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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
66/1998, de 15.02.1999
Data de Assinatura: 
15-02-1999
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
HENRIQUES GASPAR
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PROJECTO
CONVENÇÃO
PORTUGAL
VENEZUELA
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
AUXÍLIO MÚTUO EM MATÉRIA PENAL
AUXÍLIO JUDICIÁRIO
PRINCÍPIO DA DUPLA INCRIMINAÇÃO
Conclusões: 
1º O texto proposto pela Venezuela para cooperação internacional em matéria penal é, no essencial, conforme com o ordenamento jurídico nacional, podendo, nessa medida, servir de base às discussões para celebração de um Acordo;

2º Na eventualidade de celebração de tal Acordo, recomenda-se que sejam tomadas em consideração, na discussão negocial, as observações formuladas na presente Informação-Parecer.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:


I

O Ministério dos Negócios Estrangeiros enviou ao Ministério da Justiça uma comunicação recebida das autoridades da Venezuela ([1]) sugerindo a conclusão de um Acordo bilateral de assistência judiciária mútua em matéria penal.

As autoridades venezuelanas fazem acompanhar a comunicação com o texto de um Acordo sobre a mesma matéria entre a Venezuela e os Estados Unidos.

Vossa Excelência determinou que sobre o assunto fosse elaborada Informação-parecer.

Cumpre, assim, elaborar a Informação solicitada.


II

1. A Informação, respeitando as competências estatutárias do Conselho Consultivo – matéria de legalidade artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público -, apreciará a conformidade das disposições do texto do Acordo enviado (que se compreende como uma proposta de negociação apresentada pela Venezuela) com as normas e princípios constitucionais e de ordem pública portuguesa, e analisará tais disposições também na perspectiva da lei interna sobre cooperação, que constitui um modelo a seguir na elaboração de específicas vinculações bilaterais.


2. O auxílio judiciário em matéria penal é uma das formas de cooperação internacional mais antigas, conhecidas e praticadas ([2]). Consiste fundamentalmente num acto de colaboração internacional intraprocessual, realizada no quadro de um processo penal instaurado pelo Estado requerente, e tem como finalidade obter para o processo informações ou elementos de prova relevantes, essencialmente através da prática de actos de investigação no território do Estado requerido e a pedido das autoridades competentes do Estado requerente ([3]).

Para efeitos de cooperação internacional, o conceito de processo pessoal é tomado, usualmente, numa acepção ampla, podendo abranger realidades como os processos pela prática de ilícitos de mera ordenação social, fases preliminares do processo, ou o processo por indemnização por danos sofridos em caso de coordenação injusta ([4]).

Na estrutura do Decreto-Lei nº 49/91, de 22 de Janeiro, distingue-se o que se designa como “auxílio judiciário geral em matéria penal” (artigos 135º a 153º), dos actos específicos de cooperação internacional, como sejam a extradição, a transmissão de processos penais, a execução de sentenças penais, incluindo a transferência de pessoas condenadas, a vigilância de pessoas condenadas ou libertadas condicionalmente.

Por outro lado, o mesmo diploma organiza a disciplina da cooperação, definindo os princípios, os fundamentos, os actos admitidos e as condições de admissibilidade e de recusa (a disciplina material), as formas e termos do pedido (definições de natureza dir-se-ia processual) e os modos de cumprimento e execução (medidas típicas de processo penal).

Na apreciação e ponderação do texto submetido pelas autoridades venezuelanas, seguir-se-á a metodologia de apreciação das respectivas disposições segundo a referida estruturação.


III

1. O artigo I define o âmbito do auxílio judiciário - quer o elenco de medidas e actos de cooperação previstos, quer a finalidade do auxílio: investigação, julgamento e prevenção de crimes e outras actuações relacionadas com matérias penais.

Diversamente de que sucede com as formas típicas ou específicas de cooperação internacional, o auxílio judiciário geral define-se, por regra, através de uma fórmula ampla, susceptível de evoluir de acordo com as circunstâncias de tempo e lugar, decorrentes do nível de desenvolvimento das relações entre os Estados, das possibilidades de cooperação reconhecidas pela lei interna e da evolução das necessidades de cooperação em função da evolução do próprio fenómeno da criminalidade ([5]).

A definição geral não se afasta das finalidades que são comumente consideradas na cooperação internacional. A fórmula ampla do artigo 135º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/91 – (“necessários a um procedimento penal instaurado”) abrange o âmbito pretendido pelo acordo.

No entanto, a fórmula utilizada no texto enviado vai além da delimitação da lei interna: - a referência à prevenção não está contemplada na previsão da lei interna, que pressupõe a existência de um processo.

O sentido e a extensão dos limites pretendidos deverá ser, por isso, objecto de ponderação nos procedimentos de negociação, nomeadamente a definição e esclarecimento sobre o sentido da prevenção e as formas, procedimentos específicos e garantias implicadas.


2. O artigo I, 2º, propõe um elenco de medidas e de actos de auxílio judiciário.

De um modo geral as medidas referidas coincidem, com maior ou menor especificação ou desenvolvimento, com a enunciação dos actos compreendidos no âmbito do auxílio judiciário geral em matéria penal, como definidos no artigo 135º do Decreto-Lei nº 43/91.

Assim:

- alínea a) refere-se à recepção (i. é. à tomada) de depoimentos ou declarações: actos de produção de prova pessoal.

A esta referência correspondem os actos indicados no artigo 135º, nº 2, b) – obtenção de meios de prova, e d) – audição de testemunhas, suspeitos, arguidos ou peritos.

- a alínea b) prevê o envio de documentos, relatórios, e elementos de prova; entende-se a previsão como essencialmente referida a elementos ou suportes de prova documental.

- a alínea c) prevê a realização de actos necessários à localização de pessoas e bens.

Tem correspondência, de algum modo, e no essencial, na alínea c) do nº 2 do artigo 135º que se refere às revistas, buscas e apreensões, pressuposto que se traduzam em actos necessários “à apreensão ou à recuperação de instrumentos, objectos ou produtos do crime”, conforme dispõe o segmento final do artigo 135º, nº 1:

- a alínea d) prevê a citação e entrega de documentos.

Corresponde sos actos enunciados nas alíneas c) e d) do nº 2 do artigo 135º, e também nos artigos 143º e 144º:

- a alínea e) prevê a transferência ou o trânsito de pessoas sob custódia ou sujeitas a processo penal, para efeito de prestar declarações ou para outros fins; estes – assim se interpreta – relacionados directamente com o processo penal.

Corresponde, no essencial, à previsão do artigo 135º, nº 2, alínea e) - trânsito de pessoas -, com as especificações e a disciplina constantes dos artigos 43º e 147º.

- a alínea f) refere-se ao cumprimento de pedidos para inspecção e embargo.

Poderá ter correspondência, uma vez afinado e devidamente explicitado o sentido das noções, nos procedimentos de revistas e apreensões previstos com actos de auxílio na alínea c) do nº 2 do artigo 135º.

- a alínea g) prevê a realização de perícias.

Tal previsão está abrangida pela referência geral da alínea b) no citado nº 2 do artigo 135º à “obtenção de meios de prova”.

- a alínea i) contém uma previsão residual e apresentada de forma genérica: “qualquer outra forma de auxílio”, como fórmula geral, constituirá apenas uma garantia de admissibilidade de qualquer acto não especificamente previsto, com a salvaguarda – necessária – da admissibilidade na legislação do Estado requerido.

Não suscita dúvidas, posto que existe a salvaguarda e estará de acordo com a própria técnica de formulação de lei interna sobre cooperação: o artigo 135º, nº 1 também enuncia uma fórmula geral, constituindo o nº 2 apenas como exemplificação de actos: o advérbio nomeadamente traduz este significado.


3. Da aproximação entre as enunciações do artigo I do texto enviado e as disposições da lei interna relativas ao auxílio judiciário geral em matéria penal, ficou de fora a alínea h) do nº 2 que se refere a assistência em actos de imobilização e perda de bens, à restituição de bens (assim se interpreta) e à execução de multas.

Trata-se de actos de auxílio que estão previstos, uns na própria definição de auxílio geral – artigo 135º, nº 2, alínea c), do Decreto-Lei nº 43/91, outros como actos particulares de auxílio - identificação de produtos – (artigo 149º), e outros referentes à restituição e também à efectivação de multas, como dependentes de execução de decisões penais – artigos 27º e 102º do referido diploma.

A assimilação sistemática no texto proposto de medidas com assinalável diferenciação de relevo e amplitude na perspectiva da lei interna imporá, certamente, a necessária intervenção na fase negocial para aproximação da substância – que a lei nacional admite por inteiro - ao processo é a sistemática que é mais consentânea com as definições e o equilíbrio sistemático da lei interna sobre cooperação.


4. No nº 3 do Projecto estabelece-se uma regra e uma excepção quanto à exigência da dupla incriminação.

O princípio da dupla incriminação constitui uma exigência conatural aos diversos actos específicos de cooperação, e também quando os actos de auxílio judiciário geral implicarem o recurso a medidas de coação – assim dispõe o artigo 137º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/91.

Na estrutura do texto proposto dispensa-se a dupla incriminação, deixando, na 2ª parte, para a disponibilidade (e iniciativa) da Parte requerida exigir a dupla incriminação quanto a pedidos de auxílio para certos actos (revistas, buscas e apreensões e perda).

Estes são actos que, nos termos do referido artigo 137º, nº 1, não dispensam a dupla incriminação. Por isso, na perspectiva valorativa e sistemática da lei interna será razoável optar por diversa formulação, que faça depender os pressupostos objectivamente do próprio Acordo e não da iniciativa da Parte requerida.


5. O artigo II prevê os casos de recusa de auxílio – pressupostos negativos da cooperação.

As alíneas a) e b) do nº 1 referem-se a condições negativas relacionadas com a natureza do crime: políticos e, em certas hipóteses, militares.

São disposições comuns neste tipo de instrumentos e que a lei nacional também prevê directamente, em termos semelhantes, no artigo 7º, nº 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 43/91.

Todavia, a referência à qualificação dos crimes como revetindo natureza “política” deverá ser entendida – e isso poderá ser objecto de procedimento negocial –nos termos exigidos por princípios fundamentais aceites por Portugal e que constam de especificação expressa no nº 2, alíneas a) a d) do mencionado artigo 7º.

A alínea c) do texto do projecto enviado contém uma salvaguarda de ordem geral – o respeito pela ordem pública, segurança e interesses públicos fundamentais do Estado requerido. O artigo 2º da lei interna quanto ao âmbito da cooperação dispõe de modo materialmente semelhante.

Nesta matéria deve, porém, salientar-se que a lei interna e os princípios geralmente assumidos por Portugal impõem outros requisitos negativos definidos no artigo 6º do Decreto-Lei nº 43/91, nomeadamente os que tenham a ver com a natureza o tipo de pena ou medida de segurança eventualmente aplicável.

Tal aspecto deverá, pois, ser devidamente ponderado, através da adequada especificação e concretização das condições negativas, que não parecem suficientemente acauteladas no texto proposto.


IV

1. Os artigos IV, V, e VI do texto apresentado pelas autoridades venezuelanas contêm disposições processuais relativas à forma, conteúdo e modo de cumprimento dos pedidos de auxílio judiciário.

As disposições relativas à forma e ao conteúdo do pedido – nºs 2 e 3 do artigo IV e respectivas alíneas – apresentam correspondência com os requisitos previstos no artigo 25º do Decreto-Lei nº 43/91, nomeadamente com as alíneas a), b) e c) e d) do nº 1 desta disposição.

O texto que é proposto para o Acordo é, porém, a este respeito, mais detalhado – refiram-se as alíneas c) e d) do nº 1 e c), d), e), f), g) e i) do artigo IV.

A maior especificação poderá acrescentar clareza ao pedido de cooperação e quanto aos objectivos pretendidos, desde que seja firmada expressamente a salvaguarda (que parece resultar da cláusula introdutória do nº 1) quanto à conformidade de execução dos actos de auxílio com a legislação interna do Estado requerido.


2. As regras quanto ao cumprimento do pedido de assistência estão previstas no artigo V do texto apresentado, remetendo essencialmente para as normas de competência das autoridades do Estado requerido.

Tais disposições constam da lei interna a propósito das várias formas (específicas) de cooperação e, para o que importa ao âmbito de um eventual Acordo, nos artigos 136º e 137º, que são disposições comuns às diversas modalidades de auxílio.

Por isso, será desnecessária –mas também não suscitará dificuldades – a 2ª parte do nº 1 do artigo V do texto do projecto.

O nº 3 remete expressamente as regras de execução do pedido para a legislação do Estado requerido – acomodando-se, assim, ao disposto na lei interna – cfr. artigos 136º e 137º referidos.

O nº 2 prevê sobre o regime de despesas, parecendo imputá--las ao Estado requerido. É uma definição que se compreende no âmbito de reprocidade integral da cooperação derivada de acordo bilateral. Porém, contraria directamente o regime sobre gastos e despesas com a cooperação tal como previsto no artigo 25º, nº 2, alínea a) a d), embora o nº 4 desta disposição expressamente preveja a possibilidade de derrogação por acordo.

O nº 3 do artigo V constitui uma disposição específica que prevê a possibilidade de determinar algumas condições à cooperação em caso de perturbação de um processo penal ou investigação interna. O princípio, embora formulado e normativamente concretizado relativamente a hipóteses não inteiramente coincidentes, consta já do artigo 17º, nº 1, do Decreto-Lei nº 43/91.

Por seu lado, o nº 4 do artigo V relativo ao dever de informação, encontra também alguma projecção no artigo 23º da lei interna de cooperação judiciária.

O nº 5 do artigo V dispõe que o Estado requerido se esforçará ao máximo para manter a confidencialidade dos pedidos de cooperação e do conteúdo destes. As regras sobre confidencialidade do pedido constam em termos semelhantes do artigo 139º da lei interna.


3. O artigo VI dispõe quanto a algumas despesas do processo de cooperação.

A afirmação do princípio geral coincide, embora por modo diverso, com a regra geral prevista no artigo 25º, nº 1, da lei interna: a execução de um pedido de cooperação internacional é, em regra, gratuíta; sendo gratuíta, isto é, sem custos para quem solicita, a previsão é, no fundo, coincidente com a regra de que o Estado requerido suportará as despesas relacionadas com o cumprimento do pedido de cooperação.

As excepções previstas – despesas a cargo do Estado requerente – constam igualmente do artigo 25º, nº 2, alíneas a) e c) do Decreto-Lei nº 43/91.

Todavia, o artigo VI e o nº 2 do artigo V, referindo-se ambos a despesas, aconselham, em termos negociais, não apenas uma reordenação sistemática, mas igualmente a previsão e esclarecimento de sentido, não só na identificação do tipo de despesas a que o nº 2 do artigo V se pretende referir, como na adequação integral do artigo VI às regras internas previstas no artigo 25º, nº 2: p. ex., remuneração de testemunhas, despesas decorrentes do envio ou entrega de coisas, despesas com trânsito de uma pessoa para um Estado terceiro.


V

1. O artigo VII do texto proposto dispõe sobre “limitações de uso”.

Contém a previsão das condições de cooperação em termos semelhantes ao que se dispõe no artigo 138º do Decreto-Lei nº 43/91.

Todavia, no que respeita ao modo de formulação, verifica-se uma diferença de perspectiva entre a norma da lei interna (a regra é a proibição de utilização das informações fora do processo para o qual é formulado o pedido) e o texto proposto, no qual a impossibilidade de utilização depende de pedido expresso nesse sentido do Estado requerido.

Isto é, a proibição de utilização fora da regra da especialidade transformar-se-á, no texto proposto, numa aceitação tácita de utilização dos elementos obtidos, salvo solicitação em sentido contrário.

Uma tão acentuada mudança de perspectiva em relação à lei interna merecerá certamente adequada ponderação no decurso de uma (eventual) negociação.

O nº 3 do artigo VI necessitará de adequado esclarecimento de sentido, nomeadamente sobre quais os tipos de procedimento e as situações em que as provas recolhidas no âmbito de um pedido de cooperação para um processo penal possam ser colocadas à disposição do público. Poderá, porventura, constituir uma disposição tributária da matriz do texto proposto, vistos os sistemas jurídicos que estiveram em negociação ([6]).

VI

1. O artigo VIII, nº 1, do texto que vem proposto prevê a obrigatoriedade de comparência, se necessário de modo coactivo, de pessoa a quem o pedido se refira.

A previsão expressa, nos termos em que vem formulada, não se revelará, contudo, necessária. A execução do pedido é feita em conformidade com a lei portuguesa, e esta contém as adequadas medidas destinadas a tornar efectiva a comparência e a entrega de coisas, objecto e documentos.

O nº 3 do artigo VIII prevê a possibilidade de participação nas diligências de pessoas (oficiais, funcionários) indicadas pelo Estado requerente, impondo a possibilidade de tais pessoas formularem perguntas à pessoa que preste declarações.

A participação de autoridades judiciárias e de polícia criminal estrangeiras em actos de carácter processual penal no âmbito da execução de um pedido de cooperação está prevista no artigo 135º, nº 3, alínea b) e no 4 do Decreto–Lei nº 43/91: depende da autorização do Ministro da Justiça e é admitida exclusivamente a título de coadjuvação da autoridade judiciária ou de polícia criminal portuguesas competentes para o acto.

A disposição do texto proposto, na incondicionalidade e amplitude que revela, vai além dos termos em que a lei interna admite a intervenção de autoridades estrangeiras em actos de processo penal que devam realizar-se em território português.

O nº 2º do artigo VIII proposto é unicamente instrumental em relação à possibilidade de assistência das pessoas indicadas pelo Estado requerente.

A imunidade, incapacidade ou privilégio previstas no artigo VIII, nº 4, sendo relativa à legislação do Estado requerente, deverá, por este, ser considerada e admitida. Porém, a obrigatoriedade de consignação da prova antes da decisão sobre imunidade ou privilégio poderá, no rigor das coisas, frustar a garantia.


2. O artigo IX prevê a entrega de documentos no âmbito de execução de um pedido de cooperação, quer sejam documentos públicos e livres de quaisquer limitação ou embargo, quer de documentos ou informações na posse de entidade oficial não disponíveis publicamente, mas que possam ser obtidos pelas entidades administrativas, policiais ou judiciais - nºs. 1 e 2.

A identidade de condições previstas e a aplicação da lei nacional na execução de pedido não colocará dificuldades quando considerado o âmbito da matéria no plano da lei interna.


3. O artigo X do texto proposto dispõe sobre o pedido e as condições de comparência de pessoas no Estado requerente para prestar declarações ou para outras finalidades.

O nº 2 refere-se aos termos gerais: a função do Estado requerido será a de convidar a pessoa a apresentar-se perante a autoridade do Estado requerente.

É, também, em termos semelhantes que dispõe o artigo 144º, nºs. 1 e 2 do Decreto–Lei nº 43/90: o pedido de notificação para comparência não obriga o destinatário, sendo a pessoa advertida do direito de recusar a comparência .

No entanto, a autoridade portuguesa deve recusar a notificação se não estiverem asseguradas as medidas necessárias à segurança da pessoa - artigo 144º, nº 3. Esta disposição da lei interna é mais exigente de que se prevê no artigo X, nº 2º: aqui apenas se prevê que o Estado requerente pode outorgar garantias de segurança a pedido da pessoa convidada a comparecer.

Os nºs 3 e 5 do artigo X, por seu lado, dispõem sobre garantias de pessoa convidada a comparecer perante as autoridades do Estado requerente - essencialmente a garantia de imunidade e sua duração.

Fazem-no, porém, em modo que não satisfaz os critérios da lei interna sobre a matéria. Enquanto que o salvo-conduto exigido no artigo 146º do Decreto–Lei nº 43/91 deriva da lei e é total, a disposição do texto proposto limita-se a considerar que o Estado requerente poderá determinar que a pessoa não seja sujeita a autos ou a procedimentos cobertos pela imunidade.

Ao prever um poder do Estado requerente e ao deixar na disponibilidade deste a concessão de imunidade, o texto proposto não está de acordo com as exigências imperativas da lei interna na matéria.

Além de que o prazo de imunidade previsto (10 dias) à inferior àquele que, com maior razoabilidade, a lei interna prevê (45 dias).

De todo o modo, o disposto no artigo X, nº 4 (como concretização do princípio da especialidade) conforma-se com as condições referidas no artigo 146º, nº 1, alínea b): a pessoa que comparece não pode ser obrigada, sem seu consentimento, a prestar declarações em processo diferente daquele a que se refere o pedido.


VII

1. A medida de cooperação prevista no artigo XI do texto proposto - a presença no Estado requerente de uma pessoa detida ou sujeita a um processo penal no Estado requerido - está, também, prevista na lei interna - artigos 145º, nº 1 do Decreto–Lei nº 43/91.

É certo que a lei interna se refere neste aspecto apenas a pessoa detida ou presa em Portugal. Mas o princípio deverá valer para outras situações de sujeição a processo penal de pessoas que não estejam presas ou detidas, podendo, neste caso, caber no espaço de previsão do artigo 144º.

O nº 2 do artigo XI contém o mesmo princípio e a mesma solução relativamente a pessoa detida ou sujeita a processo penal no Estado requerente. De um ponto de vista permanente lógico a expressa previsão parece querer traduzir a exacta medida da reciprocidade. Podem, contudo, suscitar-se algumas dúvidas sobre se, no plano da construção jurídica de um instrumento, o nº 2 será necessário. Com efeito, como previsão e solução, nada acrescenta de novo aos termos e ao conteúdo da medida de cooperação prevista no nº 1: o ‘Estado requerido’ que se prevê no nº 2 não faz sentido quando se trate de uma medida de cooperação que deve ser solicitada (princípio do pedido). E se a medida deve ser solicitada, então o Estado deixa de ser requerido e passa, nesses termos, a Estado requerente, aplicando-se a nº 1 da disposição.


2. O nº 3 contém cláusulas de precisão e salvaguarda que constituem consequências directas (logo nos limites da necessária boa-fé) da execução da medida de cooperação prevista.

No que tem de substancial (alínea c)), constitui solução que consta, também, expressamente da lei interna - artigo 145º, nº 3 do Decreto–Lei nº 43/91.


VIII

1. Os artigos XII e XIV a XVI do texto referem-se a medidas, efectivas ou instrumentais, relativas a bens, produtos ou instrumentos de um crime.

Fazem-no, em geral, em termos usualmente aceites nas praxes da cooperação internacional em matéria penal e bastante próximas da previsão da lei interna quanto a esta matéria.

No artigo XII impõe-se ao Estado requerido que tome todas as medidas necessárias para determinar a localização e identificação de pessoas e bens.

A identificação e localização de pessoas constitui (ou pode constituir) um procedimento instrumental, prévio e necessário, relativamente às medidas de cooperação sobre a notificação de pessoas – notificação de documentos, ou notificação para comparência – artigos 143º e 144º do Decreto-Lei nº 43/91.

A identificação e localização de bens, por seu lado, enquanto tal, está expressamente prevista como modalidade de auxílio no artigo 149º, nº 1, da lei interna de cooperação.


2. O artigo XIV dispõe sobre busca e apreensão de bens e respectivo envio ao Estado requerente.

De modo idêntico se dispõe nos artigos 148º, nº 1, e 135º, nº 2, alínea c), do Decreto–Lei nº 43/98.

Todavia, muito embora a modalidade de auxílio deva ser enquadrada na lei do Estado requerido, a condição imposta no artigo 148º, nº 4, deverá ser acautelada: “o envio de objectos, valores, processos ou documentos pode ser adiado se os mesmos forem necessários para os fins de um processo penal em curso.”

A protecção dos interesse de terceiros prevista no artigo XIV, nº 2º constitui uma exigência geral, que decorre dos princípios da boa fé e que também a lei interna expressamente prevê - artigo 147º, nº 2º do referido Decreto–Lei nº 43/91.


3. O artigo XV prevê que o Estado requerido possa exigir que a Autoridade Central do Estado requerente devolva quaisquer bens, incluindo documentos, registos ou provas que lhe tenham sido entregues em execução de um pedido de auxílio judiciário.

A generalidade da referência não permite uma ponderação específica sobre os motivos nem sobre a justificação da previsão.

Será, naturalmente, questão a esclarecer no eventual procedimento de negociação, sendo que a lei interna (artigo 148º, nº 3) apenas prevê a devolução no caso de envio de processos penais ou outros.


4. O artigo XVI dispõe sobre modalidades de auxílio nos procedimentos de ‘confisco’ - isto é, na linguagem da lei nacional, declaração de perda dos instrumentos ou produtos do crime.

As hipóteses que se prevêem estão, no essencial, contempladas também no artigo 149º do Decreto–Lei nº 43/91.

A informação quanto à existência de produtos, objectos ou instrumentos do crime é instrumental em relação a todos os procedimentos do auxílio nesta matéria, e está pressuposta nas medidas previstas nos nºs 1 e 2 do artigo 149º.

O cumprimento e execução da decisão de perda (artigo XVI, nº 2 do texto proposto) está igualmente previsto nos nºs. 3 e 4 do referido artigo 149º - a autoridade portuguesa providencia pelo cumprimento da decisão, tomando todas as medidas cautelares necessárias. Todavia, num eventual acordo deve ser assegurado o respeito pelo sistema interno de execução de decisões estrangeiras (remissão expressa do nº 3 do artigo 149º para o Título IV do diploma).

Os artigos XVII e segs. do texto proposto não suscitam comentários particulares. Trata-se de disposições muito usuais em acordos internacionais.


Conclusões:

1º O texto proposto pela Venezuela para cooperação internacional em matéria penal é, no essencial, conforme com o ordenamento jurídico nacional, podendo, nessa medida, servir de base às discussões para celebração de um Acordo;

2º Na eventualidade de celebração de tal Acordo, recomenda-se que sejam tomadas em consideração, na discussão negocial, as observações formuladas na presente Informação-Parecer.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 1999

O Procurador-Geral Adjunto
(António Silva Henriques Gaspar)





[1]) O ofício vem acompanhado da cópia de uma carta do Fiscal General da Venezuela dirigida ao Embaixador português em Caracas, sugerindo a conveniência em estabelecer um Protocolo de Auxílio Judicial em matéria penal entre a Venezuela e Portugal.
[2]) Cfr. a Informação-Parecer deste Conselho nº 40/97, de 7 de Novembro de 1997, que por momentos se segue.
[3]) Cfr. Manuel António Lopes Rocha e Teresa Alves Martins, “Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Comentários” – ed. Aequitas, 1992, pág. 198.
[4]) Cfr. v.g., o Rapport Explicatif sur la Convention européenne d’Entraide judiciaire en Matière Pénale, ed. Do Conseil de l’Europe.
[5]) Cfr. Informação-Parecer nº 40/97, cit.
[6]) Como se referiu, um Acordo de Cooperação Judiciária entre a Venezuela e os Estados Unidos da América.
Anotações
Legislação: 
DL 43/91 DE 1991/01/22 ART2 ART6 ART7 N1 A B N2 A D ART17 N1 ART23 ART25 N1 N2 A B C D N4 ART27 ART43 ART102 ART133 ART135 N1 N2 B C D E N3 B N4 ART136 ART13 N1 ART138 ART139 ART143 ART144 N1 N2 N3 ART145 N1 N3 ART146 N1 B ART147 N2 ART148 N1 N3 N4 ART149 N1 N2 N3 N4 ART153.
Referências Complementares: 
DIR INT PUBL * DIR PENAL INT * TRATADOS.
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