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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
160/2004, de 17.02.2005
Data do Parecer: 
17-02-2005
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Presidência do Conselho de Ministros
Relator: 
PAULO SÁ
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PESSOA COLECTIVA
CONSTITUIÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PÚBLICO
PESSOA COLECTIVA DE DIREITO PRIVADO
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE INTERESSE PÚBLICO
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA
FUNDAÇÃO
ASSOCIAÇÃO
ESCOLA PROFISSIONAL
FORMAÇÃO PROFISSIONAL
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
REVOGAÇÃO
ACTO ADMINISTRATIVO
Conclusões: 
1.ª A identificação das pessoas colectivas como públicas ou privadas decorrerá da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração, por forma a concluir pela predominância ou não dos seus atributos administrativos;
2.ª O Estado e as outras pessoas colectivas públicas podem criar pessoas colectivas de direito público ou pessoas colectivas de direito privado O respectivo regime jurídico é o que resultar da sua natureza e espécie, do respectivo estatuto e das normas que se lhes apliquem;
3.ª O regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade pública está estabelecido no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, e legislação complementar e dele resulta que apenas as pessoas colectivas de direito privado são susceptíveis de beneficiar do citado estatuto;
4.ª As escolas profissionais, criadas ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de Janeiro, porque possuem um estatuto de direito público, não são beneficiárias do regime do Decreto-Lei n.º 460/77;
5ª A cessação do estatuto de utilidade pública pode resultar da revogação da respectiva declaração, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, alínea b,) do Decreto-Lei n.º 460/77, se tiver deixado de se verificar algum dos seus pressupostos; pode, também, resultar de anulação ou revogação do respectivo acto administrativo, nos termos e prazos do Código do Procedimento Administrativo, se constatada a natureza pública da pessoa colectiva em causa, à data da declaração.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro de Estado e da Presidência,
Excelência:


I.

Através do despacho de 16 de Dezembro de 2004, dignou-se Vossa Excelência[1], acolher a sugestão do respectivo gabinete e solicitar parecer urgente deste Corpo Consultivo[2], relativamente à natureza e regime jurídico das pessoas colectivas criadas por entidades públicas e ao regime jurídico e efeito útil da declaração de utilidade pública relativamente a pessoas colectivas de iniciativa pública.

A sugestão referida é antecedida de uma informação e da formulação de questões, com o seguinte teor:

«1. Deram entrada na Presidência do Conselho de Ministros vários pedidos de declaração de utilidade pública referentes a pessoas colectivas (fundações e associações) que têm em comum o facto de terem sido criadas por entidades públicas (…).
«2. Acresce que, para além dessa circunstância, tais entidades caracterizam-se por terem sido constituídas ao abrigo do direito civil e, portanto, dotadas de personalidade jurídica de direito privado.
«3. Algumas delas assumem a natureza jurídica de escolas profissionais as quais, nos termos do regime jurídico aplicável, podem ser criadas pelo Estado, por forma a assegurar a cobertura de áreas de formação ou de regiões do país não contempladas pela rede de escolas profissionais existentes.
«4. Uma prospecção realizada entre os processos já concluídos revelou um número assinalável de entidades com as mesmas características já declaradas de utilidade pública.
«5. A leitura do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro potencia a dúvida de saber se, atenta a sua natureza jurídica, as associações e fundações constituídas por entidades públicas e, em particular as escolas profissionais criadas pelo Estado, ao abrigo do disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de Janeiro, podem ou não ser objecto de declaração de utilidade pública prevista no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro.
«Atendendo ao exposto, colocam-se as seguintes questões.
a) Qual a natureza e o regime jurídicos das pessoas colectivas criadas por entidades públicas?
b) Qual o âmbito pessoal do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro? As associações e fundações constituídas por entidades públicas podem ou não ser objecto de declaração de utilidade pública prevista no referido Decreto-Lei? Ou, por outras palavras, a declaração de utilidade pública, da competência do Governo, apenas pode ser atribuída a entidades (privadas) de origem privada (ou cooperativa) mas que se inscrevam pela sua actividade num quadro de interesse público ou, pelo contrário, compreende também as entidades privadas, desde logo as associações e fundações criadas pelos poderes públicos e prosseguindo, naturalmente, interesses públicos?
c) E, em particular, as escolas profissionais, criadas ao abrigo do n.º 2, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de Janeiro, podem ser objecto daquela declaração?
d) Qual o regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade pública e o efeito útil da declaração de utilidade pública de pessoas colectivas de iniciativa pública?
e) Caso não seja de reconhecer às associações e fundações criadas por entes públicos a utilidade pública, atento o facto de já ter sido declarado de utilidade pública um número significativo de associações e fundações constituídas por entes públicos, como proceder, em termos de legalidade, relativamente a esses processos já concluídos?»

Expostas as questões formuladas, mister é dar-lhes resposta, emitindo o respectivo parecer.


II.

Antes, porém, procurando enquadrar melhor as questões colocadas, acrescentaremos alguns elementos de facto que o processo fornece:

a) Os pedidos de declaração de utilidade pública têm em comum o facto de terem sido apresentados por pessoas colectivas criadas por iniciativa de entidades públicas, constituídas ao abrigo do direito civil, terem um substrato patrimonial constituído, totalmente ou na maior parte, por fundos provenientes de entidades públicas e de os respectivos órgãos sociais serem, normalmente providos pelos representantes das pessoas colectivas de direito público que as instituíram;

b) Entre os processos incluídos no grupo atrás referido constam as seguintes associações:

- Processo n.º 198/01, relativo à ADL – Associação para o Desenvolvimento do Litoral Alentejano (constituída pelos Municípios de Odemira, Sines, Grândola, e pelo Instituto da Conservação da Natureza);
- Processo n.º 124/03, relativo à Associação para o Desenvolvimento da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (constituída pela Universidade do Porto e pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto);
- Processo n.º 30/01, relativo à Associação para o Desenvolvimento de Peniche (constituída pelo Município de Peniche e pela Junta Autónoma de Portos do Centro);
- Processo n.º 41/96, relativo à Associação para o Desenvolvimento do Concelho de Espinho  ADCE (constituída pelo Município de Espinho, Centro Regional de Segurança Social do Centro, Centro de Saúde de Espinho, juntas de freguesias várias);
- Processo n.º 115/03, relativo à Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Norte (constituída pela Direcção Regional do Ribatejo Norte);
- Processo n.º 118/98, relativo ao Centro Internacional de Matemática (constituído pelas Universidades de Coimbra, do Porto, do Minho, de Aveiro, dos Açores, da Beira Interior, de Trás-os-Montes e Alto Douro, Nova de Lisboa e pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa);
- Processo n.º 21/02, relativo a Ciência Viva  Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, constituída pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia;
- Processo n.º 108/02, relativo a CIIMAR  Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, constituído pela Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar da Universidade do Porto e pela Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e
- Processo n.º 85/03, relativo a OPEN  Associação para Oportunidades Específicas de Negócio (constituída pelos Municípios da Marinha Grande e da Batalha);

c) Deles constam, também, as seguintes fundações:

- Processo n.º 54/00, relativo à Fundação Juvenil Maestro José Pedro, instituída pelo Município de Viana do Castelo;
- Processo n.º 208/00, relativo à Fundação São Francisco de Assis, instituída pelo Município de Cascais, Juntas de Freguesia de Alcabideche, Carcavelos, Cascais, Estoril, Parede, S. Domingos de Rana, e pela Junta de Turismo da Costa do Estoril;
- Processo n.º 37/03, relativo à Fundação Carlos Lloyd Braga, instituída pela Universidade do Minho;
- Processo n.º 150/03, relativo à Fundação Ciência e Desenvolvimento, instituída pela Câmara Municipal do Porto e Universidade do Porto, e
- Processo n.º 155/03, relativo à Fundação Odemira, instituída pelo Município de Odemira.


III.

1. Importa que, previamente, balizemos os limites materiais deste parecer.

O primeiro limite decorre da urgência requerida e da amplitude dos problemas conexos, parte dos quais, demandando, porventura, maior investigação. Tais condicionantes impõem o sacrifício de um maior desenvolvimento das questões.

O segundo decorre da natureza da consulta. Por imposição legal, o parecer é restrito à matéria de legalidade (artigo 37.º, al. a), do Estatuto do Ministério Público).

2. Naturalmente o primeiro ponto a considerar na abordagem das questões colocadas é o da caracterização e distinção entre pessoas colectivas de direito público e pessoas colectivas de direito privado[3].

Como é sabido[4], «[a] personalidade jurídica é uma qualidade atribuída pelo Direito, é um produto da Ordem Jurídica, consistindo fundamentalmente na susceptibilidade de ser-se sujeito de relações jurídicas e, como tal, titular activo de direitos e titular passivo de obrigações.»

A tónica que o direito coloca na susceptibilidade de ser sujeito de direitos e deveres explica que aqueles substratos susceptíveis de se constituírem em centro autónomo de interesses, que possam ser realizados por uma vontade ao seu serviço, sejam classificados como pessoas, singulares (a pessoa física) ou colectivas[5].

Pessoas colectivas serão, pois, as que se apresentem como «organização destinada à prossecução de fins ou interesses, a que a ordem jurídica atribui a susceptibilidade de ser titular de direitos e obrigações»[6], podendo subdividir-se em pessoas colectivas de direito privado e de direito público.

Para esta distinção, vários critérios têm sido utilizados, sobretudo o do fim, o da titularidade de poderes de autoridade, o da criação, o da integração, e os de natureza ecléctica[7].

Face ao critério do fim, seriam pessoas colectivas de direito público as que prosseguissem um fim de interesse público e de direito privado as que prosseguissem um fim de interesse particular[8].

Como crítica, dir-se-á que tal critério imporia a qualificação como pessoas colectivas de direito público das associações que se propusessem fins desinteressados e das fundações.

Segundo o critério da titularidade de poderes de autoridade, seriam de direito público as pessoas colectivas que disfrutassem, em maior ou menor grau, do chamado "jus imperii", e de direito privado as demais[9].

A tal critério tem-se objectado, por um lado, que nada impede que o Estado personifique serviços próprios sem que lhes confira direitos próprios do poder público, e, por outro, que a certas sociedades privadas são, por vezes, atribuídos poderes de autoridade.

Classificadas pelo critério da criação, seriam pessoas colectivas de direito público as criadas pelo poder público; privadas, as restantes.

A este critério contrapôs-se que várias são as pessoas colectivas de direito público que não foram criadas pelo Estado, como era o caso das que resultaram do processo de nacionalização, e que inexistia obstáculo a que o Estado criasse pessoas colectivas de direito privado; casos há, igualmente, de pessoas colectivas de direito privado cujos estatutos foram criados por decreto ou decreto-lei.

À luz do critério da integração, seriam pessoas colectivas de direito público as que se inserissem na organização política estadual e pessoas colectivas de direito privado as que nela se não integrassem.

A propósito do critério da integração, tem sido afirmado que é vago e impreciso, por haver graus diversos de intensidade de integração das pessoas colectivas na organização política estadual, desde a mera fiscalização e acompanhamento das actividades até à própria tutela de mérito.

Alguns autores usam, para o efeito da distinção em apreço, critérios ecléticos, os quais se traduzem em agrupar vários dos outros que acima se enunciam ou, valorizando um deles, lhe aditar certos elementos adjuvantes.

Assim, pessoas colectivas de direito público, serão, segundo MARCELLO CAETANO[10], «aquelas que, sendo criadas por acto do Poder público, existem para a prossecução necessária de interesses públicos e exercem em nome próprio poderes de autoridade» e pessoas colectivas de direito privado as que «resultam da atribuição da personalidade pela Ordem jurídica (reconhecimento) a uma associação ou instituição de iniciativa particular (substrato) cuja organização e gestão são deixadas, senão na totalidade ao menos em grande parte, à vontade dos associados ou instituidores».

Outros, partindo da ideia de que todas as pessoas colectivas de direito público prosseguem fins de interesse público, e que estes também são prosseguidos por algumas pessoas colectivas de direito privado, concluem que as primeiras prosseguem primariamente fins de interesse público, e definem as segundas por exclusão[11].

FREITAS DO AMARAL propende igualmente para a classificação das pessoas colectivas segundo um critério eclético e define as pessoas colectivas públicas como as que são «criadas por iniciativa pública para assegurar a prossecução necessária de interesses públicos, e por isso dotadas em nome próprio de poderes e deveres públicos»[12].

Também VITAL MOREIRA[13] perfilha tal entendimento, defendendo que «são de considerar entidades públicas, na falta de qualificação legislativa, as que, tendo sido criadas pelo Estado ou outro ente público “primário” (ou seja, uma colectividade territorial) detenham o predicado fundamental das entidades públicas, que é a posse de prerrogativas de direito público, isto é, exorbitantes do direito privado.»

Este corpo consultivo ponderou a propósito que o regime jurídico das pessoas colectivas públicas resulta de várias disposições legais, das quais não é fácil extrair o núcleo distintivo em relação às pessoas colectivas de direito privado, mas em que aflora a ideia de que as primeiras são organismos de certo modo integrados no Estado e que o auxiliam na prossecução de interesses que, em dado momento histórico, ele chamou à sua esfera de acção, e que na ausência de precisão de critérios distintivos da realidade em causa, se deverá atender, face a cada uma das entidades colectivas, aos índices já mencionados[14].

Face ao que se deixa dito e recorrendo, mais uma vez, a VITAL MOREIRA[15] podemos afirmar que:

«[S]ão de considerar entidades públicas: (a) O Estado e as demais entidades colectivas territoriais (municípios, etc.) (pessoas colectivas públicas originárias, ou por natureza; (b) as entidades como tal qualificadas por lei (entidades públicas por força da lei); (c) as entidades criadas pelo Estado (ou por outras pessoas colectivas públicas), desde que não qualificadas por lei como entidades privadas, e desde que compartilhem dos predicados da personalidade pública, a saber as prerrogativas de direito público, nomeadamente os poderes de autoridade.

«Não são por isso entidades públicas, além das que a lei qualifique expressamente como entidades privadas, aquelas que sejam criadas livremente por particulares, segundo os formatos típicos do direito privado (associação, fundação, cooperativa, etc.), bem como as de criação pública mas sem qualquer traço relevante de um regime de direito público. As pessoas colectivas de criação privada são sempre pessoas colectivas privadas, salvo declaração legal em contrário, ainda que tenham um regime de direito público reconhecido por lei, porquanto não é concebível a criação de entes públicos por acto de particulares. Estar-se-á então perante entidades privadas com um regime de direito público».

3. Deixaremos ainda aqui uma nota quanto às zonas de «interpenetração do público e do privado», propícias à génese de formações híbridas, recorrendo novamente ao parecer n.º 611/2000.

«Há quem fale de “entidades colectivas sem personalidade jurídica pública”, isto é, de “ «pessoas colectivas de estatuto privado integrantes da administração indirecta do Estado (ou de uma região autónoma ou de uma autarquia local)”, tais como as ”fundações e associações criadas por entidades públicas para prosseguir objectivos das entidades instituidoras” (x)

«As associações agrupam-se em duas espécies (x1).

«A primeira compreenderia as “associações integralmente constituídas por entidades públicas” (x2), enquanto a segunda seria integrada pelas “associações de entidades públicas e privadas” (x3).[16]

«Tais “associações privadas criadas por iniciativa pública”» não mereceriam, aliás, as reservas opostas pela opinião em apreço às fundações da mesma natureza, as quais se perfilariam em torno dos aspectos seguintes (x4).

«Por um lado, observa-se, não existe entre nós “qualquer norma constitucional ou legal a que possa ser atribuído o sentido de uma habilitação genérica da Administração Pública para instituir fundações”, salvo, desde recente data e limitada aos municípios, a do artigo 53.º, n.º 2, alínea l), da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.

«É certo “que a prossecução de atribuições públicas por entidades privadas não se encontra constitucionalmente proibida”, podendo, pois, admitir-se a instituição de fundações privadas “para prosseguir fins públicos determinados”. Mas isso desde que observadas certas “limitações e constrangimentos”: os derivados da “excepcionalidade da administração pública por entes privados”; da proibição do uso desse procedimento para evitar a observância dos chamados dados fundamentais da administração pública, tais como “os controlos ministerial e parlamentar, a vinculação aos direitos fundamentais” (x5). Determinadas tarefas não poderiam sequer deixar de ser desempenhadas por entes públicos (x6).

«Por outro lado, a instituição de fundações de direito privado por entidades públicas, envolvendo a separação entre a fundação e o fundador, que a lei civil postula, implicaria, para a tese exposta, um “abandono definitivo” pelo ente público “dos interesses públicos de cuja prossecução a lei o encarregou”.

«Outros pontos de vista apresentam-se, porém, menos restritivos relativamente à admissibilidade destas figuras transaccionais das “fundações públicas de direito privado”.

«Desde logo porque, “reconhecendo a doutrina do direito público ampla capacidade de gestão privada às pessoas colectivas de direito público, nada impede que estas últimas criem fundações exclusivamente ao abrigo do direito privado, por negócio jurídico privado, ficando as fundações públicas assim criadas sujeitas no seu funcionamento apenas ao direito privado” (x7)

«E existindo “pessoas colectivas públicas de direito privado (v.g., empresas públicas de regime geral, sociedades de capitais públicos, sociedades de economia mista controlada, cooperativas mistas, associações públicas de direito privado, etc.)”, nada também impede “que qualquer delas crie fundações de direito privado que serão igualmente públicas por serem de iniciativa pública e afectarem um património público ao serviço de fins de interesse social que a entidade instituidora pretende prosseguir, mas que são fundações de direito privado porque criadas ao abrigo do direito privado (Código Civil), por negócio jurídico privado, ficando apenas sujeitas ao direito privado” (x8)».

4. Porém, retomando a grande distinção entre pessoas colectivas de direito público e de direito privado diremos que as primeiras são integradas pelo Estado, pelas pessoas colectivas de população e território (autarquias locais e regiões autónomas), pessoas colectivas públicas de natureza institucional (serviços públicos personalizados, fundações públicas e estabelecimentos públicos), pessoas colectivas de natureza empresarial (empresas públicas) e pessoas colectivas de natureza associativa (associações públicas)[17].

Ou, segundo a classificação tripartida adoptada por JOÃO CAUPERS os diversos entes públicos são o Estado, as pessoas colectivas autónomas – administração autónoma  (de base territorial, como os municípios ou as freguesias, ou de base corporativa, como muitas associações públicas) e as pessoas colectivas instrumentais  administração instrumental ou indirecta (com finalidades lucrativas como as empresas públicas, ou não, como os institutos públicos)[18].

Quanto às pessoas colectivas de direito privado, reguladas pelo Direito Administrativo, que são as que interessam ao objecto do presente parecer, diremos, seguindo, nesta parte, o parecer n.º 611/00 citado, que as mesmas se distinguem, segundo o critério da sua finalidade estatutária, entre «as de utilidade pública que se propõem um escopo de interesse público, embora cumulativamente possam também almejar a satisfação de interesses dos próprios associados ou do fundador e as de utilidade particular que prosseguem primacialmente um interesse particular, maxime lucrativo (v.g., as sociedades comerciais) (-).

«Dentro das pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública autonomizam-se duas modalidades: as de fim desinteressado ou altruístico, e as de fim interessado ou egoístico.

«Nas primeiras, o interesse próprio que os associados ou o fundador visam satisfazer é um interesse de natureza altruística, a saber, o de promover certos interesses de outras pessoas (beneficiários). Daí a “utilidade pública” destas pessoas colectivas de direito privado, posto que “à comunidade social importa que tais interesses sejam satisfeitos”. E tanto assim que “o próprio Estado ou os entes públicos menores costumam prover no mesmo sentido”, “através dos seus próprios recursos”.

«A esta categoria, sublinha-se, pertencem todas as fundações  excepto porventura algum raríssimo caso (os autores falam principalmente nas chamadas fundações de família)  e ainda um grande número de associações, como sejam as de beneficência ou as humanitárias.

«Contrapõem-se-lhes as pessoas colectivas de fim interessado ou egoístico, quase sempre de tipo associativo, cujo escopo “interessa de modo egoístico aos próprios associados, mas é tal que ao mesmo tempo interessa à comunidade.”

«E em consideração da natureza desse escopo ainda se distinguem nesta subespécie as pessoas colectivas de fim ideal (não económico: recreio, desporto, instrução, cultura), v.g. clubes desportivos e as de fim económico não lucrativo, v.g. associações de socorros mútuos, cooperativas.»

Enquanto esta classificação provém da doutrina civilística os administrativistas procedem à definição e catalogação das pessoas colectivas de direito privado e interesse público nos termos que abaixo se descrevem.

Para MARCELLO CAETANO seriam pessoas colectivas de utilidade pública as pessoas colectivas de direito privado que não tivessem «por fim o lucro económico dos associados»[19]. Mas a distinção mais relevante era a que permitia ao autor destacar – de entre o conjunto de associações, fundações e sociedades criadas por iniciativa dos particulares e cuja personalidade colectiva seja reconhecida nos termos do direito privado – aquelas que «podem na sua actividade ser sujeitas a normas de Direito administrativo em virtude de colaborarem na realização de fins próprios da Administração Pública ou receberem mesmo desta funções especiais» e que se designariam de pessoas colectivas de direito privado e regime administrativo[20].

Entre as pessoas colectivas de direito privado e regime administrativo avultariam as denominadas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, categoria que se refere às «associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados e fundações de interesse social (e nesse fim não económico ou interesse social está a essência da utilidade pública) cujos fins coincidam com atribuições da Administração Pública (utilidade pública administrativa)»[21]. Esta segunda característica permitiria distinguir as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa das pessoas colectivas de utilidade pública meramente civil ou não administrativa[22].

Mas, como reconhece FREITAS DO AMARAL[23], esta matéria classificatória tem hoje de ser revista à luz da significativa evolução legislativa verificada após a Revolução de 1974.

FREITAS DO AMARAL, cuja exposição, nesta parte, se segue, propõe, para as referidas pessoas colectivas de direito privado e regime administrativo, a nova designação de instituições particulares de interesse público e define as «instituições particulares de interesse público como pessoas colectivas privadas que, por prosseguirem fins de interesse público, têm o dever de cooperar com a Administração Pública e ficam sujeitas, em parte, a um regime especial de Direito Administrativo.»

Segundo este AUTOR, as instituições particulares de interesse público possuem como características mais marcantes as seguintes:

a) Do ponto de vista orgânico ou subjectivo, são entidades privadas (pessoas colectivas privadas);
b) Do ponto de vista material ou objectivo, desempenham, por vezes, uma actividade administrativa de gestão pública, outras vezes exercem uma actividade de gestão privada;
c) Do ponto de vista do direito aplicável, estão sujeitas a um regime misto de direito privado e de Direito Administrativo.

Considera, ainda, FREITAS DO AMARAL, que as instituições particulares de interesse público abrangem, fundamentalmente, duas espécies - sociedades de interesse colectivo e pessoas colectivas de utilidade pública. Estas, por sua vez, subdividem-se em três subespécies: pessoas colectivas de mera utilidade pública, instituições particulares de solidariedade social e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.

Ocupando-se das pessoas colectivas de utilidade pública, define-as como «as associações ou fundações de direito privado que prossigam fins não lucrativos de interesse geral, cooperando com a Administração central ou local, em termos de merecerem da parte desta a declaração de “utilidade pública”». É a definição dada pelo artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro.

Referindo-se, depois, às subespécies de pessoas colectivas de utilidade pública, caracteriza-as do seguinte modo:

«As pessoas colectivas de mera utilidade pública compreendem todas as pessoas colectivas de utilidade pública que não sejam instituições particulares de solidariedade social nem pessoas colectivas de utilidade pública administrativa – o conteúdo desta categoria determina-se, pois, por exclusão de partes. Prosseguem quaisquer fins de interesse geral que não correspondam aos fins específicos das outras duas categorias. O seu regime jurídico consta do D.L. n.º 460/77, de 7 de Novembro (...).»

«As instituições particulares de solidariedade social são as que se constituem para dar expressão organizada ao dever moral de solidariedade e de justiça entre os indivíduos – nomeadamente para fins de apoio a crianças e jovens, apoio à família, integração social e comunitária, protecção na velhice e na invalidez, promoção da saúde, educação, formação profissional e habitação social. O seu regime jurídico consta do D.L. n.º 119/83, de 25 de Fevereiro (...).»

«As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa são as pessoas colectivas de utilidade pública que, não sendo instituições particulares de solidariedade social, prossigam alguns dos fins previstos no artigo 416.º do CA: é, nomeadamente, o caso das associações humanitárias, que visam socorrer feridos, doentes ou náufragos, a extinção de incêndios ou qualquer outra forma de protecção desinteressada de vidas humanas e bens, O seu regime jurídico consta ainda do Código Administrativo de 1936-40 (...)»[24].

Constata-se que há uma graduação da intervenção da Administração Pública nestas três espécies: mínima nas pessoas colectivas de mera utilidade pública, de nível intermédio nas instituições particulares de solidariedade social e máxima nas pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.

A justificação da diferença de regimes radica na medida em que os fins prosseguidos interessam à Administração: no primeiro caso, os fins de interesse geral tidos em vista por entidades privadas não interferem com as funções assumidas pela Administração, embora esta os veja com bons olhos, limitando-se a controlar as actividades privadas correspondentes; no segundo caso os fins prosseguidos coincidem com funções da Administração e esta favorece, mas também fiscaliza, a coexistência colaborante entre as actividades privadas e públicas; no terceiro caso as entidades criadas vêm suprir uma omissão ou lacuna dos poderes públicos e correspondem por conseguinte a uma modalidade de exercício privado de funções públicas, onde a intervenção e o controle administrativo e financeiro têm de ser maiores[25].


IV.

1. «Independentemente da catalogação doutrinária que se possa fazer das pessoas colectivas de utilidade pública, importa ter presente que essa qualificação não é de carácter automático, antes resulta, nos termos do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, «de uma distinção especial, conferida, caso a caso, pela Administração, a pedido da própria associação interessada(x9)»[26].

«Sobre a caracterização desse qualificativo de utilidade pública pronunciou-se já este Conselho Consultivo (x10), da seguinte forma:

«A utilidade pública, como atributo que pode ser concedido, por decisão da Administração, a determinadas pessoas colectivas, que reúnam certos condicionalismos e prossigam finalidades relevantes de interesse social, constitui uma noção com recorte legal específico, expressamente acolhida e definida no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro (-).

«A utilidade pública consiste, assim, numa atribuição ou qualificação, conferida (reconhecida) caso a caso pela Administração a determinadas pessoas colectivas (associações ou fundações), de natureza privada e de fins não lucrativos, em atenção ao relevo dos interesses que prosseguem e dos serviços que prestem à comunidade.

«As pessoas colectivas de utilidade pública, na significação resultante do Decreto-Lei nº 460/77, são pessoas colectivas privadas (associações ou fundações), que prosseguem fins não lucrativos de interesse geral, de âmbito nacional ou local, que devem cooperar com a Administração no prosseguimento e desenvolvimento de fins de interesse geral e, que, em consideração desses interesses e fins, mereçam da Administração a declaração de utilidade pública (x11).

«A declaração de utilidade pública determina para as associações e fundações a que seja reconhecida um regime jurídico próprio, que se caracteriza essencialmente pela concessão de um certo número de regalias e isenções, de par com alguns deveres e limitações.

«Refiram-se como vantagens, as isenções fiscais e de outra ordem (artigos 9.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 460/77), e, como deveres, os indicados no artigo 12.º do mesmo diploma, reveladores de que a intervenção da Administração é mínima “e não envolve tutela administrativa nem controle financeiro”(x12).»

Noutra ocasião, descreveu este órgão consultivo com mais detalhe o regime das pessoas colectivas de utilidade pública, nos seguintes termos (x13):

«As pessoas colectivas só podem ser declaradas de utilidade pública se, cumulativamente: a) não limitarem o seu quadro de associados ou de beneficiários a estrangeiros ou através de qualquer critério contrário ao do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição (princípio da igualdade), segundo o qual ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social; b) tiverem consciência da sua utilidade pública, a fomentarem e desenvolverem, cooperando com a Administração na realização dos seus fins (artigo 2.º, n.º 1).

«A declaração de utilidade pública é da competência do Governo (artigo 3.º) e publicada no Diário da República (artigo 6.º, n.º 2).

«As pessoas colectivas que prossigam alguns dos fins previstos no artigo 416.º do Código Administrativo (x14) podem ser declaradas de utilidade pública logo em seguida à sua constituição; as restantes, só ao fim de cinco anos de efectivo e relevante funcionamento, salvo se especialmente dispensadas desse prazo em razão de circunstâncias excepcionais (artigo 4.º).

«As pessoas colectivas de utilidade pública estão sujeitas a registo (artigo 8.º) e gozam das isenções fiscais previstas na lei (x15) e das seguintes regalias: isenção de taxa de rádio; sujeição à tarifa aplicável aos consumos domésticos de energia eléctrica; escalão especial no consumo de água; tarifa de grupo ou semelhante no modo de transporte público estatizado; isenção das taxas previstas na legislação sobre espectáculos e divertimentos públicos, e publicação gratuita no Diário da República das alterações dos estatutos (artigos 9.º e 10.º). (…)

«São deveres das pessoas colectivas de utilidade pública, entre outros que constem dos respectivos estatutos ou da lei: a) enviar anualmente à Presidência do Conselho de Ministros o relatório e as contas dos exercícios findos; b) prestar as informações solicitadas por quaisquer entidades oficiais ou pelos organismos que nelas hierarquicamente superintendam; c) colaborar com o Estado e autarquias locais na prestação de serviços ao seu alcance e na cedência das suas instalações para a realização de actividades afins (artigo 12.º).

«A declaração de utilidade pública e as inerentes regalias cessam: a) com a extinção da pessoa colectiva; b) por decisão da entidade competente para a declaração, se tiver deixado de se verificar algum dos seus pressupostos (artigo 13.º, n.º 1).»

O regime que se acabou de descrever é o regime geral das pessoas colectivas de utilidade pública, aplicando-se às três subespécies, com a excepção da declaração de utilidade pública, no momento da constituição, conferida às pessoas colectivas de utilidade pública administrativa, pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 460/77.

O regime das instituições particulares de solidariedade social é ainda integrado pelo decorrente do Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de Fevereiro, com destaque para os seus artigos 3.º (princípio da autonomia institucional), 4.º (princípio do apoio do Estado e das autarquias locais, 5.º (direitos dos beneficiários), 9.º a 31.º (criação, organização, gestão e extinção) e 32.º a 39.º (tutela administrativa).

O regime específico das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa é constituído pelas normas do Decreto-Lei n.º 460/77 e pelas normas atinentes do Código Administrativo.

2. Cabe dizer que o regime jurídico das pessoas colectivas públicas também não é uniforme: depende da legislação aplicável.

No caso das autarquias locais todas as espécies deste género têm o mesmo regime, definido na Constituição da República Portuguesa, na Lei das Autarquias Locais e no Código Administrativo. Mas já quanto aos institutos públicos, empresas públicas e associações públicas, o regime varia muitas vezes de entidade para entidade, conforme a lei orgânica.

De facto, os aspectos mais relevantes do estatuto do regime jurídico das pessoas colectivas públicas são, segundo FREITAS DO AMARAL, que passamos a seguir[27], os seguintes:

1) Criação e extinção. – A maioria das pessoas colectivas é criada por acto do Poder central; mas há casos de criação por iniciativa pública local. As pessoas colectivas públicas não podem extinguir-se a si próprias e não estão sujeitas à falência e à insolvência; só por decisão pública podem ser extintas;
2) Capacidade jurídica de direito privado e património próprio;
3) Capacidade de direito público. As pessoas colectivas públicas são titulares de poderes e deveres públicos. Entre estes assumem particular relevância os poderes de autoridade de que são exemplos o poder regulamentar, o poder tributário, o poder de expropriar, o privilégio de execução prévia;
4) Autonomia administrativa e financeira;
5) Isenções fiscais;
6) Direito de celebrar contratos administrativos;
7) Bens do domínio público – As pessoas colectivas públicas são ou podem ser titulares dos bens do domínio público;
8) Funcionários públicos – Por via de regra, o pessoal das pessoas colectivas está submetido ao regime da função pública;
9) Sujeição a um regime administrativo de responsabilidade civil – Este é o regime regra e não o do Código Civil;
10) Sujeição a tutela administrativa;
11) Sujeição à fiscalização do Tribunal de Contas – Regime regra;
12) Foro Administrativo – As questões surgidas da actividade pública pertencem à competência dos tribunais do foro administrativo.

3. As pessoas colectivas de utilidade pública classificam-se, quanto ao substrato, em associações e fundações.

Importa abordar agora especificamente a questão das fundações como entidades de direito privado.

Cabe referir que as fundações se caracterizam pela congregação de dois elementos que são: o substrato, a “materialidade anterior à personalização” e o reconhecimento, imprimindo-lhe “de fora a personalidade jurídica”.
O substrato é integrado, por sua vez, pelos seguintes elementos: patrimonial, teleológico, intencional e organizatório.
Merece particular atenção, no contexto do presente parecer o elemento patrimonial do substrato fundacional.
O já citado parecer n.º 611/2000, estudando-o, discorreu nestes termos: «o elemento patrimonial integrador do substrato das fundações é a massa ou conjunto de bens afectados pelo fundador à consecução do fim fundacional, a denominada dotação.
«Efectivamente, nos termos do artigo 186º, n.º 1, do Código Civil, deve o instituidor no acto de instituição, além de indicar o fim da fundação, «especificar os bens que lhe são destinados».
«A dotação assume, pois, um papel primordial nas fundações, sendo «mesmo indispensável para que venham a constituir-se como pessoas jurídicas» (x16).

Evidencia-se a particular importância que assume aqui o elemento património. E algumas questões se prendem com esse elemento quando os bens que constituem o património da fundação provêm do Estado ou de outra entidade pública.

Em primeiro lugar, interessa averiguar se o Estado e outras pessoas colectivas públicas podem aparecer como criadores de fundações privadas.

Já atrás se fez uma primeira abordagem desta questão, citando o parecer n.º 611/2000 e concluindo pela inexistência de qualquer comando legal ou constitucional que habilite a Administração Pública a instituir fundações mas também pela ausência de norma que o proíba ou princípio que a tal se oponha.

Uma breve pesquisa do direito comparado não nos fornece um quadro uniforme de soluções.

Em Espanha[28], o artigo 6.º, n.º 4, da Lei 30/94, (que traduzimos livremente) estabelece que «as pessoas jurídico-públicas têm capacidade para constituir fundações, salvo se as suas normas reguladoras dispuserem o contrário» mas a doutrina diverge sobre a interpretação da norma[29].

JOÃO CAUPERS[30] informa que, em França, a lei e a doutrina são silenciosas a tal respeito; na Bélgica, está interdita claramente a possibilidade de as pessoas colectivas instituírem fundações e na Alemanha, a doutrina juspublicista não questiona a existência de fundações públicas quer de direito administrativo quer de direito privado[31]-[32].

Fora da Europa, segundo o mesmo AUTOR, tanto no Brasil[33] como na Venezuela[34], a doutrina admite que o Estado possa instituir fundações.

Concentrando-nos, novamente, no caso português, constatamos que a realidade é a de que o Estado e outras pessoas colectivas públicas, vêm instituindo fundações de direito privado, na ausência de lei autorizante, que só existe para as autarquias[35]-[36]. «Quanto à pessoa colectiva Estado, a Fundação da Casa de Bragança (x17) constitui senão o primeiro, pelo menos, um dos primeiros exemplos, a que muitos outros se seguiram (x18), sendo a Fundação para a Protecção e Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, o último caso publicado (x19).

«Por outro lado, há também exemplos de fundações que foram instituídas por negócio jurídico privado.

«Uma primeira conclusão é a de que o Estado e outras pessoas colectivas públicas, quer isoladamente quer em parceria com outras entidades, têm vindo a instituir fundações para prosseguirem as atribuições que lhes são cometidas.

Em segundo lugar e partindo da constatação anterior, importa analisar o porquê dessa criação e os termos em que as pessoas colectivas públicas o podem fazer.

«Os autores costumam referir como razões justificativas para o estabelecimento destas entidades a “flexibilidade na criação e extinção, no regime de pessoal, no regime financeiro, na actividade, na associação, entre diversas organizações ou com particulares” (x20), tudo concretizado na sugestiva imagem de “fuga para o direito privado”.

«Notar-se-á que, aqui, não se encontrará aquela ideia de altruísmo que se mostra presente nas fundações instituídas pelos particulares, quer individual quer colectivamente.

«O Estado, quando opta por socorrer-se de qualquer uma das formas jurídicas previstas no direito privado, e a regra vale também para as associações e sociedades, “utiliza tal espécie de entidade para atingir determinado fim de interesse público”, mas sem que a mesma adquira normalmente vida inteiramente própria, ao contrário do que acontece com os particulares (x21).

«Com efeito, o Estado pode intervir na pessoa colectiva através da alteração ou revogação da lei que a institui, sempre que o interesse público o determine, pois, não sendo assim, estar-se-ia a desrespeitar o “princípio da indisponibilidade do interesse público ao qual se vincula a administração”(x22).

«Algumas vezes, a Administração intervém logo no acto de instituição, moldando os estatutos de modo a que o interesse público fique salvaguardado(x23).

«No entanto, a opção da Administração por formas do direito privado não pode “ter por efeito a fuga às garantias constitucionais dos cidadãos contra a Administração, nomeadamente o respeito dos direitos fundamentais”, nem pode “fugir aos dados fundamentais da administração pública, nomeadamente o controlo ministerial e parlamentar, a vinculação dos direitos fundamentais, etc.”(x24).

«Antes de mais, a formação da vontade da Administração em participar num negócio de direito privado processa-se sempre no plano do direito administrativo, “visto que a prática do acto de direito privado é normalmente precedida de uma série de formalidades através das quais se dá cumprimento a normas jurídicas organizatórias e funcionais da Administração”(x25).

«Depois, e se é certo que o “direito positivo vigente não oferece uma regulamentação homogénea da actividade de direito privado da Administração Pública, o que «torna em parte frustradas as tentativas para individualizar os princípios que possam ser referidos a tal actividade» (RAIMONDI)”(x26), a verdade é que a Administração, se dispõe das formas de direito privado, ainda assim “não goza da liberdade e das possibilidades da autonomia privada”, estando sujeita, designadamente, ao princípio constitucional da legalidade, tal como decorre do artigo 266.º da Constituição e se densifica no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo.

4. Justifica-se que se intercale aqui uma reflexão sobre o princípio da legalidade no âmbito da Administração Pública, reflexão essa, balizada pela necessidade de resposta ao pedido da consulta e, por isso, necessariamente breve e orientada para o seu núcleo fundamental.

O texto do preceito constitucional, que abre o Título IX, relativo à «Administração Pública», dispõe:

«Artigo 266.º
Princípios fundamentais
1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade».

Este princípio surge depois melhor concretizado e desenvolvido no Código do Procedimento Administrativo, nomeadamente no artigo 3.º, que dispõe:

«Artigo 3.º
Princípio da legalidade
1. Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos».

Segundo a mais recente doutrina, que a jurisprudência vem acolhendo[37], com este artigo 3.º o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa»[38].

Na verdade, «[a] lei não é apenas um limite à actuação da Administração: é também o fundamento da acção administrativa. Quer isto dizer que, hoje em dia, não há um poder livre de a Administração fazer o que bem entender, salvo quando a lei lho proibir; pelo contrário, vigora a regra de que a Administração só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça»[39].

Esta obediência à Constituição e à lei estende-se, por força delas mesmas, a todos os actos a que elas conferem força vinculativa, designadamente, normas de direito internacional, regulamentos e contratos administrativos e actos administrativos constitutivos de direitos, que integram o bloco de legalidade condicionante da actuação administrativa[40].

Por outro lado, este princípio da legalidade vale não só para a Administração agressiva mas também para a constitutiva[41].

Nesta perspectiva, cabendo a questão em apreço na área da administração constitutiva, torna-se claro que os respectivos actos administrativos teriam de se subordinar ao princípio da legalidade.

Ademais, como este Conselho vem entendendo[42]:

«O princípio da legalidade desenvolve-se fundamentalmente em duas vertentes: a negativa, expressa no princípio da prevalência da lei, e a positiva, consubstanciada no princípio da precedência da lei.
Da primeira das referidas vertentes decorre que os actos da Administração devem conformar-se com as leis, sob pena de ilegalidade, e, da segunda, que a Administração só pode actuar com base na ou mediante autorização da lei».

5. Fechado o parêntesis e voltando ao tema da constituição das fundações por parte de pessoas colectivas públicas dir-se-á que, com vista à prossecução da sua actividade e na exteriorização da sua vontade, a Administração poderá recorrer aos actos normativos adequados, ou optar pelo negócio jurídico privado, nos termos do artigo 185.º, n.º 3, do Código Civil.

De facto (e citando), afirma NUNO SÁ GOMES[43]:

«[R]econhecendo a doutrina do direito público ampla capacidade de gestão privada às pessoas colectivas de direito público, nada impede que estas últimas criem fundações exclusivamente ao abrigo do direito privado, por negócio jurídico privado, ficando as fundações públicas assim criadas sujeitas no seu funcionamento apenas ao direito privado».

Voltando a citar o Parecer n.º 2/2001 diremos que «(…) não pode deixar de afirmar-se que, sendo igualmente possíveis as duas opções, importaria precisar(x27) os casos que obrigatoriamente estariam cobertos por uma e por outra, sendo axiomático que, nos casos em que falta o poder de emitir actos normativos, só o negócio jurídico privado surgirá(x28).

«Como ficou referido, nos casos em que tem sido o Governo a instituir fundações, entre outras, a Fundação das Descobertas ou, mais recentemente, a Fundação para a Protecção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, o recurso ao decreto-lei foi a fórmula adoptada. Noutros casos, quando se tratou de instituição de fundações por entes públicos menores, foi adoptado o negócio jurídico privado; e nem poderia ser de outro modo por estas entidades não disporem de poder legislativo.

«Nos negócios jurídicos privados, sempre estando a Administração subordinada à lei, aquela há-de reger-se pelos comandos legais que disciplinam a constituição de fundações de regime privado sempre que para a prossecução do interesse público este melhor for alcançado através de actividades a desenvolver por essas pessoas colectivas.

«Assinale-se que não sendo pacífico na doutrina o recurso a fórmulas de direito privado neste domínio, bem assim como a sua extensão e âmbito, as quais se têm caracterizado por intervenções esporádicas, afigura-se-nos, por maioria de razão, que a haver intervenção, ela seja assumida directamente pelo Estado Administração.»


V.

Abordemos de seguida a questão relativa à criação pelo Estado de escolas profissionais.

Nesta matéria rege, em primeiro lugar, a Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro[44] (Lei de Bases do Sistema Educativo), que vem traçar as grandes linhas do sistema, em execução dos artigos 74.º e 75.º da Constituição.

Nos termos do seu artigo 16.º, n.º 1, a formação profissional constitui uma das modalidades especiais de educação escolar, sendo que, no n.º 2 do mesmo dispositivo se estabelece que cada uma das modalidades enumeradas «é parte integrante da educação escolar, mas rege-se por disposições especiais».

Nos normativos seguintes regulam-se o âmbito e objectivos da educação especial (artigo 17.º[45]) e a sua forma de organização (artigo 18.º[46]).

Trata especificamente da formação especial o artigo 19.º que estabelece:

«Artigo 19.º
(Formação profissional)
1 - A formação profissional, para além de complementar a preparação para a vida activa iniciada no ensino básico, visa uma integração dinâmica no mundo do trabalho pela aquisição de conhecimentos e de competências profissionais, por forma a responder às necessidades nacionais de desenvolvimento e à evolução tecnológica.
2 - Têm acesso à formação profissional:
a) Os que tenham concluído a escolaridade obrigatória;
b) Os que não concluíram a escolaridade obrigatória até à idade limite desta;
c) Os trabalhadores que pretendam o aperfeiçoamento ou a reconversão profissionais.
3 - A formação profissional estrutura-se segundo um modelo institucional e pedagógico suficientemente flexível que permita integrar os alunos com níveis de formação e características diferenciados.
4 - A formação profissional estrutura-se por forma a desenvolver acções de:
a) Iniciação profissional;
b) Qualificação profissional;
c) Aperfeiçoamento profissional;
d) Reconversão profissional.
5 - A organização dos cursos de formação profissional deve adequar-se às necessidades conjunturais nacionais e regionais de emprego, podendo integrar módulos de duração variável e combináveis entre si, com vista à obtenção de níveis profissionais sucessivamente mais elevados.
6 - O funcionamento dos cursos e módulos pode ser realizado segundo formas institucionais diversificadas, designadamente:
a) Utilização de escolas de ensino básico e secundário;
b) Protocolos com empresas e autarquias;
c) Apoios a instituições e iniciativas estatais e não estatais;
d) Dinamização de acções comunitárias e de serviços à comunidade;
e) Criação de instituições específicas.
7 - A conclusão com aproveitamento de um módulo ou curso de formação profissional confere direito à atribuição da correspondente certificação.
8 - Serão estabelecidos processos que favoreçam a recorrência e a progressão no sistema de educação escolar dos que completarem cursos de formação profissional.»

No desenvolvimento da Lei de Bases do Sistema Educativo foi publicado o Decreto-Lei n.º 26/89, de 21 de Janeiro, que criou as escolas profissionais no âmbito do ensino não superior.

«Este regime jurídico viria a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 70/93, de 10 de Março, que introduziu algumas alterações ao regime de criação e funcionamento das escolas profissionais.

«Porém, mais de quatro anos após a entrada em vigor deste último diploma, a experiência da sua aplicação revelou algumas fragilidades e ambiguidades relativas, nomeadamente, ao processo de criação das escolas, à natureza jurídica dos promotores, à relação destes com os órgãos de direcção, à responsabilização pedagógica e financeira dos órgãos da escola, bem como ao modelo de financiamento.»

O Decreto-Lei n.º 4/98 de 8 de Janeiro[47] que revoga, por sua vez, o Decreto-Lei n.º 70/93, surge com o propósito de, com urgência, definir «uma estratégia correctiva, com vista a combater as fragilidades existentes, não perdendo, antes consolidando, as potencialidades contidas no ensino profissional» e de «renovar a aposta no ensino profissional, consolidar as escolas profissionais como instituições educativas e aperfeiçoar e alterar o modelo de financiamento em vigor.»

Atento o seu interesse para o esclarecimento do actual estatuto das escolas profissionais transcreveremos algumas das disposições do citado diploma, a começar pelos artigos 1.º e 2.º que rezam, respectivamente:

«Artigo 1.º
Objecto
O presente diploma estabelece o regime de criação, organização e funcionamento de escolas e cursos profissionais no âmbito do ensino não superior.

Artigo 2.º
Natureza e regime
1 - As escolas profissionais são, salvo o disposto no número seguinte, estabelecimentos privados de ensino.
2 - O Estado pode, subsidiariamente, criar escolas profissionais para assegurar a cobertura de áreas de formação ou de regiões do País não contempladas pela rede de escolas profissionais existentes.
3 - As escolas profissionais criadas nos termos do número anterior são estabelecimentos públicos de ensino secundário e regem-se pelo presente diploma, pela portaria de criação e demais legislação aplicável a estes estabelecimentos de ensino.
4 - As escolas profissionais privadas regem-se pelo presente diploma e pelos seus estatutos.

Mais adiante, no mesmo diploma, regula-se a criação e autorização de funcionamento das escolas profissionais privadas, deixando clara a possibilidade de tais escolas poderem ser criadas por pessoas singulares ou colectivas privadas, em associação com pessoas colectivas de natureza pública.

É o seguinte o teor do normativo a que se vem de fazer referência:

«Artigo 13.º
Regime de criação
1 - As escolas profissionais privadas podem ser livremente criadas por pessoas singulares, bem como por pessoas colectivas, isoladamente ou em associação.
2 - Para a criação de escolas em associação referida no número anterior podem participar pessoas colectivas de natureza pública.
3 - Podem ainda criar escolas profissionais outros Estados e organizações internacionais de que Portugal faça parte, quando tal resulte de acordos celebrados, do princípio da reciprocidade ou dos tratados constitutivos das referidas organizações.»

Finalmente, a regulamentação essencial das escolas profissionais públicas consta dos artigos 24.º a 29.º do referido diploma, que, de seguida, se transcrevem integralmente:

«Artigo 24.º
Criação
1 - As escolas profissionais públicas são criadas através de portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação.
2 - Podem ainda ser criadas, nos termos do número anterior, escolas profissionais que resultem da transformação de estabelecimentos de ensino e formação já existentes.

«Artigo 25.º
Organização e funcionamento
A organização e o funcionamento das escolas profissionais públicas são definidos pela portaria prevista no n.º 1 do artigo 24.º do presente diploma e demais legislação aplicável aos estabelecimentos de ensino secundário.

«Artigo 26.º
Pessoal
1 - O pessoal docente e não docente das escolas profissionais públicas deve ser contratado em regime de contrato individual de trabalho.
2 - Os contratos referidos no número anterior devem ser reduzidos a escrito, com menção obrigatória das condições da sua realização e respectivo prazo de duração, não conferindo aos particulares a qualidade de funcionário ou agente da Administração Pública.
3 - Para leccionação das disciplinas da componente de formação técnica, tecnológica, artística e prática podem as escolas profissionais públicas recrutar formadores a tempo parcial, através de contrato a termo ou de prestação de serviço, dando-se preferência a formadores que tenham experiência profissional ou empresarial efectiva.
4 - As escolas profissionais públicas criadas ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do presente diploma devem incorporar os quadros de pessoal da escola de origem.

«Artigo 27.º
Comissão instaladora
Nas escolas profissionais públicas criadas ou a criar deve ser nomeada uma comissão instaladora, com o objectivo de garantir o normal funcionamento e cumprimento do projecto educativo da escola.

«Artigo 28.º
Competências
Nas escolas profissionais públicas as competências referidas no n.º 1 do artigo 16.º são exercidas, com as devidas adaptações, pelo órgão de direcção da escola.

«Artigo 29.º
Financiamento
As escolas profissionais públicas são financiadas pelo Orçamento do Estado, podendo, complementarmente, candidatar-se a outros financiamentos públicos.»




VI.

1. Feita esta análise das premissas em que se terão de fundar as conclusões, pensamos encontrarmo-nos habilitados a responder às questões colocadas.

A primeira pergunta sobre a natureza e o regime jurídicos das pessoas colectivas criadas por entidades públicas decorre naturalmente do que disse atrás em III.

O Estado e as outras pessoas colectivas públicas podem criar pessoas colectivas de direito público ou pessoas colectivas de direito privado. E, quer sob a forma de associações, quer sob a forma de fundações.

O critério essencial para distinguir umas das outras é o que resulta da orientação consistente deste corpo consultivo através do qual as pessoas colectivas públicas «são organismos de certo modo integrados no Estado e que o auxiliam na prossecução de interesses que, em dado momento histórico, ele chamou à sua esfera de acção, e em que na ausência de precisão de critérios distintivos da realidade em causa, se deverá atender, face a cada uma das entidades colectivas, aos índices já mencionados» e que são: fim, titularidade de poderes de autoridade, criação e integração.

A criação por entidade pública de uma pessoa colectiva não nos dá, só por si, uma referência clara da natureza desta. Tão-pouco o regime, tal como resulta do acto de criação e dos respectivos estatutos.

A caracterização da natureza e do respectivo regime terá que ser feita, de forma casuística, levando em conta os índices acima referidos.

Não se procederá aqui à análise de todas e cada uma das associações e fundações cujo processo de classificação é referido, por exorbitar o pedido e, também, por insuficiência de elementos de facto.

Apenas se sintetizará nos seguintes termos: à pessoa colectiva de iniciativa pública que congregue outros elementos caracterizadores da sua natureza pública, aplicar-se-á um regime substancialmente de direito público; à pessoa colectiva de iniciativa pública que não deva ser classificada de pública, com base no critério distintivo atrás enunciado, deverá ser qualificada como pessoa colectiva privada, sujeita ao regime de direito privado.

O concreto regime jurídico das pessoas colectivas públicas ou privadas é o que resultar da sua natureza e espécie (previamente determinada), do respectivo estatuto e das normas que se lhes apliquem.

2. Quanto ao Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, é patente que, não se afirmando nele, de forma peremptória, a sua aplicabilidade a pessoas colectivas de direito privado, é esse o seu âmbito pessoal.

Desde logo pelo facto de a definição constante do n.º 1 do artigo 1.º apontar para pessoas colectivas não públicas: «São pessoas colectivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com a Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem da parte desta administração a declaração de «utilidade pública».

Depois, porque as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa (pessoas colectivas de direito privado) beneficiam, sem outras condições, do respectivo regime: «As pessoas colectivas de utilidade pública administrativa são, para os efeitos do presente diploma, consideradas como pessoas colectivas de utilidade pública.»

Igualmente merece destaque que apenas a outras pessoas colectivas privadas foi outorgado o estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública - cooperativas que não prossigam interesses puramente económico[48].

Índice claro de que as pessoas colectivas de utilidade pública não se integram na Administração stricto sensu[49], é o facto de os deveres a que ficam sujeitas (artigo 12.º) não afectarem, de modo significativo, a sua autonomia e de o tipo de benefícios que lhe são reconhecidos, se apresentarem como desnecessários se devessem considerar-se pessoas colectivas públicas, como é, patentemente o caso da faculdade consignada no artigo 11.º

O Despacho Normativo n.º 147/82, de 16 de Julho, que veio esclarecer dúvidas sobre a aplicação de algumas disposições do Decreto-Lei n.º 460/77 toma partido nesta querela, distinguindo entre «pessoas colectivas de utilidade pública administrativa» e as «restantes pessoas colectivas de direito privado».

É, também, como pessoas colectivas de direito privado que a doutrina, uniformemente, trata as pessoas colectivas de utilidade pública.

Logo, pode afirmar-se que o Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro se aplica apenas a pessoas colectivas de direito privado e, desde logo, às três subespécies das pessoas colectivas de utilidade pública.

O critério da criação, não é decisivo, para classificar de pública ou privada a pessoa colectiva, pelo que não pode servir de fundamento para recusar a sua classificação como «de utilidade pública» o facto de a requerente ter sido criada por entidade(s) pública(s) e ter, inclusive, financiamento ou dotação exclusivamente públicos.

3. Já no que concerne às escolas profissionais criadas ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de Janeiro, parece claro que o seu estatuto é de direito público.

Do que atrás se disse resulta o carácter subsidiário da intervenção estatal nesta área. Diz-se no n.º 2 do artigo 2.º do referido diploma que «[o] Estado pode, subsidiariamente, criar escolas profissionais para assegurar a cobertura de áreas de formação ou de regiões do País não contempladas pela rede de escolas profissionais existentes[50]».

Admitindo o diploma a associação de pessoas colectivas públicas, nas quais se deve considerar incluído o próprio Estado, com entidades privadas, para a criação de escolas profissionais privadas, contrapõe a esta possibilidade a de criação pelo Estado das escolas referidas no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/98 às quais atribui a natureza de escolas públicas de ensino secundário (n.os 1 e 3 do artigo 2.º).

A sua regulamentação provém do citado diploma, da respectiva portaria de criação e da demais legislação aplicável aos estabelecimentos de ensino secundário.

O facto de, nos termos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 4/98, a contratação do pessoal docente e não docente se fazer através de contrato individual de trabalho não prejudica este entendimento.

Há hoje uma clara tendência de laboralização do direito da função pública, quer mediante o reconhecimento do direito à negociação colectiva em relação aos trabalhadores da Administração quer mediante a extensão do regime laboral de direito privado a entidades públicas[51].

Como pessoas colectivas públicas, não podem as escolas profissionais referidas beneficiar do estatuto de pessoas colectivas de utilidade pública.

De resto, o regime normal das escolas do ensino secundário é o da sua integração na administração directa e periférica do Estado[52], com a autonomia que decorre dos Decretos-Leis n.º 115-A/98, de 4 de Maio e n.º 43/89, de 3 de Fevereiro, mas sem lhe ser atribuída personalidade jurídica[53].
Embora exorbitando do âmbito da consulta, parece justificado que se afirme que, por contraposição, as demais escolas profissionais, mesmo que nelas participem, em associação, pessoas colectivas de natureza pública, são estabelecimentos privados, como decorre do disposto nos artigos 2.º, n.os 1 e 4 e 13.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 4/98.

4. Sobre o regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade pública apenas haverá que dizer que é, fundamentalmente, o que decorre do Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro e legislação complementar, de que sobressai o Decreto-Lei n.º 57/78, de 1 de Abril, sobre o respectivo registo.

O efeito útil da declaração é o de conferir, à pessoa colectiva titular do estatuto, os benefícios dele decorrentes, sujeitando-a, porém, aos correspondentes deveres, uns e outros independentes  reafirma-se  do facto de a iniciativa da criação daquela ser ou não pública.

5. A última questão tem a resposta simplificada, na medida em que, como se procurou demonstrar, da criação de associações e fundações privadas por iniciativa pública não resulta, sem mais, a natureza pública destas pessoas colectivas. A iniciativa pública pode dar origem a pessoas colectivas de direito público ou a pessoas colectivas de direito privado.

Na segunda alternativa não há qualquer problema com o requerimento e o deferimento da classificação como pessoa colectiva de utilidade pública.

Na primeira, não é de crer que, tendo sido visada a criação de uma pessoa colectiva de direito público, venha depois a ser solicitada a atribuição do estatuto de utilidade pública.

Na verdade, para além das características próprias de pessoa colectiva pública em causa, o quadro dos aspectos mais relevantes da generalidade das pessoas colectivas públicas, a que atrás se fez referência, decorrentes dos respectivos poderes de autoridade e do seu estatuto público, apresenta-se bem mais alargado que o derivado do estatuto de utilidade pública.

Perante este quadro não parece natural que uma associação ou uma fundação criada por entes públicos, em execução de um projecto de constituição de uma pessoa colectiva de direito público, venha a requerer e a ver deferida a sua classificação como pessoa colectiva de utilidade pública, de tal modo logrando obter um estatuto de grau menor que aquele que decorre da sua natureza pública.

Não é de excluir, no entanto, a possibilidade de, a uma pessoa colectiva, projectada para usufruir de um estatuto de direito privado, lhe terem sido atribuídas inicial ou posteriormente, características e poderes que a façam incluir no grupo das pessoas colectivas públicas. E de tal estatuto não ter sido interiorizado pelos seus órgãos.

Nesta hipótese, tendo sido atribuída a uma tal entidade o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública, outra alternativa se coloca: no momento da respectiva declaração a pessoa colectiva deveria ser tida como de direito público, ou a sua inclusão nesta categoria decorre de alterações legais ou estatutárias ocorridas posteriormente.

A segunda situação é resolvida pelo Decreto-Lei n.º 460/77 que prevê que a entidade competente para a declaração, a revogue, se tiver deixado de se verificar algum dos seus pressupostos [artigo 13.º, n.º 1, alínea b)].

Já a primeira situação não é resolúvel pela mesma forma, por não se verificar a alteração dos pressupostos.

Mas terá que se entender que o acto de declaração de utilidade pública é, neste caso, anulável.

É o que decorre do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo:

«Artigo 135.º
Actos anuláveis
São anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.»

Ora, a concessão do estatuto de utilidade pública a uma entidade de direito público contra a interpretação que decorre do Decreto-Lei n.º 460/77 cabe na violação das normas jurídicas aplicáveis e também do princípio da legalidade atrás referido.

O acto anulável é susceptível de impugnação perante os tribunais administrativos mas é igualmente susceptível de revogação (artigo 136.º do Código do Procedimento Administrativo).

A revogação constitui uma via de sanação de acto anulável, configurando-se como um acto administrativo de conteúdo desintegrativo por visar destruir ou fazer cessar os efeitos daquele acto.

«A revogação encontra justificação na necessidade de ajustamento da acção administrativa à variação do interesse público, ou, no caso de revogação de actos ilegais, à exigência de cumprimento do princípio da legalidade, distinguindo-se, a propósito, entre revogação propriamente dita e a revogação anulatória. A primeira configura «um acto que se dirige a cessar os efeitos de outro acto, por se entender que não é conveniente para o interesse público manter esses efeitos produzidos anteriormente». A revogação anulatória é «um acto através do qual se pretende destruir os efeitos de um acto anterior, mas com fundamento na sua ilegalidade, ou, pelo menos, num vício que o torna ilegítimo e, por isso inválido(x28)»[54].

E, nos termos do citado artigo 141.º, «[o]s actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida», sendo que [s]e houver prazos diferentes para o recurso contencioso, atender-se-á ao que terminar em último lugar».

JOÃO CAUPERS[55] condensa as regras, estabelecidas nos artigos 140º e 141.º do CPA, nos seguintes termos:

«1.ª Os actos válidos constitutivos de direitos são revogáveis, excepto na parte em que forem desfavoráveis aos interessados ou quando estes concordem com a revogação e não estejam em causa direitos indisponíveis;
2.ª Os actos válidos não constitutivos de direitos são revogáveis, excepto quando praticados no exercício de poderes vinculados ou quando deles resultem para a Administração Pública obrigações legais ou direitos renunciáveis;
3.ª Os actos inválidos são revogáveis mas somente com fundamento em tal invalidade e dentro do prazo mais longo para a interposição de recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida neste(x29).»

Do exposto se extrai que a anulação ou revogação do acto declarativo de utilidade pública, só pode ocorrer dentro do prazo de um ano. Decorrido tal prazo, o acto, ainda que ilegal, tem-se por firmado na ordem jurídica, como caso resolvido.


VII

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª A identificação das pessoas colectivas como públicas ou privadas decorrerá da análise casuística da sua finalidade, modo de criação, titularidade de poderes de autoridade e integração, por forma a concluir pela predominância ou não dos seus atributos administrativos;

2.ª O Estado e as outras pessoas colectivas públicas podem criar pessoas colectivas de direito público ou pessoas colectivas de direito privado O respectivo regime jurídico é o que resultar da sua natureza e espécie, do respectivo estatuto e das normas que se lhes apliquem;

3.ª O regime jurídico das pessoas colectivas de utilidade pública está estabelecido no Decreto-Lei n.º 460/77, de 7 de Novembro, e legislação complementar e dele resulta que apenas as pessoas colectivas de direito privado são susceptíveis de beneficiar do citado estatuto;

4.ª As escolas profissionais, criadas ao abrigo do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 4/98, de 8 de Janeiro, porque possuem um estatuto de direito público, não são beneficiárias do regime do Decreto-Lei n.º 460/77;

5ª A cessação do estatuto de utilidade pública pode resultar da revogação da respectiva declaração, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, alínea b,) do Decreto-Lei n.º 460/77, se tiver deixado de se verificar algum dos seus pressupostos; pode, também, resultar de anulação ou revogação do respectivo acto administrativo, nos termos e prazos do Código do Procedimento Administrativo, se constatada a natureza pública da pessoa colectiva em causa, à data da declaração.




[1] O Ministério manteve, na orgânica do XVI Governo Constitucional  aprovada pelo Decreto-Lei n.º 215-A/2004, de 3 de Setembro, rectificado pela Declaração n.º 89/2004, de 18 de Outubro e alterada pelo Decreto-Lei n.º 17/2005, de 18 de Janeiro de 2005  a designação anterior.
[2] O pedido foi formulado através do ofício do Gabinete do Ministro da Presidência, n.º 2203, de 16 de Dezembro, com entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 20 seguinte.
[3] Este assunto já foi muitas vezes abordado por este Conselho. Cf., v. g., os pareceres n.os 11/88, de 26 de Maio de 1988, 32/93, de 1 de Julho de 1993, 13/95, de 27 de Abril de 1995 (Diário da República, II Série, n.º 152, de 4 de Julho de 1995), 611/2000, de 11 de Janeiro de 2001 (Diário da República, II Série, n.º 55, de 6 de Março de 2001), 617/00, de 12 de Julho de 2001, 2/2001, de 17 de Abril de 2001, e 13/2001, de 15 de Junho de 2001.
[4] JOSÉ ALFAIA, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1985, p. 90.
[5] MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1996, p. 84.
[6] CASTRO MENDES, Direito Civil  Teoria Geral, Vol. I, Lisboa, 1978, p. 476.
[7] Sobre esta matéria podem ver-se os pareceres deste corpo consultivo n.º 171/76, de 2 de Junho de 1977, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 277, pp. 30 a 41, e o n.º 32/93, citado.
[8] CASTRO MENDES, Direito Civil..., citado, pp. 259 e ss., que, neste passo, acompanharemos de perto.
[9] Era o entendimento de MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Coimbra, 1966, p. 72.
[10] Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª ed. (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1980, pp. 184 e 193.
[11] CASTRO MENDES, ob. cit., p. 264.
[12] FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, 1992, pp. 580-589.
[13] VITAL MOREIRA, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, reimpressão, Coimbra, 2003, p. 269
[14] Citado parecer n.º 171/76.
[15] Ob. cit., p. 269. Cabe fazer o esclarecimento que o AUTOR entende que o problema da identificação de uma entidade pública só se coloca na falta de uma qualificação legal.«Se esta existir, ela deve em princípio, prevalecer».
x JOÃO CAUPERS, Introdução ao Direito Administrativo, Âncora Editora, Outubro de 2000, pp. 95 e ss., alinhando ao lado destas, num outro grupo de pessoas colectivas de estatuto privado, as «empresas públicas sob forma societária», criadas «pelo Estado (eventualmente associado a outras pessoas colectivas públicas) ou por outra ou outras pessoas colectivas públicas legalmente habilitadas para tal, sob a forma de sociedades anónimas». Ora, nos termos do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, o conceito de «empresa pública» passou a designar duas espécies de «unidades empresariais»: as entidades públicas empresariais, «espécie correspondente às antigas empresas públicas em sentido jurídico-administrativo», dotadas de «personalidade jurídica pública e criadas por decreto-lei» (artigos 23.º e 24.º, n.º 1); e as outras empresas públicas, «correspondentes às antigas empresas públicas em sentido económico, sociedades de capitais públicos ou sociedades de interesse colectivo, desprovidas de personalidade jurídica pública e criadas como sociedades constituídas nos termos da lei comercial» (artigo 3.º, n.º 1). Estes dois grupos de empresas públicas, em conjunto com um terceiro constituído pelas empresas participadas, formariam o denominado «sector empresarial do Estado» (artigo 2.º, n.º 1, também do mesmo diploma). Pois bem. Segundo o autor que estamos a citar, «todas as empresas públicas se regem, em princípio, pelas normas jurídicas aplicáveis às empresas privadas»  «princípio da gestão privada» (artigo 7.º, n.º 1) , somente se aplicando regras próprias do direito público, «nos termos dos respectivos estatutos, às empresas habilitadas a exercer poderes de autoridade» (artigo 14º) e, «em matéria de extinção das unidades, às entidades públicas empresariais» (artigo 34.º, n.º 2).
Para uma análise das duas figuras reguladas no Decreto-Lei n.º 558/99, cf. o parecer inédito do Conselho Consultivo n.º 2/2000, votado na sessão de 6 de Abril de 2000, objecto da Directiva n.º 4/00, Diário da República, II Série, n.º 177, de 2 de Agosto de 2000, p. 12771.
x1 JOÃO CAUPERS, ob. cit., pp. 100/101.

x2 A saber: associações representativas de municípios e freguesias, reguladas na Lei n.º 54/98, de 18 de Agosto; as associações de divulgação científica de que é exemplo a Associação Ciência Viva de Estremoz criada por cinco entidades públicas – uma fundação, uma universidade, um município e dois serviços regionais do Estado destituídos de personalidade jurídica; a Agência para a Energia, criada pelo Decreto-Lei n.º 223/2000, de 9 de Setembro, tendo como associadas duas direcções-gerais de certo ministério e um instituto público.
x3 Assim: as associações de desenvolvimento regional previstas na alínea j) do n.º 2 do artigo 64.º da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro; os centros tecnológicos regulados pelo Decreto-Lei n.º 249/86, de 25 de Dezembro, em que se associam «empresas industriais e respectivas associações e entidades públicas de âmbito estadual» (artigo 1.º, n.º 2).
[16] Cf. VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 286 onde se refere que entre as espécies referidas merecem especial relevância as «associações administrativas» que são «as associações reconhecidas, fundadas ou dirigidas por autoridades ou agentes de uma ou mais pessoas públicas, financiadas exclusiva ou predominantemente por subvenção dessas pessoas públicas, a fim de assegurar uma actividade que cabe normalmente no âmbito das atribuições daqueles». São pessoas colectivas de criação pública, composição, financiamento e missão pública, mas são de direito privado.
x4 JOÃO CAUPERS, ob. cit., pp. 97/100, que continuamos a seguir de perto, o qual apresenta três exemplos de «fundações de direito privado instituídas por iniciativa do Estado e de outros entes públicos, sozinhos ou em colaboração»: a Fundação Centro Cultural de Belém, criada pelo Estado com o objectivo de assegurar a gestão do Centro, cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 391/99, de 30 de Setembro; a Fundação para a Computação Científica Nacional  desde 1996 Fundação para o Desenvolvimento dos Meios Nacionais de Cálculo Científico , instituída, com o fim de desenvolver os meios nacionais de computação científica, pelos antigos Instituto Nacional de Investigação Científica e Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica  hoje Fundação para a Ciência e Tecnologia  e ainda pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil e pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas; a Fundação da Faculdade de Ciências, instituída em 1993 pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa para apoiar esta Faculdade, cujo presidente do conselho directivo é por inerência presidente do conselho de administração da Fundação.

x5 Trata-se do fenómeno também denominado sugestivamente de «fuga para o direito privado», traduzindo a adopção pela Administração Pública das «formas de organização» e/ou das «formas de actuação jurídico-privadas, para com isso se furtar ao regime de direito público a que normalmente está sujeita», com vantagens e inconvenientes, sem prejuízo de específicas vinculações, problemática estudada por MARIA JOÃO ESTORNINHO, A fuga para o Direito Privado. Contributo para o estudo da actividade de direito privado da Administração Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 1996 (cf. pp. 17, 58 e ss., 167 e ss.).
x6 No sentido exposto, VITAL MOREIRA, ob. cit., apud JOÃO CAUPERS, ob. cit., págs. 97/98.
x7 NUNO SÁ GOMES, “Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas públicas de direito privado”, Ciência e Técnica Fiscal, n.os 343/345, Julho-Setembro 1987, pp. 189/190, citando FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, e FAUSTO DE QUADROS, Fundações de Direito Público.
x8 SÁ GOMES, ibidem.
[17] FREITAS DO AMARAL, Curso...,cit. p.587.
[18] JOÃO CAUPERS, Direito Administrativo I , Guia de Estudo, Editorial Notícias, p.89.
[19] MARCELLO CAETANO, ob. cit., p. 396.
[20] Idem, pp. 396-397.
[21] Idem, p. 399.
[22] Idem, ibidem.
[23] Curso…, pp. 552-553.
[24] Cf. VITAL MOREIRA, ob.cit., pp. 296-299, que trata estas pessoas colectivas como um caso problemático de catalogação. Sem embargo, conclui que as mesmas devem ser consideradas como pessoas colectivas de natureza privada.
[25] Idem, p. 569.
x9 Da nota preambular do diploma.
[26] Nesta parte seguiremos textualmente o Parecer n.º 109/2002, de 20 de Novembro de 2003, inédito.
x10 No parecer nº 11/88, de 26 de Maio de 1988. Sobre este ponto, cf. ainda o parecer n.º 17/84, de 5 de Julho de 1984 [in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 346 (Maio de 1985), pp. 39-53].
x11 Cf. FREITAS DO AMARAL, Curso…, citado, pp. 565 e ss.
x12 Cf. FREITAS DO AMARAL, ibidem, p. 567.
x13 No já citado parecer n.º 617/2000.
x14 Do seguinte teor:
«Artigo 416.º
(Pessoas colectivas de utilidade pública administrativa. Definição)
Consideram-se pessoas colectivas de utilidade pública administrativa as associações beneficentes ou humanitárias e os institutos de assistência ou educação, tais como hospitais, hospícios, asilos, casas pias, creches, lactários, albergues, dispensários, sanatórios, bibliotecas e estabelecimentos análogos, fundados por particulares, desde que umas e outros aproveitem em especial aos habitantes de determinada circunscrição e não sejam administrados pelo Estado ou por um corpo administrativo.»
x15 A Lei n.º 2/78, de 17 de Janeiro, concedeu determinadas isenções fiscais às pessoas colectivas de utilidade pública e de utilidade pública administrativa.
[27] FREITAS DO AMARAL, Curso..., citado, pp. 588-589.
x16 FERRER CORREIA/ALMENO DE SÁ, “Algumas notas sobre as Fundações”, Revista de Direito e Economia, Ano XV (1989), pp. 331/332.
[28] Nesta parte seguiremos de perto, por vezes textualmente, o parecer n.º 2/2001.
[29] Segundo JOÃO CAUPERS (“As fundações e as associações públicas de direito privado”, comunicação inédita apresentada no IV Colóquio sobre Caminhos da privatização da Administração Pública) há quem a interprete no sentido de uma habilitação genérica conferida às instituições públicas para a criação de fundações (PINAR MANAS E CABRA LUNA); há quem se oponha a tal interpretação (PAREJO ALONSO); e ainda quem considere que se trata de uma norma atributiva de competência apenas às entidades públicas que inscrevem nos seus estatutos essa possibilidade (MARCOS VAQUER).
[30] “As fundações e as associações públicas de direito privado”, comunicação inédita apresentada no IV Colóquio sobre Caminhos da privatização da Administração Pública.
[31] Louvando-se em WOLFF – BACHOF, Verwaltungsrecht, Tomo II, 4.ª edição, Munique, 1976, p. 445; e HARTMUT MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht, Munique, 1992, p.532.
[32] NUNO SÁ GOMES, ob. e loc. cit., p. 89, informa-nos no mesmo sentido.
[33] Cita para fundamentar a conclusão, CELSO ANTÓNIO BANDEIRA DE MELLO, Curso de Direito Administrativo, 5.ª edição, São Paulo, 1994, pp.82-83; SÉRGIO DE ANDRÉA FERREIRA, “As fundações privadas e públicas no direito brasileiro vigente”, Revista de Ciência Política, Rio de Janeiro n.º 3, Volume 31, Julho-Setembro de 1988, p. 65 e ss.; ADILSON DALLARI, “Fundações Privadas Instituídas pelo Poder Público”, Revista de Informação Legislativa, Abril-Junho de 1991, Ano 28, n.º 110, p.129.
[34] Citando Doctrina de la Procuradoria General de la Republica, ano de 1986, pp. 218-219.
[35] Artigo 53.º, n.º 2, alínea l) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro.
[36] Voltamos a citar o parecer n.º 2/2001.
x17 Instituída pelo artigo 10.º, corpo e §7, do Decreto-Lei n.º 23.240, de 21 de Novembro de 1933.
x18 Entre outras, a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, criada pelo Decreto-
-Lei n.º 168/85, de 20 de Maio; Fundação de Serralves, Decreto-Lei n.º 240-A/89, de 27 de Julho; Fundação Arpad Szènes-Vieira da Silva, criada pelo Decreto-Lei n.º 149/90, de 10 de Maio; Fundação das Descobertas, Decreto-Lei n.º 361/91, de 3 de Outubro; Fundação de São Carlos, instituída pelo Decreto-Lei n.º 75/93, de 10 de Março; Fundação Escola Portuguesa de Macau, criada pelo Decreto-Lei n.º 89-B/98, de 9 de Abril; Fundação Cartão do Idoso, criada pelo Decreto-Lei n.º 102/97, de 28 de Abril, para mencionar apenas algumas das mais recentes.
x19 Decreto-Lei n.º 306/2000, de 28 de Novembro. Nos termos do artigo 2.º, “a fundação é uma instituição de direito privado dotada de personalidade jurídica, durará por tempo indeterminado, tem a sua sede em Alcochete e rege-se pelos estatutos em anexo ao presente diploma, que dele fazem parte integrante”.
x20 VITAL MOREIRA, Administração ...,cit., p. 285. Para uma explanação mais detalhada veja-se MARIA JOÃO ESTORNINHO, ob. cit., pp. 59 a 67.

x21 MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Fundações Públicas”, Revista de Informação Legislativa, Ano 26, n.º 101, Janeiro/Março de 1989, p.176.
x22 Ibidem, p. 177.
x23 E nesse sentido, se analisarmos os estatutos da Fundação para a Protecção da Gestão Ambiental das Salinas do Samouco, reter-se-á que o Conselho de Administração é todo ele nomeado pelo Estado (artigo 7.º, n.º 2), o Conselho Fiscal é maioritariamente designado pelo Estado (artigo 12.º) e, por outro lado, o Estado, através dos instituidores e sob proposta do conselho de administração, pode modificar os estatutos, verificadas “situações excepcionais” (artigo 14.º).
x24 VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 283.
x25 SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Vol. I, Ed. Danúbio, Lisboa, 1982, p. 266.
x26 MARIA JOÃO ESTORNINHO, ob. cit., pág. 159.

[37] Cf. entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Maio de 2002, processo n.º 047521 e de 30 de Abril de 2003, processos n.os 046812 e 047777.
[38] FREITAS DO AMARAL, JOÃO CAUPERS, JOÃO MARTINS CLARO, JOÃO RAPOSO, MARIA DA GLÓRIA DIAS GARCIA, PEDRO SIZA VIEIRA, VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo anotado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2003, p. 40.
Em sentido idêntico, pode ver-se o Autor citado em primeiro lugar, Curso..., citado, Vol. II, p. 42.
[39] FREITAS do AMARAL, Curso..., Vol. II, pp. 42-43.
Em sentido idêntico, podem ver-se:
MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, 1999, Vol. I, p. 84, que refere:
«Com o estado post-liberal, em qualquer das suas três modalidades, a legalidade passa de externa a interna.
A Constituição e a lei deixam de ser apenas limites à actividade administrativa, para passarem a ser fundamento dessa actividade.
Deixa de valer a lógica da liberdade ou da autonomia, da qual gozam os privados, que podem fazer tudo o que a Constituição e a lei não proíbem, para se afirmar a primazia da competência, a Administração Pública só pode fazer valer o que lhe é permitido pela Constituição e a lei, e nos exactos termos em que elas o permitem».
ANTÓNIO FRANCISCO DE SOUSA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, p. 56:
«Ora, este princípio não admite, contrariamente ao que sucede com os particulares, que seja possível à Administração tudo o que a lei não proíbe, antes impõe que apenas lhe seja possível aquilo que positivamente lhe seja permitido».
[40] MARCELO REBELO DE SOUSA, ob. cit., p. 86.
[41] Ibidem, p. 83, onde se refere que Administração agressiva é aquela que abrange «...a sua actividade de regulação, de polícia e de repressão, incidindo nos direitos, liberdades e garantias – ou seja, nos direitos de liberdade – dos cidadãos. Impondo-lhes sacrifícios, ablações ou agredindo-os», e Administração constitutiva é aquela «...que se traduz na produção de bens e na prestação de serviços destinados uns e outros, a satisfazer necessidades colectivas a cargo da colectividade, ou seja, a permitir o exercício de direitos económicos, sociais e culturais dos cidadãos».
[42] Parecer n.º 8/96, de 20 Março de 1996, homologado e publicado no Diário da República, II Série, de 26 de Setembro de 1996.
[43] NUNO SÁ GOMES, “Notas sobre a função e regime jurídico das pessoas colectivas de direito privado”
x26 Equaciona-se apenas o problema, sem sobre ele tomar posição, por não necessária à economia do parecer.
x27 No projecto de lei-quadro dos institutos públicos, da autoria de VITAL MOREIRA, o artigo 54.º, subordinado à epígrafe «Fundações privadas instituídas por entidades públicas», preceitua-se que «As fundações de direito privado instituídas por entidades públicas, seja por acto legislativo seja por instrumento próprio das fundações particulares, regem-se pela lei civil, com as adaptações previstas em lei especial».
[44] Alterada pela Lei n.º 115/97, de 19 de Setembro.
[45] Cujo teor é o seguinte:
«Artigo 17.º
Âmbito e objectivos da educação especial
1 - A educação especial visa a recuperação e integração sócio-educativas dos indivíduos com necessidades educativas específicas devidas a deficiências físicas e mentais.
2 - A educação especial integra actividades dirigidas aos educandos e acções dirigidas às famílias, aos educadores e às comunidades.
3 - No âmbito dos objectivos do sistema educativo, em geral, assumem relevo na educação especial:
a) O desenvolvimento das potencialidades físicas e intelectuais;
b) A ajuda na aquisição da estabilidade emocional;
c) O desenvolvimento das possibilidades de comunicação;
d) A redução das limitações provocadas pela deficiência;
e) O apoio na inserção familiar, escolar e social de crianças e jovens deficientes;
f) O desenvolvimento da independência a todos os níveis em que se possa processar;
g) A preparação para uma adequada formação profissional e integração na vida activa.»
[46] Que dispõe:
«Artigo 18.º
Organização da educação especial
1 - A educação especial organiza-se preferencialmente segundo modelos diversificados de integração em estabelecimentos regulares de ensino, tendo em conta as necessidades de atendimento específico, e com apoios de educadores especializados.
2 - A educação especial processar-se-á também em instituições específicas quando comprovadamente o exijam o tipo e o grau de deficiência do educando.
3 - São também organizadas formas de educação especial visando a integração profissional do deficiente.
4 - A escolaridade básica para crianças e jovens deficientes deve ter currículos e programas devidamente adaptados às características de cada tipo e grau de deficiência, assim como formas de avaliação adequadas às dificuldades específicas.
5 - Incumbe ao Estado promover e apoiar a educação especial para deficientes.
6 - As iniciativas de educação especial podem pertencer ao poder central, regional ou local ou a outras entidades colectivas, designadamente associações de pais e de moradores, organizações cívicas e confessionais, organizações sindicais e de empresa e instituições de solidariedade social.
7 - Ao ministério responsável pela coordenação da política educativa compete definir as normas gerais da educação especial, nomeadamente nos seus aspectos pedagógicos e técnicos, e apoiar e fiscalizar o seu cumprimento e aplicação.
8 - Ao Estado cabe promover, a nível nacional, acções que visem o esclarecimento, a prevenção e o tratamento precoce da deficiência.»
[47] Cujo exórdio temos vindo a citar.
[48] Decreto-Lei n.º 425/79, de 25 de Outubro.
[49] REBELO DE SOUSA e MARCELLO CAETANO entendem que, mais do que colaborar com a Administração, as pessoas colectivas de utilidade pública fazem parte da Administração. Cf. REBELO DE SOUSA, Lições..., citado, p. 486.
[50] Itálico da nossa responsabilidade.
[51] A adopção do contrato individual de trabalho como forma de acesso à função pública, já anteriormente aceite para determinadas entidades públicas, é hoje consagrada em termos amplos. Cf. artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 337/90, de 30 de Outubro (Lei Orgânica do Banco de Portugal), alterado pela Declaração de Rectificação, de 31 de Dezembro de 1990, pelo Decreto-Lei n.º 231/95, de 12 de Setembro, pelas Leis n.os 3/96 de 5 de Fevereiro, e 5/98, de 31 de Janeiro e pelos Decretos-Leis n.os 118/2001, de 17 de Abril, e 50/2004, de 10 de Março; artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de 17 de Dezembro, que aprova o regime jurídico do sector empresarial do Estado e das empresas públicas; artigo 34.º da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro (Lei quadro dos institutos públicos) e artigo 1.º da Lei n.º 23/2004, de 22 de Julho, que aprova o regime jurídico do contrato individual de trabalho da Administração Pública.
[52] MARCELLO CAETANO, Manual…, citado p. 254
[53] Cf. Neste sentido os acórdãos do STA, de 1de Julho de 2003, processo n.º 579/03, de 14 de Outubro de 2003, processo n.º 0933/03, e de 26 de Novembro de 2003, processo n.º 01162/03, respectivamente, insertos no sítio www.dgsi.pt/jsta, de que se transcreve parte da fundamentação comum:
«Estamos, perante a figura da desconcentração administrativa, que pode ser entendida como o sistema em que o poder decisório se reparte entre o superior e um ou vários órgãos subalternos, os quais, todavia, permanecem, em regra, sujeitos à direcção e supervisão daquele (…).
As escolas, como a recorrida, são estabelecimentos públicos, não no sentido que a recorrente lhe dá, mas sim como serviços locais do Ministério da Educação, um órgão do Estado, desempenhado uma atribuição que a este incumbia, a do ensino e cultura.
A estrutura de um ministério civil, como é o da Educação, segundo a directiva aprovada em Dezembro de 1972 pelo Conselho de Ministros, é composto, normalmente, por gabinetes ministeriais, serviços de estudo e concepção, serviços de coordenação, apoio e controle, serviços executivos, serviços regionais e locais e organismos dependentes.
Pertencem, assim, os serviços regionais e locais à chamada administração directa e periférica do Estado.
Aliás, repare-se que as Direcções Regionais de Educação, como serviços regionais do Ministério da Educação, coordenam, acompanham e apoiam a organização e funcionamentos dos estabelecimentos de educação e ensino não superior e a gestão dos respectivos recursos humanos e materiais (arts. 3.º, al. b) e 4.º, al. a) do DL. N.º 141/93, de 26/4).
E esta conclusão não é afastada pelo regime do DL. N.º 115-A/98, de 4/5.
Este diploma legal aprova o regime da autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
No art.º 3.º n.º 1 do Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos da Educação Pré-escolar e dos Ensino Básico e Secundário refere-se que "autonomia é o poder reconhecido à escola pela administração educativa de tomar decisões nos domínios estratégico, pedagógico, administrativo, financeiro e organizacional, no quadro do seu projecto educativo e em função das competências e dos meios que lhe estão consignados".
Esta autonomia aqui referida diz respeito tão só ao projecto educativo do estabelecimento de ensino e em função dos das competências e dos meios que lhe estão afectados.
E por projecto educativo deve entender-se "o documento que consagra a orientação educativa da escola, elaborado e aprovado pelos seus órgãos de administração e gestão para um horizonte de três anos, no qual se explicitam os princípios, os valores, as metas e as estratégias segundo os quais a escola se propõe cumprir a sua função educativa" (art.º 3º, n.º 2, al. a) daquele Regime).
Confunde, pois, a recorrente autonomia do projecto educativo, com autonomia, qualidade das pessoas que são detentoras de personalidade jurídica.
Aliás, tudo o que vem dizendo está totalmente de acordo com o regime jurídico da autonomia da escola, aprovado pelo DL. N.º 43/89, de 3/2, que se aplica às escolas oficiais dos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e às do ensino secundário (art.º 1.º).
Aqui se entende por autonomia da escola a capacidade de elaboração e realização de um projecto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo e traduzindo-se este, designadamente, na formulação de prioridades de desenvolvimento pedagógico, em planos anuais de actividades educativas e na elaboração de regulamentos internos para os principais sectores escolares (art.º 2º n.os 1 e 2).
É, pois, diferente o conceito de autonomia próprio de quem é detentor de personalidade jurídica e o de autonomia num processo educativo por parte de um estabelecimento de ensino.
Não tendo a recorrente autonomia administrativa, então, não se lhe aplica o disposto no art.º 9.º da Lei de Bases da Contabilidade Pública (Lei n.º 8/90, de 20/2), segundo o qual os serviços e organismos dotados de autonomia administrativa e financeira disporão de personalidade jurídica.
Em suma, não é a recorrida detentora de personalidade jurídica e, concomitantemente, personalidade judiciária (em sentido em tudo idêntico: Ac. do STA de 27/5/98  rec. n.º 43.509).»
x28 V. VIEIRA DE ANDRADE, “A «revisão» dos actos administrativos no direito português”,Cadernos de Ciência de Legislação, INA, n.º 9/90, Janeiro/Julho de 1994, pp.190 e ss., e “Revogação do acto administrativo”, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, vol. VI, 1992, pp.53 e ss.
[54] Nesta parte seguiremos de perto, e mesmo textualmente, o parecer n.º 26/2004, inédito.
[55] JOÃO CAUPERS, Introdução..., citado, p.204.
x29 Presentemente, com o novo contencioso administrativo regulado no Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 13/2002 (...), a referência ao «recurso contencioso», feita no artigo 141.º, n.º 1 do CPA, há-de reportar-se à acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo, prevista nos artigos 46.º n.os 1 e 2, alínea a), e 50.º, daquele diploma. O prazo de impugnação de actos anuláveis passou a ser de três meses, mantendo-se o prazo de um ano para a impugnação promovida pelo Ministério Público (artigo 58.º, n.º 2, do CPTA). Por seu lado, a referência à «resposta da entidade recorrida» terá de se reportar à contestação da entidade administrativa demandada (artigo 83.º do CPTA).
Anotações
Legislação: 
CONST76 - ART74 ART75 ART266 N1 N2
DL 460/77 DE 1977/11/07 - ART1 N1 ART4 ART9 ART10 ART11 ART12 ART13 N1 B)
DL 119/83 DE 1983/02/25 - ART3 ART4 ART5 ART9 ART31 ART32 ART39
CPADM91 - ART3 N1 ART135 ART136 ART140 ART141
CCIV66 - ART185 N3
L 46/86 DE 1986/10/14 - ART16 N1 N2 ART17 ART18 ART19 N1 N2 A) B) C) N3 N4 A) B) C) D) N5 N6 A) B) C) D) E) N7 N8
DL 26/89 DE 1989/01/21
DL 70/93 DE 1993/03/10
DL 4/98 DE 1998/01/08 - ART1 ART2 N1 N2 N3 N4 ART13 N1 N2 N3 ART24 N1 N2 ART25 ART26 N1 N2 N3 N4 ART27 ART28 ART29
DL147/82 DE 1982/07/16
DL 115-A/98 DE 1998/05/04
DL 43/89 DE 1989/02/03
DL 57/78 DE 1978/04/01
L169/99 DE 1999/09/18 - ART53N2 l)
Jurisprudência: 
AC DO STA DE 2002/05/29
AC DO STA DE 2003/04/30
AC DO STA DE 2003/07/01
AC DO STA DE 2003/10/14
AC DO STA DE 2003/11/26
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / ADM PUBL*****
L 30/94 - ART6 N4 (ESPANHA)
Divulgação
Data: 
14-10-2005
Página: 
14739
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