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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
149/2004, de 31.01.2005
Data de Assinatura: 
31-01-2005
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
MÁRIO SERRANO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
PROTOCOLO ADICIONAL
MECANISMO DE CONTROLO
COMITÉ DE MINISTROS DO CONCELHO DA EUROPA
COMISSÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
Conclusões: 
1ª) Não existem objecções de natureza jurídica à ratificação do Protocolo nº 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais;
2ª) Tratando de matéria de «Direitos, liberdades e garantias», este instrumento de direito internacional está sujeito a aprovação pela Assembleia da República [artigos 161º, alínea i), e 165º, nº 1, alínea b) da Constituição], bem como a ratificação pelo Presidente da República [artigo 135º, alínea b), da Constituição da República];
3ª) Segundo o artigo 19º do Protocolo nº 14, a sua entrada em vigor só ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao termo do prazo de três meses após a data em que todas as Partes da Convenção tenham exprimido a sua vontade de se vincularem pelo instrumento, nos termos do seu artigo 18º.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado Adjunto do
Ministro da Justiça,
Excelência:




I


O Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação (GRIEC) do Ministério da Justiça remeteu a este Ministério ofício ([1]) em que exprime o seu pedido de audição do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República sobre a conformidade do ordenamento jurídico português com o Protocolo nº 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, do Conselho da Europa, com vista à sua ratificação por Portugal.

Vossa Excelência acolheu essa pretensão e solicitou a emissão de parecer por esta instância consultiva ([2]).

Ao referido ofício não foi junta qualquer versão do Protocolo em apreço, sendo certo que pudemos apurar encontrar-se pendente neste Conselho um pedido de tradução desse Protocolo. Não existindo ainda uma versão portuguesa oficial, o presente parecer irá ter em conta as versões inglesa e francesa originais do instrumento internacional em causa, disponíveis no site do Conselho da Europa ([3]) – pelo que as menções expressas, no texto do parecer, ao teor do Protocolo decorrem de tradução de nossa responsabilidade a partir da versão francesa ou inglesa original.

Refira-se ainda que o parecer estará sujeito às limitações decorrentes do estatuto do Conselho Consultivo, que, neste domínio, tem a sua competência confinada à matéria de legalidade [artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público ([4])]. Nessa perspectiva, qualquer parecer relativo a instrumento internacional visa, necessariamente, a avaliação da conformidade deste com os princípios e as normas constitucionais, bem como a aferição da compatibilidade da legislação ordinária com aquele, procurando detectar deficiências ou insuficiências, no plano da legalidade, que possam decorrer da sua recepção na ordem interna e que devam ser supridas.

Cumpre, pois, neste condicionalismo, emitir parecer.



II


1. O Protocolo nº 14 à correntemente designada Convenção Europeia dos Direitos do Homem pretende, de acordo com o seu próprio título e respectivo preâmbulo, emendar o mecanismo de controlo da Convenção, anteriormente alterado pelo Protocolo nº 11.

Este último instrumento introduziu importantes alterações no sistema de controlo da Convenção, substituindo o antigo sistema estabelecido pela Convenção à data da sua assinatura, em 4 de Novembro de 1950 – que assentava na Comissão Europeia, no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e no Comité de Ministros do Conselho da Europa – por um modelo simplificador do sistema, que permitisse reduzir a duração dos processos e reforçasse o carácter judicial do controlo – pelo que se extinguiu a Comissão e se ampliou a intervenção do Tribunal ([5]).

O Protocolo nº 11 foi assinado em 11 de Maio de 1994, tendo entrado em vigor em 1 de Novembro de 1998. Da sua aplicação resultou uma maior eficácia do sistema, mas também uma maior acessibilidade do Tribunal, que conduziu – em conexão com a significativa adesão de novos Estados à Convenção ([6]) – a um aumento exponencial das queixas e a uma situação de pendência excessiva no Tribunal ([7]).

Ora, o Protocolo nº 14 visa solucionar essa situação de aumento do volume de trabalho do Tribunal, que põe em risco a eficácia do sistema, bem como a credibilidade e autoridade do Tribunal. Mas essa reforma procura preservar o essencial do sistema: o carácter judicial do controlo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o princípio de que qualquer pessoa alegadamente vítima de violação dos direitos e liberdades protegidos pela Convenção possa recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem ([8]).


2. A necessidade das alterações que o Protocolo nº 14 se propõe efectuar foi logo formalmente reconhecida em Novembro de 2000, na Conferência ministerial europeia sobre Direitos do Homem, realizada em Roma, a propósito do 50º aniversário da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em que se aceitou que a eficácia do sistema da Convenção estaria em causa, devido às dificuldades que o Tribunal tem encontrado face ao aumento do número de queixas, propondo-se então ao Comité de Ministros que se procurasse rapidamente estudar as diferentes possibilidades de tornar mais eficaz o funcionamento do Tribunal.

Na sequência dessa iniciativa, e depois de várias etapas de trabalho, veio o Comité Director dos Direitos do Homem a apresentar ao Comité de Ministros do Conselho da Europa um projecto de Protocolo nº 14, em Abril de 2004, que obteve a aprovação desse Comité de Ministros, sendo assumidos, na respectiva declaração, a urgência da reforma e o compromisso de ratificar o Protocolo em dois anos ([9]).

O Protocolo nº 14 veio a ser aberto à assinatura dos Estados membros em 13 de Maio de 2004, tendo o mesmo já sido até ao presente assinado por 38 países ([10]), embora apenas 7 países tenham concluído o respectivo processo de ratificação ([11]) – quando é certo que, nos termos do artigo 19º do Protocolo, a sua entrada em vigor só ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao termo do prazo de três meses após a data em que todas as Partes da Convenção tenham exprimido a sua vontade de se vincularem pelo instrumento.


3. Antes de passar a conhecer mais em pormenor o teor do Protocolo nº 14, importa ainda sublinhar que a apreciação da conformidade constitucional e legal de qualquer acordo internacional tem como pressuposto a resolução do problema da posição relativa do direito internacional público recebido na ordem interna em face das normas constitucionais e da lei ordinária.

Do nosso ponto de vista, e seguindo uma linha de pensamento já adoptada em anteriores pareceres deste Conselho ([12]), consideramos que, nesse domínio, o nosso ordenamento jurídico assenta nos dois seguintes parâmetros:

– a existência de uma posição de superioridade da Constituição da República Portuguesa, que a faz prevalecer sobre a fonte convencional, sendo a verificação de uma incompatibilidade impeditiva da recepção da convenção na ordem interna;

– a ocorrência de uma primazia do direito internacional convencional sobre o direito ordinário interno, que impõe, em caso de desconformidade normativa entre esses dois planos, uma adaptação da legislação nacional às soluções do concreto direito internacional convencional em causa.

É neste enquadramento que devemos proceder à apreciação de legalidade lato sensu do «Protocolo nº 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que emenda o sistema de controlo da Convenção».



III


O referido Protocolo nº 14 é composto por 22 artigos, sem qualquer divisão por títulos ou capítulos, estando apenas discriminadas, com uma simples epígrafe, as «Disposições finais e transitórias», que compreendem os artigos 18º a 22º. Quanto aos artigos 1º a 17º, contêm estes diversas alterações a preceitos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Refira-se, desde logo, que o Protocolo nº 14 não introduz mudanças radicais no mecanismo de controlo estabelecido pela Convenção, na versão que vigora desde o Protocolo nº 11, sendo as alterações agora operadas mais relacionadas com o funcionamento do sistema do que com a estrutura do sistema ([13]).

Como já assinalámos, essas alterações visam responder – segundo o Preâmbulo do Protocolo em apreço – à necessidade urgente de «emendar certas disposições da Convenção para manter e reforçar a eficácia a longo prazo do seu sistema de controlo devido principalmente ao aumento contínuo da carga de trabalho do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem».

Em concreto, as alterações essenciais constantes do Protocolo incidem nos seguintes domínios ([14]):

– queixas manifestamente mal fundadas: reforço da capacidade de filtragem do Tribunal, em termos de passar a permitir, em casos claramente destinados ao insucesso, a emissão de decisões de inadmissibilidade por juiz singular (até aqui emitidas por comités de 3 juízes);

– queixas repetitivas: simplificação na apreciação de casos idênticos a outros já anteriormente decididos pelo Tribunal, em termos de passar a permitir a emissão de decisões de admissibilidade por comités de 3 juízes (até aqui emitidas por secções de 7 juízes);

– novo critério de admissibilidade: introdução da possibilidade de julgar inadmissível uma queixa quando o requerente não tenha sofrido um prejuízo importante, sem prejuízo da não aplicação desse critério quando o respeito pelos direitos humanos reclamar a apreciação da queixa ou quando a queixa não tenha sido examinada por um tribunal interno.

Quanto às queixas manifestamente mal fundadas, passa a estabelecer o novo artigo 27º, nº 1, da Convenção (na redacção do artigo 7º do Protocolo) que «[u]m juiz singular pode declarar uma queixa introduzida ao abrigo do artigo 34º inadmissível quando tal decisão possa ser tomada sem exame complementar».

No que tange às queixas repetitivas, diz agora o novo artigo 28º, nº1, alínea b), da Convenção (na redacção do artigo 8º do Protocolo) que «[u]m comité a que seja submetida queixa ao abrigo do artigo 34º pode, por voto unânime (…) [,] declará-la admissível e permitir uma decisão quanto ao fundo, quando a questão suscitada no processo relativa à interpretação ou à aplicação da Convenção ou dos seus Protocolos seja objecto de uma jurisprudência sólida do Tribunal».

E, acerca do novo critério de admissibilidade, especifica o proposto artigo 35º, nº 3, alínea b), da Convenção (na redacção do artigo 8º do Protocolo) que «[o] Tribunal declara inadmissível toda a queixa individual introduzida ao abrigo do artigo 34º quando considere que o requerente não sofreu um prejuízo importante, salvo se o respeito pelos direitos do Homem garantidos pela Convenção e seus Protocolos reclamar a apreciação da queixa quanto ao fundo e na condição de a queixa não poder ser rejeitada por esse motivo se não tiver sido devidamente examinada por um tribunal interno».

Num plano que já não tem a haver directamente com o incremento da eficácia do Tribunal, o Protocolo nº 14 aproveita ainda a oportunidade para introduzir as seguintes inovações pontuais:

– atribuição de poderes ao Comité de Ministros de submeter questões à apreciação do Tribunal: no quadro da supervisão da execução das decisões, passa essa entidade a poder, concretamente, suscitar a pronúncia sobre questão de interpretação de anterior decisão definitiva do Tribunal ou demandar os Estados que recusem conformar-se com uma decisão dessa natureza (novos nos 3 e 4 do artigo 46º da Convenção, na redacção do artigo 16º do Protocolo);

– atribuição de poderes ao Comissário dos Direitos do Homem do Conselho da Europa de intervir junto do Tribunal: nos processos a correr termos perante as secções ou o tribunal pleno, essa entidade pode intervir através da apresentação de observações escritas e da participação nas audiências (novo artigo 36º, nº 3, da Convenção, na redacção do artigo 13º do Protocolo);

– aperfeiçoamento do regime da resolução amigável de litígios (novo artigo 39º da Convenção, na redacção do artigo 15º do Protocolo);

– alteração do mandato dos juízes: passa de 6 anos renováveis para 9 anos não renováveis (novo artigo 23º, nº 1, da Convenção, na redacção do artigo 2º do Protocolo);

– previsão da possibilidade de adesão da União Europeia à Convenção (novo artigo 59º, nº 2, da Convenção, na redacção do artigo 17º do Protocolo).

Todas as alterações assinaladas determinaram os demais ajustamentos de redacção ou acertos de numeração que constam do Protocolo nº 14.

Colhidos estes traços fundamentais do instrumento internacional em discussão, cabe ajuizar da sua compatibilidade com a Constituição e com a lei interna.

IV


1. Uma análise perfunctória do Protocolo permite, desde logo, verificar que este deixa praticamente intocada a parte material da Convenção Europeia dos Direitos do Homem: as alterações introduzidas à Convenção são de carácter mais processual que substantivo.

Deste ponto de vista, pode afirmar-se que, à partida, tais modificações dificilmente poderão suscitar desconformidades do Protocolo em apreço com a ordem jurídica interna, constitucional ou legal.

Com efeito, se já foi possível sustentar, em anterior parecer desta instância consultiva ([15]), a compatibilidade com a nossa ordem interna do Protocolo nº 11, que introduziu profundas reformas no mecanismo de controlo da Convenção, com mais propriedade ainda será de aceitar a inexistência de inconstitucionalidades no Protocolo nº 14 ou de questões de inadequação ou insuficiência legislativa face a esse instrumento, na medida em que o Protocolo sub judicio – como vimos – introduz apenas aperfeiçoamentos no funcionamento do sistema de controlo da Convenção.

Aliás, as alterações pretendidas em relação a esse sistema de controlo têm apenas o propósito de conferir ao Tribunal os meios processuais necessários para decidir todas as queixas em tempo útil e não para reduzir a possibilidade de acesso ao Tribunal.

Se isto é notório quanto às soluções consagradas relativamente às queixas manifestamente mal fundadas ou às queixas repetitivas, já quanto à introdução de um novo critério de admissibilidade se poderiam suscitar algumas dúvidas.

Como é sabido, o sistema de controlo convencional tem carácter subsidiário, em termos de apenas ser admissível fazer uso dos meios de protecção instituídos pela Convenção após a exaustão das vias de recurso internas, conforme decorre do artigo 35º, nº 1, da Convenção. Trata-se de regra que se mantém com o Protocolo nº 14.

O que surge de novo é a instituição de uma nova condição de admissibilidade das queixas, na alínea b) do nº 3 desse artigo 35º. Passa a admitir-se a recusa de casos em que o requerente não tenha sofrido um prejuízo importante (“préjudice important”, “significant disadvantage”).

Este novo critério introduz alguma flexibilidade no sistema de controlo, na medida em que apela a um conceito relativamente indeterminado, susceptível de interpretação variável e que só a posterior jurisprudência do Tribunal permitirá delimitar.

Sem mais, este critério poderia traduzir-se numa limitação efectiva do direito de queixa perante o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o que poderia significar a restrição de um meio de defesa dos direitos humanos até aqui acolhido na nossa ordem interna, com a consequente redução da «garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais» que serve de base ao Estado de Direito democrático instituído pela nossa Constituição (artigo 2º) ([16]).

Porém, tal não se nos afigura suceder. Na verdade, o Protocolo, na alínea b) do nº 3 desse artigo 35º, associa ao novo critério de admissibilidade a definição de duas cláusulas de salvaguarda que procuram assegurar um funcionamento garantístico do critério. Como se sublinhou no já citado Relatório Explicativo do Protocolo, «o novo critério não restringe o direito dos indivíduos de recorrer ao Tribunal, nem altera o princípio de que todas as petições individuais são examinadas quanto à sua admissibilidade» ([17]).

Assim, com essas duas cláusulas de salvaguarda, acima descritas, garantem-se – mesmo em casos de prejuízo não importante – os seguintes objectivos:

– que o requerente não verá a sua queixa ser declarada inadmissível se o respeito pelos direitos humanos exigir um exame de mérito;

– que qualquer caso será objecto de exame judicial, pelo que, na falta de apreciação pelos tribunais nacionais, sempre intervirá o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Deste modo, evita-se, pois, a rejeição de casos que reclamem apreciação.

Seja como for, e sem prejuízo da aplicação imediata do novo critério de admissibilidade ([18]), dispõe o nº 2 do artigo 20º do Protocolo (integrado nas «Disposições finais e transitórias»), que esse novo critério «não se aplica às queixas declaradas admissíveis antes da entrada em vigor do Protocolo» ([19]) e que «nos dois anos seguintes à entrada em vigor (…) só as secções e o tribunal pleno podem aplicar o novo critério de admissibilidade», com o intuito, respectivamente, de salvaguarda de expectativas relativamente à tramitação processual de queixas pendentes já admitidas e de preservação da autoridade do Tribunal.

Trata-se de previsões perfeitamente razoáveis, que significam, não o reconhecimento de que a nova condição implica uma restrição de direitos, mas apenas a cautela de evitar, no primeiro caso, a ocorrência inesperada de decisões formalmente opostas sobre a questão da admissibilidade e, no segundo caso, de obter uma consolidação mais rápida da jurisprudência do Tribunal em matéria de densificação do novo critério de admissibilidade.


2. Se as disposições que contêm alterações à Convenção não merecem reparo, do ponto de vista da sua conformidade constitucional e legal internas, menos ainda o justificam as «Disposições finais e transitórias» do Protocolo, contidas nos seus artigos 18º a 22º.

Trata-se de disposições comuns em instrumentos internacionais, de conteúdo mais ou menos tabelar, que se prendem com aspectos formais da execução do Protocolo: assinatura, ratificação, aceitação ou aprovação (artigo 18º); entrada em vigor (artigos 19º a 21º); e notificações (artigo 22º).

Essas disposições – para além do que já foi dito acerca do artigo 20º – não revestem especiais particularidades, pelo que nos dispensamos de quaisquer comentários adicionais.


3. Impõe-se uma última referência.

Apesar do carácter essencialmente processual da generalidade das disposições contidas no Protocolo nº 14, não podemos deixar de sublinhar que estamos perante matéria que se integra na categoria dos direitos, liberdades e garantias, na medida em que esse instrumento se refere ao exercício de um direito de defesa de direitos, ou seja, do direito de accionar o mecanismo de controlo dos direitos humanos garantidos pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, através da intervenção do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Nessa medida, o referido Protocolo deve ser submetido a aprovação da Assembleia da República, por caber na sua competência política «[a]provar (…) os acordos internacionais que versem matéria da sua competência reservada» [artigo 161º, alínea i), da Constituição], sendo certo que se inscreve na sua reserva relativa de competência legislativa a matéria de «[d]ireitos, liberdades e garantias» [artigo 165º, nº 1, alínea b), da Constituição].

Por sua vez, após essa aprovação, deve o mencionado Protocolo ser ratificado pelo presidente da República, ao abrigo do artigo 135º, alínea b), da Constituição.


4. Por todo o exposto, e a título de referência final global, cabe concluir que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no Protocolo sub judicio.

De igual modo, as soluções encontradas no Protocolo não são incompatíveis com o ordenamento legal interno – que, aliás, e naturalmente, não contém regras específicas sobre o direito de recurso ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

V


Em conclusão:

1ª) Não existem objecções de natureza jurídica à ratificação do Protocolo nº 14 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais;

2ª) Tratando de matéria de «Direitos, liberdades e garantias», este instrumento de direito internacional está sujeito a aprovação pela Assembleia da República [artigos 161º, alínea i), e 165º, nº 1, alínea b) da Constituição], bem como a ratificação pelo Presidente da República [artigo 135º, alínea b), da Constituição da República];

3ª) Segundo o artigo 19º do Protocolo nº 14, a sua entrada em vigor só ocorrerá no primeiro dia do mês seguinte ao termo do prazo de três meses após a data em que todas as Partes da Convenção tenham exprimido a sua vontade de se vincularem pelo instrumento, nos termos do seu artigo 18º.


Lisboa, 31 de Janeiro de 2005

O Procurador-Geral Adjunto,


(Mário António Mendes Serrano)




([1]) Com o nº 2858 NAE, datado de 8 de Novembro de 2004.
([2]) Através do ofício nº 1839, de 19 de Novembro de 2004.
([3]) Com o endereço www.coe.int (documento CETS nº 194).
([4]) Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, rectificada pela Declaração publicada no Diário da República (DR), I, de 14 de Novembro de 1986, e alterada pelas Leis nos 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto (que passou a adoptar a designação de Estatuto do Ministério Público e que foi rectificada pela Declaração de Rectificação nº 20/98, de 2 de Novembro), e 143/99, de 21 de Agosto.
([5]) O citado Protocolo nº 11 foi objecto de apreciação por este Conselho, na informação-parecer nº 22/94, de 4 de Maio de 1994. Aí se concluiu, essencialmente, que «[n]ão exist[ia]m objecções de natureza jurídica à ratificação do Protocolo nº 11 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais».
([6]) Como se refere no relatório explicativo do Protocolo nº 14 (também disponível no referenciado site da Internet), no seu ponto 6, desde a assinatura do Protocolo nº 11 aderiram à Convenção 13 novos Estados, sendo certo que os únicos países europeus que ainda não estão vinculados à Convenção são o Mónaco (o mais recente membro do Conselho da Europa – que passou a ter um total de 46 membros –, desde 5 de Outubro de 2004, e que assinou a Convenção nessa data, sem a ter ainda ratificado) e a Bielorússia (que ainda não faz parte do Conselho da Europa, tendo, no entanto, solicitado a sua adesão em 12 de Março de 1993).
([7]) Segundo o citado relatório explicativo do Protocolo nº 14 (ponto 5), a Comissão e o Tribunal produziram em 44 anos, até à entrada em vigor do Protocolo nº 11, em 1998, 38.389 decisões, enquanto em apenas 5 anos de vigência do Protocolo nº 11 o Tribunal proferiu 61.633 decisões. Por sua vez, o número de queixas passou de 5.279 em 1990 para 10.335 em 1994, 18.164 em 1998 e 34.546 em 2002.
([8]) Neste sentido, v. relatório explicativo do Protocolo nº 14 (ponto 6).
([9]) Como na nota anterior.
([10]) Incluindo Portugal, que o subscreveu em 27 de Maio de 2004.
([11]) Concretamente, Malta (em 4 de Outubro de 2004), Dinamarca, Geórgia, Irlanda e Noruega (em 10 de Novembro de 2004), Arménia (em 7 de Janeiro de 2005) e Reino Unido (em 28 de Janeiro de 2005).
([12]) Explicitando essa orientação, mediante a descrição de diferentes posições existentes sobre o tema na doutrina nacional, v. a nossa informação-parecer nº 146/2001, de 16 de Maio de 2002.
([13]) Neste sentido, v. relatório explicativo do Protocolo nº 14 (ponto 35).
([14]) Nesta mesma linha expositiva, cfr. o relatório explicativo do Protocolo nº 14 (ponto 36).
([15]) Cfr. a citada informação-parecer nº 22/94, de 4 de Maio de 1994.
([16]) Explorando esta linha argumentativa, num outro contexto, v. a citada informação- -parecer nº 22/94 (ponto 3.1.3).
([17]) No seu ponto 39. A salvaguarda desse desiderato determinou que nos trabalhos preparatórios do Protocolo tivessem sido recusadas outras propostas de solução do bloqueio do sistema que se considerou restringirem efectivamente o direito de queixa, como, por exemplo, a de conceder ao Tribunal o poder discricionário de seleccionar os casos que submeteria a exame (assim, ponto 34 do relatório explicativo).
([18]) O nº 1 do artigo 20º do Protocolo estabelece que «[à] data da entrada em vigor do presente Protocolo, as suas disposições aplicam-se a todas as petições pendentes perante o Tribunal (…)».
([19]) Sem esta ressalva, a aplicação imediata do novo critério de admissibilidade permitiria a sua incidência em queixas pendentes já admitidas, por força da regra, estabelecida no artigo 35º, nº 4, in fine, da Convenção, que possibilita ao Tribunal decidir em termos de rejeição de petição considerada inadmissível «em qualquer momento do processo» (assim, ponto 105 do relatório explicativo).
Anotações
Legislação: 
EMP98 ART37 A); CONST76 ART135 B) ART161 I) ART165 N1 B)
Referências Complementares: 
DIR INTE*TRATADOS*DIR HOMEM/DIR CONST*DIR FUND*****
PROT 11 À CONV EUR DIR HOMEM
Divulgação
Pareceres Associados
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