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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
79/1999, de 22.11.2001
Data do Parecer: 
22-11-2001
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério das Finanças
Relator: 
LUCAS COELHO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
TABAQUEIRA
NACIONALIZAÇÃO
EMPRESA PÚBLICA
SOCIEDADE ANÓNIMA
TRABALHADOR
INTEGRAÇÃO
LISTA NOMINAL
ACTO ADMINISTRATIVO
OPERAÇÃO MATERIAL
GUIA DE APRESENTAÇÃO
ACTO INSTRUMENTAL
EFICÁCIA
RETROTRACÇÃO
ACTO DECLARATIVO
ACTO CONSTITUTIVO
REPRIVATIZAÇÃO
TUTELA ADMINISTRATIVA
Conclusões: 
1. A concepção e definição da lista nominal de trabalhadores da Sociedade Ultramarina de Tabacos, Lª (SUT) – prevista no nº 3º do Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho – a integrar na empresa pública Tabaqueira criada pelo Decreto-Lei nº 503-G/76, de 30 de Junho, em sequência da nacionalização operada no sector pelo Decreto-Lei nº 227-A/75, de 13 de Maio, deve ser qualificada como acto administrativo constitutivo – ou conjunto de actos admi-nistrativos, tantos quantas as situações individuais e concretas nela configuradas;
2. O processamento textual da lista nominal assume a natureza de mera operação material de execução, mediante a qual se deu observância à forma escrita do acto;
3. A guia, por seu turno, mediante a qual, nos termos do despacho interpretativo, de 6 de Março de 1978, do Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, se processa a integração na Tabaqueira dos trabalhadores constantes da lista nominal reveste a natureza de acto instrumental declarativo, da espécie das «verificações», com os efeitos ex tunc, em «retrotracção» à data da perfeição do acto, característicos da sua índole declarativa;
4. A competência originária para a emissão da guia radicava nos órgãos da Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, do Ministério da Indústria e Tecnologia do II Governo Constitucional, havendo passado para os órgãos e departamentos que lhes sucederam no tempo, tal como o Ministério da Economia, em cuja Secretaria-Geral estava depositada a lista quando da entrega da guia referida na consulta em fins de 1997/1998;
5. Quer pelo princípio da imediatividade dos efeitos do acto constitutivo (artigo 127º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo), quer pelos efeitos ex tunc do acto declarativo da emissão da guia, os efeitos do acto aludido na conclusão 1. devem ser reportados ao momento da sua prática, em data que se desconhece entre a publicação do Despacho Normativo nº 165/77, e o Despacho interpretativo aludido na conclusão 3.;
6. Nesta data surgiu na esfera jurídica dos trabalhadores então incluídos na lista nominal, relativamente aos quais veio a ser emitida e entregue a guia, o direito à integração na Tabaqueira, e na esfera jurídica desta empresa pública a correlativa obrigação de os integrar;
7. Mercê da transformação em sociedade anónima pelo Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março, esta sucedeu automática e globalmente à empresa pública, continuando a sua personalidade jurídica e conservando todos os direitos e obrigações existentes na esfera jurídica da mesma, incluindo, portanto, a obrigação de integração referida na conclusão 6.
8. A reprivativação do capital social da Tabaqueira, por sua vez - desencadeada pelo Decreto–Lei nº 63/96, de 28 de Maio, e concretizada mediante as Resoluções do Conselho de Ministros que regularam as diferentes fases do processo -, consistindo exclusivamente na transmissão da titularidade das participações sociais, do Estado para sujeitos privados (artigo 1º do citado Decreto–Lei), tão-pouco envolveu alteração da esfera jurídica da Tabaqueira onde, por conseguinte, se mantém a obrigação de integração em apreço;
9. A situação do trabalhador a que se refere a consulta, titular dos requisitos aludidos no nº 1º do Despacho Normativo nº 165/77 e por isso incluído na lista nominal mencionada no nº 3º do Despacho do S.E.I.E.E.T., de 6 de Março de 1978, é subsumível em especial às anteriores conclusões 6., 7. e 8., devendo a Tabaqueira integrá-lo nos seus quadros de pessoal.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado do Tesouro e das
Finanças,
Excelência:




I

Na sequência da nacionalização da indústria de tabacos em 13 de Maio de 1975 ([1]) e da criação da Tabaqueira-Empresa Industrial de Tabacos, E.P. abrangendo duas das sociedades nacionalizadas, a Tabaqueira, S.A.R.L. e a INTAR, S.A.R.L. ([2]), o Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho, veio regular a integração na nova empresa pública de trabalhadores da Sociedade Ultramarina de Tabacos, Ldª (SUT), com fábricas em Angola e Moçambique já independentes.

Um destes trabalhadores viu recusada pela Tabaqueira a sua integração ([3]), primeiro (1991) por não preenchimento de todas as condições exigíveis – a falta da guia passada pela Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras a que mais tarde aludiremos – e depois (1998), com a transformação da Tabaqueira em sociedade anónima, mais tarde objecto de privatização, invocando-se a sua natureza de sociedade comercial sujeita a regime de direito privado, incompatível com os ditames da tutela administrativa do Governo.

O Gabinete Jurídico e do Contencioso da Secretaria Geral do Ministério emitiu pareceres no sentido de assistir ao trabalhador aludido o direito à integração na Tabaqueira, vindo em todo o caso a sugerir a audição deste corpo consultivo.

Conclui, nomeadamente, que a Tabaqueira, S.A. sucedeu nas obrigações legais da Tabaqueira, E.P., e que a competência para a emissão da guia se radica no Ministério – das Finanças e da Economia, previa-se, à data do mais recente parecer – a que pertence a Secretaria-Geral detentora da lista nominal de trabalhadores na qual se baseia a guia.

Dignando-se Vossa Excelência solicitar o parecer sobre as duas questões a que acaba de se aludir, cumpre emiti-lo com a urgência recentemente conferida.


II

Uma das vertentes da problemática desenhada na consulta alicerça--se na nacionalização da indústria dos tabacos e na integração de trabalhadores ultramarinos do sector na empresa pública a propósito constituída.

Por aí se afigura adequado iniciar a abordagem das questões submetidas à nossa apreciação, uma vez que tal permitirá esboçar um quadro da situação jurídica e do direito que se apresentam preteridos, indispensável ao desenvolvimento conducente à sua resolução.


1. Considerando preambularmente que «o sector dos tabacos já era há longos anos monopólio do Estado no continente, funcionando as empresas nele existentes como concessionárias», situação, todavia, que neste específico sector «não se harmoniza com a função motora do Estado na economia», e tratar-se, por outro lado, de «uma importante fonte de financiamento de acumulação monopolista, devendo os recursos por ele mobilizados ser postos ao serviço do interesse nacional», o Decreto-Lei nº 227-A/75, de 13 de Maio, nacionalizou de facto, com eficácia a contar desta data, entre outras sociedades de que se abstrairá, a Tabaqueira, S.A.R.L. e a INTAR, S.A.R.L. [artigo 1º, nº 1, alíneas a) e b)].

Em consequência da nacionalização, «a universalidade dos bens, direitos e obrigações que integram o activo e o passivo» destas sociedades, «ou que se encontrem afectos à sua exploração, são transferidos para o Estado, integrados no património autónomo das respectivas empresas ou a elas igualmente afectos» - dispõe o nº 1 do artigo 3º do citado diploma.

Por outro lado, nos termos do nº 1 do artigo 4º, «as empresas nacionalizadas assumirão, em relação a todos os actos e contratos celebrados pelas sociedades referidas no artigo 1º, nº 1, a posição jurídica e contratual que estas detiverem à data do início da eficácia da nacionalização».

Ainda, conforme o nº 2 do mesmo artigo – cuja incidência na teleologia do Despacho Normativo nº 165/77 e na situação problemática que nos ocupa adiante melhor se entenderá - «as empresas nacionalizadas assumirão igualmente a posição social» que as sociedades objecto da nacionalização ([4]) «detiverem nas sociedades em que sejam sócias à data da eficácia da nacionalização».

No tocante ao pessoal providencia, por sua vez, o artigo 5º.

«O pessoal que à data do início da eficácia da nacionalização estiver ao serviço das sociedades em questão «transitará automaticamente para as empresas nacionalizadas» (nº 1).

E até à entrada em vigor do diploma aludido no artigo 11º, nº 1 ([5]), «mantém-se a vigência da legislação aplicável ao trabalho prestado» nas mesmas, «bem como as convenções de trabalho às quais têm estado vinculadas aquelas sociedades e o seu pessoal» (nº 2).


2. Tratava-se, justamente, do Decreto-Lei nº 503-G/76, de 30 de Junho, em vigor a 1 de Julho seguinte (artigo 11º), que criou «a empresa pública Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, abreviadamente designada Tabaqueira» (artigo 1º, nº 1).


2.1. Em resultado dos estudos realizados após a nacionalização, «que quase exclusivamente, incidiram sobre a Tabaqueira e a Intar – esclarece o sucinto exórdio – foi elaborado um projecto de estatuto de uma única empresa pública, integrando apenas aquelas duas empresas».

Surge assim a Tabaqueira, «pessoa colectiva de direito público que se rege pela lei aplicável às empresas públicas e pelo estatuto que, em anexo, faz parte integrante do presente decreto-lei» - dispõe o nº 2 do artigo 1º.

A «universalidade dos direitos e obrigações» das empresas nacionalizadas «que, nos termos do artigo 4º do Decreto-Lei nº 227-A/75, de 13 de Maio, assumiram a posição jurídica» das respectivas sociedades, é transferida para a nova empresa pública (artigo 3º, nº 1), considerando-se extintas as primeiras (artigo 9º).

Transitam igualmente para a Tabaqueira, «independentemente de quaisquer formalidades, os trabalhadores que, de harmonia com o nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 227-A/75, de 13 de Maio, hajam transitado para as empresas nacionalizadas», «ou tenham sido admitidas nelas e que na data de entrada em vigor deste diploma devessem considerar-se ao serviço das mesmas empresas, se estas então subsistissem» (artigo 5º, nº 1).

Os «poderes de tutela do Governo sobre a Tabaqueira são exercidos pelo Ministro da Indústria e Tecnologia, salvo disposição expressa em contrário» (artigo 8º).


2.2. Do Estatuto anexo ao Decreto-Lei nº 503-G/76 interessa reter os seguintes aspectos ([6]).

O artigo 1º reafirma a natureza da Tabaqueira como «pessoa colectiva de direito público com património próprio e dotada de autonomia administrativa e financeira», acrescentando o artigo 2º que a empresa se rege «pela lei aplicável às empresas públicas e pelo presente estatuto» e, subsidiariamente, «pelas normas de direito privado».

A empresa tem por objecto «a cultura, a indústria, incluindo o processamento, e o comércio de tabacos e produtos de tabaco, bem como todas as operações industriais, comerciais e financeiras com elas relacionadas», sendo as actividades de processamento e indústria de tabacos «exercidas em regime de exclusivo» (artigo 4º, nºs 1 e 2).

A Tabaqueira pode ademais «praticar todos os actos de gestão privada necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins estatutários» (nº 3).

O património inicial é formado pelos «valores patrimoniais activos e passivos, que são objecto das transmissões reguladas no artigo 3º» do diploma preambular (artigo 8º).

O órgão executivo da Tabaqueira, o conselho de gerência, «goza de todos os poderes necessários para assegurar a gestão e o desenvolvimento da empresa, a organização e o funcionamento dos seus serviços, a administração do seu património, incluindo a aquisição e a alienação de bens, e a sua representação em juízo e fora dele» (artigo 16º, nº 1).

Contudo, o «exercício dos poderes do conselho de gerência, nos casos previstos neste estatuto, sujeita-se a parecer da comissão de fiscalização e depende de autorização ou aprovação tutelar do Governo» (nº 2).

Encontram-se assim sujeitos ao parecer do órgão de fiscalização os actos do conselho de gerência que tenham por objecto as matérias enunciadas nas alíneas a) a h) do artigo 17º, tais como: «a aquisição, oneração ou alienação de participações sociais, assim como a dissolução, fusão, cisão ou transformação das sociedades em cujo capital a empresa participe [alínea f)]; «a assunção de encargos com o pessoal» [alínea h)].

Estatui, por outro lado, o artigo 18º que todos esses actos referidos no artigo precedente, integrados com o parecer da comissão de fiscalização, e ainda os enunciados nas alíneas a) a e) daquele artigo – v.g., «a celebração de convenções colectivas de trabalho» [alínea d)] - «são exercidos sob tutela do Governo, nos termos previstos pelo presente Estatuto».

O Capítulo VI do Estatuto - «Da tutela do Governo»; artigos 48º a 52º - contempla precisamente um conjunto de normas definindo poderes tutelares governamentais de autorização e aprovação.

Ilustrem-se apenas essas relações com os actos da competência executiva do conselho de gerência que vêm de se exemplificar.

Ao Governo, pelos Ministros das Finanças e da Indústria e Tecnologia, conjuntamente, compete autorizar, entre outros, a prática de actos a que se refere a alínea f) do artigo 17º (artigo 49º).

A realização dos actos a que se referem a alínea h) deste artigo e a alínea d) do artigo 18º depende, por seu turno, de autorização conjunta dos Ministros do Trabalho e da Indústria e Tecnologia (artigo 51º), competindo ainda a este Ministro aprovar os indicados em segundo lugar [artigo 52º, nº 1, alínea b)] ([7]).

Além disso, ao Ministro da Indústria e Tecnologia cabem ainda os poderes enunciados nas quatro alíneas do nº 2 do artigo 52º, a saber:

«a) O poder de dar directivas e instruções genéricas aos administradores da empresa, no âmbito da política geral de desenvolvimento do sector;

b) O poder de exigir todas as informações e documentos julgados úteis para acompanhar de modo continuado a actividade da empresa;

c) O poder de ordenar inspecções e inquéritos ao funcionamento da empresa ou a certos aspectos deste, independentemente da existência de indícios da prática de irregularidades;

d) Quaisquer outros poderes de tutela económica e financeira que lhe sejam conferidos por lei.»


3. Criada a Tabaqueira como unidade do sector empresarial do Estado nos termos sumariamente descritos, vem a ser publicado um ano depois o Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho de 1977, que nela integra trabalhadores da SUT em conformidade com as prescrições vertidas no breve articulado, que se transcreve:

«1º. Serão integrados na Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, E.P., em postos de trabalho adequados às suas habilitações e experiências profissionais, os trabalhadores portugueses que regressem a Portugal e à data da publicação do presente despacho estejam vinculados por relação jurídica de trabalho à Sociedade Ultramarina de Tabacos, Ldª, em Angola e Moçambique.

2º Os trabalhadores abrangidos pelo presente despacho que estejam cumprindo contratos de trabalho com a SUT com prazo determinado deverão cumpri-los integralmente, só lhes sendo assegurada a integração após o termo do contrato. Exceptuam-se os casos de rescisão justificada, que será apreciada, caso a caso, pelo Secretário de Estado da Indústria Ligeira.

3º Os trabalhadores abrangidos pelo presente despacho são os que constam de lista nominal depositada na Secretaria de Estado da Indústria Ligeira.»

A nota preambular do Despacho Normativo nº 165/77 elucida acerca da teleologia que lhe presidiu, interessando por isso conhecê-la também na íntegra:

«A nacionalização da indústria dos tabacos abrangeu a Intar – Empresa Industrial de Tabacos, S.A.R.L., a qual era dominada pela Cotapo – Empreendimentos Comerciais e Industriais, S.A.R.L., que dominava igualmente a Sociedade Ultramarina de Tabacos, Ldª, com fábricas em Angola e Moçambique.

“Face à descolonização e consequente independência daquelas colónias muitos dos trabalhadores da SUT continuaram a prestar serviço nas respectivas fábricas, animados do espírito de cooperação que determinou a descolonização e que constitui política do Governo.

«É razoável supor que, tal como aconteceu com os funcionários públicos, aqueles trabalhadores tivessem a expectativa de virem, uma vez regressados a Portugal, a ser integrados nas empresas do grupo; tal como é de aceitar que, no caso de a indústria dos tabacos não ter sido nacionalizada, a administração da Cotapo tomaria providências no sentido de garantir essa integração.

«Impõe-se pois que, nacionalizada que foi a indústria, o Estado se substitua à empresa e tome para si os encargos que competiriam àquela, tal como se impõe, por outro lado – de resto à semelhança do que foi feito já em situações da mesma natureza -, premiar os trabalhadores que, assegurando a laboração das unidades industriais nas ex-colónias e prestando-lhes o apoio técnico de que aquelas necessitavam, se mostraram imbuídos do espírito que animou o período da descolonização.»

Duas observações são porventura pertinentes.

Em primeiro lugar para salientar o relevo conferido no preâmbulo à solidariedade de grupo empresarial, abrangendo, entre outras, porventura, uma das sociedades nacionalizadas e a ultramarina SUT, que está na raiz do «retorno» de trabalhadores desta, alterada profundamente a geografia política local, a uma matriz metropolitana – fenómeno, aliás, característico da época em todos os estratos sócio-profissionais.

Desconhecem-se evidentemente a qualidade e natureza, activa e passiva, das participações sociais envolvendo as sociedades nacionalizadas e outras sociedades congéneres.

Mas não deixa de ser significativo, no plano problemático em que ora nos situamos, da conexão entre a nacionalização e a integração laboral protagonizada pelo Despacho Normativo, que o próprio acto das nacionalizações ressalvasse as aludidas relações societárias.

A segunda observação relaciona-se com a lista nominal de trabalhadores a integrar na Tabaqueira mencionada no nº 3º do mesmo instrumento, uma peça-chave na inteligência do parecer que se guardará para memória futura.

Neste momento recortar-se-á tão-somente da documentação remetida a esta instância consultiva que o trabalhador referido na consulta se encontra incluído nessa lista.


4. Desta documentação consta igualmente um Despacho interpretativo do Despacho Normativo nº 165/77, emitido pelo Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras ([8]) em 6 de Março de 1978, cuja publicação não vem referenciada, o qual interessa também conhecer.


4.1. Um breve exórdio alusivo à intencionalidade interpretativa e à motivação do Despacho Normativo introduz a matéria dispositiva, sistematizada em sete números que se transcrevem na parte útil:

«1. A integração dos trabalhadores da Sociedade Ultramarina de Tabacos, Ldª, (SUT) na Tabaqueira, E.P., determinada no Despacho 165/77, publicado em 22.6.77 [sic], será feita considerando aqueles trabalhadores como supranumerários em relação ao quadro orgânico da empresa.

Quer isto dizer que, submetendo-se embora aos códigos profissionais e sociais dos trabalhadores do quadro orgânico da empresa, não ficam integrados nele, não preenchendo vagas, quer no que diz respeito a acessos, quer no que diz respeito a promoções.

Deste modo, a carreira dos trabalhadores integrados, nomeadamente no que concerne ao seu enquadramento inicial e promoções, será baseada exclusivamente em razões de mérito individual e não dependerá da ocorrência de vagas no quadro orgânico que, de qualquer modo, nunca virão a ocupar.

«2. Compete aos órgãos estatutários da Tabaqueira, E.P., em colaboração com os órgãos representativos dos trabalhadores da empresa, definir internamente o estatuto de supranumerários a aplicar aos trabalhadores integrados ao abrigo do Despacho nº 165/77.

«3. Estando-se, como acima se diz, em presença de um acto do Estado Português, a integração dos trabalhadores da SUT na Tabaqueira, terá que se fazer através de guia passada pela Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras. Esta será emitida perante documento do estabelecimento industrial de que provém o trabalhador e após verificação de que o respectivo nome consta da lista referida no artigo 3º do Despacho nº 165/77. O documento aqui referido poderá eventualmente ser substituído por justificação bastante da sua não apresentação, a ser considerada, caso a caso, pelo Secretário de Estado.

«4. No sentido de melhor acentuar o espírito de cooperação que presidiu à emissão do Despacho nº 165/77, define-se que a integração dos trabalhadores deverá ser gradual em ordem a evitar, tanto quanto possível, perturbações nos estabelecimentos industriais da SUT em Angola e Moçambique. Nessa conformidade, a integração será feita de harmonia com as seguintes percentagens, em relação a cada um dos países referidos:
(...)

«5. Sendo, como acima se referiu, a integração processada através de guia passada pela Secretaria de Estado, os efeitos de integração contam-se a partir do dia seguinte ao indicado nessa guia, ressalvado o caso de não apresentação dos trabalhadores na Tabaqueira por motivo a si imputável, em que os efeitos só se contarão desde a data da apresentação efectiva na empresa.

Se, porém, o trabalhador, de posse da guia, não se apresentar na empresa no prazo de 30 dias após a data da sua emissão, sem razão justificada, e como tal aceite, entender-se-á que renunciou à integração.

Nesta condições, os trabalhadores a quem foram até esta data passadas guias pela Secretaria de Estado da Indústria Ligeira consideram-se integrados a partir do dia seguinte ao da data constante das respectivas guias, dado que o presente despacho, como interpretativo que é, não pode ofender direitos adquiridos e a sua não apresentação na empresa, em tempo oportuno, se ficou a dever a circunstâncias a que são alheios, sendo certo, por outro lado, que o Conselho de Gerência da Tabaqueira, E.P., os considerou já integrados.
«6. (...)
«7. (...)».


4.2. Recorde-se que o despacho Normativo nº 165/77 definia nos seus nºs 1º e 2º os requisitos a que obedecia a integração na Tabaqueira, constando os trabalhadores nessas condições de uma lista nominal depositada na Secretaria de Estado da Indústria Ligeira (nº 3º).

O Despacho de 6 de Março de 1978 veio precisar aspectos do procedimento de integração, estabelecendo nomeadamente que esta se processava mediante guia passada pela então Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, que entretanto sucedera no Ministério da Indústria e Tecnologia (supra, nota 8) àquela outra Secretaria de Estado.


5. Um outro Despacho foi emitido pelo Secretário de Estado da Indústria em 19 de Outubro de 1981 ([9]), com vista ao esclarecimento de questões surgidas na sequência do Despacho Normativo nº 165/77, do Despacho de 6 de Março de 1978, e, ainda, da Instrução de Serviço CG-83--19/81, de 26 de Fevereiro de 1981, do conselho de gerência da Tabaqueira, que extinguiu o quadro de supranumerários oriundo do último Despacho.

Duas determinações interessa realçar no conteúdo preceptivo do instrumento.

Primeiro, a anulação do Despacho de 6 de Março de 1978, exactamente «na parte referente à criação do quadro de supranumerários, assim homologando a decisão da Instrução de Serviço CG-83-19/81 que o extinguiu» (nº 1).

Segundo, o reconhecimento de que «os trabalhadores nas condições do Despacho Normativo nº 165/77 são integrados na Tabaqueira, E.P. e não nela admitidos», pelo que «a sua antiguidade deve compreender o tempo de serviço prestado na empresa de que o trabalhador provém, tal resultando do próprio conceito de integração e da economia do Despacho Normativo nº 165/77».

«Tendo este tido como objectivo – prossegue o nº 2 do mesmo documento -, através da garantia da integração na Tabaqueira, E.P., assegurar a cooperação dos trabalhadores portugueses à SUT de Angola e Moçambique, obviando aos prejuízos que para eles resultassem da sua permanência naqueles países, contrariar-se-ia frontalmente o espírito do despacho normativo na medida em que à maior permanência naqueles países corresponderia uma perda de antiguidade aquando da sua integração em Portugal.»

Determinou-se, por conseguinte, «que a antiguidade dos trabalhadores integrados deve incluir o tempo de serviço prestado na empresa de que provêm, desde que inequivocamente provado por documento da mesma».

III

Delineada a primeira das vertentes em que se projecta a problemática submetida à nossa apreciação, é oportuno perscrutar a situação do trabalhador preterido na perspectiva do quadro normativo esboçado.


1. Como se referiu introdutoriamente, a Tabaqueira recusou no início receber o trabalhador por falta da guia de apresentação aludida nos nºs 3 e 5 do Despacho de 6 de Março de 1978.

A factualidade neste aspecto relevante vem descrita no parecer nº 48/98, de 16 de Setembro de 1998, do Gabinete Jurídico e do Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério, e noutros documentos juntos ao processo.

O requerente fora trabalhador da SUT em Angola durante o período compreendido entre 15 de Fevereiro de 1974 e 3 de Setembro de 1980 – cita-se neste sentido declaração da SUT de 2 de Abril de 1996.

Anos depois da cessação destas funções requereu a integração na Tabaqueira, que recusou recebê-lo com o fundamento referido, não obstante o seu nome figurar na lista nominativa a que se reporta, recorde-se, o nº 3º do Despacho Normativo nº 165/77 ([10]).


2. O processo prosseguiu designadamente para a obtenção da referida guia, afirmando-se no citado parecer [ponto 3., alínea a)], que a mesma foi mais tarde apresentada na Tabaqueira, facto de algum modo ilustrado em documentos esparsos.

2.1. Refira-se, em primeiro lugar, a Nota Informativa nº 18/GJC/97 – Procº nº 193/GJC/97, de 12 de Novembro de 1997, da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, presente ao Secretário de Estado da Indústria e Energia ([11]).

Lê-se neste documento (nº 2) que, segundo o Despacho do S.E.I.E.T., de 6 de Março de 1978, a integração seria processada «através de guia passada pela S.E.I.E.T.» «perante documento do estabelecimento industrial donde proviesse o trabalhador e após verificação de que o respectivo nome constava da lista referida no nº 3º do Despacho [Normativo] nº 165/77».

Verificando, pois, que o requerente «consta da lista nominal hoje depositada no arquivo da Secretaria-Geral deste Ministério e que tal é corroborado pela Declaração da SUT de que o mesmo dela foi trabalhador de 15 de Fevereiro de 1974 a 3 de Setembro de 1980, com as funções de Chefe de vendas», considera a Nota Informativa dever «para os fins requeridos ser informado o Ministério das Finanças (Ministério da Tutela da Tabaqueira) que o requerente observa as condições legais para ser integrado naquela empresa» (nº 3).

A proposta vem a merecer a aquiescência do membro do Governo, que a despacha para o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças em 20 de Novembro de 1997.


2.2. Mencione-se seguidamente o ofício nº 230, de 30 de Janeiro de 1998, do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais ao Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, epigrafado «Guia de apresentação de João Lourenço Fernandes/Tabaqueira/SUT», com o seguinte texto: «Para os devidos efeitos, encarrega-me o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, de enviar a V. Exª o ofício nº 190, de 22.Jan.98 e a Guia de Apresentação, mencionada em epígrafe».


2.3. Em terceiro lugar figura o fac-simile de uma guia, com a data incompleta e não assinado, que se reproduz:

«Guia de Apresentação

A fim de ser integrado na TABAQUEIRA – Empresa Industrial de Tabacos, S.A., com sede em Lisboa, na Rua Laura Alves, nº 4 – Edifício Tabaqueira –1050 Lisboa, de acordo com o nº 1 do Des-pacho Normativo nº 165/77, de 22 de Junho de 1977, publicado no Diário da República, 1ª série, nº 175, de 30 de Julho, conjugado com o Despacho do Senhor Secretário de Estado da Indústria, publicado no Diário da República, nº 240, II Série, de 19/10/81, vai apresentar-se nessa Empresa o Senhor João Lourenço Fernandes, Chefe de vendas, que foi da SUT – Sociedade Unificada de Tabacos de Angola, Ldª, em Luanda – Angola, cujo nome consta da lista nominal que foi depositada, à data, na Secretaria de Estado da Indústria Ligeira, conforme o nº 3 do citado Despacho Normativo.

Lisboa, de de 1998

O Chefe de Gabinete de S. Exª o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças»

Ignora-se se a guia apresentada na Tabaqueira decalcava ou não este modelo, tanto mais que a carta de 26 de Junho de 1998, a seguir aludida, em que o conselho de administração da empresa exprime ao Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças a sua posição mais recente sobre a controvérsia, deixa de lhe fazer menção, situando os fundamentos da recusa noutro quadrante.


2.4. Interessa por isso conhecer também este outro documento:

«Acusamos a recepção e agradecemos o envio da comunicação acima identificada, junto com a qual nos foi remetido o Ofício nº 3727, de 97/11/24, do Gabinete de S. Exª o Secretário de Estado da Indústria e Energia e respectiva Nota Informativa anexa, referentes à pretensão de integração nesta empresa formulada pelo Sr. João Lourenço Fernandes.
Pela nossa parte, muito agradeciamos que nos fosse esclarecida a posição que o Estado Português, como accionista da empresa, tem sobre a mencionada pretensão, uma vez que entendemos que, ao referir-se à TABAQUEIRA, SA, como uma entidade tutelada à qual seria ainda aplicável o Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho, a Nota Informativa nº 18/CJC/97 – que mereceu a adesão de S. Exª o Secretário da Indústria e Energia – assenta num pressuposto que não nos parece correcto.
De facto, ao ser transformada em sociedade anónima através do Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março, a TABAQUEIRA, SA, deixou de estar sujeita ao regime da tutela administrativa, como, aliás, resulta do nº 2 do artigo 1º dos Estatutos que o citado diploma então pôs em vigor.
Actualmente, após a privatização operada pelo Decreto-Lei nº 63/96, de 28 de Maio, e a alienação pelo Estado Português de 65% do seu capital social, a mera possibilidade de submissão da empresa ao regime de tutela administrativa não pode ser colocada, pois a empresa é inegavelmente uma sociedade comercial cuja gestão se rege por princípios de natureza privada.
Ora, sendo o Despacho Normativo nº 165/77 um regulamento que se enquadra precisamente no âmbito do exercício dos poderes de superintendência e de tutela administrativa do Governo sobre uma pessoa colectiva de direito público – a então TABAQUEIRA, E.P. – a sua aplicação nas actuais circunstâncias é totalmente de afastar.
É nossa convicção, por isso, que quaisquer eventuais direitos que possam decorrer para o Sr. João Lourenço Fernandes do Despacho Normativo nº 165/77 e demais regulamentação sobre a matéria (Despacho de 6 de Março de 1979 [sic] de S. Exª o Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras e Despacho de 25 de Setembro de 1981 de S. Exª o Secretário de Estado da Indústria), correspondem a obrigações assumidas pelo Estado Português que, por consequência, não são oponíveis a esta empresa.
A terminar e sem prejuízo da posição que acima expomos, gostaríamos de frisar que o Sr. João Lourenço Fernandes cessou as suas funções como colaborador da SUT em Angola em 3 de Setembro de 1980.
Nestas circunstâncias, não vemos que a sua situação em concreto caiba no âmbito dos interesses que o Despacho Normativo nº 165/77 visou acautelar.
Ficando a aguardar que Vossa Excelência nos comunique o que tiver por conveniente sobre este assunto, apresentamos os nossos cumprimentos.»

A Tabaqueira passa, por conseguinte, a fundamentar a recusa da integração do trabalhador na não sujeição à tutela – aspecto que mais tarde se apreciará – abandonando o argumento relacionado com a falta da guia de apresentação, quiçá pelo facto de haver sido satisfeito o requisito ([12]).

Sem embargo, não nos dispensaremos de valorar a natureza deste documento em conexão com a lista nominativa que está na base da sua emissão.

IV

1. A lista nominativa dispõe, por isso, de precedência lógica sobre a guia, relação que se reterá no espírito durante a abordagem subsequente.

Recorde-se o teor do Despacho Normativo nº 165/77.

Por razões de justiça relacionada com as expectativas dos trabalhadores ultramarinos de um grupo de sociedades atingido pela nacionalização da indústria de tabacos, e numa intencionalidade premial da cooperação por eles prestada assegurando a laboração de unidades industriais no período da descolonização – tal como o exórdio representa – o Despacho Normativo veio atribuir-lhes o direito à integração na Tabaqueira, empresa pública criada pelo Decreto-Lei nº 503-G/76, de 30 de Julho, a partir de empresas emergentes da nacionalização de duas sociedades anónimas do sector operada pelo Decreto-Lei nº 227-A/75, de 13 de Maio.

Nos termos da disposição nuclear do nº 1º, o direito à integração na Tabaqueira, em postos de trabalho adequados às suas habilitações e experiências profissionais, é assim reconhecido aos trabalhadores que, no pressuposto condicional do regresso a Portugal, satisfaçam os seguintes requisitos: serem nacionais portugueses; estarem vinculados por relação jurídico-laboral à SUT em 30 de Julho de 1977, data da publicação do regulamento consubstanciado no Despacho Normativo.

Abstraindo por agora do nº 2º, em cuja previsão se enquadram situações especiais porventura sem correspondência no caso que nos ocupa, estipula o nº 3º que os trabalhadores abrangidos são os que constam de lista nominal depositada na então Secretaria de Estado da Indústria Ligeira – a que sucederam os homólogos departamentos antes recenseados (supra, notas 8 a 11).

O escopo da elaboração da lista é, pois, o de assegurar a integração de trabalhadores que possuam os requisitos postulados no nº 1.

Em cumprimento da determinação do Despacho Normativo, houve, por conseguinte, que proceder, acto contínuo, ao apuramento e identificação dos portadores desses requisitos.

Admite-se ter sido esse o caso, justamente, do trabalhador a que se refere a consulta.

Assim sendo, o direito de integração dos trabalhadores e a correlativa obrigação de integração da Tabaqueira parecem emergir, nas respectivas esferas, se não por força do próprio acto normativo – natureza que dentro em pouco melhor se evidenciará -, pelo menos do acto de inserção na lista.

E o concreto exercício do direito fica dependente, na óptica do Despacho Normativo, de oportuna verificação de inclusão na lista do titular em causa.

Momento igualmente propício ao estabelecimento do pressuposto de facto condicional do regresso a Portugal, mediante constatação presencial e, quiçá, documental adjuvante, ou por outro modo de comprovação suficiente, com o efeito retrospectivo ao acto genético do direito que lhe vai por natureza implicado (artigo 276º do Código Civil).

A apresentação, por sua vez, à Tabaqueira de um candidato revestido dos atributos regulamentares indispensáveis à integração na empresa, permitindo a esta o cumprimento da correspectiva obrigação e o desencadeamento de efeitos específicos da nova situação laboral, teria decerto lugar através de qualquer meio burocrático adequado.


2. Este aspecto do iter de integração veio, porém, a ser esclarecido pelo Despacho do Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, de 6 de Março de 1978 (supra II, 4.).

Em primeiro lugar (nº 3), a integração na Tabaqueira processava-se através de guia passada pela Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras – que sucedera entretanto à Secretaria de Estado da Indústria Ligeira (supra, nota 8) –, uma vez verificada a inclusão do trabalhador na lista nominal, e perante documento do estabelecimento industrial de origem, aliás susceptível de ser substituído «por justificação bastante da sua não apresentação, a ser considerada, caso a caso, pelo Secretário de Estado».

E bem se entende a utilidade do documento em causa na perspectiva da cessação da relação laboral na SUT, incontrolável a priori pela lista nominal, não obstante dela depender inclusive a génese do direito na hipótese contemplada pelo nº 2º do Despacho Normativo – sem falar do tempo de serviço naquela empresa, afinal computado na antiguidade do trabalhador integrado, consoante a interpretação do Despacho do Secretário da Indústria de 19 de Outubro de 1981 (supra, II, 5.).

Por outro lado, «os efeitos de integração – explicita o nº 5 do mesmo Despacho – contam-se a partir do dia seguinte ao indicado nessa guia, ressalvado o caso de não apresentação» do trabalhador por motivo que lhe seja imputável.

Isto significa, como há momentos se adiantou, serem os efeitos específicos da nova situação procedente da integração, ou seja, o novo vínculo jus-laboral, e os direitos e obrigações dele emergentes – tais como o desempenho de uma certa actividade na empresa, o local e horário de trabalho, a concreta inserção num quadro de pessoal e numa cadeia hierárquica, o regime de férias, feriados e faltas, bem como o estatuto disciplinar, os aspectos remuneratórios e assistenciais, etc. -, os que se produzem a partir do termo inicial indicado, sendo este sem influência na constituição do direito e da obrigação de integração e deixando, bem assim, intacto o acervo de direitos precedentemente radicados na esfera jurídica do trabalhador.

Nesta ordem de ideias se compreende que o citado Despacho do Secretário de Estado da Indústria, de 19 de Outubro de 1981, tenha vindo, por seu turno, esclarecer que a antiguidade dos trabalhadores integrados compreende o tempo de serviço prestado na empresa de origem.


3. Ora, como racionalizar juridicamente a actividade administrativa descrita, nos actos jurídicos e operações materiais que a integram?

Será que a construção dogmática autoriza extrair as consequências jurídicas perfunctoriamente esboçadas?

Para além do acto consubstanciado no Despacho Normativo nº 165/77, interessa fundamentalmente considerar o acto de elaboração da lista nominal e o acto de emissão da guia de apresentação.

E interessa considerá-los prevalecentemente na tónica da sua eficácia no tempo, visando a precisão do momento em que se inicia a produção dos efeitos que lhes são próprios.

Na verdade, a problemática da integração do trabalhador mediante os actos sub iudicio protrai-se por todo um período em que a situação da empresa vai experimentar transformações.

E os estatutos que sucessivamente assume - de empresa pública, sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, ulteriormente objecto ainda de privatização, e nesta veste alegadamente colocada fora de poderes tutelares subjacentes à aludida actividade -, todas essas consecutivas mutações deixam pressentir consequências diversas consoante os efeitos dos actos se produzam num ou noutro passo do percurso.

Vejamos então.


3.1. O acto de concepção e elaboração da lista nominal – que uma operação material de execução, se bem parece, reduz depois a escrito segundo determinado estilo reprográfico – deve ser qualificado como acto administrativo.

Numa noção dir-se-ia clássica entre nós ([13]), trata-se da «conduta voluntária de um órgão da Administração que, no exercício de um poder público e para prossecução de interesses postos por lei a seu cargo, produza efeitos jurídicos num caso concreto».

A «estatuição autoritária – noutra concepção -, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos, positivos ou negativos» ([14]).

Ou, ainda, «o acto jurídico unilateral praticado por um órgão da Administração no exercício do poder administrativo e que visa a produção de efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta» ([15]).

Tudo formulações diferentes, sem embargo materialmente consonantes, ressalvada a acentuação de algum elemento menos essencial.

Não se justificará prosseguir no inventário de definições doutrinárias de acto administrativo - um tema fulcral da ciência do direito administrativo acerca do qual se revela inabarcável a literatura nacional e estrangeira -, quando o Código do Procedimento Administrativo consagra actualmente, no artigo 120º, uma noção prestável para o fim que nos importa:

«Artigo 120º
Conceito de acto administrativo

Para os efeitos da presente lei, consideram-se actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.»

Anote-se em aparte ser esta uma acepção em afinidade sensível com o conceito vertido na Verwaltungsverfahrensgesetz de 1976, diploma a que no direito comparado o legislador do nosso Código declaradamente dedicou «particular atenção», extensiva à «riquíssima elaboração doutrinal a que deu lugar» ([16]).

Procurando não prescindir desses subsídios, consigne-se desde já que o § 35 da lei alemã considera acto administrativo «toda a disposição, decisão, ou outra medida de autoridade de órgão da Administração tendente à regulação de um caso concreto no domínio do direito público e dirigida à produção directa de efeitos jurídicos externos» ([17]).


3.2. Avultam nas noções recenseadas determinados elementos constitutivos fundamentais.

Paradigmaticamente, na definição propugnada no ensino de FREITAS DO AMARAL ([18]), grosso modo acolhida no artigo 120º do Código, enumeram-se os seguintes: acto jurídico; acto unilateral; acto organicamente administrativo; acto materialmente administrativo; acto que versa sobre uma situação individual num caso concreto ([19]) ([20]).

Seria de todo desproporcionada à economia do parecer a abordagem de cada um dos temas enunciados.

Se bem vemos, no nosso caso apenas poderia questionar-se a verificação de uma «situação individual e concreta», elemento que todas as análises teóricas procuram densificar pela sua importância na distinção entre «os actos administrativos, que têm um conteúdo individual e concreto, e as normas jurídicas emanadas da Administração Pública, nomeadamente os regulamentos, que têm conteúdo geral e abstracto» ([21]).


3.3. «As características geral ou individual têm a ver, como se sabe, com os destinatários dos comandos jurídicos; pelo seu lado, as características abstracto ou concreto têm a ver com as situações da vida que os comandos jurídicos visam regular».

As normas são, pois, «comandos gerais e abstractos», enquanto «os actos administrativos são comandos individuais e concretos».

Da contraposição com a norma jurídica flui, por conseguinte, «existir acto administrativo sempre que a regulação respeite a uma concreta situação de facto e se dirija a determinada pessoa, ou seja quando revestir natureza concreto-individual» - v.g., «a concessão de uma licença profissional a A, a convocação militar de B» ([22]).

Para além disto, se a distinção entre actos genéricos ou normativos e actos administrativos não é na maioria dos casos difícil de estabelecer, por vezes surgem dificuldades práticas de aplicação ([23]).


3.4. Na doutrina alemã considera-se que o carácter individual será ainda de afirmar quando o acto se dirige «não propriamente a uma pessoa, mas a um círculo de pessoas individualmente determinadas ou determináveis», posto que a «delimitação entre individual e geral não se define numericamente, antes resulta do facto de o círculo de destinatários, ao tempo da emissão do acto, estar ou não objectivamente fixado, de se tratar já de um círculo fechado ou que ainda permanece aberto, susceptível de ampliação» ([24]).

Dúvidas surgem já na hipótese de o acto respeitar «a uma situação de facto determinada, dirigindo-se, porém, a um conjunto indeterminado de pessoas, e revestindo agora carácter concreto-geral».

É o caso da proibição policial de uma manifestação já aprazada, ou da interdição de entrada num prédio ameaçando ruína.

A medida assume carácter geral, porque o conjunto dos destinatários ainda não é determinado nem determinável ignorando-se de antemão quais as pessoas que pretendem manifestar-se ou penetrar no prédio -, mas tem natureza concreta, uma vez que se trata de uma situação de facto determinada - a manifestação, a entrada no prédio.

Discute-se a propósito qual dos critérios deve então prevalecer na qualificação jurídica do acto ou regulação em causa, a individualidade dos destinatários, ou a natureza concreta do acto, qualquer deles averbando suporte doutrinal.

A favor do primeiro critério, aliás correspondente à «estrutura personalista do direito», militaria a definição relativamente simples da «individualidade» de uma pessoa determinada ou de um círculo «fechado» de pessoas ao tempo da prática do acto.

Todavia, o § 35 da lei alemã parte da segunda alternativa, resultando nomeadamente dessa definição legal de acto administrativo o acento posto no «caso concreto» e não também na «pessoa individual» ([25]).


3.5. Não é esse o caso do artigo 120º do Código português onde as duas aludidas vertentes relevam como elemento constitutivo do tipo legal, integrando o segmento «situação individual e concreta».

As aporias suscitadas na compreensão deste elemento sobressaem em três espécies categoriais de situações teoreticamente tipificadas, recordando por vezes eventualidades hipotizadas pela doutrina germânica.

Assim, na hipótese dos chamados «actos colectivos», «os actos que têm por destinatário um conjunto unificado de pessoas» ([26]).

Por exemplo, se «o Governo toma a decisão de dissolver uma Câmara Municipal», «acto que tem por objecto um conjunto unificado de pessoas - todos os membros do órgão colegial que foi objecto de dissolução», verifica-se a prática de um acto administrativo, pois de todo o ponto não se trata de formular regras gerais e abstractas.

A regra geral e abstracta diria: «sempre que se verifiquem as circunstâncias tais e tais, o Governo pode dissolver as Câmaras Municipais».

No exemplo apontado o acto é, ao invés, individual e concreto, não obstante dirigir-se aparentemente a um conjunto de pessoas. Ou, com mais rigor, «o que na realidade existe na ordem jurídica são tantos actos (administrativos) - individuais e concretos - quantas as pessoas abrangidas pela dissolução» ([27]).

O mesmo se diga, em segundo lugar, com respeito aos denominados «actos plurais», traduzindo decisões da Administração aplicáveis a pessoas diferentes.

Exemplifica-se com o despacho ministerial que nomeia vinte funcionários públicos para o mesmo número de vagas de certa direcção--geral.

Também aqui, sob a aparência de um único acto, existem na realidade tantos actos administrativos quantos os funcionários, mas de modo algum norma geral e abstracta ([28]).

Por fim, a distinção pode levantar dúvidas na hipótese dos «actos administrativos gerais», caracterizados por se aplicarem «de imediato a um grupo inorgânico de cidadãos, todos eles bem determinados, ou determináveis no local», tal como a ordem de dispersar dirigida a um conjunto de pessoas que estão a impedir o trânsito ([29]).

Também estes actos, aduz-se, não devem ser considerados actos normativos, por se tratar de ordens concretas dadas a pessoas concretas e bem determinadas, ou imediatamente determináveis, não correspondendo por isso à noção de norma jurídica como regra de conduta geral e abstracta.


4. Introduza-se, antes de prosseguirmos, breve pausa de ordenação e síntese.

O excurso teórico esboçado permite desde já firmar configurações jurídicas anteriormente sugeridas no âmbito da actividade administrativa em apreciação.


4.1. O Despacho Normativo nº 165/77 possui, como a própria designação inculca, aquela natureza geral e abstracta que é da essência das normas jurídicas como regras de comportamento, revestindo, pois, exactamente carácter normativo - e regulamentar, posto não concorrerem no acto os atributos da lei, maxime a característica da novidade ([30]).

Nele «se formula abstractamente a previsão de circunstâncias que poderão vir a dar-se e que servem de pressuposto do preceito da conduta a seguir em geral por todos quantos venham a encontrar-se nessas circunstâncias» ([31]).

Não se trata, bem ao invés, de uma situação individual, nem concreta, daquelas «circunstâncias já verificadas e relativamente às quais se individualiza a conduta de pessoas determinadas» ([32]), que distinguem o acto administrativo, consoante flui do exposto.


4.2. Em contraponto, é esta a qualificação que precisamente assiste, por seu lado, ao acto de concepção e elaboração da lista nominal.

Houve, provavelmente, que proceder ao apuramento e identificação de cada um dos trabalhadores da SUT a integrar, à análise das respectivas situações pessoais e à tomada das decisões individuais prévias relativas à titularidade dos requisitos da nacionalidade portuguesa e do vínculo laboral àquela empresa na data do Despacho Normativo, à prolação de decisões finais de inclusão na lista nominal.

Tratou-se, por consequência, na óptica do actual artigo 120º do Código do Procedimento Administrativo, de decisões de órgão da Administração do então Ministério da Indústria e Energia (supra, nota 8), que, ao abrigo da normação publicística do Despacho Normativo, produziram efeitos jurídicos nas situações individuais e concretas em questão.

A agregação numa única lista nominal de situações individuais diversificadas pode bem compreender-se à luz de um escopo organizativo - se é que não pertine já tecnicamente ao domínio da execução -, mas não prejudica decerto a autonomia recíproca dos diferentes actos administrativos praticados.

Quando muito estar-se-ia perante um daqueles «actos plurais» em que, sob a aparência de um único acto (a lista nominal), existem na realidade tantos actos administrativos quantas as individualidades abrangidas ([33]).


4.3. Já o processamento textual da lista por escrito, com a identificação dos trabalhadores da SUT portadores dos requisitos de integração enunciados no Despacho Normativo e objecto das disposições/decisões dos actos administrativos, parece traduzir mera operação material de execução.

Na verdade, os factos jurídico-administrativos compreendem, atendendo às relações entre a vontade e o resultado jurídico, além de actos jurídicos, meros factos jurídicos, «que são todos aqueles em que os resultados se produzem pela consideração exclusiva do evento, independentemente da direcção duma eventual vontade do sujeito», quer se trate de factos naturais, quer de factos humanos voluntários ou involuntários ([34]).

Entre os factos humanos voluntários - produto, portanto, «duma intenção do agente», cujos resultados materiais podem, porém, «corresponder ou não ao desígnio formulado», mas cujos «resultados jurídicos são oferecidos pela lei sem qualquer relação ao real querer do sujeito» - destacam-se as denominadas «acções materiais», os Realakte (Tathandlungen, schlichtes Verwaltungshandeln) do direito administrativo germânico.

Trata-se de manifestações humanas externas «que não afirmam uma intenção declaratória de ciência ou vontade, mas concretizam directamente um resultado de facto, que é pressuposto da verificação de consequências jurídicas» ([35]).

Não se dirigem «à produção de efeitos jurídicos, mas apenas à realização de um resultado material». Falta-lhes a nota da «regulação» comum aos actos jurídicos da Administração. Dependendo, porém, finalisticamente a distinção de saber se a medida em causa vai dirigida ou não à produção de efeitos jurídicos, então deve ter-se em conta que também as acções materiais «podem desencadear indirectamente efeitos jurídicos», dando lugar «em especial a pretensões de resistência, de abstenção, de indemnização» ([36]).

Entre nós consideram-se duas espécies de acções materiais.

Desde logo, as «acções materiais de exercício», «que traduzem o cumprimento de tarefas indispensáveis à manutenção da vida do serviço». Grande parte delas tem apenas «eficácia interna», sem produzir efeitos «pelos quais o ente se ponha em contacto directo com terceiros (escrituração de livros, realização de contas, conservação de aparelhos, etc.)». Mas outras dispõem de «eficácia externa», projectando-se «para fora das relações de serviço», e podem «comprometer directamente interesses particulares (construção de esgotos, extinção de incêndios, realização de vacinações, etc.)».

De outro lado, as «acções materiais de execução», «destinadas a dar cumprimento a determinações vinculativas da Administração, ou ainda do poder judicial ou duma lei (abate de animais, enquanto não contenha em si mesmo a decisão; prisão dum condenado; apreensão de armas proibidas)»; supondo, isto é, «uma estatuição anterior, a que dão cumprimento» ([37]).

Constituem, por outras palavras, acções de efectivação e concretização de actos de autoridade com o carácter de «regulação», tais em especial os actos administrativos ([38]), como no nosso caso bem se afigura que sucede.

Propende-se pelo exposto a qualificar o processamento textual da lista nominal como mera acção ou operação material de execução, mediante a qual, aliás, se deu observância à forma escrita do acto administrativo (cfr. hoje o artigo 122º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo).


5. Resta a emissão da guia de apresentação do trabalhador na Tabaqueira.

Como qualificá-la categorialmente?

Os dados disponíveis revelam uma estreita relação de subordinação e supra-ordenação entre a guia de apresentação e a lista nominal.

Aquela é emitida com base nesta, atestando à empresa o preenchimento pelo trabalhador dos requisitos substantivos do direito de integração, e habilitando-a a cumprir a obrigação de o integrar.


5.1. Semelhantes vectores evocam sugestivamente a figuração dos denominados «actos instrumentais», que ao lado dos actos administrativos - «elemento nobre de actuação dos sujeitos públicos» -, avultam no cosmos da Administração, como «actos menores», desenvolvendo uma «função ancilar» relativamente àqueles.

Actos a que falta «a pretensão de encontrar a satisfação imediata dum interesse público concreto», processando-se a sua contribuição para a realização das tarefas administrativas através de um «acto administrativo cuja produção determinam de diverso modo ou cuja efectiva operatividade condicionam» ([39]).

Em certos casos o nexo com o acto administrativo é «patente e imediato», noutros simplesmente «mediato ou potencial».

Não se confundem com os «actos preparatórios» que, fazendo parte de um procedimento, desempenham aí o papel de «ordenação prévia dos materiais com vista à decisão final».

A categoria dos actos instrumentais tem uma função mais ampla, abrangendo actos preparatórios e outros que podem surgir posteriormente ao acto administrativo, ou por ser esse «o seu lugar próprio» ou porque aparecem «anormalmente deslocados» (v.g., o exercício ex post da função consultiva) ([40]).


5.2. Muito menos «tipicizados que os actos administrativos», daí porventura alguma imprecisão dos critérios que possam neste domínio presidir a operações de ordenação conceitual.

A doutrina que ora seguimos classifica não obstante os aludidos actos em três espécies: actos instrumentais de conteúdo deliberativo, de conteúdo declarativo e comunicações ([41]).

Não nos interessará particularmente o primeiro grupo, onde se incluem modalidades que de relance se afiguram assaz dissemelhantes da nossa «guia de apresentação» ([42]).


5.3. Vejamos então o grupo dos «actos instrumentais declarativos».

Nele se consideram duas sub-espécies fundamentais: as verificações e as avaliações.


5.3.1. As verificações vêm definidas, em síntese, como «manifestações de ciência relativamente a factos».

Importa que nos detenhamos na figura por instantes, posto que nela podem divisar-se induções do concreto acto que mobiliza a nossa atenção.

Descontando divergências terminológicas – e imprecisão de fronteiras – algumas verificações apresentam-se portadoras de uma «instrumentalidade directa», dirigindo-se especificamente a «um resultado concreto». É o caso dos vistos, controlos de legalidade de actos administrativos individualizados, e dos «exames médicos» com fins determinados (v.g., exame de condução automóvel).

Outras manifestam uma «instrumentalidade indirecta», ministrando uma afirmação de verdade que pode ser utilizada para efeitos vários. São as denominadas «atestações», ou «atestados» quando se trata de certificar qualidades ou situações pessoais ([43]). Actos que assentando, de resto, em grande medida, sobre juízos técnicos ou valorativos, revestem já natureza híbrida, num misto de verificações/avaliações.

Sob o ponto de vista do seu valor digamos verificativo, determinadas verificações gozam de «força probatória privilegiada», fazendo fé salvo demonstração de falsidade. Assim sucede com as «certidões» - atestações sobre factos do conhecimento directo da autoridade, nomeadamente praticados na sua presença ou de que tem notícia através de documentos oficiais que lhe compete conservar -, do registo civil, de habilitações académicas (diplomas), e as «documentações» - que se traduzem na redução a escrito da verificação de acontecimentos presenciados pelas autoridades -, tais como as actas de reuniões e os registos de factos em livros próprios.

Existem, por outro lado, verificações dotadas, ao invés, de força probatória meramente «relativa», podendo a presunção de verdade ser ilidida por outros meios. É o que se passa com certos autos policiais.

Adquirida uma ideia fundamental sobre a figuração das verificações, é mister complementar o tema em aspectos úteis à inteligência do parecer.

Convém, todavia, exaurir ainda em breve rasgo o elenco dos actos instrumentais.


5.3.2. A segunda sub-espécie adentro dos actos declarativos é representada pelas avaliações.

Trata-se agora de actos que traduzem uma apreciação do «sentido» de certa situação de facto, segundo «regras elásticas, de carácter administrativo ou técnico», em ordem à «interpretação da conveniência e oportunidade» ou a esclarecer «dúvidas de carácter hermenêutico».

As avaliações apresentam normalmente uma «instrumentalidade imediata», destinando-se a instruir um acto definido a priori.

Exemplificam-se entre as classes mais importantes de avaliações, os pareceres, nas suas variantes de obrigatoriedade, activa e passiva ([44]), e os relatórios, de géneros diversos, em que o elemento valorativo, sem se desvanecer, não deixa por vezes de ceder o passo ao elemento verificativo.


5.4. O terceiro grupo de actos instrumentais compreende as «comunicações», assim justamente denominadas por se destinarem a transmitir a uma pessoa ou generalidade de pessoas «o conhecimento duma situação de facto ou de direito».

Nesta categoria de actos consideram-se, em primeiro lugar, incluídas as «intimações» - «advertências com base num título anterior (lei, acto administrativo), dirigidas a um sujeito jurídico, no sentido de que deve dar cumprimento a uma certa obrigação», sob pena de sanções que expressa ou implicitamente se cominam.

Em segundo lugar, todas as «publicações», as mais variadas, da experiência quotidiana – editais, avisos e anúncios em periódicos, notícias via rádio e televisão -, produzindo ou não efeitos externos.

Por fim, a figura da «notificação», pela qual «um acto receptício é levado ao conhecimento do destinatário» - v.g., um funcionário atesta ter tornado alguém ciente do acto ([45]).


5.5. Como qualificar então o acto titulado na guia de apresentação?

A relação de subordinação à lista nominal é, como se notou, persuasiva da sua natureza instrumental.

Mas, à primeira prova, dificilmente qualquer dos modelos desenhados poderá assentar-lhe na perfeição.

Resistência porventura da atipicidade do acto à imprecisão, quiçá, das classificações.

Parece em todo o caso razoável o seu enquadramento preferencial na moldura das «verificações».

A guia traduz nuclearmente uma declaração ou manifestação de ciência relativamente a factos constantes da lista nominal – a situação dos trabalhadores titulares dos requisitos de integração já definida pelo acto administrativo que presidiu à elaboração material do instrumento –, estando essencialmente fora do seu objecto a apreciação do «sentido» dessa factualidade jurídica característica de uma «avaliação».

Apresenta-se, por outro lado, dotada de «instrumentalidade directa» - visando em exclusivo manifestar à Tabaqueira os factos verificados, de forma a habilitá-la ao cumprimento do dever de integração – e, bem assim, porventura, de «força probatória privilegiada», condicionando, em princípio, a empresa aos limites da verificação nela consubstanciada.


5.6. Dos caracteres apontados é ademais possível inferir um fundo comum a outros actos emergentes em sectores do ordenamento sob idêntico nomen iuris.

Refiram-se, exemplificativamente, em diferentes graus de afinidade: as guias para pagamento de tributos (v.g., artigo 93º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro, recentemente alterado pelo artigo 7º da Lei nº 15/2001, de 5 de Junho) e de custas judiciais (artigos 126º/127º do respectivo Código, aliás, alterados pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 304/99, de 6 de Agosto); as guias de marcha militares (cfr., v.g., o artigo 65º do velho Regulamento Geral do Serviço do Exército, aprovado por Decreto governamental de 6 de Junho de 1914, e o artigo 25º do Regulamento Geral do Serviço nas Unidades do Exército, aprovado por Despacho do Chefe do Estado-Maior do Exército, de 3 de Fevereiro de 1986, que substituiu aquele) e as guias de internamento de reclusos por transferência ordenada pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais [cfr. o artigo 7º, nºs 1, alínea c), e 5, do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, alterado pelos Decretos-Leis nºs 49/80, de 22 de Março, e 414/85, de 18 de Outubro].

Debalde, porém, se tentariam reconduzir todos esses actos a um protótipo uniforme e a um regime comum que o nosso caso pudesse a qualquer título convocar.


6. Caracterizados e qualificados, quando menos topicamente, os actos presentes à nossa apreciação, interessa aproximar a questão da sua eficácia no tempo, procurando precisar na medida possível o momento em que se inicia a produção dos seus efeitos.


6.1. Fundamental, nesta tónica, a classificação actos declarativos versus actos constitutivos.

Historicamente, na Alemanha e na Áustria – refere MARCELLO CAETANO ([46]) – os autores consideravam-na útil, efectivamente, sobretudo «para determinar o momento em que se começam a produzir os efeitos do acto».

Mas no direito positivo português, onde a classificação veio a ser acolhida «para efeito de regulamentar a revogação e suspensão do acto administrativo», conferiu-se destaque aos actos constitutivos de direitos a fim de «limitar o poder da Administração, impondo-lhe o respeito de situações jurídicas que ela haja criado em proveito de outrem» ([47]) (cfr. hoje, v.g., os artigos 140º e 141º do Código do Procedimento Administrativo).

Não é, todavia, esta mas aquela outra perspectiva que de momento nos interessa.

Torna-se, aliás, mister esclarecer que a distinção aparece habitualmente formulada a respeito dos actos administrativos, mas nada parece impedir a extensão das suas virtualidades às categorias de actos qualificados, numa óptica doutrinária a que há pouco se conferiu legítimo realce, como actos instrumentais.


6.2. Nesta prevenção e prescindindo de detalhes secundários, vejamos os termos da classificação aludida ([48]).

Actos constitutivos são «aqueles que criam, modificam ou extinguem direitos ou situações jurídicas».

Como exemplos citam-se a licença ou a concessão – actos que criam direitos para aqueles a quem são conferidas – e a revogação de qualquer desses actos, que extingue o direito respectivo.

Em qualquer dos casos se trata de actos constitutivos «porque introduzem modificações na ordem jurídica».

Os actos declarativos, por sua vez, limitam-se «a verificar a existência ou a reconhecer a validade de direitos ou situações jurídicas pré--existentes».

Assim, as certidões ou atestados, que se restringem «a verificar a existência ou a reconhecer a validade de situações que já existiam». «Não criam, não modificam, nem extinguem nenhuma situação – apenas a declaram».

Nas palavras de outro autor ([49]), os actos declarativos limitam-se, por conseguinte, «a reconhecer ou declarar a existência de certo facto ou de certo direito», tal como acontece na «delimitação de terrenos dos particulares com o domínio público e com tantas listas, registos, recenseamentos ... prescritos por lei».

E este juízo de existência das situações, necessário para que se desencadeiem certos efeitos legais é designado na terminologia italiana por accertamento, portanto sem carácter constitutivo, na opinião comum dos autores, mas tão-só declarativo.

Observe-se de passagem – embora possa não ser esse o caso dos concretos actos em apreço – que, por vezes «o apuramento ou reconhecimento de situações ou de circunstâncias em casos individuais pode ser acompanhado de uma decisão atributiva de direitos, embora se trate do exercício de poderes vinculados da Administração em tais termos, que a decisão é consequência lógica e necessária da verificação ou constatação prévias».

Surgem assim os denominados accertamenti costitutivi, ou «verificações constitutivas».

Apontam-se como exemplos, a atribuição de um grau académico pela autoridade universitária a quem possua todos os exames exigidos por lei; a concessão de uma licença profissional ao que detiver a habilitação necessária.

Em ambos os casos, a verificação da posse das condições exigidas por lei implica a atribuição do direito ao grau ou ao exercício da profissão. E esta decisão é que é constitutiva, mas «está tão intimamente ligada à verificação dos requisitos de que depende como consequência irrecusável, que se confunde com ela» ([50]).


6.3. A importância da distinção reflecte-se, como dissemos, na questão da eficácia do acto; do momento a partir do qual o acto produz os seus efeitos jurídicos.

Linearmente, o acto constitutivo «começa a produzir os seus efeitos no momento em que é praticado», salvo se, aspecto que dentro em pouco retomaremos, a eficácia for diferida para mais tarde» (v.g., por uma condição suspensiva ou um termo inicial). Em princípio, «não pode ter eficácia retroactiva».

Já o acto declarativo dispõe, bem ao invés, em princípio, de eficácia retroactiva.

Limitando-se, com efeito, «a reconhecer direitos ou situações que já existiam, esse reconhecimento vale a partir do momento em que os direitos ou situações reconhecidas nasceram» ([51]).


6.4. Em síntese. Por via de regra os actos declarativos têm eficácia ex tunc e os actos constitutivos eficácia ex nunc.

Mas estes podem ver a eficácia diferida para além do momento da sua prática.

Interessa, dentro de limites consentâneos com a economia de urgência, centrar a atenção no tema da eficácia do acto e seu diferimento.

No desenvolvimento da actividade administrativa sucede normalmente que, ao lado de um acto dirigido à produção directa de efeitos jurídicos externos, surgem a ele coligados outros actos que de alguma forma contribuem para o mesmo resultado.

A ciência do direito administrativo exprime esta realidade através do conceito dinâmico de procedimento administrativo, que traduz precisamente essa sucessão de um conjunto de actos funcionalmente encadeados em complementar tramitação, com vista à consecução do resultado ou efeito final unitário ([52]).

Sobressai assim no procedimento um acto principal, produtor do efeito constitutivo, em cuja órbita gravitam actos acessórios.

De entre estes, alguns precedem preparatoriamente o acto principal, enquanto outros têm lugar depois, tocando apenas a sua operatividade efectiva.

Distinguem-se, por isso, na concepção doutrinária a que nos acolhemos, três correspondentes fases procedimentais: a fase preparatória, a fase constitutiva e uma fase eventual integrativa da eficácia.

Mas trata-se sempre de um «modelo elástico», de que a realidade frequentemente se distancia, ao ponto de existirem procedimentos onde falta ou carece de autonomia a primeira fase, e inúmeros outros que não compreendem a última.

A fase preparatória engloba todos os momentos de preparação da «verificação do tipo legal», desde os actos de iniciativa, a toda a série de actos instrutórios e de comunicação, culminando na audiência dos interessados – fase positivamente identificável através dos artigos 74º a 105º do Código do Procedimento Administrativo.

Segue-se nos procedimentos paradigmáticos a fase constitutiva – que pode excepcionalmente abrir o iter procedimental -, etapa conducente à produção dos efeitos jurídicos e por isso a mais importante, na qual se desenvolvem os actos que implicam cumprimento do tipo legal, com vista à prática do acto administrativo principal e típico do procedimento (cfr. os artigos 106º e segs. do mesmo Código).

Encerrada, pois, a segunda fase, este acto deve estar perfeito, findando consequentemente o procedimento.

Só que, algumas vezes, apesar de preenchido o tipo legal não se desencadeiam de imediato os efeitos assinados pela ordem jurídica.

«O acto é potencialmente produtor de consequências, mas elas estão comprimidas ou em estado latente».

E torna-se necessária uma terceira fase – que, aliás, não tem de suceder forçosamente à fase constitutiva -, conglobando, por sua vez, actos que já nada podem acrescentar à validade do acto principal, mas vão conferir-lhe «a força que os liberte do letargo».

Uma fase, portanto, «integrativa de eficácia», cujo acto final implica, em princípio, «a produção dos efeitos do acto constitutivo do procedimento desde o momento em que este se verificou – eficácia ex tunc – o que precisamente pretende significar o efeito puramente declarativo do acto integrativo» ([53]).


6.5 Procure-se precisar um pouco mais.

«Os actos perfeitos são em regra eficazes.» Mercê da «verificação de todos os momentos do tipo legal» podem desencadear a produção imediata dos efeitos jurídicos a que tendem ([54]).

Na verdade, a moderna doutrina reserva o conceito de eficácia para sintetizar a qualidade daqueles actos que se encontram aptos a produzir imediatamente os seus efeitos próprios.

É esta qualidade ligada à perfeição do acto que pode, todavia, depender, como sabemos, do processamento de uma fase integrativa.

Mas a regra é a de que «a eficácia entra a manifestar-se desde o momento da perfeição do acto».

A regra geral do nosso direito – sublinha, com efeito, outro autor ([55]) - «é a de que o acto administrativo produz efeitos desde o momento da sua prática (cfr. o nº 1 do artigo 127º do CPA): é o princípio da imediatividade dos efeitos jurídicos, já antes pacificamente defendido pela doutrina entre nós dominante» (MARCELLO CAETANO, ROGÉRIO SOARES, ESTEVES DE OLIVEIRA, SÉRVULO CORREIA, MARCELO REBELO DE SOUSA, PAULO OTERO).

E, dentro desta regra, determinados actos são de «eficácia instantânea», porque a eficácia se esgota no momento em que o acto se torna eficaz, podendo embora o mesmo originar uma situação duradoura (v.g., os actos extintivos). Outros, pelo contrário, são de «eficácia duradoura», na medida em que esta se prolonga no tempo (v.g. concessões, licenças).

Em todos estes casos, porém, se trata sempre de eficácia imediata.

Quando, porém, à prática do acto não se segue logo a verificação dos efeitos, o acto é de «eficácia diferida» - que tanto pode, de resto, ser instantânea como duradoura.

E justamente «para abrir caminho à afirmação da eficácia», entretanto latente ou comprimida, é que tem lugar a aludida fase procedimental integrativa.

Ora, a dilação da eficácia para data ulterior à da perfeição do acto coloca o problema da determinação do «limite inicial da contagem dos efeitos», pois não é forçoso que só dessa data para o futuro passem a contar ([56]).

Se, todavia, assim acontecer, diz-se que o acto integrativo – et pour cause o acto principal – tem efeitos ex nunc a partir da mesma data.

É o que se passa com a verificação de um termo inicial.

Pode, no entanto, suceder que ao «evento desencadeador de eficácia» se atribua «um sentido ex tunc», hipótese em que «os efeitos começam a contar-se desde o momento em que se completou o quadro constitutivo».

Aduzem-se a título de exemplo as verificações da aprovação ou do visto. Produzido o visto ou a aprovação, «o acto principal começa a desenvolver os seus efeitos, não desde a data desse evento integrativo, mas para trás, desde que se constituiu».

E para exprimir «este desfasamento entre o momento determinante da eficácia e o momento da contagem da eficácia, a prática usa frequentemente dizer que os efeitos retroagiram, ou que há eficácia retroactiva».

Objecta-se, contudo, não ser assim, «pois desde o momento constitutivo que os efeitos estavam latentes e apenas depois se manifestaram abertamente».

Para descrever o fenómeno retrospectivo seria porventura preferível dizer «que há uma retrotracção, um regresso à origem», tanto mais que «retroactividade inculca uma ideia de agir sobre factos passados» ([57]).


6.6. Os subsídios coligidos permitem argumentativamente dar resposta à questão de saber em que momento iniciaram a produção dos seus efeitos os actos sub iudicio.

Estando perfeito o acto administrativo de inclusão do trabalhador na lista nominal, das duas uma.

Ou o acto constitutivo se tornou eficaz no momento da sua prática, conforme a regra geral da imediatividade, hoje plasmada no nº 1 do artigo 127º do Código do Procedimento Administrativo.

Ou a eficácia resultou diferida pelo acto de emissão da guia de apresentação.

Viu-se, porém, que esta guia deve provavelmente ser catalogada como acto instrumental, na espécie das «verificações», com os efeitos ex tunc, em «retrotracção» ao momento da perfeição do acto constitutivo, característicos da sua natureza declarativa.

Em qualquer dos casos, mercê de imediatividade ou de diferimento retroactivo da eficácia, os efeitos do acto administrativo de inclusão do trabalhador na lista nominal devem ser reportados ao momento da sua prática.

Ou seja, em data, que se desconhece, entre a publicação do Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho – na sequência do qual foi elaborada a lista – e a emissão do Despacho interpretativo do S.E.I.E.T., de 6 de Março de 1978 – o qual induz que a lista estava elaborada.

Desde esse momento se radicou, por consequência, na esfera jurídica do trabalhador o direito de integração, e na esfera da empresa pública a obrigação de o integrar.

Não se objecte que nessa data o trabalhador ainda estava vinculado laboralmente à SUT, porque nesse sentido era justamente um dos requisitos da integração, segundo o nº 1º do Despacho Normativo.

Questão diversa, como anteriormente se frisou (supra, 2.), é a do momento em que se produzem os efeitos específicos da integração, isto é, o novo vínculo laboral e os direitos e obrigações dele emergentes – o dia seguinte, em princípio, ao indicado na guia.


7. Vem de certo modo debatida ainda na consulta a competência para a emissão da guia.

Até certo ponto não deveriam, porém, suscitar-se dúvidas insanáveis.

O nº 3 do Despacho do S.E.I.E.T., de 6 de Março de 1978, dispunha claramente que a integração dos trabalhadores da SUT na Tabaqueira se processava «através de guia passada pela Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras».

E a incumbência bem se compreende porque esta Secretaria de Estado era a sucessora da Secretaria de Estado da Indústria Ligeira, originariamente instituída depositária da lista nominal pelo Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho.

O que equivalia à radicação da competência nos órgãos do departamento detentor da lista, como é de preceito quanto às análogas certificações de actos e documentos constantes de processos administrativos «por ordem ou despacho da autoridade procedimental» ([58]).

Na verdade, em regra, «a emissão de certidões de documentação existente nos serviços administrativos depende» - salvo em casos especiais como os previstos, por exemplo, no artigo 63º do Código do Procedimento Administrativo - «de autorização, ordem ou despacho do respectivo órgão ‘dirigente’», «ou de órgãos especialmente designados para o efeito» ([59]).

Um princípio geral de direito, verdadeiramente, de algum modo aflorado no artigo 383º, nº 1, do Código Civil: «As certidões de teor extraídas de documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas, quando expedidas pelo notário ou por outro depositário público autorizado, têm a força probatória dos originais» ([60]).

Sabe-se que na altura da entrega da guia à Tabaqueira a lista nominal se encontrava depositada na Secretaria-Geral do Ministério da Economia – que sucedera, por seu turno, a pretéritos Ministérios da Indústria até 1977, com designações variáveis consoante os Governos -, Serviço esse comum às suas diversas Secretarias de Estado (supra, III, 2. e 2.2).

Ignora-se, porém, exactamente, nos termos oportunamente descritos (supra, III, 2.2. e 2.3), quem subscreveu concretamente a guia.

Mas não se desconhece, pelo menos, que o documento foi emanado precedendo verificação da Secretaria-Geral e despacho autorizativo do Secretário de Estado da Indústria e Energia (supra, III, 2.1.).

O próprio modelo da guia que oportunamente se transcreveu (supra, III, 2.2) pode haver sido ali congeminado.

Ora, a guia não se encontrava sujeita a forma especial.

Parece, por conseguinte, haver-se preservado o núcleo teleológico da regra de competência para a prática do acto de verificação.

A partir daí, o problema poderia residir, ultima ratio, na entidade que assinou concretamente a guia.

Recordando o respectivo modelo, considere-se, por hipótese, que a guia fora assinada pelo Chefe do Gabinete do Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças.

Atendendo, quiçá, à posição tutelar do Ministério perante a empresa submetida a processo de privatização em 1998, que dentro em pouco se revelará, concluir-se-ia pela admissibilidade dessa assinatura.

Pode inclusivamente admitir-se que a emissão resultasse neste ponto ferida de mera incompetência relativa, gerando simples anulabilidade, susceptível de ratificação pelo órgão competente, quando não sanada, entretanto, pelo decurso do prazo de recurso contencioso ([61]).

Trata-se, por consequência, de aspecto acerca do qual o Conselho, por insuficiência de elementos de avaliação, deve limitar-se a um juízo prudencial.


8. Como quer que seja, após a recepção da guia a Tabaqueira abandona o argumento de recusa da integração com ela relacionado.

Passando a sustentar a não sujeição da empresa – entrementes transformada em sociedade anónima – aos poderes de tutela administrativa consubstanciados no Despacho Normativo nº 165/77 e nos Despachos governamentais de 6 de Março de 1978 e 19 de Outubro de 1981.

O que remete a investigação para uma segunda vertente da problemática colocada à apreciação desta instância consultiva: a transformação da Tabaqueira em sociedade anónima, num primeiro momento, e a sua ulterior privatização.

Ver-se-á nuclearmente que a obrigação de integração do trabalhador a que se refere a consulta, radicada na esfera jurídica da empresa pública, conforme a visão desenhada nas páginas antecedentes, veio afinal a persistir na esfera da sociedade comercial em que aquela se converteu.


V

1. A conversão foi com efeito operada pelo Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março – em vigor no dia imediato ao da publicação (artigo 10º) -, que aprovou os Estatutos da sociedade anónima, anexos ao diploma (artigo 5º, nº 1).

Dispõe efectivamente o artigo 1º:

«Artigo 1º - 1- A empresa pública Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, E.P., criada pelo Decreto-Lei nº 503-G/76, de 30 de Junho, é transformada, pelo presente diploma, em sociedade anónima de capitais maioritamente públicos, com a denominação de Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, S.A.
2- A Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, S.A., rege-se pelo presente diploma, pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objecto da sociedade, pelas normas reguladoras das sociedades anónimas e pelos seus estatutos.»

O teor do nº 1 do artigo 2º é, por sua vez, o seguinte:

«Art. 2º -1 – A Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, S.A., sucede automática e globalmente à empresa pública Tabaqueira – Empresa Industrial de Tabacos, E.P., e continua a personalidade jurídica desta, conservando todos os direitos e obrigações integrantes da sua esfera jurídica no momento da transformação.»

Anote-se, a propósito, que o Decreto-Lei nº 117/91 surge «no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 11/90, de 5 de Abril» - «Lei Quadro das Privatizações»-, cujos artigos 1º e 4º dispunham justamente:

«Artigo 1º
Âmbito

A presente lei aplica-se à reprivatização da titularidade ou do direito de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974, nos termos do nº 1 do artigo 85º da Constituição.

«Artigo 4º
Transformação em sociedade anónima

1. As empresas públicas a reprivatizar serão transformadas, mediante decreto-lei, em sociedades anónimas, nos termos da presente lei.
2. O diploma que operar a transformação aprovará também os estatutos da sociedade anónima, a qual passará a reger-se pela legislação comum das sociedades comerciais em tudo quanto não contrarie a presente lei.
3. A sociedade anónima que vier a resultar da transformação continua a personalidade jurídica da empresa transformada, mantendo todos os direitos e obrigações legais e contratuais desta.»

Nos termos dos preceitos citados, a sociedade anónima Tabaqueira sucede, pois, «automática e globalmente» à empresa pública com a mesma denominação, «e continua a personalidade jurídica desta, conservando todos os direitos e obrigações integrantes da sua esfera jurídica» ([62]).

E entre estes, decerto, posto que nenhuma restrição se introduz na ampla fórmula de transformação utilizada, a obrigação de integração do trabalhador que subjaz à consulta.

Interessa, ademais, registar que o Decreto-Lei nº 117/91 confere ao Ministério das Finanças atribuições de representação dos interesses estaduais na sociedade, adjudicando aos respectivos órgãos as competências indispensáveis à sua prossecução.

Assim, o nº 1 do artigo 3º consigna que as «acções representativas do capital subscrito pelo Estado serão detidas pela Direcção-Geral do Tesouro», resultando expressamente do nº 2 que «os direitos do Estado, como accionista da sociedade, são exercidos por um representante designado por despacho do Ministro das Finanças».

Acresce que, «sem prejuízo do disposto na lei comercial quanto à prestação de informação aos accionistas, o conselho de administração enviará ao Ministro das Finanças, pelo menos 30 dias antes da data da assembleia geral anual: a) o relatório de gestão e as contas do exercício; b) quaisquer elementos adequados à compreensão integral da situação económica e financeira da empresa, eficiência da gestão e perspectivas da sua evolução» (artigo 7º, nº 1).

Ainda, o «conselho fiscal enviará trimestralmente ao Ministério das Finanças um relatório sucinto em que se refiram os controlos efectuados, as anomalias detectadas e os principais desvios em relação às previsões» (nº 2).

Configura-se deste modo uma posição do Estado em matéria de informação societária que transcende compreensivelmente a que resultaria da sua estrita condição de accionista, embora maioritário, à face, por exemplo, dos artigos 288º e segs. do Código das Sociedades Comerciais, recém-aprovado pelo Decreto-Lei nº 262/86, de 2 de Setembro, em vigor, na sua quase integralidade, a 1 de Novembro seguinte (artigo 2º).


2. Operada, pois, a transformação da empresa pública em sociedade anónima a 22 de Março de 1991, nos termos expostos, assiste-se seguidamente à reprivatização da Tabaqueira, iniciando-se um processo político-legislativo que se afigura ainda hoje não finalizado.

Convém passar em breve revista os marcos fundamentais desse percurso.


2.1. Em 15 de Julho de 1995 foi publicado o Decreto-Lei nº 167/95, aprovando, consoante reza o sumário da folha oficial, «a alienação, em duas fases, da totalidade das acções representativas do capital social» da Tabaqueira, S.A.

Este diploma reveste sobretudo valor histórico, assumindo por isso interesse lateral no seio da consulta, posto que, sujeito a apreciação parlamentar nos termos do artigo 172º da Constituição, foi-lhe recusada ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 5/96, de 16 de Janeiro.

Subjacente à mesma terá estado «o propósito de permitir a dispersão em bolsa de uma parte do capital da sociedade», escopo que veio a ser acolhido «no programa de privatizações para 1996-1997, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 21/96, de 5 de Março, no qual se previu a transmissão do controlo accionista da Tabaqueira mediante concurso público e a manutenção pelo Estado de uma posição accionista a alienar ulteriormente por dispersão em bolsa ou pelo exercício de uma opção de venda» ([63]).

É o que na verdade pode ler-se na alínea ii), «Sector industrial», da Resolução acabada de citar:

«(...)
«Relativamente à Tabaqueira, o controlo accionista será colocado à venda mediante concurso público, a realizar durante o corrente ano, reservando o Estado para si a manutenção de uma posição accionista que alienará ulteriormente, por dispersão em bolsa ou pelo exercício de uma opção de venda a incluir no caderno de encargos do referido concurso público.
«(...)»


2.2. E a previsão aufere, pouco mais de um mês volvido, uma primeira e essencial concretização, mercê da publicação do Decreto-Lei nº 63/96, de 28 de Maio, que aprovou o «processo de reprivatização do capital social» da Tabaqueira, S.A. – em vigor no dia imediato ao da publicação (artigo 22º).

A reprivatização processa-se através da «alienação, em três fases, da totalidade das acções representativas do capital social da Tabaqueira» (artigo 1º, nº 1).

Na primeira fase, procede-se «à alienação, por concurso público, de um bloco indivisível de acções» «representativas de uma percentagem não superior a 65% do capital social» (artigos 1º, nº 2, e 2º, nº 1).

Mas, o vencedor do concurso «fica obrigado a adquir as acções sobrantes da oferta pública de venda destinada ao público em geral» (objecto da segunda fase) «e da oferta pública de venda reservada a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes» (objecto da terceira fase) - artigo 2º, nº 4.

Por outro lado, durante o prazo de dois anos a contar do termo do 2º ano posterior à publicação da resolução do Conselho de Ministros que determine o vencedor do concurso, fica este também «obrigado a comprar ao Estado, se este pretender vender-lhe, todas as acções da Tabaqueira que não constituam objecto do concurso nem sejam destinadas à oferta pública de venda reservada a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes» (artigo 2º, nºs 5 e 6).

No caso de não ser exercida esta «opção de venda», «nem realizada a oferta pública de venda destinada ao público em geral, o concorrente vencedor poderá, no prazo de seis meses contado da caducidade da referida opção, comprar ao Estado as acções da Tabaqueira que não constituam objecto do concurso nem sejam destinadas à oferta pública de venda reservada a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes, ficando o Estado obrigado a proceder à sua venda» (artigo 2º, nº 7).

Consistindo, pois, a reprivatização da Tabaqueira, exclusivamente, na alienação pelo Estado da totalidade das participações no capital social da sociedade anónima, interessa aludir ao regime de indisponibilidade a que fica sujeita a maior parte das acções transmitidas.

Desde logo, as acções correspondentes a 51% do capital adquiridas no âmbito do concurso público – e bem assim as adquiridas por virtude de direitos de incorporação ou no exercício de direitos de subscrição àquelas inerentes - «são, em qualquer circunstância, indisponíveis por um prazo de cinco anos contado da data de publicação da resolução do Conselho de Ministros que determine o vencedor do concurso» (artigo 3º, nºs 1 e 2).

Ora, que vectores fundamentais definem o aludido regime de indisponibilidade?

Rege ao respeito o artigo 4º.

Em primeiro lugar, as acções não podem «ser oneradas» nem constituir «objecto de negócios jurídicos que visem a transmissão da respectiva titularidade, ainda que com eficácia futura, nomeadamente contratos-promessa e contratos de opção» (nº 1).

Os seus titulares ficam, em segundo lugar, interditos de participar com essas acções em sindicatos de voto (nº 2).

É vedado, em terceiro lugar, o exercício por interposta pessoa dos direitos de voto inerentes às mesmas (nº 3).

Fulminam-se, por último, com a sanção da nulidade os negócios celebrados em violação das proibições (nº 6).

Todavia, os Ministros das Finanças e da Economia podem, mediante despacho conjunto, a requerimento dos interessados, «autorizar a celebração dos negócios previstos nos nºs 1 e 2 entre membros do agrupamento ou entre estes e terceiros», desde que preenchidos determinados condicionalismos técnico-financeiros e sempre sem prejuízo da «realização dos objectivos da reprivatização (nº 4).

Eis, por conseguinte, um novo poder de intervenção do Ministro das Finanças que só os interesses gerais da economia nacional permitem compreender.

A posição accionista do Estado só por si mal justificaria a concessão desse poder, e muito menos para ser exercido durante todo o período de cinco anos da indisponibilidade, mesmo que o Estado tenha perdido entretanto aquela qualidade.

Resta anotar que os termos e condições do concurso público e operações conexas constam, segundo o nº 1 do artigo 9º, «de um caderno de encargos a aprovar pela resolução do Conselho de Ministros relativa à primeira fase do processo de privatização referida no artigo 2º», cujas especificações em abstracto se definem nos nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 9º.

Tratou-se precisamente da Resolução nº 111/96, de 26 de Julho, seguidamente referenciada.

Alguns meses depois estava concluído o concurso público, tendo sido proclamado o concorrente vencedor pela Resolução do Conselho de Ministros nº 195-A/96, de 23 de Dezembro.

Na segunda fase da reprivatização procede-se «à alienação, preferencialmente através de oferta pública de venda destinada ao público em geral ou, em alternativa, do exercício de uma opção de venda [artigo 2º, nº 5], das acções que não constituam objecto do concurso público nem sejam destinadas à aquisição para trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes» (artigos 1º, nº 3, e 6º, nºs 1 e 2).

Mas a segunda fase não pode «ocorrer nos dois anos subsequentes à publicação de resolução do Conselho de Ministros que determine o vencedor do concurso» (artigo 6º, nº 1).

As eventuais «decisões de lançamento da oferta pública de venda destinada ao público em geral ou de exercício da opção de venda referida no nº 2 do artigo 6º e a fixação das respectivas condições serão tomadas pelo Conselho de Ministros mediante resolução» (artigo 10º).

Foi neste sentido editada a Resolução nº 103/99, de 13 de Setembro, a que dentro de momentos se aludirá, mediante a qual o Governo se decidiu pelo «exercício da opção de venda de um lote de 2 500 000 acções representativas de 25% do capital da Tabaqueira (nº 1).

Por último, a terceira fase visa «a alienação de acções representativas de uma percentagem não superior a 20% do capital social da Tabaqueira através de oferta pública de venda reservada a trabalhadores, pequenos subscritores e emigrantes» (artigos 1º, nº 4 e 7º, nºs 1, 2 e 3).

É, aliás, de salientar que, para efeitos do Decreto-Lei nº 63/96 e de acesso, designadamente, à participação no capital em sede da terceira fase, se consideram «trabalhadores», conforme o nº 3 do artigo 7º, «as pessoas referidas no artigo 12º da Lei nº 11/90, de 5 de Abril» ([64]).

Ou seja, nos termos do nº 1 deste normativo da Lei Quadro, os «trabalhadores ao serviço da empresa a reprivatizar, bem como aqueles que hajam mantido vínculo laboral durante mais de três anos com a empresa pública ou com as empresas privadas cuja nacionalização originou esta empresa pública», aos quais, efectivamente, se reconhece à partida o «direito, independentemente da forma escolhida para a reprivatização, à aquisição ou subscrição preferencial de acções, podendo, para o efeito, atender-se, designadamente, ao tempo de serviço efectivo por eles prestado».

Observe-se que bem pode ser este o caso do trabalhador cuja integração na Tabaqueira vem questionada, recordando nomeadamente as relações de grupo, na perspectiva das situações laborais, inicialmente evocadas a propósito da nacionalização e da teleologia de Despacho normativo nº 165/77 (supra, II, 1. e 3.).

Fechado o parêntesis, é mister fazer notar ainda o seguinte, no tocante à terceira fase do processo de reprivatização.

As acções adquiridas nesta terceira fase ficam também em situação de indisponibilidade durante seis meses a contar da sessão especial de bolsa destinada a apurar os resultados da oferta (artigo 8º, nºs 1 e 2), sendo o respectivo regime, com variantes, análogo ao regime de indisponibilidade das acções adquiridas no concurso público definido no artigo 4º (artigo 8º, nºs 3 a 7).

As condições de aquisição destas acções na terceira fase da reprivatização são igualmente definidas por resolução do Conselho de Ministros (artigo 11º), tendo neste sentido sido editada a Resolução nº 125/99, de 26 de Outubro, na sequência, aliás, da Resolução nº 103/99, que havia anticipado a alienação na terceira fase, através de uma oferta pública de venda, de 1 000 000 de acções correspondentes a 10% do capital (nºs 4 e 5).

E a rematar o exame do Decreto-Lei nº 63/96, resta aludir ainda a aspectos traduzindo privilégios do Estado ou supremacia dos poderes públicos precipitados em preceitos avulsos.

Enquanto o Estado for titular de acções em percentagem igual ou superior a 5% do capital social da Tabaqueira – por outras palavras, dir-se-–ia, pelo menos no nível das minorias a que a lei confere protecção, não obstante menos qualificada - as deliberações de alteração do contrato, maxime de aumento ou redução do capital, fusão, cisão, transformação ou dissolução da sociedade – as quais, observe-se, segundo a lei geral carecem de especial quorum constitutivo e de aprovação por maioria qualificada, quer em primeira quer em segunda convocação como regra (artigos 383º e 386º, do Código das Sociedades Comerciais) -, tais deliberações da assembleia geral da Tabaqueira «só se consideram tomadas com o voto favorável do Estado» (artigo 14º).

Segundo aspecto. Nos termos do artigo 5º da Lei nº 11/90 - «Lei Quadro das Privatizações» -, o processo de reprivatização «será sempre precedido de uma avaliação, feita, pelo menos, por duas entidades independentes, escolhidas de entre as pré-qualificadas em concurso realizado para o efeito».

No caso da Tabaqueira o conselho de administração emite parecer sobre o valor da empresa fundando-se nessas avaliações, submetendo-o à apreciação do Ministro das Finanças (artigo 17º).

Acrescente-se que, para «a realização das operações de reprivatização» previstas e reguladas no diploma em análise «são delegados» no mesmo membro do Governo, «com a faculdade de subdelegar no Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, os poderes bastantes para determinar as demais condições acessórias que se afigurem convenientes, designadamente para celebrar, por ajuste directo, os contratos referentes à montagem das referidas operações» (artigo 18º).


2.3. Se o Decreto-Lei nº 63/96, de 25 de Maio, constituiu primacial concretização do projecto de reprivatização da Tabaqueira, pode dizer-se que os passos decisivos foram ensaiados mediante as Resoluções do Conselho de Ministros que se propuseram regular as diferentes fases do respectivo processo.

Excederia no entanto as exigências da consulta o exame detalhado desses instrumentos.

Limitar-nos-emos, pois, a evidenciar atribuições e competências aí conferidas nomeadamente às instâncias do Ministério das Finanças, as quais, em conjugação com providências similares que vêm de se recensear, de algum modo contribuem para melhor compreender a sua posição perante a Tabaqueira em reprivatização.

Na Resolução nº 111/96, de 26 de Julho, relativa à primeira fase, uma simples leitura do caderno de encargos imediatamente revela o papel predominante que lhe foi atribuído no âmbito do concurso público.

Vejamos exemplificativamente.

O presidente do júri é o Inspector-Geral de Finanças, sendo o secretário designado dentro da Inspecção-Geral, cujo pessoal presta, ademais, apoio técnico ao funcionamento do órgão (artigo 5º, nºs 1, 2 e 3).

O depósito de 30 000 contos previsto no artigo 7º, nº 2, deve ser efectuado à ordem da Direcção-Geral do Tesouro, revertendo para esta se o interessado não apresentar proposta ou vier a ser excluído (nº 3).

A carta/proposta dos concorrentes é endereçada ao Ministro [artigo 8º, nº 1, alínea a)].

A caução de 100 000 contos pode ser constituída por depósito à ordem da Direcção-Geral do Tesouro (artigo 10º, nº 1), revertendo a favor desta em determinadas hipóteses (nºs 2 e 3).

A entrega das propostas e o acto público da abertura e admissão tem lugar na Inspecção-Geral de Finanças (artigo 12º, nº 1, e 14º, nº 1).

Das decisões sobre reclamações contra a admissão ou exclusão de propostas cabe recurso para o Ministro das Finanças (artigos 19º e 20º).

Determinados poderes de controlo relativamente a uma série de actos a praticar pelos concorrentes, tais como os aludidos aos artigos 25º, nºs 1 e 4, 32º, nº 3, 34º, 36º, nº 3, 38º, nº 3, 41º, nº 2, são explicitamente atribuídos ao Gabinete do mesmo Ministro.

Durante cinco anos, note-se, a contar da data da publicação da Resolução do Conselho de Ministros nº 195-A/96, de 23 de Dezembro – que homologou, como sabemos, os resultados do concurso determinando o concorrente vencedor -, «a Tabaqueira obriga-se a requerer aos Ministros das Finanças e da Economia autorização para executar medidas estruturais susceptíveis de conduzirem a reduções significativas da produção da sua unidade fabril» (artigo 40º, nº 1).

Perante a inobservância da injunção, pode o Estado, mediante despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Economia, «obrigar a Tabaqueira e repor, no prazo fixado nesse despacho, a situação existente antes da execução» (nº 2).

E no caso de incumprimento desta obrigação, ou se não for possível a reposição da situação no estado anterior, «a Tabaqueira ficará sujeita a uma sanção pecuniária», a fixar por despacho conjunto dos mesmos membros do Governo (nº 3), a qual «não poderá ser inferior a 500 000 contos nem superior a 10% das vendas líquidas da Tabaqueira relativas ao ano anterior» (nº 4).

Também na Resolução nº 103/99, de 13 de Setembro, relativa à segunda fase e providenciando já quanto à terceira, vamos encontrar definidos poderes de controlo do Ministro das Finanças (nº 16 do articulado) e especificamente do seu Gabinete (cfr., v.g., os artigos 4º, nº 2, e 7º, nºs 1 e 3, do caderno de encargos).


2.4. Ora, como qualificar as atribuições e competências do Ministério das Finanças em face da Tabaqueira precedentemente inventariadas?

Propendemos a pensar, salvo melhor opinião, que se trata de tutela administrativa.

Na verdade, entende-se por tutela administrativa «o poder conferido ao órgão de uma pessoa colectiva de intervir na gestão de outra pessoa colectiva autónoma – autorizando ou aprovando os seus actos ou, excepcionalmente, modificando-os, revogando-os ou suspendendo-os, fiscalizando os seus serviços ou suprindo a omissão dos seus deveres –, no intuito de coordenar os interesses próprios da entidade tutelada com os interesses mais amplos representados pelo órgão tutelar» ([65]).

Ou noutra acepção, mais sinteticamente, o «conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva pública na gestão de outra pessoa colectiva, a fim de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação» ([66]).

A tutela administrativa pressupõe, pois, a «existência de duas pessoas colectivas distintas: a pessoa colectiva tutelar, e a pessoa colectiva tutelada.

Uma, a pessoa colectiva tutelar, é necessariamente pública. Já a entidade tutelada será igualmente pública na maior parte dos casos, mas pode ser uma pessoa colectiva privada. Há «leis que o impõem e a Constituição não o impede».

Por outro lado, os poderes de tutela são «poderes de intervenção na gestão» da pessoa colectiva.

O fim da tutela administrativa é «assegurar, em nome da entidade tutelar, que a entidade tutelada cumpra as leis em vigor» e «garantir que sejam adoptadas soluções convenientes e oportunas para a prossecução do interesse público».

Afigura-se bem que todos estes caracteres gerais se reflectem na intervenção do Estado sobre a gestão da Tabaqueira em privatização, consubstanciada no exercício por órgãos do Ministério das Finanças dos aludidos poderes.

Prossiga-se, contudo, um pouco mais.

Segundo o critério do fim concebe-se numa modalidade de tutela que visa aferir da legalidade da decisão na pessoa jurídica tutelada, da sua conformidade à lei (tutela de legalidade); ao lado de outra modalidade que procura indagar do mérito, ou seja, de saber se a decisão, abstraindo da sua legalidade, é ou não conveniente e oportuna, correcta ou incorrecta, dos pontos de vista administrativo, técnico, financeiro, etc.([67]).

Quanto ao conteúdo distinguem-se, por seu turno, três espécies de tutela.

A tutela «correctiva», tendente a corrigir os eventuais inconvenientes resultantes do conteúdo dos actos projectados ou decididos pelos órgãos tutelados.

A tutela «inspectiva», traduzindo o poder de fiscalizar órgãos e serviços de ente jurídico tutelado, para o efeito de promover a aplicação de sanções por ilegalidade ou má gestão.

A tutela «substitutiva» ou «supletiva», que consiste no poder conferido à autoridade tutelar de suprir as missões do órgão tutelado, praticando em seu lugar os actos devidos.

A doutrina sentiu, aliás, a necessidade de autonomizar, dentro dessas categorias, determinadas conformações que a tutela pode apresentar, a demandarem tratamento específico.

Num dos mais significativos reflexos dessa atitude dogmática distinguem-se, efectivamente, no conteúdo da tutela «correctiva», de um lado, os poderes de autorização ou aprovação dos actos do ente tutelado – configurando-se no primeiro caso uma tutela a priori, e uma tutela a posteriori no segundo ([68]).

De outro lado, os poderes de revogação, modificação ou suspensão dos actos da entidade sujeita a tutela, falando-se a este propósito de tutela «revogatória» - «o poder de revogar os actos administrativos praticados pela entidade tutelada», que só «excepcionalmente existe, na tutela administrativa» ([69]).

Também neste plano os poderes conferidos ao Ministro das Finanças e a outros órgãos do mesmo departamento pelos diplomas de privatização oferecem significativos exemplos das modalidades de tutela que acabam de se enunciar.

Refiram-se paradigmaticamente duas situações.

Em primeiro lugar, um caso de tutela correctiva/integrativa a propósito dos poderes de autorização de negócios abrangidos no regime de indisponibilidade de acções reprivatizados, a que alude o nº 4 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 63/96, tutela que se vai prolongar por um período de cinco anos a contar de 23 de Dezembro de 1996, data da publicação da Resolução nº 195-A/96, que determinou o concorrente vencedor do concurso público (artigo 3º, nº 1; cfr. supra, 2.2.).

E isto sem falar dos poderes gerais atribuídos pelo artigo 18º do mesmo diploma (supra 2.2.).

Em segundo lugar, as diversas hipóteses contempladas no artigo 40º do caderno de encargos anexo à Resolução nº 111/96 (supra, 2.3.) de tutela correctiva/integrativa a priori (nº 1), de tutela, quiçá, revogatória (nº 2) e de tutela sancionatória (nºs 3 e 4), previstos igualmente para um prazo de cinco anos com início em 23 de Dezembro de 1996 (artigo 40º, nº 1).

Acrescem as competências no âmbito do concurso público – em que sobressaem poderes revogatórios ad quem do Ministro das Finanças – e de controlo inspectivo do Gabinete deste membro do Governo, há pouco referenciadas no caderno de encargos da mesma Resolução e no articulado e caderno de encargos da Resolução nº 103/99 (supra, 2.3.).

Viu-se, inclusivamente, que determinadas prerrogativas do Ministério das Finanças em representação dos interesses estaduais na Tabaqueira dificilmente se podem explicar em razão da qualidade de accionista do Estado estritamente, à luz da normação geral relativa às sociedades anónimas – cfr. v.g., o artigo 7º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 117/91 (supra, 1.), e o veto configurado no artigo 14º do Decreto–Lei nº 63/96 (supra, 2.2.).

Ainda nesta perspectiva se apresentam os quadros da tutela administrativa – vocacionada para a conformação de interesses sectoriais com os interesses gerais – construtivamente adequados à compreensão dos aludidos privilégios.

VI


1. A inteligência do parecer aconselha neste passo da investigação um momento de ordenação e síntese perspectivando os poderes em apreço numa tónica temporal com relevo na consulta.

O processo de reprivatização da Tabaqueira foi concebido por lei para se desenvolver ao longo de determinado período.

Para os fins que nos interessam é relativamente secundária a questão de saber qual o instante de início desse processo, que tanto poderia, em princípio, reportar-se à publicação ou entrada em vigor do Decreto-Lei nº 63/96, como ao arranque da primeira fase com a publicação da Resolução do Conselho de Ministros de abertura do concurso público.

Decisiva, porém, quanto à concreta duração do processo - já se deixou entrever – é a publicação da Resolução nº 195-A/96, de 23 de Dezembro de 1996, que determinou o concorrente vencedor.

Imediatamente, porque vai condicionar a alienação do bloco indivisível de acções representativas de 65% do capital da Tabaqueira, que remata a primeira fase, e a abertura das fases subsequentes.

Ora, a execução da segunda fase iniciou-se em 13 de Setembro de 1999, com a publicação da respectiva Resolução nº 103/99.

Esta inseria já disposições relativas à terceira fase, a qual, porém, apenas arrancou em 26 de Outubro seguinte, mercê da publicação da Resolução nº 125/99.

Isto por um lado.

Por outro lado, é ainda da mesma data de 23 de Dezembro de 1996 que se contam determinados prazos de sobressaliente influência na dinâmica da privatização.

Desde logo, o prazo de dois anos para o início da segunda fase (artigo 6º, nº 1, do Decreto-Lei nº 63/96; supra, 2.2.).

Depois, o prazo de cinco anos de indisponibilidade das acções (artigos 3º, nº 1, e 4º, do mesmo diploma; supra, 2.2.).

E também, por exemplo, o prazo de cinco anos durante os quais fica dependente de autorização conjunta dos Ministros das Finanças e da Economia a adopção pela Tabaqueira de medidas estruturais de redução significativa da produção (artigo 40º do caderno de encargos anexo à Resolução do Conselho de Ministros nº 111/96; supra, 2.3.).

Os dois últimos prazos indicados apenas se consumarão – admitindo a inaplicabilidade ao caso das alíneas b) e c) do artigo 72º do Código do Procedimento Administrativo – em 23 de Dezembro de 2001, mantendo-se, por conseguinte, até essa data os poderes tutelares que lhes vão implicados.


2. Posto isto, rememorem-se os eventos de fins de 1997/1998 imediatamente anteriores e posteriores à emissão e apresentação da guia na Tabaqueira (supra, III, 2.), em relação com a fenomenologia da reprivatização tutelada pelo Ministério das Finanças na mesma altura – tinha sido decidido o concurso público e determinado o vencedor; estavam em curso os prazos a que acabámos de aludir.

A posição tutelar do Ministério – e da Secretaria de Estado do Tesouro e das Finanças – perante a Tabaqueira em reprivatização explica presumivelmente que, praticado o acto nuclear de verificação pelo órgão do Ministério da Economia competente, a concreta subscrição da guia visando a integração do trabalhador possa ter sido deferida por aquele órgão ao «Ministério da Tutela da Tabaqueira».

Tanto mais que o trabalhador sub iudicio se apresentava, como vimos, à luz do artigo 12º da Lei nº 11/90 e do artigo 7º do Decreto-Lei nº 63/96, potencialmente em condições de aceder à aquisição de acções da empresa objecto da terceira fase (supra, 2.2.).

Tal, pois, se bem se interpreta, o sentido da Nota Informativa nº 18/GJC/97, de 12 de Novembro de 1997, da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, e do despacho do Secretário de Estado da Indústria e Energia, de 20 do mesmo mês, oportunamente examinados (supra, III, 2.1.).

E daqui duas ilações.

A primeira relaciona-se com a competência para a subscrição da guia, já noutro momento antecipada (supra, IV, 7.).

A segunda diz respeito à tomada de posição do conselho de administração da Tabaqueira, S.A. perante o Secretário de Estado das Finanças e do Tesouro através da carta de 26 de Junho de 1998 (supra, III, 2.4.), cuja argumentação no sentido de exclusão da Tabaqueira da tutela do Estado se afigura, salvo melhor opinião, improcedente.

Primeiro, porque, não obstante a transformação da empresa pública em sociedade anónima, mediante o Decreto-Lei nº 117/91, e a privatização desencadeada pelo Decreto-Lei nº 63/96, a Tabaqueira fica efectivamente sujeita, como se mostrou, a tutela administrativa, nomeadamente do Ministério das Finanças, tutela que, aliás, ainda se mantém.

Segundo, porque não se trata de submeter agora inovatoriamente a sociedade anónima emergente da transformação e da reprivatização a poderes tutelares exercidos através do Despacho Normativo nº 165/77.

De facto, a obrigação de integração do trabalhador radicou-se na esfera jurídica da Tabaqueira quando era empresa pública, e a transformação não operou propriamente a extinção desta, posto que a sua personalidade jurídica continuou na forma da sociedade anónima, mantendo todos os direitos e obrigações que a integravam.

A esfera jurídica da Tabaqueira tão-pouco sofreu alteração nesse seu conteúdo pela reprivatização, pois a operação consistiu, exclusivamente, na mudança de titularidade das participações, do Estado para sujeitos privados ([70]).


VII
Do exposto se conclui:

1. A concepção e definição da lista nominal de trabalhadores da Sociedade Ultramarina de Tabacos, Lª (SUT) – prevista no nº 3º do Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho – a integrar na empresa pública Tabaqueira criada pelo Decreto-Lei nº 503-G/76, de 30 de Junho, em sequência da nacionalização operada no sector pelo Decreto-Lei nº 227-A/75, de 13 de Maio, deve ser qualificada como acto administrativo constitutivo – ou conjunto de actos admi-nistrativos, tantos quantas as situações individuais e concretas nela configuradas;

2. O processamento textual da lista nominal assume a natureza de mera operação material de execução, mediante a qual se deu observância à forma escrita do acto;

3. A guia, por seu turno, mediante a qual, nos termos do despacho interpretativo, de 6 de Março de 1978, do Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, se processa a integração na Tabaqueira dos trabalhadores constantes da lista nominal reveste a natureza de acto instrumental declarativo, da espécie das «verificações», com os efeitos ex tunc, em «retrotracção» à data da perfeição do acto, característicos da sua índole declarativa;

4. A competência originária para a emissão da guia radicava nos órgãos da Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras, do Ministério da Indústria e Tecnologia do II Governo Constitucional, havendo passado para os órgãos e departamentos que lhes sucederam no tempo, tal como o Ministério da Economia, em cuja Secretaria-Geral estava depositada a lista quando da entrega da guia referida na consulta em fins de 1997/1998;

5. Quer pelo princípio da imediatividade dos efeitos do acto constitutivo (artigo 127º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo), quer pelos efeitos ex tunc do acto declarativo da emissão da guia, os efeitos do acto aludido na conclusão 1. devem ser reportados ao momento da sua prática, em data que se desconhece entre a publicação do Despacho Normativo nº 165/77, e o Despacho interpretativo aludido na conclusão 3.;

6. Nesta data surgiu na esfera jurídica dos trabalhadores então incluídos na lista nominal, relativamente aos quais veio a ser emitida e entregue a guia, o direito à integração na Tabaqueira, e na esfera jurídica desta empresa pública a correlativa obrigação de os integrar;

7. Mercê da transformação em sociedade anónima pelo Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março, esta sucedeu automática e globalmente à empresa pública, continuando a sua personalidade jurídica e conservando todos os direitos e obrigações existentes na esfera jurídica da mesma, incluindo, portanto, a obrigação de integração referida na conclusão 6.

8. A reprivativação do capital social da Tabaqueira, por sua vez - desencadeada pelo Decreto–Lei nº 63/96, de 28 de Maio, e concretizada mediante as Resoluções do Conselho de Ministros que regularam as diferentes fases do processo -, consistindo exclusivamente na transmissão da titularidade das participações sociais, do Estado para sujeitos privados (artigo 1º do citado Decreto–Lei), tão-pouco envolveu alteração da esfera jurídica da Tabaqueira onde, por conseguinte, se mantém a obrigação de integração em apreço;

9. A situação do trabalhador a que se refere a consulta, titular dos requisitos aludidos no nº 1º do Despacho Normativo nº 165/77 e por isso incluído na lista nominal mencionada no nº 3º do Despacho do S.E.I.E.E.T., de 6 de Março de 1978, é subsumível em especial às anteriores conclusões 6., 7. e 8., devendo a Tabaqueira integrá-lo nos seus quadros de pessoal.


VOTOS


(Maria Fernanda dos Santos Maçãs) - Não votei o presente Parecer pelas razões que sumariamente se indicam.

I.

Relembremos os passos fundamentais da construção jurídica que é tecida no Parecer com reflexos nas conclusões ( 1ª, 3ª, 5ª, 6ª, e 9ª, na parte em que remete para a Conclusão 6ª ).

1. A tese central do Parecer assenta no pressuposto de que a “concepção e definição da lista nominal de trabalhadores da Sociedade Ultramarina de Tabacos, Lda. (SUT) - prevista no nº 3 do Despacho Normativo nº 165/77, de 30 de Julho – a integrar na empresa pública Tabaqueira (...) deve ser qualificada como acto administrativo constitutivo - ou conjunto de actos administrativos, tantos quantas as situações individuais e concretas nela configuradas” (Conclusão 1ª).

Segundo a mesma tese estamos, em suma, perante um acto administrativo constitutivo de direitos que integra a categoria dos denominados “actos plurais” que traduzem, no fundo, “decisões da Administração aplicáveis a pessoas diferentes”[1].

A propósito do hipotético acto de concepção e definição da referida lista considera-se no Parecer que :

“ houve, provavelmente, que proceder ao apuramento e identificação de cada um dos trabalhadores da SUT a integrar, à análise das respectivas situações pessoais e à tomada das decisões individuais prévias relativas à titularidade dos requisitos da nacionalidade portuguesa e do vínculo laboral àquela empresa na data do Despacho Normativo”, à prolação de decisões finais de inclusão na lista nominal[2].”

Lê-se ainda, no Parecer, que “o escopo da elaboração da lista é, pois, o de assegurar a integração de trabalhadores que possuam os requisitos postulados no nº 1”, sendo que, diz-se mais adiante, “o direito de integração dos trabalhadores e a correlativa obrigação de integração da Tabaqueira parecem emergir, nas respectivas esferas, se não por força do próprio acto normativo (...) pelo menos do acto de inserção da lista. E o concreto exercício do direito fica dependente, na óptica do Despacho Normativo, de oportuna verificação de inclusão na lista do titular em causa”[3].

O parecer admite desconhecer a data da elaboração da referida lista, dizendo-se expressamente que a mesma se situaria algures entre “a publicação do Despacho Normativo nº 165/77 - na sequência do qual foi elaborada a lista - e a emissão do Despacho interpretativo do S.E.I.E.T., de 6 de Março de 1978 – o qual induz que a lista estava elaborada” [4].

A arquitectura jurídica em que assenta o Parecer culmina com a consideração de que a “Guia”, prevista no nº 3 do Despacho do Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras (S.E.I.E.T.), de 6 de Março de 1978, reveste a natureza de acto instrumental declarativo, da espécie das «verificações», com efeitos ex tunc, em «retrotracção» à data da perfeição do acto, característicos da sua índole declarativa” (cfr. Conclusão 3 ª) [5].

As consequências lógicas desta tese constam das conclusões 5ª e 6ª, e 9ª, na parte em que remete para a 6ª, que são mero corolário da construção jurídica atrás referida.


2. Em nossa opinião, a argumentação seguida no Parecer - e toda a construção jurídica em que se fundamenta - não parece encontrar suficiente apoio nos despachos normativos que foram então emitidos para regular a situação.

Afigura-se, mesmo, como melhor será analisado, que algumas conclusões que se extraem no Parecer não se mostram conformes ao conteúdo dos mencionados despachos e são até infirmadas pela própria realidade dos factos, tal como ela nos é dada a conhecer, através da análise do processo que acompanhou o pedido de parecer.

Se não, vejamos:

3. Em primeiro lugar, todo o procedimento gizado em torno da concepção e definição da lista não encontra fundamento quer no Despacho Normativo
nº 165/77 quer no Despacho do Secretário de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras ( S.E.I.E.T.) de 6 de Março de 1978.

Note-se, que o artigo 3º do primeiro despacho se limita a dizer que “os trabalhadores abrangidos pelo presente despacho são os que constam de lista nominal depositada na Secretaria de Estado da Indústria Ligeira.”

Ou seja, segundo a letra do próprio despacho, afigura-se perfeitamente plausível admitir que a lista dos trabalhadores abrangidos pelo despacho já estaria elaborada e depositada na Secretaria de Estado da Indústria Ligeira.

Mesmo que assim não se entenda, o que se admite, na medida em que não se conhece o suporte documental da lista em causa, a verdade é que não vemos como possa inferir-se do artigo 3º do Despacho Normativo nº 165/77, ou mesmo da interpretação conjugada deste preceito com o disposto no seu artigo 1º, o quadro conceptual arquitectado a propósito da concepção e definição da lista nominal, com todas as suas implicações.


3.1.Esta dúvida é sobretudo dirigida à referência que é feita “à prolação de decisões finais de inclusão na lista nominal” com efeitos constitutivos.

Na verdade, não se vislumbra como possa alicerçar-se na economia do Despacho Normativo nº 165/77, tal como se afirma no Parecer, que “o escopo da elaboração da lista é, pois, o de assegurar a integração de trabalhadores que possuam os requisitos postulados no nº 1”.

Em primeiro lugar, esta afirmação parece colidir, desde logo, com o estatuído no número 3 do Despacho do S.E.I.E.T de 1978, quando este refere expressamente que “a integração dos trabalhadores da SUT na Tabaqueira terá que se fazer através de guia passada pela Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras”.

Esta mesma ideia é reafirmada no número 5 do mesmo despacho, quando estatui que “os efeitos da integração contam-se a partir do dia seguinte ao indicado na guia”.

Note-se aliás, que, não obstante a referida “Guia” ter surgido só em 1978 com o Despacho do S.E.I.E.T. de 1978, a integração dos trabalhadores já se processava através de emissão de guias, desde o Despacho Normativo nº 165/77.

Neste sentido, pode ler-se, no número 5 do Despacho do S.E.I.E.T. de 1978, que “os trabalhadores a quem foram até esta data passadas guias pela Secretaria de Estado da Indústria Ligeira consideram-se integrados a partir do dia seguinte ao da data constante das respectivas guias”.

Por outro lado, dos referidos despachos também nada se retira quanto à autoridade administrativa competente para a prolação da decisão final de inclusão na lista nominal e cuja assinatura deveria constar da lista.

Finalmente, o Parecer admite desconhecer a data da prática do acto de inclusão dos trabalhadores na lista, mas que se situaria, como pode ler-se na conclusão 5º do mesmo, “entre a publicação do Despacho Normativo nº 165/77 e o Despacho de 6 de Março de 1978”.

Assim sendo, segundo a tese do Parecer, temos um acto constitutivo de direitos (o acto de inserção na lista) desconhecendo-se o seu autor e data.

O Parecer não aborda esta circunstância, que se afigura essencial para completar a teorização que é feita sobre o referido acto administrativo.

3.2. O artigo 123º do Código do Procedimento Administrativo[6], sob a epígrafe “menções obrigatórias”, dispõe, no seu artigo 1º, que devem sempre constar do acto:

“a) A indicação da autoridade que o praticou e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;
b) ...
c) ...
d)...
e) ...
f) A data em que é praticado;
g) A assinatura do autor do acto ou do presidente do órgão colegial de que emane.”

Ora, como referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, a exigência de “indicação da autoridade que (...) praticou o acto (...) é um elemento indispensável da existência do próprio acto” [7].

E os mesmos autores concluem que “a decisão que não puder ser comprovada e inequivocamente imputada a uma autoridade administrativa, a um determinado órgão da Administração, não é acto administrativo”[8].

Também a assinatura do acto é tida como elemento essencial, pois “só com ela existe acto ou decisão administrativa: um acto muito perfeito, mesmo manuscrito e em papel timbrado é um nada jurídico, se faltar a assinatura do seu autor” [9].

Por conseguinte, sem estes elementos, torna-se difícil falar da existência de um acto administrativo constitutivo de direitos.

Por outro lado, a propósito da essencialidade da menção da data em que o acto é praticado, os mesmos Autores elencam as diversas projecções dessa menção sobretudo quanto “à determinação do início dos efeitos do acto (art.127º, nº 2), à contagem de prazos de caducidade ou prescrições a que esteja sujeito, ou dos prazos da respectiva notificação (art. 69º) ou publicação obrigatória ( art. 131º)” [10].

E acabam por considerar a menção da data como momento determinante da eficácia do acto[11].


3.3. Temos, por conseguinte, que nem do quadro jurídico que regula a situação nem do processo que acompanha o pedido de parecer a este corpo consultivo deriva qualquer informação quanto:

Eventual procedimento[12] a seguir quanto à aludida concepção e definição da lista nominal;
A autoridade administrativa responsável pela decisão final de inclusão na referida lista e à qual se pudesse imputar a autoria do acto constitutivo;
Quaisquer directivas quanto à eventual necessidade de publicitação da mesma;
Qualquer indicação quanto à data e assinatura do acto final constitutivo de direitos.

Assim sendo, à luz das disposições do Código de Procedimento Administrativo atrás mencionadas e da doutrina elaborada sobre as mesmas, não podemos deixar de concluir que a construção jurídica, seguida no Parecer, se defronta com dificuldades quer quanto à existência de um verdadeiro acto administrativo quer quanto a saber quando é que o hipotético acto começaria a produzir efeitos.

Por conseguinte e em suma, afigura-se que a Conclusão 1ª do Parecer, na parte em que refere que “a concepção e definição da lista nominal de trabalhadores (...) deve ser qualificada como acto administrativo constitutivo – ou conjunto de actos administrativos, tantos quantas as situações individuais e concretas nela configuradas”, não parece ter fundamento no Despacho Normativo nº 165/77.

4. Mas o efeito constitutivo que se pretende atribuir ao pretenso “acto de inclusão na lista”, com todas as consequências jurídicas que daí derivam, depara-se com outros problemas que importa considerar.

O Despacho do S.E.I.E.T. de 1978 veio dizer, no número 5, que a integração dos trabalhadores na Tabaqueira seria “processada através de guia passada pela Secretaria de Estado” e que os efeitos de integração se contariam “a partir do dia seguinte ao indicado nessa guia”.

Por conseguinte, o despacho é claro ao afirmar que a integração dos trabalhadores na Tabaqueira só começaria a produzir efeitos no dia seguinte ao indicado na guia.

Mais, mesmo para os trabalhadores que foram integrados entre o Despacho Normativo de 1977 e o de 6 de Março de 1978, veio dizer o número 5 deste último Despacho, como vimos, que tais trabalhadores se “consideravam integrados a partir do dia seguinte ao da data constante das respectivas guias”.

No entanto, na óptica do Parecer, a integração já se tinha consolidado nas esferas jurídicas dos trabalhadores visados, através do pretenso acto de inclusão na lista, fazendo-se tábua rasa do preceituado neste último despacho.

Ora, não tendo a construção doutrinal em que assenta o Parecer fundamento no Despacho Normativo nº 165/77, seja quanto ao carácter constitutivo do acto de inclusão na lista nominal, seja a propósito da natureza meramente declarativa da “Guia”, como melhor será analisado mais adiante, terá sempre de concluir-se pela prevalência do conteúdo do Despacho do S.E.I.E.T de 1978, apesar de se afirmar interpretativo[13] do Despacho Normativo de 1977.


5.Finalmente, cabe ainda perguntar como conciliar o carácter eventualmente constitutivo de direitos do “acto de inclusão na lista” com o estatuído no número dois do mesmo despacho quando refere que:

“Os trabalhadores abrangidos pelo presente despacho que estejam cumprindo contratos de trabalho com a SUT com prazo determinado deverão cumpri-lo integralmente, só lhes sendo assegurada a integração após o termo do contrato”.

Teríamos sempre que admitir, por conseguinte, pelo menos em relação aos trabalhadores abrangidos por esta situação, que a doutrina vazada no parecer não tem aplicação.

Afigura-se poder concluir, em suma, que, da leitura conjugada do Despacho Normativo nº 165/77 com a do Despacho do S.E.I.E.T. de 1978, o direito de integração dos trabalhadores e a correlativa obrigação de integração da Tabaqueira não emergem, nas respectivas esferas jurídicas, do acto de inserção da lista.


6. Acresce que mesmo a admitir-se que a construção jurídica do Parecer tivesse fundamento no Despacho Normativo nº 165/77 e Despacho do S.E.I.E.T. de 1978, ainda assim essa construção dificilmente se adaptaria à situação concreta do trabalhador, cujo pedido de integração na Tabaqueira originou o presente Parecer.

Com efeito, resulta do processo, e é afirmado no Parecer, que o referido trabalhador continuou a trabalhar em Angola na SUT até Setembro de 1980. [14]

Por conseguinte, apesar de o nome do trabalhador em causa constar da lista a que se refere o artigo 3º do Despacho Normativo nº 165/77, tudo parece apontar no sentido de que o trabalhador terá continuado o seu contrato até 1980.

Assim sendo, será legítimo concluir, como se pode ler no Parecer[15], que o direito à integração do referido trabalhador se radicou na sua esfera jurídica em data que se desconhece, mas que se situa ente 1977 e 1978, só pelo facto de o seu nome constar da referida lista, quando se sabe ter ele estado a trabalhar na SUT até 1980 ?


7. Por fim, afigura-se igualmente que “a natureza de acto instrumental declarativo” imputada no Parecer (Conclusão 3ª) à “Guia”, regulada nos números 3 e 5 do Despacho do S.E.I.E.T. de 1978, não parece conformar---se com o regime que resulta da leitura conjugada dos despachos normativos em causa.

Os actos com efeitos meramente declarativos são aqueles cujo conteúdo reside na “constatação da (in)existência de um facto (de uma qualidade pessoal ou material ou de uma situação jurídica) e na declaração correspondente, esgotando-se nisso o seu efeito próprio e directo”.

Temos, por conseguinte, que nos actos declarativos “ não há decisão nem inovação jurídica: declaram o que existe (ou não existe) já”, pelo que “o seu conteúdo não cria, não modifica ou extingue o que quer que seja [16]”.

A função deste tipo de actos está em introduzir (ou recusar introduzir) “uma certeza ou fé pública sobre a ocorrência de um certo facto ou a existência de uma certa qualidade”[17].

No entanto, alguns autores consideram que apesar de tudo os denominados actos de verificação inovam no “seio do ordenamento jurídico ao tornar certa e incontestável, no uso de um poder de autoridade, a situação que enunciam, a qual já existia, mas não revestida de imperatividade”[18].

Assim sendo, segundo GIANNINI[19], este acto, apesar de declarativo, tem efeitos constitutivos. No seu entender, o acto cria efectivamente alguma coisa, que é a obrigação de assumir como certeza o enunciado do acto.

Por outro lado, a doutrina põe em relevo, além dos actos puramente declarativos, os denominados actos “declarativos de efeitos constitutivos” e são assim porque embora apenas incorporem uma declaração ou constatação administrativa, a lei associa-lhes “directamente a produção de um determinado efeito jurídico-administrativo inovador”[20].


No caso em análise, a referida “Guia” tem, de facto, uma dimensão declarativa que resulta do próprio teor do número 3 do Despacho do S.E.I.E.T. de 1978.

Aí se refere que a integração dos trabalhadores da SUT na Tabaqueira se processaria através de guia “emitida perante documento do estabelecimento industrial de que provém o trabalhador e após a verificação de que o respectivo nome consta da lista referida no artigo 3º do Despacho Normativo nº 165/77.”

A questão está em saber se além desta natureza declarativa, não será de imputar-lhe outro efeito e outra natureza.

Ora, no caso em apreço, pelas razões que serão melhor analisadas mais adiante, decorre da leitura conjugada do Despacho do S.E.I.E.T. de 1978 e do Despacho Normativo nº 165/77 que a “Guia”, em causa, não tem apenas o efeito de verificar ou certificar que os trabalhadores observam as condições pré-fixadas para serem integrados na Tabaqueira.

Por outro lado, segundo o estatuído no número 5 do Despacho do S.E.I.E.T., “os efeitos de integração contam-se a partir do dia seguinte ao indicado nessa guia”. Isto é, o referido preceito associa claramente à emissão da guia[21] o início da contagem dos efeitos da integração dos trabalhadores, o que não é tido em conta na lógica da construção seguida no Parecer.

II.

Entretanto, em nossa opinião, o quadro jurídico acabado de referir e a factualidade que acompanha o pedido de parecer é susceptível de acolher outra leitura.

1. A primeira questão a resolver é a de saber se a integração dos trabalhadores na Tabaqueira se efectiva ou não de forma automática através do Despacho Normativo nº 165/77.

Em segundo lugar, importa identificar que tipo de direito emerge para o universo de trabalhadores abrangidos pelo referido despacho.

Ora, quanto à primeira questão, afigura-se que a interpretação literal[22] do Despacho Normativo nº 165/77 aponta no sentido inequívoco de que a integração não é automática.

Repare-se que o teor do artigo 1º do mencionado despacho é claro quando refere “serão integrados na Tabaqueira (...)”.

Por sua vez, o artigo 3º limita-se a dizer que “os trabalhadores abrangidos pelo presente despacho são os que constam de lista nominal depositada (...).”

Outra seria a solução se o preceito afirmasse: “são ou consideram-se integrados na Tabaqueira os trabalhadores que constam da lista nominal referida no artigo 3º ”.

Também em vários números do Despacho do S.E.I.E.T. de 1978 se retira com clareza a mesma ideia.

Veja-se, desde logo, o número 3, quando dispõe que “a integração dos trabalhadores (...) terá que se fazer através de guia (...)”.

Contra o efeito de integração automática mostra-se inequivocamente o número 5 do mesmo Despacho, em dois momentos essenciais.

Quer quando estatui que “os efeitos de integração contam-se a partir do dia seguinte ao indicado” na guia, quer quando dispõe que “os trabalhadores a quem foram até esta data passadas guias pela Secretaria de Estado da Indústria Ligeira consideram-se integrados a partir do dia seguinte ao da data constante das respectivas guias”.

O que decorre do artigo 1º Despacho Normativo nº 165/77 é que o mesmo visa reconhecer, em abstracto, aos trabalhadores, constantes da lista referida no artigo 3º, o direito a requerer a integração na Tabaqueira-Empresa Industrial de Tabacos, E.P.

Tal direito será exercido ou não em concreto por cada trabalhador, já que parece assumir a natureza de direito potestativo[23], cujo exercício legítimo depende da verificação dos demais pressupostos constantes dos despachos em causa.

A manifestação de vontade assume aqui um papel fundamental, uma vez que os trabalhadores podiam constar da lista e, neste sentido, ser abrangidos pelo direito a requerer a integração e, no entanto, por razões diversas, renunciar posteriormente a esse direito.

Neste contexto, o papel da lista referida no artigo 3º do Despacho Normativo nº 165/77 traduz-se tão só em delimitar o universo dos trabalhadores abrangidos pelo direito conferido pelo artigo 1º do mesmo diploma.

Por conseguinte, o direito de cada trabalhador a ser integrado na Tabaqueira não resulta do próprio despacho, nem da lista referida no seu artigo 3º, pelas razões expostas nos pontos I. e II .


2. Atentas as disposições conjugadas constantes do art. 1º do Despacho Normativo nº 165/77 e dos números 3 e 5 do Despacho do S. E. I. E.T. de 1978, o direito à integração na Tabaqueira não pode emergir nas esferas jurídicas individuais dos trabalhadores antes da manifestação da sua vontade nesse sentido e só pode ser concretizado após a emissão da “Guia”.

Assim sendo, a guia regulada nos números 3 e 5 do Despacho do S.E.I.E.T de 1978 afigura-se de estrutura complexa, assumindo simultâneamente natureza verificativa e constitutiva.

Antes da obtenção da “Guia” o trabalhador tem direito a ser integrado na Tabaqueira, mas tal direito só se concretiza na sua esfera jurídica após o seu pedido e consequente emissão da referida guia, passando a impender sobre a Tabaqueira a obrigação de o integrar. Os efeitos da integração contam-se a partir do dia seguinte ao indicado na guia.

Estas são, em suma, as razões pelas quais dissentimos e não podemos acompanhar as Conclusões 1ª, 3ª, 5ª, 6ª, e 9ª, na parte em que remete para a Conclusão 6ª.

III.

Outra ordem de questões que nos levam a emitir este voto prende-se com dúvidas que o presente caso suscita e que não foram tratadas nem tão pouco afloradas no Parecer.

O Despacho Normativo nº 165/77 não tem aparentemente nenhum limite temporal.

Apesar de não ter um limite de vigência expresso, a verdade é que o referido despacho se encontra fortemente condicionado por factos históricos bem localizados no tempo (nacionalização da indústria dos tabacos, processo de descolonização, regresso de trabalhadores que trabalhavam na indústria do Tabaco em Angola e Moçambique).

No preâmbulo do Despacho Normativo nº 165/77, pode ler-se que a sua emissão foi consequência directa da nacionalização da industria dos tabacos (abrangeu a Intar- Empresa Industrial de Tabacos, S.A.R.L., a qual era dominada pela Cotapo – empreendimentos Comerciais e Industriais, S.A.R.L., que dominava igualmente a Sociedade Ultramarina de Tabacos, L da., com fábricas em Angola e Moçambique)”.

“Face à descolonização e consequente independência daquelas colónias muitos dos trabalhadores da SUT”, pode ainda ler-se no referido preâmbulo, “continuaram a prestar serviço nas respectivas fábricas, animados do espírito de cooperação que dominou a descolonização e que constitui política do Governo.”

“É razoável supor que, tal como aconteceu com os funcionários públicos, aqueles trabalhadores tivessem a expectativa de virem, uma vez regressados a Portugal, a ser integrados nas empresas do grupo (...)”.

O fim visado pelo despacho em causa era, em suma, o de assegurar a integração na Tabaqueira-Empresa Industrial de Tabacos, E.P., aos trabalhadores portugueses ligados à data da sua emissão por vínculo laboral à Sociedade Ultramarina de Tabacos, Lda., em Angola e Moçambique, que regressassem de imediato a Portugal, bem como aqueles que, estando nessa data a cumprir contratos com prazo determinado, quisessem regressar no fim dos mesmos, pois em relação a esses o artigo 2º do mesmo diploma diz expressamente que lhes seria assegurada a integração após o termo do contrato.

Ou seja, o mencionado acto normativo bem como o de 1978 convocam um conjunto de medidas dirigidas a resolver um problema concreto, temporalmente referenciado e com um universo de destinatários bem determinado.

Por conseguinte, tendo presente os elementos expostos, afigura-se perfeitamente possível recortar um prazo razoável dentro do qual os trabalhadores abrangidos pela lista, a que se refere o artigo 3º do Despacho Normativo nº 165/77, e que não regressaram de imediato, uma vez terminados os respectivos contratos, teriam de requerer a sua integração na Tabaqueira, sob pena de se questionar a legitimidade do exercício do direito por parte particular.

No caso em apreço, como já foi dito, resulta do processo que o trabalhador, apesar de ter terminado o seu contrato em 1980, só vários anos depois terá requerido a sua integração na Tabaqueira[24], por volta de 1991, ou seja, passados cerca de onze anos.

Embora desconhecendo-se as razões que levaram o trabalhador a requerer a integração volvidos vários anos após a cessação do contrato, e que podem mudar o sentido do problema, cremos que pode suscitar-se com acuidade a questão de saber se este prazo cabe dentro daquilo que poderia qualificar-se nas circunstâncias do caso como um prazo razoável.

Não se afigura descabida nem tão pouco desproporcionada a eventual invocação da figura do abuso de direito (Cfr. artigo 334º do Código Civil).






([1]) Cfr. ponto IV - 3.1 a 4.2 do Parecer
([2]) Cfr. ponto IV – 4. 2 do Parecer
([3]) Cfr. ponto IV – 1 do Parecer
([4]) Cfr. ponto IV - 6. 6 do Parecer.
([5]) Cfr. ponto IV- 6.6 do Parecer.
([6]) Poderá argumentar-se que o Código do Procedimento Administrativo não estava à data em vigor. No entanto, não podemos deixar de sublinhar que o Código se limitou a acolher e sistematizar o que vigorava na doutrina sobre esta matéria. Tanto assim que já em 1968 foi elaborado um projecto de Código Administrativo, veja-se, Projecto de Código Administrativo do Ultramar, da autoria do Dr. Rui Machete, cujo artigo 529º tem um conteúdo semelhante ao do artigo 123º do actual Código do Procedimento Administrativo. Sobre o acabado de referir, cfr. Estudos sobre o Código do Procedimento Administrativo, 9/10, Ina, 1994 .
([7]) Cfr. Código do Procedimento Administrativo, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, p. 582.
([8]) Idem, p. 583.
([9]) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 587. No sentido de que as menções referidas nas alíneas a) e g) do nº 1 do artigo 123º do Código do Procedimento Administrativo dizem respeito aos seus elementos essenciais e cuja falta será cominada com a nulidade prevista no artigo 133º do mesmo Código, cfr. FREITAS DO AMARAL E OUTROS, Código do Procedimento Administrativo Anotado, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1997, p.227.
([10]) MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 586.
([11]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 587. MARCELO REBELO DE SOUSA, “Regime do Acto Administrativo”, Direito e Justiça, vol. VI, 1992, p. 42, considera a falta da menção da data como um “vício formal essencial”, com a consequente nulidade.
([12]) Tal não significa que todos os procedimentos seguidos pela Administração na exteriorização da sua actividade tenham de estar previstos na lei. Assiste à Administração uma lata margem de escolha quanto ao “ iter” procedimental dos seus actos em muitas situações. Para maiores desenvolvimentos, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/ PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pp. 39 ss.
([13]) Temos dúvidas que o Despacho do S.E.I.E.T. de 6 de Março de 1978 possa interpretar autenticamente o Despacho nº 165/77. No fundo o que aquele despacho vem fazer é complementar este último, regulando todo o processo de integração do trabalhadores.
([14]) Cfr. ponto III - 1 do Parecer.
([15]) Vão neste sentido as Conclusões 1ª, 3ª, 5ª, 6ª, e 9ª.
([16]) Cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., pp. 553/54.
([17]) Idem, p. 554.
([18]) SÉRVULO CORREIA, Noções Elementares de Direito Administrativo, Lisboa, Editora Danúbio, Lda., 1982, vol. I, pp. 457/58.
([19]) Diritto Amministrativo, 2ª ed., Milão, Giuffrè Editora, 1988, Vol. II, pp. 970 ss.
([20])MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO GONÇALVES/J. PACHECO DE AMORIM, ob. cit., p. 554.Trata-se, na doutrina italiana, dos denominados accertamenti costitutivi, cujo exemplo típico é o acto de verificação constitutiva. Sobre este tipo de actos e problemas que levantam, precisamente por neles faltar a voluntariedade do acto, cfr. SÉRVULO CORREIA, Noções Elementares de Direito Administrativo, Lisboa, Editora Danúbio, Lda., 1982, vol. I, pp. 457 ss; VIEIRA DE ANDADRE, Direito Administrativo, Sumários ao curso de 2001/2002, pp. 41 ss; PACHECO DE AMORIM, A Liberdade de Escolha da Profissão de Advogado, Coimbra, Coimbra Editora, 1992, pp. 46 ss; e GIANNINI, ob cit., pp. 906 ss, em especial, pp. 970 a 972.
([21]) Sobre outras funções que a lei associa aos actos declarativos, GIANNINI, idem, pp. 978 ss.
([22]) Como refere Baptista Machado, mesmo quando as fórmulas legislativas comportam mais que um significado, o que não se afigura corresponder ao caso em análise “ a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis (...). E, mais adiante, o mesmo autor conclui que “na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas”, cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, p. 182.
([23]) Sobre os direitos potestativos, como direitos a uma modificação jurídica, cfr., entre outros, HEINRICH HORSTER A Parte Geral do Código Civil Português, Coimbra, Almedina,1992, pp. 243 ss.
[24] Ver nota introdutória e, em especial, ponto II- 4 e nota 10 do Parecer. Não há, no entanto, certeza quanto à data em que o trabalhador terá requerido a integração.


António Silva Henriques Gaspar - Vencido pelas razões constantes do voto da minha Excelentíssima Colega Drª Fernanda Maçãs.

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Alberto Augusto Andrade de Oliveira - Vencido pelas razões constantes do voto da minha Excelentíssima Colega Drª Fernanda Maçãs.

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João Manuel da Silva Miguel - Vencido pelas razões constantes do voto da minha Excelentíssima Colega Drª Fernanda Maçãs

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NOTAS

[1]) Mediante o Decreto-Lei nº 227-A/75, dessa data, rectificado quanto ao número inicialmente atribuído – Decreto-Lei nº 228-A/75 – por declaração no «Diário do Governo», I Série, nº 172, de 28 de Julho de 1975, que entrara «imediatamente em vigor» (cfr. os artigos 1º, nº 1, e 4º).
[2]) Decreto-Lei nº 503-G/76, de 30 de Junho, inserindo em anexo o Estatuto da empresa pública.
[3]) Na realidade começa por se aludir a dois trabalhadores - João Lourenço Fernandes e Gabriel Joaquim Daniel -, mas a documentação presente vem a centrar-se unicamente na situação do primeiro, à qual, por conseguinte, nos reportamos.
[4]) Como decerto já se notou, a técnica do diploma distingue as sociedades sobre as quais incidiu o acto de nacionalização e as empresas nacionalizadas in facto esse do mesmo acto emergentes.
[5]) Segundo o qual: «As empresas nacionalizadas serão reestruturadas por diploma a publicar no prazo de cento e oitenta dias, contados a partir da data da publicação deste decreto-lei».
[6]) O Estatuto sofreu ligeiras alterações mediante os Decretos-Leis nºs 208/79, de 10 de Julho, e 82/80, de 19 de Abril, sem reflexos no âmbito da consulta. Consigne-se, todavia, que a alínea h) do artigo 17º, adiante mencionada, foi revogada pelo § único do Decreto-–Lei nº 208/79.
[7]) Como se anotou supra, nota 6, a alínea h) do artigo 17º foi revogada pelo Decreto-Lei nº 208/79. A brevíssima nótula preambular diz apenas que «tal disposição não se mostra necessária, pois que a matéria a que respeita cabe em qualquer caso na competência atribuída estatutariamente à comissão de fiscalização em outras alíneas daquele artigo, relativas ao orçamento, dando por outro lado lugar a complexidades burocráticas dentro da empresa que se não vê razão para manter». Citem-se, a propósito, entre as «outras alíneas daquele artigo relativas ao orçamento», as alíneas a) e e), compreendendo actos do conselho de gerência sujeitos a parecer da comissão de fiscalização e a autorização e aprovação do Ministro da Indústria e tecnologia [artigos 36º, nºs 1 e 2, e 52º, nº 1, alínea a)].
[8]) Com efeito, a Secretaria de Estado da Indústria Ligeira do Ministério da Indústria e Tecnologia do I Governo Constitucional – segundo a orgânica traçada pelo Decreto nº 683-A/76, de 10 de Setembro [artigos 1º, nº 2, alínea h), e 9º, alínea a)], alterada noutros pontos pelo Decreto-Lei nº 178-A/77, de 3 de Maio -, foi extinta pelo artigo 18º, nº 1, alínea g), do Decreto-lei nº 41-A/78, de 7 de Março, que definiu a estrutura do II Governo Constitucional, permanecendo os seus organismos e serviços integrados no mesmo Ministério da Indústria e Tecnologia deste Governo [artigos 18º, nº 2, alínea h)], no qual a Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas Transformadoras foi criada [artigo 7º, alínea a)].
[9]) Data da publicação no «Diário da República», II Série, nº 240, pág. 306. Anote-se que a Secretaria de Estado da Indústria surge, na orgânica do VII Governo aprovada pelo Decreto-Lei nº 28/81, de 12 de Fevereiro, integrando o Ministério da Indústria e Energia [artigo 14º, alínea b)], o qual sucedera, na orgânica do VI Governo (artigo 15º do Decreto-Lei nº 3/80, de 7 de Fevereiro), ao Ministério da Indústria do V Governo (artigo 11º do Decreto-Lei nº 386/79, de 19 de Setembro) que, por sua vez, se substituíra ao Ministério da Indústria e Tecnologia dos Governos anteriores (cfr., por último, quanto ao IV Governo, o artigo 10º do Decreto-Lei nº 448/78, de 30 de Dezembro).
[10]) O requerimento do trabalhador haverá sido presente no Ministério das Finanças aí originando, por conseguinte, o processo gracioso respectivo, por via do qual chegou depois à Tabaqueira. É o que se infere de informação interna da Direcção de Recursos Humanos para o presidente do conselho de gerência da empresa, datada de 18 de Março de 1991. Nesta informação se reconhece [alínea a)] a inclusão do trabalhador em questão na lista nominativa, bem como a necessidade de a integração se efectuar mediante guia passada pela Secretaria de Estado das Indústrias Extractivas e Transformadoras – que, aliás, já no VI Governo tinha dado lugar à Secretaria de Estado da Indústria Transformadora [artigo 15º, alínea b), do Decerto-Lei nº 3/80, de 7 de Fevereiro] e acaba por desaparecer com similar designação nos ulteriores Governos -, extraindo-se a conclusão de que o mesmo trabalhador não preenche todas as condições de integração por falta da mencionada guia. Isto mesmo é comunicado ao interessado por carta do Director de Recursos Humanos, de 26 de Março de 1991.
[11]) O Ministério da Economia surge pela primeira vez na orgânica do XIII Governo aprovada pelo Decreto-Lei nº 296-A/95, de 17 de Novembro, compreendendo inicialmente quatro secretarias de Estado – da Indústria, da Energia, do Comércio, e do Turismo [artigos 2º, alínea h), e 16º, nºs 1 e 2] -, a breve trecho reduzidas a três mercê de alteração introduzida pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/96, de 10 de Maio – as Secretarias de Estado da Indústria e Energia, do Comércio e Turismo, e da Competitividade e Internacionalização. Por outro lado, as Secretarias-Gerais e outros organismos dos «antigos Ministérios da Indústria e Energia e do Comércio e Turismo serão fundidos, integrando o Ministério da Economia» - estatui o artigo 16º, n.º 5, daquele primeiro diploma. A Secretaria de Estado da Indústria e Energia, prevista em 1996, vai, aliás, manter-se no Ministério da Economia por toda a legislatura, apesar de sucessivas modificações que a orgânica do XIII Governo vem ainda a experimentar (Decretos-Leis nº 55/98, de 16 de Março, nº 267/98, de 28 de Agosto, e nº 17/99, de 25 de Janeiro). E continua a integrar o mesmo Ministério na orgânica do XIV Governo, segundo o Decreto-Lei nº 474-A/98, de 8 de Novembro, onde, após alterações protagonizadas pelos Decretos-Leis nº 267-A/2000, de 20 de Outubro, nº 116/2001, de 17 de Abril, e nº 247/2001, de 18 de Setembro, corresponde actualmente ao departamento liderado pelo Secretário de Estado da Indústria, Comércio e Serviços (artigo 18º, nº 1, na redacção do artigo 2º do derradeiro diploma mencionado).
[12]) Anote-se efectivamente que o conselho de administração recebe inclusive a Nota Informativa nº 18/GJC/97 – da Secretaria-Geral do Ministério da Economia depositária da lista nominal -, estreitamente relacionada, como vimos, com a apresentação da guia, e cujo conteúdo motiva, aliás, o teor da carta.
[13]) MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, vol. I, 10ª edição, (6ª Reimpressão), revista a actualizada pelo Prof. Doutor DIOGO FREITAS DO AMARAL, Livraria Almedina, Coimbra, 1997, págs. 428 e seguintes.
[14]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, Direito Administrativo, Lições ao Curso Complementar de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano lectivo de 1977/78, dactilografadas e impressas por João Abrantes, Coimbra, 1978, págs. 76 e seguintes.
[15]) FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol III, Lições policopiadas aos alunos do curso de Direito, em 1988/89, Lisboa, 1989, pág. 66. Importa advertir que, encontrando--se o parecer já em ultimação, o autor publicou o vol. II do Curso de Direito Administrativo, com a colaboração de LINO TORGAL, Almedina, Coimbra, Outubro, 2001 – doravante citado Curso, II. Os presentes condicionalismos não propiciam, pois, ao Conselho o domínio da obra, que só com tempo se atingirá, mas a sua grande importância e exigente actualidade impunham pelo menos o confronto com anteriores Lições – subsequentemente citadas Direito Administrativo, vol. III, na falta de outra indicação - e com o pensamento de outros administrativistas a que aqui se recorreu. Assim, observar-se-á desde já que o autor introduziu certas nuances na definição de acto administrativo, sem influência, porém, na problemática que nos cumpre dilucidar: «o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz uma decisão tendente a produzir efeitos jurídicos sobre uma situação individual e concreta» - Curso, II, pág. 210, e explicitação, em particular, de págs. 216 e segs. e 220 e seguintes.
[16]) Cfr. o nº 2 do preâmbulo do Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, que aprovou o Código do Procedimento Administrativo.
[17]) Traduzido agora de FERDINAND O. KOPP, Verwaltungsverfahrensgesetz, 4. wesent. überarb. Auf., C.H. Beck, München, 1986, pág. 500: «Verwaltungsakt ist jede Verfügung, Entscheidung oder andere hoheitliche Mabnahme, die eine Behörde zur Regelung eines Einzelfalles auf dem Gebiet des öffentlichen Rechts trifft und die auf unmittelbare Rechtswirkung nach auben gerichtet ist»; cfr. também PAUL STELKENS/HEINZ JOACHIM BONK/MICHAEL SACHS/KLAUS LEONHARDT, Verwaltungsverfahrens-gesetz Kommentar, 3. neubarb. Auf., C.H. Beck, München, 1990, pág. 533.
[18]) Seguindo «de perto, ainda que com algumas variantes, a definição dada pelo Prof. MARCELLO CAETANO» - esclarece o autor, Direito Administrativo, vol. III, pág. 66, nota 1.
[19]) Cfr. hoje, com ligeiras diferenças, Curso, II, pág. 210, 216 e segs., 220 e segs., e 225 e segs.; ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 76 e segs., analisa igualmente cinco elementos estruturais, a saber: estatuição autoritária; relativa a um caso concreto; praticada por um sujeito de direito administrativo; no uso de poderes de direito administrativo; produção de efeitos jurídicos externos.
[20]) No tocante à definição do § 35 da VwVfG a doutrina alemã privilegia certas cambiantes comportando, aliás, elementos nucleares comuns inclusive às noções portuguesas. Assim, STELKENS/BONK/SACHS/LEONHARDT, op. cit., págs. 546 e segs., destacam os que seguem: medida de um órgão da Administração; medida de autoridade; regulação de um caso concreto; produção directa de efeitos jurídicos externos; domínio do direito público. Cfr. também O. KOPP, op. cit., págs. 504 e segs.; NORBERT ACHTERBERG, Allgemeines Verwaltungsrecht. Ein Lehrbuch, 2. völlig neubearb. u. erweit. Auf., C. F. Müller Juristischer Verlag, Heidelberg, 1986, págs. 416 e segs.; HARMUT MAURER, Allgemeines Verwaltungsrecht, 6. übear. u. erg. Auf., C.H. Beck, München, 1988, págs. 147 e segs.; WALTER SCHMIDT, Einführung in die Probleme des Verwaltungsrechts, C.H. Beck, München, 1982, págs. 25/26, nota marginal nº 48.
[21]) FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, págs. 82 e segs., cuja lição vamos basicamente sumariar na matriz do parecer nº 73/94, de 9 de Fevereiro de 1995, inédito (ponto VII, 1.). Cfr. também ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 77/78; STELKENS et allii, págs. 556/558; O. KOPP, op. cit., págs. 523/526; ACHTERBERG, op. cit., em especial pág. 418, com ampla recensão jurisprudencial de sentido positivo e negativo nas págs. 427/428; MAURER, op. cit., págs. 150/154; SCHMIDT, op. cit., pág. 24, nota à margem nº 44.
[22]) MAURER, op. cit., págs. 150/151, que por momentos se segue.
[23]) FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, pág. 89, e Curso, II, pág.228.
[24]) MAURER, ibidem, apontando como exemplo típico de acto ainda qualificado individual, no sentido exposto, a dissolução de uma assembleia, cujos intervenientes, por mais numerosos, estão ou podem ser individualmente determinados, dirigindo-se o acto precisamente àqueles que no momento da sua prática participam na reunião.
[25]) No sentido exposto, MAURER, op. cit., págs. 151 e segs., aludindo ainda ao critério da «duração de validade» da regulação e à hipótese inversa do acto «abstracto-individual», bem como a certas formas sui generis de actos - por exemplo, determinados planos dotados de obrigatoriedade jurídica, os sinais de trânsito - que não se deixam apreender no esquema linear norma jurídica/acto administrativo. Mas tudo isso ultrapassaria já os limites razoáveis da indagação que nos interessa.
[26]) FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, págs. 89 e segs., que voltamos a seguir, e Curso, II, págs. 228 e seguintes.
[27]) FREITAS DO AMARAL, idem, pág. 90, e pág. 229, respectivamente; ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 86 e seguinte.
[28]) FREITAS DO AMARAL, idem, pág. 91, e págs. 229/230, respectivamente.
[29]) FREITAS DO AMARAL, idem, pág. 92, e págs. 230/332, respectivamente; ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 81 e segs., oferecendo os seguintes exemplos de actos administrativos gerais: a publicação do edital de um concurso, a ordem de mobilização ou requisição militar, a provisão sobre uma manifestação pública e o caso mais controverso, como na doutrina alemã (supra, nota 25), dos sinais de trânsito.
[30]) Acerca da caracterização e distinção entre acto legislativo e regulamento cfr., mais desenvolvidamente, v.g., o parecer do Conselho nº 68/87, de 24 de Março de 1988 (ponto III), «Diário da República», II Série, de 23 de Setembro de 1988, e a doutrina nele citada, do qual se recorta um breve extracto: «Tanto o regulamento como a lei são normas jurídicas, gerais, abstractas, obrigatórias e permanentes. Só que a lei é ‘um acto político, pelo qual se afirma a Ordem jurídica superior do Estado, definindo o sentido superior do seu pensamento e da sua acção; o regulamento é um acto de administração’ - recte, 'um acto próprio da função administrativa' inconfundível com o 'acto administrativo' - 'tendente a realizar essa Ordem jurídica superior, por meio de directrizes impostas aos agentes e de normas de conduta pública' (-). Aliás, se o regulamento se aproxima da lei, como se viu, pela sua generalidade, distingue-se dela por carecer de novidade, já que as suas normas, no tocante à limitação de direitos individuais, são ‘simples desenvolvimento ou aplicação de outras normas, essas inovadoras'». E isto é assim «quanto aos regulamentos de execução propriamente ditos (…)», mas «é igualmente assim, de alguma maneira, em quanto concerne aos regulamentos independentes, os quais não se propõem exactamente 'assegurar a execução de certa lei anterior', sendo 'elaborados no exercício de competência própria e para o desempenho de atribuições normais e permanentes da autoridade administrativa’». Sobre a distinção cfr. também FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, págs. 30 e segs., e Curso, II, págs. 166 e segs., perfilhando um critério de distinção orgânico-formal.
[31]) MARCELLO CAETANO, op. cit., pág. 436.
[32]) MARCELLO CAETANO, ibidem. No sentido da qualificação de despachos normativos como regulamentos, ou de que os regulamentos podem assumir a forma de despachos normativos, J. M. SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, vol. I, Editora Danúbio, Ldª, Lisboa, s/d, pág. 102; AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Lições de Direito Administrativo, vol. I, Coimbra, 1976, págs. 469/470; FREITAS DO AMARAL, Curso, II, pág. 188; cfr. também o parecer do Conselho nº 32/90, de 12 de Julho de 1990.
[33]) Para FREITAS DO AMARAL/JOÃO CAUPERS/J. MARTINS CLARO/JOÃO RAPOSO/P. SIZA VIEIRA/VASCO PEREIRA DA SILVA, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, Almedina, 1992, pág. 188 - observe-se em aparte -, a característica da «individualidade» do acto administrativo, plasmada no artigo 120º do Código, tendo como corolário a exigência de identificação do seu destinatário, formulada no artigo 123º, nº 2, alínea b), significa que «(…) doravante, decretos ou portarias que imponham deveres ou sujeições a categorias abstractamente referidas de cidadãos, mesmo que determinados ou determináveis (os «comerciantes de fruta», os «professores do ciclo preparatório», os «actuais funcionários da direcção-geral x»), têm de passar a ser considerados actos normativos e não actos administrativos, uma vez que não definem situações individuais nem comportam identificação dos destinatários». O que em todo o caso se afigura longe da hipótese em apreciação.
[34]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 3 e segs., 15/16, 48/49.
[35]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 15/16; FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, págs. 10/11, e Curso, II, págs. 149/150 - «meras operações materiais não produtoras de efeitos jurídicos», de «quaisquer alterações na ordem jurídica», contrapostas aos «actos jurídicos» e dando origem a uma «teoria geral da actividade técnica da administração», cujo estudo o autor remete para o futuro dado o actual «estado ainda algo embrionário» entre nós da elaboração doutrinal na matéria, mas assinalando desde já (pág. 150, nota 243) o desenvolvido estudo de CARLA AMADO GOMES, Contributo para o estudo das operações materiais da Administração Pública e do seu controlo jurisdicional, Coimbra, 1999, págs. 197/244.
[36]) ACHTERBERG, op. cit., pág. 500, nota à margem nº 292; MAURER, op. cit., pág. 336, nota marginal nº 1.
[37]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 48/49, 77.
[38]) ACHTERBERG, ibidem, nota marginal nº 294.
[39]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 100/101, cuja lição acerca dos actos instrumentais vamos seguir muito de perto, por vezes textualmente. Não obstante, também FREITAS DO AMARAL, Curso, II, págs. 222/224 e 269/275, adere agora à construção daquele autor e da Escola de Coimbra (VIEIRA DE ANDRADE, ESTEVES DE OLIVEIRA), excluindo do conceito de acto administrativo para os incluir na categoria de actos instrumentais, determinados «actos jurídicos da Administração que, não sendo decisões stricto sensu (...), eram tradicionalmente» havidos como actos administrativos.
[40]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, ibidem e pág. 67.
[41]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 129/141. Um tanto diferente a classificação dos actos instrumentais adoptada por FREITAS DO AMARAL, Curso, II, págs. 269/275, destacando duas modalidades principais - «as declarações de conhecimento» e «os actos opiniativos» - que se diria corresponderem grosso modo às sub-espécies das «verificações» e das «avaliações» a seguir analisadas no texto.
[42]) A saber: as deliberações preliminares, «declarações a que o ordenamento atribui poder determinante em face do conteúdo dos actos a que servem de pressuposto, muito embora não tenham poder constitutivo e por isso não sejam senão actos instrumentais»; os acordos preliminares, «actos pelos quais várias autoridades se concertam para determinarem o conteúdo dum acto a praticar por uma delas»; as requisições ou pedidos, «dirigidos por uma autoridade a outra, solicitando a prática dum acto que a segunda não pode praticar por sua iniciativa»; a designação, «acto pelo qual uma autoridade indica a outra o nome dum funcionário que esta deve nomear»; e as propostas, pelas quais «um sujeito administrativo emite um certo juízo em direcção a outro agente, no sentido de fazer clara a conveniência ou necessidade da emissão de um acto».
[43]) Cfr. em especial sobre este género de verificações, AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, Estudos de Direito Administrativo, I, Atlântida Editora, S.A.R.L., Coimbra, 1968, págs. 53 e seguintes.
[44]) Discutiu-se na doutrina menos recente se os pareceres vinculantes seriam verdadeiros actos instrumentais ou se o elemento vinculativo não os deslocaria para a sede dos actos administrativos (DONATI, VITTA, FORTI). Nos nossos dias propende-se, contudo, a incluí-los no mesmo género dos pareceres facultativos (TRENTIN, DE VALLES, SANTI ROMANO, ZANOBINI, SANDULLI) - apud ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 138, notas 1 e 2, e 139, nota 1. Para FREITAS DO AMARAL, Curso, II, pág. 274, «na realidade quem decide é a entidade que emite o parecer», enquanto a decisão da autoridade ad quem «é apenas uma formalização de algo que já estava pré-determinado no parecer», por modo que, a final, «sempre que o parecer seja vinculativo, do que se trata é de os dois órgãos praticarem o acto administrativo em co-autoria».
[45]) O acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da 1ª Secção), de 26 de Novembro de 1977, proc. nº 36927, comentado, com outros dois arestos do mesmo Tribunal, por MARIA FERNANDA MAÇÃS, Há notificar e notificar, há conhecer e impugnar, «Cadernos de Justiça Administrativa», nº 13, Janeiro/Fevereiro de 1999, págs. 10/28, qualifica explicitamente a notificação como «acto instrumental».
[46]) Op. cit., pág. 453.
[47]) MARCELLO CAETANO, ibidem.
[48]) No que retomamos FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, págs. 158 e seguintes.
[49]) MARCELLO CAETANO, op. cit., págs. 456/457, que momentaneamente se segue.
[50]) MARCELLO CAETANO, ibidem; cfr. também SÉRVULO CORREIA, op. cit., pág. 300.
[51]) FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, vol. III, págs. 160/161, e Curso, II, pág.271, aqui especificamente a propósito dos actos instrumentais que designa por «declarações de conhecimento», espécie afim, na classificação de ROGÉRIO E. SOARES, da categoria das «verificações» (supra, nota 41).
[52]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 141 e segs. que estamos a acompanhar parafraseando. Acerca do procedimento administrativo, cfr., agora também, desenvol-vidamente, FREITAS DO AMARAL, Curso, II, pág. 288/341.
[53]) No sentido exposto, ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 154 e segs., 162 e segs., 171 e seguintes.
[54]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 180 e segs., que continuamos a seguir nesta parte, salvo diversa indicação.
[55]) FREITAS DO AMARAL, Curso, II, págs. 363/364.
[56]) Observam justamente ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO GONÇALVES/PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição actualizada, revista e aumentada, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 611 e 614, também citados por FREITAS DO AMARAL, ibidem, que as categorias da eficácia retroactiva e da eficácia diferida «podem coexistir perfeitamente, sem qualquer sintoma ou manifestação de rejeição: os actos de eficácia retroactiva diferida são actos que, quando (ou se) se tornarem eficazes, vinculam (para o futuro e também) para o passado».
[57]) ROGÉRIO EHRHARDT SOARES, op. cit., págs. 180/185.
[58]) ESTEVES DE OLIVEIRA et allii, op. cit., pág. 335, nota X ao artigo 62º, nº 3.
[59]) ESTEVES DE OLIVEIRA et allii, op. cit., págs. 337/338, nota III ao artigo 63º, nº 1.
[60]) Cfr. o parecer nº 129/96, de 19 de Março de 1998, inédito, onde se concluiu pela competência de actuais administrações públicas dos antigos territórios ultramarinos portugueses para certificarem documentos arquivados nas respectivas repartições, pelo facto de esses arquivos se encontrarem depositados e confiados à sua guarda e gestão.
[61]) Cfr. o artigo 137º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo, e, por último, FREITAS DO AMARAL, Curso, II, págs. 421 e segs. e 474 e segs.; ESTEVES DE OLIVEIRA, et allii, págs. 663 e seguintes.
[62]) A «continuação» pela sociedade anónima da «personalidade jurídica» é igualmente reafirmada no nº 1 do artigo 1º dos Estatutos. E o nº 2 especifica que a sociedade se rege, além dos próprios Estatutos, «pelo Decreto-Lei nº 117/91, de 21 de Março, pelas normas especiais cuja aplicação decorra do objecto da sociedade, pelas normas reguladoras das sociedades anónimas».
[63]) Transcreveu-se um passo da nota preambular do Decreto-Lei nº 63/96, de 28 de Maio, a seguir examinado.
[64]) O nº 4 do citado artigo 12º exceptua apenas «os antigos trabalhadores da empresa que hajam sido despedidos em consequência de processo disciplinar e ainda os que hajam passado a trabalhar noutras empresas com o mesmo objecto social daquela, por o contrato de trabalho ter cessado por proposta dos trabalhadores interessados».
[65]) SÉRVULO CORREIA, op.cit., pág. 202; MARCELLO CAETANO, op.cit., pág. 230; cfr. também, entre outros, os pareceres do Conselho nºs. 90/85, de 12 de Janeiro de 1989, e 57/96, de 25 de Junho de 1998, respectivamente, «Diário da República», II Série, nº 69, de 23 de Março de 1990, pág. 2936, e «Boletim do Ministério da Justiça», nº 392, págs. 104 e segs. (ponto II, 3.), o primeiro, e «Diário» citado, nº 150, de 30 de Junho de 1999, págs. 9401 e segs., o segundo (ponto III, 2.1).
[66]) FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, vol. I, 2ª edição (4ª reimpressão) Almedina, Coimbra, Setembro, 2000 – doravante citado Curso, I –, págs. 699/700, que se segue por instantes.
[67]) Parecer nº 57/96 ibidem, que estamos a acompanhar quase textualmente, com a bibliografia a que recorreu.
[68]) FREITAS DO AMARAL, Curso, I, págs. 703 e segs., reserva para esta modalidade de tutela, que se traduz no exercício de poderes de autorização ou aprovação, a designação de «tutela integrativa», considerada preferível à de «tutela correctiva», e autonomiza no seio da tutela «inspectiva» o poder de aplicar sanções por irregularidades detectadas no exercício dos poderes de fiscalização, constituindo esta numa tutela «sancionatória» ou disciplinar.
[69]) Cfr. elucidativamente o artigo 142º, nº 3, do Código do Procedimento Administrativo.
[70]) E será, inclusivamente, que o Despacho Normativo nº 165/77 fora editado em 1977 no exercício de poderes tutelares sobre a empresa pública? À semelhança dos pareceres nºs 62/86 e 63/86, de 9 Junho de 1988, e do parecer nº 69/92, de 10 de Março de 1993, poderia realmente discutir-se a natureza dos poderes exercitados mediante o referido diploma, mas o tema excederia já os limites da consulta. Nos aludidos pareceres o Conselho fora solicitado a apreciar a controversa legalidade de certos actos governamentais, enquanto no presente caso não se tem notícia de que haja sido questionada a validade do Despacho Normativo nº 165/77, ao abrigo do qual, aliás, outros trabalhadores da SUT foram integrados na Tabaqueira. Observe-se, em todo o caso, que os dois primeiros pareceres – de teor idêntico, salvo quanto à matéria de facto – versaram sobre um despacho do Secretário de Estado do Tesouro emitido após a entrada em vigor da 1ª revisão da Constituição – de 2 de Dezembro de 1982, concretamente -, o qual mandava contar em certas condições o tempo de serviço prestado por trabalhadores de empresas públicas do sector bancário requisitados pela Administração, para efeitos de progressão na carreira de origem. Qualificado o despacho como acto tutelar de orientação, foi considerado nulo por falta de similares atribuições de tutela de parte do Decreto-Lei nº 260/76, de 8 de Abril, que viera definir os princípios fundamentais dos estatutos das empresas públicas. No mesmo sentido o parecer nº 69/92, seguindo muito de perto a doutrina daqueles outros, estando, todavia, em causa nuclearmente um acto anterior à revisão de 1982 – o Despacho Normativo nº 142/79, de 4 de Junho. Com efeito, a circunstância de o acto ser anterior ou posterior à 1ª revisão não é a partida indiferente, uma vez que o artigo 202º, alínea d), da Constituição, na versão originária, conferia competência ao Governo, no exercício da função administrativa, para dirigir os serviços e a actividade da administração indirecta do Estado – institutos públicos e empresas públicas -, competência que a revisão de 1982 suprimiu. Ora, os pareceres acima citados consideraram nulos os despachos sub iudicio por falta de poderes tutelares à face do Decreto-Lei nº 260/76, emitindo, todavia, com outros fundamentos jurídicos, pronúncias favoráveis às concretas pretensões, fundadas nesses actos, de contagem dos respectivos tempos de serviço prestado fora das empresas públicas. Mas nenhum dos pareceres, e em especial o parecer nº 69/92, abordou a via dos poderes de direcção sobre a administração indirecta que fluía do artigo 202º, alínea d), do texto constitucional originário.
Anotações
Legislação: 
DN 165/77 de 1977/07/30 N1 N2 N3 N5
DESP 1978/03/06 N3 N5
DL 227-A/75 de 1975/05/13 ART1 N1 A B ART3 N1 ART4 N1 N2 ART5 N1 ART11 N1 N2
DL 503-G/76 de 1976/06/30 ART1 N1 N2 ART2 ART3 N1 ART4 N1 N2 N3 ART5 N1 ART8 ART11 N1 N2 ART16 N1 N2 ART17 A B ART18 A E ART48 ART49 ART51 ART52 N1 B
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CPADM91 ART63 ART72 B C ART74 ART105 ART106 ART120 ART122 N1 ART123 N1 ART127 N1 N2 ART131 ART140 ART141
DL 433/99 de 1999/10/26 ART93 ART126 ART127
L 15/2001 de 2001/06/05 ART7
DL 304/99 de 1999/08/06 ART2
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DESP de 1986/02/03 ART25
DL 265/79 de 1979/08/01 ART7 N1 C N5
DL 49/80 de 1980/03/22
DL 414/85 de 1985/10/18
DL 117/91 de 1991/03/21 ART1 ART2 N1 ART3 N1 N2 ART5 ART7 N1 N2 ART10
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CSC86 ART8 ART288 ART383 ART386
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CONST76 ART172
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