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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
64/1995, de 20.03.1996
Data do Parecer: 
20-03-1996
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Energia
Relator: 
FERREIRA RAMOS
Descritores e Conclusões
Descritores: 
SANTA CASA DA MISERICORDIA DE LISBOA
PESSOA COLECTIVA DE UTILIDADE PÚBLICA ADMINISTRATIVA
REGIME DE PESSOAL
FUNCIONÁRIO PÚBLICO
CONTRATO DE TRABALHO
TUTELA ADMINISTRATIVA
RECURSO TUTELAR
CONCURSO
LISTA DE CLASSIFICAÇÃO FINAL
DIREITO DE RECURSO
Conclusões: 
1 - A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (artigo 1, n 1, dos Estatutos aprovados pelo Decreto Lei n 322/91, de 26 de Agosto);
2 - Até à publicação dos Estatutos referidos na conclusão anterior, o regime jurídico - funcional do pessoal da Misericórdia de Lisboa estava essencialmente moldado segundo um regime de direito público, gozando de um estatuto de funcionário público;
3 - Com a publicação, em 1991, dos referidos Estatutos o regime do pessoal da Misericórdia de Lisboa ficou estruturado com base na disciplina do contrato individual de trabalho (artigo 25), o qual, porém, só é obrigatório para o pessoal admitido já na vigência desses Estatutos;
4 - O artigo 26, n 1, dos Estatutos consagrou o direito de opção definitiva e individual pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho para o pessoal com vínculo definitivo, à data da entrada em vigor dos Estatutos;
5 - O pessoal com vínculo definitivo que não exerça a opção prevista no n 1 do citado artigo 26, mantém todos os direitos e regalias de que seja titular, e é integrado em quadro a criar especificamente para o efeito, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sem prejuízo das respectivas carreiras (artigo 27);
6 - O pessoal referido na conclusão anterior goza do direito de recurso nas situações contempladas nos artigos 24, n 3 - da lista de candidatos admitidos e excluídos a concurso - e 34 - da homologação da lista de classificação final -, ambos do Decreto Lei n 498/88, de 30 de Dezembro;
7 - A tutela sobre a Misericórdia de Lisboa é exercida pelo membro ou membros do Governo que superintendam nas áreas da saúde e da segurança social (artigo 6, n 1, dos Estatutos), encontrando-se hoje aquela Instituição na dependência conjunta do Ministério da Saúde e do Ministério da Solidariedade e Segurança Social;
8 - Aos Ministros da Saúde e da Solidariedade e Segurança Social cabe apreciar e decidir, em conjunto, os recursos referidos na conclusão 6.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Solidariedade e Segurança Social,

Excelência:

1

Em Informação-Parecer da Direcção de Serviços Jurídicos do Ministério do Emprego e da Segurança Social, datada de 28 de Outubro de 1994, pretendeu-se "demonstrar a dificuldade de interpretação do artigo 6º, nº 1, dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) quando, num concurso de promoção, os candidatos pretendam impugnar graciosamente a sua exclusão da lista dos candidatos admitidos e excluídos, nos casos em que o órgão máximo do serviço seja membro do júri, ou quando pretendam recorrer do acto de homologação da lista de classificação final".
Reconhecendo que a questão só se coloca em relação ao pessoal que mantém o regime laboral de direito público ao abrigo do disposto no artigo 27º dos Estatutos, a primeira dúvida suscitada reconduz-se à aplicabilidade, a esse pessoal, da disciplina contida no Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro, e, mais especificamente, ao "direito de ser seleccionado, em concurso de promoção, com observância dessa disciplina".
Tendo a referida Informação concluído por essa aplicabilidade, equaciona-se, de seguida, a seguinte questão:
Nos casos em que o Decreto-Lei nº 498/88 assegura aos concorrentes o direito de recurso para o membro do Governo - é o caso dos artigos
24º, nº 3, e 34º - o pessoal da SCML com estatuto público fica privado de utilizar esse direito de impugnação?
Aceitando-se que uma resposta negativa decorre ínsita do disposto no artigo 27º dos Estatutos, resta à questão nuclear que determinou a presente consulta - qual o membro do Governo competente para apreciar o recurso, uma vez que o artigo 6º, nº 1, dos Estatutos dispõe que a tutela sobre a SCML é exercida pelo membro ou membros do Governo que superintendam nas áreas da saúde e da segurança social.
Como Vossa Excelência se dignou concordar com a sugestão de esta questão ser submetida a parecer da Procuradoria-Geral da República, cumpre emiti-lo.
2
2.1. Este corpo consultivo já por diversas vezes foi chamado a pronunciar-se sobre a natureza jurídica da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (ML).
E se a conclusão alcançada nem sempre foi a mesma, tal não pode surpreender face ao diferente quadro legal que a tem regido.
No parecer nº 138/76 (1), concluiu-se que a ML não é um instituto público, mas uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
Ao invés, no parecer nº 17/82 (2) entendeu-se que a ML é um instituto público, que reveste a natureza de serviço personalizado, regido por legislação especial (Decreto-Lei nº 519-G2/79, de 29 de Dezembro).
Operada a revogação do referido Decreto-Lei nº 519- G2/79, pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, o parecer nº 17/82, Comp. (3) concluiria que a ML voltou a ser uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (e não um instituto público).
Os actuais Estatutos - aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto - qualificam-na expressamente como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (artigo 1º, nº 1, acrescentando o nº 2 que ela se rege pelos presentes Estatutos, pelas normas que lhe sejam especialmente aplicáveis e não contrariem os presentes Estatutos e, nos casos omissos, analogicamente, pelas normas aplicáveis às restantes misericórdias).
2.2. Neste contexto, seja-nos permitido um breve parêntesis para referir que autores há que defendem a tese da extinção da referida categoria de pessoas colectivas (4), enquanto outros sustentam que as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa continuam a existir, como categoria autónoma, nos quadros do direito positivo português (5) - entendimento este que tem sido acolhido por este Conselho Consultivo (6), e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (7).
3
3.1. O Decreto-Lei nº 40397, de 24 de Novembro de 1955, reorganizou a ML no propósito de a valorizar, reconhecendo-lhe "na hierarquia da assistência, e por forma expressa, a categoria que devem conferir-lhe a natureza e extensão da função que exerce e os numerosos e complexos serviços e estabelecimentos a seu cargo" (passo preambular).
Gozava de personalidade jurídica e de autonomia administrativa e financeira, e estava "sujeita ao regime dos artigos 113º e seguintes do Decreto-Lei nº 35108, de 7 de Novembro de 1945, na parte que não for especialmente regulada neste diploma" (artigo 1º) (8).
No que ora importa, sublinhe-se que o provimento do pessoal era feito, a solicitação da mesa da Misericórdia, pelo Ministro do Interior, "de harmonia com o disposto nos artigos 171º e 172 do Decreto-Lei nº 35108, e mais legislação aplicável, em tudo quanto não for especialmente previsto neste diploma" (artigos 27º e 17º, nº 9).
No tocante "à disciplina, faltas, licenças, antiguidades, limite de idade e ajudas de custo", o pessoal estava sujeito ao "regime geral dos funcionários civis do Estado" (cfr. artigo 35º).
Pode, assim, dizer-se que o regime jurídico- funcional do pessoal da ML estava essencialmente moldado segundo um regime de direito público - os seus trabalhadores estavam sujeitos a uma relação de emprego público, podendo mesmo afirmar-se que tinham um estatuto de funcionários públicos.
3.2. A situação altera-se radicalmente com a publicação do citado Decreto-Lei nº 322/91 - que aprovou os Estatutos da ML e, bem assim, os Regulamentos do Departamento de Gestão Imobiliária e Património e do Departamento de Jogos.
Na verdade, com a publicação desses Estatutos o regime do pessoal da ML ficou estruturado com base na disciplina do contrato individual de trabalho, instituindo-se como regime regra o aplicável a este tipo de contrato.
Teve-se em vista, segundo o relatório preambular, criar condições para maior eficácia na prossecução dos objectivos sociais da ML, petrechando-a com os meios de gestão e enquadrando os instrumentos de criação de recursos do modo mais adequado a suportar a sua insubstituível acção de solidariedade social.
Como traços marcantes desta intenção apontam-se, entre outros:
- a definição de um regime de pessoal consentâneo com a evolução e características específicas da ML, salvaguardando-se os direitos e regalias que as acções e omissões legislativas do passado integraram na esfera jurídica dos seus trabalhadores com vínculo definitivo, considerando-se, como tal, os trabalhadores com a situação jurídico-laboral regularizada e sem termo;
- o acento da tutela fiscalizadora da acção e gestão da instituição, como consequência da assunção da sua verdadeira natureza jurídica, ou seja, de uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa.
3.2.1. Na concretização deste propósito, dispôs o artigo 25º dos Estatutos, sob a epígrafe "Regime geral":
"O regime jurídico aplicável ao pessoal da Misericórdia de Lisboa, incluindo os seus departamentos, é o do contrato individual do trabalho, com as adaptações decorrentes dos presentes Estatutos".
No entanto, o regime jurídico do contrato individual de trabalho só é obrigatório para o pessoal admitido já na vigência destes Estatutos; com efeito, o artigo 26º consagra um direito de opção nos seguintes termos:
"1 - O pessoal com vínculo definitivo, à data da entrada em vigor dos presentes Estatutos , à Misericórdia de Lisboa tem o direito de opção definitiva e individual pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho.
2 - A opção prevista no número anterior deve constar de documento particular, devidamente assinado, e determina a cessação do actual regime profissional.
3 - A opção referida no nº 1 deve ser comunicada no prazo de 120 dias após a entrada em vigor dos presentes Estatutos.
4 - Aos trabalhadores da Misericórdia de Lisboa que à data da entrada em vigor dos presentes Estatutos se encontrem em exercício de funções noutros organismos ou no gozo de licenças, o prazo referido no número anterior é contado a partir do reinício de funções na Misericórdia de Lisboa.
5 - Aos trabalhadores da Misericórdia de Lisboa que optarem pelo regime do contrato individual de trabalho é contada a totalidade do tempo de serviço até então prestado, designadamente para efeitos de atribuição das pensões a que tiverem direito, consoante o regime aplicável".
3.2.2. Impondo-se um diverso paradigma jus- laboral, entendeu-se ressalvar a situação dos que já eram trabalhadores, permitindo-lhes optar por um de dois regimes - salvaguardando-se, porém, os direitos e regalias que integravam a esfera jurídica dos trabalhadores com vínculo definitivo.
Assim, estabelece o artigo 27º (epigrafado de "Regime transitório"):
"O pessoal com vínculo definitivo à Misericórdia de Lisboa na data da entrada em vigor destes Estatutos e que não exerça a opção prevista no nº 1 do artigo anterior mantém todos os direitos e regalias de que seja titular e é integrado em quadro a criar especificamente para o efeito, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sem prejuízo das respectivas carreiras" (9).
Acrescente-se que este pessoal pode, segundo o nº 2 do artigo 29º, ser chamado a desempenhar funções no Estado ou em institutos públicos, autarquias locais e empresas públicas, em regime de requisição ou de comissão de serviço, com garantia do seu lugar de origem e dos direitos por eles adquiridos, considerando-se esse período como serviço prestado na Misericórdia de Lisboa.
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Temos, assim, claramente definido o universo pessoal a que respeita a consulta - esta prende-se, exclusivamente, com o pessoal que não exerceu a opção prevista no nº 1 do artigo 26º, mantendo, por isso, o regime laboral de direito público.
É em relação a esse pessoal que vem colocada a primeira dúvida a qual se reconduz, no fundo, à aplicabilidade do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro (10) - mais concretamente, pretende-se saber se
é aplicável o disposto nos artigos 24º, nº 3, e 34º.
4.1. O referido diploma estabelece os princípios gerais a que deverá obedecer o regime de recrutamento e selecção de pessoal para os quadros da Administração Pública, e o citado artigo 24º inclui-se no capítulo IV ("Processo de concurso comum"), sua secção III - ("Admissão a concurso").
Elaborada pelo júri a lista dos candidatos admitidos e excluídos do concurso, dispõe o nº 3 do preceito em causa:
"Os candidatos excluídos podem recorrer para o dirigente máximo do serviço ou para o membro do Governo competente, quando aquele seja membro do júri , no prazo de oito dias úteis a contar da data da publicação ou afixação da listas" (11).
O artigo 34º inclui-se, por seu turno, na secção V
- "Classificação dos candidatos".
Elaborada acta da qual constará a lista de classificação final e sua fundamentação, será a mesma homologada pelo dirigente máximo do serviço - "Da homologação feita pelo dirigente máximo do serviço cabe recurso, com efeito suspensivo, a interpor para o membro do Governo competente, nos termos estabelecidos no nº 3 do artigo 24º" (cfr. artigo 34º, nº 1).
4.2. Uma resposta positiva à questão equacionada - direito de recurso, em concurso de promoção, para o membro do Governo competente - depara, ao menos numa primeira aproximação, com duas ordens de dificuldades.
Assim se reconhece na Informação-Parecer aludida no ponto 1., ao considerar:
- por um lado, que a ML não configura uma "instituição destinatária da aplicação" do Decreto-Lei nº 498/88; e,
- por outro, que os Estatutos não instituem a sujeição a tutela da ML, "em matéria de selecção de pessoal", sendo certo que os poderes de tutela, pelo seu carácter excepcional, só existem nos casos e nos termos expressamente previstos na lei.
4.3. Na verdade, o âmbito de aplicação do Decreto-Lei nº 498/88 é assim definido pelo seu artigo 2º:
"O regime estabelecido neste diploma aplica-se aos serviços e organismos da Administração Pública e aos institutos públicos que revistam a natureza de serviços personalizados ou de fundos públicos" (12).
Ora, neste elenco não se incluem, seguramente, as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa - natureza que hoje reveste, legalmente, a ML.
E também é verdade que os Estatutos não sujeitam a ML a tutela em matéria de pessoal.
Vejamos com mais detalhe, respigando dos pertinentes textos dos Estatutos.
4.3.1. Após o artigo 5º prescrever que, "sem prejuízo dos poderes de tutela do Governo, a Misericórdia de Lisboa exerce a sua actividade em conformidade com a sua natureza", o artigo 6º dispõe como segue:
"1. A tutela sobre a Misericórdia de Lisboa é exercida pelo membro ou membros do Governo que superintendam nas áreas da saúde e da segurança social.
2. A tutela abrange, além dos poderes especialmente previstos nestes Estatutos, a definição das orientações gerais de gestão, a fiscalização da actividade da Misericórdia de Lisboa e a sua coordenação com os organismos do Estado ou dele dependentes".
Temos, assim, delimitado, pelo nº 2, o âmbito da tutela do Governo sobre a ML:
- definição das orientações gerais de gestão;
- fiscalização da respectiva actividade; e
- sua coordenação com os organismos do Estado ou dele dependentes.
4.3.2. Mas para além destas três grandes áreas, a tutela também se concretiza e manifesta em certos poderes especialmente previstos nos Estatutos.
E há que reconhecer que são inúmeras as referências a poderes tutelares no articulado estatutário. Assim:
- artigo 13º, nºs. 2, 3, 5, 6, 7 e 8: nomeação do provedor, vice-provedor e adjuntos;
.- artigo 14º, nº 1: aprovação pela tutela dos planos de actividade e orçamentos (alínea a)), do relatório e contas de gerência (alínea b)), das propostas de contracção de empréstimos (alínea g));
- artigo 14º, nº 1: homologação pela tutela da organização interna e funcionamento dos estabelecimentos da ML (alínea d));
- artigo 14º, nº 1: prévia autorização da tutela para a criação e a participação na constituição de sociedades e outras pessoas colectivas (alínea h)), para a nomeação de representantes para os órgãos sociais das entidades referidas na alínea anterior (alínea i)) e para a aquisição, alienação e oneração de bens imóveis (alínea j));
- artigo 15º, nº 3: apreciação pela tutela de deliberações suspensas pelo provedor por as considerar ilegais ou contrárias aos Estatutos e em que tenha ficado vencido;
- artigo 16º, nº 1, alínea d): competência do provedor para submeter a despacho da tutela os assuntos que dela careçam;
- artigo 20º, nº 6: remuneração dos membros do conselho de auditoria nos termos estabelecidos pela tutela;
- artigo 24º, nº 2: sujeição da exploração de jogos à fiscalização da Inspecção-Geral de Jogos, sem prejuízo dos poderes de tutela previstos nos Estatutos;
- artigo 35º: amplos poderes de tutela em matéria de orçamento e contas.
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5.1. Como vimos, são numerosas e significativas as referências aos poderes de tutela por parte do Governo sobre a ML - o que não pode surpreender face à valia e amplitude da acção desenvolvida pela instituição na prossecução dos seus fins estatutários (de acção social, de prestação de cuidados de saúde, de educação e cultura e de promoção da qualidade de vida - cfr. artigo 2º dos Estatutos).
Todavia, nenhum desses poderes de tutela respeita, por qualquer forma, a matéria de pessoal e muito menos a concursos de promoção.
Aliás, no capítulo IV, epigrafado "Do pessoal" - e abrangendo os artigos 25º a 31º (13) - não se contém a mínima alusão a poderes da tutela neste domínio.
Ora, representando uma limitação de natureza excepcional à autonomia das instituições, a Doutrina e a Jurisprudência entendem concordantemente que a tutela administrativa não se presume, na falta de texto legal; sendo a liberdade a regra, e o controlo a excepção, tem de um texto estabelecer o seu princípio, designar a autoridade que o exerce em nome do Estado, fixar a sua extensão (legalidade ou oportunidade) e os seus métodos (14).
Como se acentuou no parecer nº 51/90 (15), fora ou para além das prescrições legais, a tutela acaba e a liberdade retoma o seu domínio; donde a fórmula clássica: "Não há tutela sem texto, não há tutela para além dos textos".
Parecer que, a propósito, extraiu a seguinte conclusão:
"A extensão e conteúdo dos poderes de tutela, bem como as modalidades concretas de intervenção tutelar não se presumem, existindo nos termos precisos, expressamente estabelecidos por lei".
5.2. Foram dificuldades desta dupla ordem - a ML não é destinatária da aplicação do Decreto-Lei nº 498/88, por um lado, e, por outro, a não previsão estatutária de tutela na matéria, conjugada com a natureza excepcional deste instituto - que a Informação- Parecer apontou.
Não obstante, concluiu que o pessoal em causa não fica privado do direito de recurso para o membro do Governo, tal como se prevê nos artigos 24º, nº 3, e 34º, pois diferente entendimento implicaria uma "amputação da garantia de manutenção dos seus direitos, ao arrepio do que lhes assegura o artigo 27º dos Estatutos"; por outras palavras, considera que a conclusão que perfilha "transcorre ínsita do disposto no artigo 27º".
5.3. Também nós propendemos para este entendimento.
Diferentemente, porém, não conferimos valor decisivo ao argumento estribado no artigo 27º, cujo teor interessa agora recordar:
"O pessoal com vínculo definitivo à Misericórdia de Lisboa na data da entrada em vigor destes Estatutos e que não exerça a opção prevista no nº 1 do artigo anterior mantém todos os direitos e regalias de que seja titular e é integrado em quadro a criar especificamente para o efeito, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sem prejuízo das respectivas carreiras".
5.3.1. Se bem pensamos, a manutenção de todos os direitos e regalias de que o pessoal era titular - ou seja, para utilizar expressão preambular, dos direitos e regalias que as acções e omissões legislativas do passado integraram na esfera jurídica dos trabalhadores com vínculo definitivo - tem fundamentalmente a ver com o estatuto desse pessoal (abrangendo, por exemplo, aspectos como a remuneração, tempo de serviço, antiguidade, categoria , progressão na carreira, disciplina, limites de idade).
Embora se possa aceitar que o direito de recurso consignado nos citados artigos 24º, nº 3, e 34º se compreenda nos direitos e regalias cuja manutenção é garantida pelo citado artigo 27º, afigura-se que ele não será um dos especialmente visados por esta ressalva.
5.3.2. A nosso ver, aquele direito de recurso resultará, decisiva e fundamentalmente, dos elementos já anteriormente descritos, e que se reconduzem à especial "natureza" do pessoal aqui em causa (ou melhor do seu regime jurídico).
Trata-se, como vimos, de pessoal sujeito ao regime geral dos funcionários civis do Estado, cujo regime jurídico-funcional está essencialmente moldado segundo um regime de direito público - em suma, que goza de um estatuto de funcionário público.
Por isso o entendermos que lhes assiste o direito de recurso para o membro do Governo nas situações contempladas nos artigos 24º, nº 3, e 34º do Decreto-Lei nº 498/88.
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Uma outra questão é submetida à nossa apreciação: qual o membro do Governo competente para apreciar e decidir esses recursos.
A questão surge porque, segundo o artigo 6º, nº 1, dos Estatutos, a tutela sobre a ML é exercida pelo membro ou membros do Governo que superintendam nas áreas da saúde e da segurança social.
6.1. Esta redacção - refere a aludida Informação- Parecer - apresenta-se de difícil corporização em termos de certeza sobre o membro do Governo competente, já que o termo "áreas" não é de significação unívoca ou inequívoca - tanto pode ele reportar-se a área de actividade, como a áreas funcionais ou de carreiras.
E prossegue: "claro que nos casos de concursos de pessoal pertencentes à carreira médica, à carreira técnica de saúde ou à carreira de enfermagem, parece-nos inquestionável que a tutela está cometida ao Ministério da Saúde. Mas se se tratar de um concurso levado a cabo num estabelecimento de ensino, ou num departamento da área da cultura ou da promoção da qualidade de vida, para a carreira de oficial administrativo ou para a carreira técnica superior de organização e gestão ou outra que não tenha correspondência nominal com o âmbito de intervenção específica da instituição, não é facilmente determinável qual o membro do Governo a quem deve ser dirigido o recurso".
6.2. Se bem pensamos, as dificuldades serão aparentes ou, pelo menos, não se revelam inultrapassáveis.
Repare-se, desde logo, que a letra do transcrito nº 1 do artigo 6º logo sugere que estamos perante uma tutela que pode ser exercida por um membro do Governo, mas que deverá ser exercida por dois membros do Governo, desde que as áreas da saúde e da segurança social se não encontrem unificadas (integradas) sob o mesmo Ministério (ou, porventura melhor, sob o mesmo membro do Governo).
Portanto, desde que se encontrem num só membro do Governo as áreas da saúde e da segurança social, a esse (e só a esse) caberá o exercício da tutela.
Ao invés, se as áreas da saúde e da segurança social se repartem ou estão sob a responsabilidade de diferentes membros do Governo, que sobre elas superintendem, parece-nos legítimo entender que a tutela
é exercida em conjunto por esses membros do Governo, independentemente da (natureza) matéria ou questão sujeita a tutela.
Aliás, sublinhe-se, em nenhum dos vários preceitos estatutários atrás recenseados, que prevêem especialmente os poderes de tutela, se faz qualquer distinção sobre o membro do Governo competente para o exercício dessa tutela.
Entendimento que, aliás, surge reforçado face ao disposto no artigo 24º do Decreto-Lei nº 296-A/95, de 17 de Novembro.
Este diploma aprovou a Lei Orgânica do XIII Governo Constitucional, que é integrado, entre outros, pelo Ministro da Saúde e pelo Ministro da Solidariedade e Segurança Social (cindiu-se o anterior Ministério do Emprego e da Segurança Social, surgindo o Ministério para a Qualificação e o Emprego e o Ministério da Solidariedade e Segurança Social).
Ora, o artigo 24º do diploma em referência dispõe como segue:
"Fica na dependência conjunta do Ministério da Saúde e do Ministério da Solidariedade e Segurança Social a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa" (16).
7
Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:
1ª A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma pessoa colectiva de utilidade pública administrativa (artigo 1º, nº 1, dos Estatutos aprovados pelo Decreto-Lei nº 322/91, de 26 de Agosto);
2ª Até à publicação dos Estatutos referidos na conclusão anterior, o regime jurídico - funcional do pessoal da Misericórdia de Lisboa estava essencialmente moldado segundo um regime de direito público, gozando de um estatuto de funcionário público;
3ª Com a publicação, em 1991, dos referidos Estatutos o regime do pessoal da Misericórdia de Lisboa ficou estruturado com base na disciplina do contrato individual de trabalho (artigo 25º), o qual, porém, só é obrigatório para o pessoal admitido já na vigência desses Estatutos;
4ª O artigo 26º, nº 1, dos Estatutos consagrou o direito de opção definitiva e individual pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho para o pessoal com vínculo definitivo, à data da entrada em vigor dos Estatutos;
5ª O pessoal com vínculo definitivo que não exerça a opção prevista no nº 1 do citado artigo 26º, mantém todos os direitos e regalias de que seja titular, e é integrado em quadro a criar especificamente para o efeito, cujos lugares são extintos à medida que vagarem, sem prejuízo das respectivas carreiras (artigo 27º);
6ª O pessoal referido na conclusão anterior goza do direito de recurso nas situações contempladas nos artigos 24º, nº 3 - da lista de candidatos admitidos e excluídos a concurso - e 34º - da homologação da lista de classificação final -, ambos do Decreto-Lei nº 498/88, de 30 de Dezembro;
7ª - A tutela sobre a Misericórdia de Lisboa é exercida pelo membro ou membros do Governo que superintendam nas áreas da saúde e da segurança social (artigo 6º, nº 1, dos Estatutos), encontrando-se hoje aquela Instituição na dependência conjunta do Ministério da Saúde e do Ministério da Solidariedade e Segurança Social;
8ª Aos Ministros da Saúde e da Solidariedade e Segurança Social cabe apreciar e decidir, em conjunto, os recursos referidos na conclusão 6ª.
_______________________________
1) Votado na sessão de 17.03.77.
2) Publicado no Diário da República, II Série, nº 2, de 4/1/83, e no Boletim do Ministério da Justiça nº 323, pág. 152.
3) Publicado no Diário da República, II Série, nº 182, de 9/8/83, e no Boletim do Ministério da Justiça nº 332, pág. 197.
4) JORGE MIRANDA, "As Associações Públicas no Direito Português", 1985, págs. 12 e 13; CASTRO MENDES, "Teoria Geral do Direito Civil", Vol. I, 1978, pág. 292; SILVA LEAL, "Os Grupos Sociais e as Organizações na Constituição de 1976 - a rotura com o cooperativismo", in "Estudos sobre a Constituição ", vol. III, Lisboa, págs. 342 e seg.
5) FREITAS DO AMARAL, "Curso de Direito Administrativo", Livraria Almedina, 1986, Vol. I, págs. 552 a 557; cfr., também, MARCELLO CAETANO,
Manual de Direito Administrativo, 10ª Ed., 1980, tomo I, págs. 397 e segs.
6) Veja-se o parecer nº 51/90, de 27/9/90; cfr., também, os pareceres nº 39/79, de 19-04-79 e nº 17/84 publicado no Diário da República, II Série, nº 50, de 3/7/89, e no Boletim do Ministério da Justiça nº 346, pág. 39.
7) Cfr., entre outros, os acórdãos de 23/7/81, Recurso nº 12915, in Apêndice ao Diário da República, pág. 3696; de 21/1/82, Recurso nº 15083, in Acórdãos Doutrinais, nº 324, pág. 1568; de 5/788, in Apêndice ao Diário da República, de 30/10/9 3, pág. 3798;
Compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer dos recursos de actos administrativos das pessoas colectivas de utilidade pública administrativa (artigo 51º, alínea c), do ETAF - aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril); cfr., a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31/1/89, in Apêndice ao Diário da República de 14/11/94, págs. 693 e segs. .
8) Respeitante à ML foi, entretanto, sendo publicada significativa e abundante legislação. Assim, entre outra:
- Decreto-Lei nº 692/70, de 30 de Dezembro ("actualiza o funcionamento dos serviços da SCML e insere disposições legislativas respeitantes a pessoal, com vista à uniformização de categorias e vencimentos e à sua integração nos novos quadros, qualquer que tenha sido o regime de admissão");
- Decreto-Lei nº 414/91, de 22 de Outubro ("visa definir o regime legal da carreira dos técnicos superiores de saúde dos serviços e estabelecimentos do Ministério da Saúde e da SCML", alterado pelo Decreto-Lei nº 240/93, de 8 de Julho;
- Decreto-Lei nº 213/92, de 21 de Outubro ("reformula as carreiras profissionais do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde", aplicando-se à SCML relativamente ao pessoal dos estabelecimentos e serviços da área da saúde que optem pela manutenção do regime da função pública - cfr. artigo 1º, nº 2).
Sobre quadros de pessoal da ML vejam-se a Portaria nº 494/81, de 17 de Junho, o Decreto nº 76/81, de 17 de Junho, o Decreto Regulamentar nº 38/83, de 7 de Maio, a Portaria nº 803/87, de 21 de Setembro, a Portaria nº 894/87, de 24 de Novembro, a Portaria nº 674/88, de 8 de Outubro e a Portaria nº 336/92, de 11 de Abril.
9) Segundo informação constante do acórdão do Tribunal Constitucional nº 229/94, Processo nº 174/92, in Diário da República, I Série-A, nº 95, de 23 de Abril de 1994, dos 3800 trabalhadores apenas 70 optaram pelo regime de contrato individual de trabalho.
10) Rectificado no Diário da República, I Série, nº 49, de 28/2/89, e nº 99, de 22/4/89.
11) Redacção do Decreto-Lei nº 215/95, de 22 de Agosto.
12) Refira-se que o artigo 3º excepciona da aplicação do regime consignado no diploma, certas categorias de pessoal - pessoal dirigente, pessoal das carreiras diplomáticas, docente, de investigação, médico, de enfermagem, de técnicos de diagnóstico e terapêutica, administradores hospitalares e das forças de segurança.
13) Por Acórdão nº 229/94, Processo nº 174/92, in Diário da República, II Série-A, de 23/4/94, o Tribunal Constitucional decidiu: a) declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 30º, nºs. 1 e 2, dos Estatutos da ML, mas tão-só na parte que atribui à mesa da Misericórdia competência para fixar e rever, unilateralmente, as remunerações (normais e complementares) dos seus trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho; b) Não declarar a inconstitucionalidade das restantes normas objecto do pedido (artigos 25º a 31º, e 20º do Regulamento do Departamento de Jogos).
14) Segundo o artigo 177º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo, "O recurso tutelar só existe nos casos expressamente previstos por lei e tem, salvo disposição em contrário, carácter facultativo", acrescentando o seu nº 3: "O recurso tutelar só pode ter por fundamento a inconveniência do acto recorrido no casos em que a lei estabelece uma tutela de mérito".
15) Neste parecer citam-se MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10º ed., 1980, tomo I, págs. 232 e 233, ANTÓNIO PEDROSA PIRES DE LIMA, "A Tutela Administrativa nas Autarquias Locais", 2ª ed., 1968, JEAN RIVERO, "Direito Administrativo", 1981, tradução, págs. 360 e 361; para além de outros pareceres - nºs. 90/85, no Diário da República, I Série de 23/3/90, 100/87 e 120/87, no Diário da República, II Série, de 7/9/88 e 29/4/88, respectivamente.
16) Repare-se, por exemplo, que a Casa Pia de Lisboa fica na (única) dependência do Ministro da Solidariedade e Segurança Social (artigo 22º, nº 3, alínea m)).
Anotações
Legislação: 
DL 40397 DE 1955/11/24 ART1 ART17 ART27 ART35.
DL 35108 DE 1945/11/07. DL 692/70 DE 1970/12/30.
DL 414/91 DE 1991/10/22.
DL 240/93 DE 1993/07/08.
DL 213/92 DE 1992/10/21 ART1 N2.
P 494/81 DE 1981/06/17. D 76/81 DE 1981/06/17.
DR 38/83 DE 1983/05/07. P 803/87 DE 1987/09/21.
P 894/87 DE 1987/11/24. P 674/88 DE 1988/10/08.
P 336/92 DE 1992/04/11.
DL 322/91 DE 1991/08/26 ART1 ART5 ART6 ART13 ART14 ART15 ART16 ART20 ART24 ART25 ART126 ART27 ART29 ART35.
DL 498/88 DE 1988/12/30 ART2 ART24 ART34.
DL 215/95 DE 1995/08/22. DL 296-A/95 DE 1995/11/17 ART24.
Jurisprudência: 
AC STA DE 1981/07/23 IN AP DR PAG. 3696.
AC STA DE 1982/01/21 IN AD N324 PAG 1568.
AC STA DE 1988/07/05 IN AP DR DE 1993/10/30 PAG 3798.
AC STA DE 1989/01/31 IN AD DR DE 1994/11/14 PAG 693.
AC TC 229/94 IN DR IS A N95 DE 1994/04/23.
Referências Complementares: 
DIR ADM * ASSOC PUBL * FUNÇÃO PUBL.
Divulgação
Número: 
DR176
Data: 
31-07-1996
Página: 
10646
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