88 nem a particular configuração da CAEOPP, enquanto serviço público de composição colegial, com isso se mostram incompatíveis.
 
Como escreveu FREITAS DO AMARAL, o "serviço público releva sempre de uma pessoa colectiva pública, não havendo serviços públicos pendurados no vácuo ou em regime de auto-gestão; qualquer serviço público está sempre na dependência directa de um órgão da Administração, que sobre ele exerce o poder de direcção e a cujas ordens ou instruções, por isso mesmo, o serviço público deve obediência" (14).
 
Claro que no caso da CAEOPP esta dependência não se analisa com a extensão que fica referida, posto que relativamente à prática de actos administrativos não é concebível que ela esteja sujeita a típicos poderes de direcção, a ordens ou instruções e que, consequentemente, deva obediência à entidade dita tutelar. Mas coisa diferente é a sujeição a directivas de ordem genérica em sede de interpretação oficial de disposições gerais que regem a sua actividade.
 
Tal é o resultado de a posição da CAEOPP não se ajustar ao modelo típico da hierarquia administrativa, em sentido puro, sendo, no entanto, um "órgão" que fez parte do CMOPP, que se encontra na dependência de um órgão da Administração, muito mais vincada do que se se tratasse de um serviço dotado de personalidade jurídica.
 
Estamos, em suma, perante uma situação duplamente caracterizada: de autonomia relativamente à prática de actos administrativos, em que é inconcebível que deva obediência a ordens ou instruções do órgão da Administração; de integração no serviço criado na dependência daquele órgão, que não e incompatível com a obediência devida à interpretação da lei, decorrente de acto homologatório de pareceres sobre disposições genéricas, emitido por um órgão consultivo competente para o efeito.
 
A ser de outra maneira, teríamos de admitir que o CMOPP e a CAEOPP seriam serviços públicos que não relevariam da pessoa colectiva pública (o Estado) em cujo seio foram criados ou, na expressiva linguagem de FREITAS DO AMARAL, "Pendurado a no vácuo ou em regime de auto-gestão", sem dependência directa de um órgão da Administração e, consequentemente, sem que sobre um e outro pudessem ser exercidos quaisquer poderes de direcção, ainda que circunscritos, como é o caso, a assuntos ou matérias distintos da sua competência deliberativa que revistam a prática de actos administrativos.
 
Tanto bastará para que possamos afirmar que a CAEOPP é um serviço para os fina do artigo 40º da Lei nº47/86, de 15 de Outubro.
 
4.6.  Cabe referir, em sustentação da teoria desenvolvida no número anterior, que este Conselho tem sido chamado a pronunciar-se sobre o valor dos seus pareceres, nos termos da citada disposição.
 
Citaremos apenas o parecer nº111/87, votado na sessão de 28 de Setembro de 1989, homologado por despacho do Secretário de Estado do Orçamento de 3 de Novembro, seguinte e publicado no Diário da República, II Série, de 26-1-90.
 
Um dos pontos aí analisados era a questão de saber se a doutrina dos pareceres sobre disposições de ordem genérica respeitantes à actividade da Caixa Geral de Aposentações, uma vez homologados pelo Ministro das Finanças ou por sua delegação e publicados em termos do artigo 40º da Lei nº47/86, devia ser seguida por aquela instituição como interpretação oficial.
 
Este Conselho decidiu-se pela afirmativa.
 
Para tanto ponderou, além do mais, que aquela Caixa aparece como um serviço dotado de personalidade jurídica, financeira e património próprio, distinto da Caixa Geral de Depósitos, embora sob administração desta. Mas este facto não esconde a sua natureza última, a qual desenvolve a sua actividade em termos de grande proximidade com a Administração Pública.
 
Assim, atentando-se na relação que intercede entre a Caixa Geral de Depósitos, como entidade administradora da Caixa Geral de Aposentações, e o Ministro das Finanças, (ou entidade que actue por sua delegação), não subsistem dúvidas que se a segunda, como serviço público personalizado, embora sob a mesma administração da primeira, se encontra numa relação diferente da empresa pública, mostrando-se desnecessário indagar se as disposições da Lei Orgânica desta permitem considerá-la como "serviço respectivo" (do Ministério) com obrigação de obediência à doutrina genérica de um parecer do Conselho Consultivo.
 
A Caixa Geral de Aposentações está, por certo, incluída naqueles serviços que devem obediência à interpretação oficial das normas que regem a sua actividade normal, efectuada pelo membro do Governo respectivo. Porque assim é, tal obediência concretiza-se nos titulares dos cargos de administração, independentemente do facto de também pertencerem à administração da Caixa Geral de Depósitos Crédito e Previdência.
 
Ora, esta doutrina, aplicável a um serviço público dotado de personalidade jurídica como é a Caixa Geral de Aposentações, não pode deixar de valer, por maioria de razão, para a CAEOPP e para o serviço de que esta é órgão (o CMOPP), dado que este último nem sequer foi dotado de personalidade jurídica, apenas gozando de autonomia administrativa.
 
Este resultado só seria de afastar se tivéssemos: de concluir que a CAEOPP (e o CMOPP) não são serviços públicos, conclusão insustentável face ao regime a que estão sujeitos, e anteriormente descrito nos seus traços essenciais.
 
5.
 
5.1.  A questão seguinte consiste em saber se a CAEOPP pode delegar competências em qualquer dos seus membros, designadamente o seu Presidente.
 
Respondemos resolutamente que não.
 
5.2.  A doutrina administrativista é unanime, fundamentada em várias disposições legais, no sentido de que não há delegação de poderes válida sem lei que o permita, além de outros requisitos (15). Não é o caso da CAEOPP, órgão colegial cujas deliberações serão tomadas por maioria de votos e só serão válidas quando estiverem presentes, pelo menos, metade dos seus membros, incluindo obrigatoriamente o respectivo presidente ou, na sua ausência, o respectivo suplente. A validade fica ainda dependente da presença do procurador-geral adjunto, e o presidente terá sempre voto de qualidade, bem como o respectivo suplente, quando o substitua (artigo 9º do Decreto-Lei nº99/88).
 
Nem neste diploma nem no Decreto-Lei nº100/88, se encontra disposição que autorize a delegação. Como se compreende, já que não seria natural admitir tal delegação num órgão composto por representantes de vários sectores, públicos e privados, chamados a deliberar em função das suas especializações e dos seus pontos de vista próprios sobre as matérias que são objecto de deliberação.
 
Cabe aqui invocar a ideia de JOSÉ PEDRO FERNANDES (16) relativa à criação de comissões determinada pela conveniência de não entregar a um só indivíduo o poder de decidir certos assuntos delicados, de dividir a responsabilidade das resoluções por certos indivíduos, de se obter mais "controle" mútuo nas resoluções, etc..
 
0 artigo 9º do Decreto-Lei nº99/88, reflecte claramente a intenção do legislador, adversa à delegação num qualquer dos membros da Comissão.
 
E se alguma dúvida ainda pudesse subsistir quanto a este ponto, o Decreto-Lei nº99/88 encarrega-se de a eliminar.
 
Com efeito, o seu artigo 29º revogou expressamente os artigos 1º a 3º, o nº1 do artigo 10º e o artigo 26º do Decreto-Lei nº582/70, de 24 de Novembro.
 
Ora, o artigo 2º, nº2 deste diploma permitia delegar no presidente e no vice-presidente os poderes que eram atribuídos pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº40623, que criara a Comissão de Inscrição e Classificação de Empreiteiros de Obras Públicas e dos Industriais da Construção Civil, antecessora da CAEOPP (cfr. artigos 27º e 28º do Decreto-Lei nº99/88), e por esse artigo 2º, para suspender os alvarás de empreiteiros de obras públicas e dos industriais da construção civil por períodos não superiores a três meses.
 
0 Decreto-Lei nº140623 foi, por seu turno, revogado in totum pelo artigo 64º do Decreto-Lei nº100/88 que ainda ressalvava da revogação precisamente os artigos 1º a 3º, nº1 do artigo 10º e artigo 26º do Decreto-Lei nº582/70.
 
Mas isto porque o Decreto-Lei nº100/88 só entraria em vigor, como entrou, no 1º dia do 5º mês subsequente ao da data da sua publicação (artigo 65º, nº1).
 
E o artigo 28º do Decreto-Lei nº99/88 veio dispor que até à entrada em vigor daquele Decreto-Lei nº100/88 seriam exercidas pela CAEOPP as competências definidas no artigo 3º do Decreto-Lei nº40623, de 30 de Maio de 1956, e no artigo 2º do Decreto-Lei nº582/70, de 24 de Novembro.
 
Logo, a competência para delegar, a que se referia aquele artigo 2º foi necessariamente abrangida pela revogação, com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº100/88, de 23 de Março.
 
Tratava-se, aliás, de uma delegação limitada à suspensão de alvarás que por períodos não superiores a três meses, não abrangendo a modificação, o cancelamento e a cassação.
 
É evidente que se a legislação actual quisesse admitir a delegação, e porque o legislador não desconhecia a anterior, que revogou, não lhe faltariam os termos adequados para exprimir essa suposta intenção.
 
Aliás, a necessidade de lei habilitadora para a delegação de poderes para a prática de actos administrativos em determinada matéria, vem de ser corroborada pelo já referido Código do Procedimento Administrativo (artigo 399, nº1).
 
A possibilidade de os órgãos colegiais delegarem nos respectivos presidentes, independentemente de lei habilitadora, restringe-se a actos de administração ordinária (citado artigo, nºs 2 e 3).
 
A resposta à última questão está prejudicada pela que é dada à anterior. Dir-se-á, no entanto, que a doutrina e a jurisprudência portuguesas são unânimes em considerar a publicidade do acto de delegação como requisito de eficácia do mesmo (17) (18).
 
Mas, pelas razões indicadas, não interessa aqui desenvolver este tema.
 
7.
 
Concluindo:
 
1º. A concessão de alvarás de âmbito regional, a que se refere o artigo 34º do Decreto-Lei nº100/88, de 23 de Março, não dispensa a comprovação das condições gerais do artigo 5º do mesmo diploma, relativas à idoneidade, à capacidade técnica e à capacidade económica e financeira do requerente, exigíveis nos termos do nº4 do artigo 24º do mesmo diploma, sem prejuízo do que dispõem os nºs 5 e 6 daquele primeiro artigo;
 
2º. A Comissão de Alvarás de Empresas de Obras Públicas e Particulares (CAEOPP) é um serviço para os efeitos do disposto no nº1 do artigo 40º da Lei nº47/86, de 15 de Outubro;
 
3º. A lei não autoriza que a CAEOPP delegue competências em qualquer dos seus membros, designadamente no seu presidente;
 
4º. A conclusão anterior prejudica a questão de saber se a delegação de competências carece de publicação no Diário da República.
 
 
(1)   A CAEOPP funciona em duas secções distintas, cabendo à 1ª Secção os assuntos relacionados com a actividade de empreiteiro de obras públicas e de fornecedor de obras públicas; e à 2ª Secção os relativos à actividade de industrial da construção civil (DL nº99/88, artigo 11º).
(2)   Refere-se ao artigo 37º do Decreto-Lei nº100/88.
(3)   0 limite a que se refere a disposição citada no texto foi fixada em 5.000 contos pela Portaria nº760/90, de 28 de Agosto.
"Atendendo a que têm vindo a sentir-se grandes dificuldades de natureza conjuntural no cumprimento do disposto na mencionada alínea b) do nº1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº100/88, quando se trate da execução de obras de reduzido valor" e reconhecendo a necessidade de suspender temporariamente a exigência daquele preceito legal (do respectivo preâmbulo), o Decreto-Lei nº351/90, de 8 de Novembro, estatuiu "que fica suspenso até 31 de Dezembro de 1991 o disposto na alínea b) do nº1 do artigo 3º do Decreto-Lei nº100/88, de 23 de Março, desde que o valor da obra a executar não ultrapasse o limite de 5.000 contos".
(4)  Cfr. MARCELLO CEATANO, Manual de Direito Administrativo, I, 9º edição, nº189, pág. 458.
(5)   Ibidem, pág. 459.
Como reza o artigo 31º, as autorizações de industrial da construção civil são agrupadas numa única categoria, designada por obras particulares. As dezoito subcategorias daquela categoria constam do seguinte artigo 32º.
(6) Cujo texto é o seguinte:
"1 - Os técnicos possuidores de um grau ou diploma, de ensino superior ou não, que pertençam aos quadros permanentes de qualquer empresa não poderão fazer parte do quadro da mesma natureza de qualquer outra empresa inscrita na Comissão.
2 - Os técnicos que exerçam funções de consultadoria em empresas titulares de alvará de industrial de construção civil de âmbito regional não poderão fazer parte dos quadros técnicos de qualquer outra empresa inscrita na Comissão, com excepção de empresas, até ao máximo de cinco, também titulares de alvará do mesmo âmbito regional.
3 - Os quadros permanentes de qualquer empresa titular de alvará de empreiteiros de obras públicas não poderão incluir pessoal com um grau ou diploma, de ensino superior ou não, que exerça funções técnicas de carácter permanente em serviços do Estado, autarquias locais, instituto público ou associação pública.
4 - Os quadros permanentes de qualquer empresa titular de alvará de industrial de construção civil não poderão incluir técnicos possuidores de um grau ou diploma, de ensino superior ou não, que exerçam funções de carácter permanente em serviço do Estado, autarquias locais, instituto público ou associação pública, desde que tais serviços, normalmente e de modo directo ou indirecto, interfiram com o tipo de actividade da empresa em causa".
(7)   Não é certamente por acaso que o modelo de alvará de industrial da construção civil de âmbito regional, aprovado pela Portaria nº243/89, de 1 de Abril (publicada nos termos do artigo 63º do Decreto-Lei nº100/88, de 23 de Março), e anexo à mesma, reproduz diversas disposições deste Decreto-Lei sob as rubricas "Obrigações do Titular do Alvará para com o CMOPP/CAEOPP (D.L. 100/88) e "Infracções" (D.L. 100/88), em termos idênticos ao do modelo de alvará de industrial da construção civil (de âmbito nacional), nomeadamente o artigo 5º (com reprodução do nº3, onde se fixam os índices da idoneidade) e o artigo 52º, cujo nº1, alínea a), onde o reconhecimento de "terem deixado de ser idóneas" é causa de cassação de alvarás).
(8)  As opiniões dos autores referidos no texto constam sucessivamente das seguintes obras: Os princípios fundamentais de Direito Civil,  vol. 1, 1ª parte (Teoria Geral do Direito Civil) Coimbra, 1929, págs. 150 e segs.; Lições de Direito Civil (Parte Geral), vol. I, Coimbra, 1959, págs. 42 e segs.; Das leis, sua interpretação e aplicação (segundo o Código Civil de 1966), 1967, pág. 45); e Noções fundamentais de Direito Civil, vol. I, Coimbra, 1965, págs. 76 e segs.
(9)  Trata-se do parecer nº113/88 publicado no Diário da República, II Série, de 21-12-1988.
(10) 0 que se diz no texto é respigado do artigo COMISSÃO, do Dicionário Jurídico da Administração Pública.
(11)  0 poder de superintendência é definido na doutrina como a faculdade que o superior tem de rever e confirmar, modificar ou revogar, os actos administrativos praticados pelos subalternos.
Este poder tanto pode ser exercido por iniciativa do superior, mediante avocação ou chamamento do caso a si, como em resultado de interposição de recurso hierárquico pelo interessado.
Cfr., neste sentido, MARCELLO CAETANO, ob. cit., pág. 247.
(12)  MARCELLO CAETANO, ob. cit., pág. 246.
 0 poder de direcção é a competência que o superior tem de dar ordena e de expedir instruções para impor aos seus subordinados a prática de actos necessários ao bom funcionamento do serviço ou aí mais conveniente interpretação da lei (Ibidem).
(13) Corresponde à definição consagrada no Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº442/91, de 15 de Novembro (artigo 176º), a entrar em vigor seis meses após aquela data.
(14) Cfr. Curso de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1987, pág. 627.
(15)   Ver, neste sentido, MARCELLO CAETANO, Manual cit., tomo I, págs. 226 e segs.; FREITAS DO AMARAL, ob. cit. págs. 663 e 664; ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, vol. I, Lisboa, 1980, págs. 270 e sega.
Na doutrina estrangeira, ver LAUBADÉRE et al., Traité de Droit Administratif, tome I, 11º ed., LGDJ, 1990, págs. 561 e 562; CHAPUS, Droit administratif général, tome 1/5ª ed. Montchrestien, 1990, pág. 752; e VEDEL, Derecho administrativo, Aguilar, pág. 155.
Na jurisprudência, ver Acórdão de 15 de Abril de 1982, do STA, em Acórdãos Doutrinais, Ano XXI, 251, pág. 1349; Idem, de 17 de Abril de 1975, ibidem, Ano XIV, 166, pág. 1236; Idem, de 12 de Fevereiro de 1976, ibidem, Ano XV, 174, pág. 784.
(16) Ob. cit., pág. 512.
(17) Cfr. os autores referidos na nota 15.
Na jurisprudência, ver o Acórdão do STA, de 15 de Abril de 1981 já citado na mesma nota; o acórdão de 16 de Julho de 1980 (Pleno), Acórdãos Doutrinais, Ano XX, 234, págs. 745; e o acórdão de 30 de Outubro de 1980, na RU, nº3687, pág. 174, bem como a anotação de A. RODRIGUES QUEIRÓS, a pág. 179.
(18)  Cfr., também no mesmo sentido, o artigo 37º do Código do Procedimento Administrativo, ainda não em vigor.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART115 N5.
L 47/86 DE 1986/10/15 ART40 N1.
CPADM91 ART37 ART39 N1 N2 N3 ART176.
DL 351/90 DE 1990/11/08.
DL 100/88 DE 1988/03/23 ART3 ART5 ART14 ART22 N3 ART23 - ART28 ART31 ART34 ART37 ART49 ART52 N1 A ART63 ART64 ART65 N1.
DL 99/88 DE 1988/03/23 ART1 ART2 ART3 ART4 ART5 ART7 ART8 ART9 ART10 ART16 ART17 ART18 ART19 ART20 ART21 ART22 ART23 ART28 ART29.
DL 582/70 DE 1970/11/24 ART1 ART2 ART3 ART10 N1 ART26.
DL 40623 DE 1956/05/30 ART3.
PORT 760/90 DE 1990/08/28.
PORT 243/89 DE 1989/04/01.
Jurisprudência: 
AC STA DE 1982/04/15 IN AD N251 PAG1349.
AC STA DE 1975/04/17 IN AD N166 PAG1236.
AC STA DE 1976/02/12 IN AD N174 PAG784.
AC STA DE 1980/07/16 IN AD N234 PAG745.
AC STA DE 1980/10/30 IN RLG N3687 PAG174.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ADM PUBL.
Divulgação
Número: 
DR111
Data: 
14-05-1992
Página: 
7
Pareceres Associados
2 + 10 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf