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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
92/1991, de 30.03.1992
Data do Parecer: 
30-03-1992
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
SALVADOR DA COSTA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
ESCUTA TELEFONICA
PROCESSO PENAL
PROVA
INQUERITO
PREVENÇÃO CRIMINAL
SEGURANÇA INTERNA
MINISTERIO PUBLICO
ORGÃO DE POLICIA CRIMINAL
POLICIA JUDICIARIA
ATRIBUIÇÕES
Conclusões: 
1 - A Constituição da Republica Portuguesa reconhece em regra aos cidadãos o direito a palavra e a comunicação que constitui logica corolario do direito a liberdade individual (artigo 26, n 4);
2 - So a necessidade social da administração da justiça penal justifica a compressão, nos termos da lei, do direito dos cidadãos a palavra e a comunicação (artigos 34, n 4);
3 - O procedimento de intercepção telefonica ou similar consubstanciar-se na captação de uma comunicação entre pessoas diversas do interceptor por meio de um processo mecanico, sem conhecimento de, pelo menos, um dos interlocutores;
4 - A obtenção de provas relevantes para o processo penal atraves de escuta telefonica ou similar e susceptivel de afectar não so o estatuto processual do arguido ou do suspeito como tambem o direito individual a comunicação atraves da expressão verbal de quem nada tem a ver com a motivação da escuta, incluindo situações cobertas pelo segredo legal;
5 - Dai que, na limitação do referido direito deva estar sempre presente o principio da menor intervenção possivel, de que são corolarios aqueloutros da necessidade, adequação, e da proporcionalidade entre as necessidades de administração da justiça penal e a danosidade propria da ingerencia nas telecomunicações;
6 - A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefonicas ou similares so deve ser ordenada ou autorizada pelo juiz sob o seguinte condicionalismo:
- estarem em causa crimes puniveis com pena de prisão de maximo superior a tres anos, ou reletivos ao trafico de estupefaciantes, a armas, engenhos, materias explosivas e analogas, ao contrabando ou de injurias, ameaças, coacção ou de intromissão na vida privada quando cometidos atraves de telefone;
- revelar grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova (artigo 187, n 1, do Codigo de Processo Penal);
7 - O processo penal comum inicia-se com abertura da fase de inquerito, cujo ojecto se consubstancia nas diligencias tendentes a investigar a existencia de infracções criminais, determinar os seus agentes e respectivas responsabilidades e a descobrir e recolher as provas com vista a decisão do Ministerio Publico sobre o exercicio ou não da acção penal (artigo 262, n 1, do Codigo de Processo Penal);
8 - A fase processual de inquerito tem de iniciar-se logo que haja aquisição da noticia da existencia de uma infracção criminal idonea a formulação de um juizo objectivo de suspeita sobre a sua verificação:
9 - A obtenção de prova por meio de escutas telefonicas ou similares so e susceptivel de ser judicialmente autorizada a partir do inicio da fase processual de inquerito nos termos da conslusão anterior.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República
Excelência:


I

O Departamento de Investigação e Acção Penal - DIAP - sugeriu a V. Exª a reapreciação pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República da questão de saber se do auto a que se reporta o artigo 188º do Código do Processo Penal de 1987 - CPP - deverá ou não constar a transcrição do conteúdo das gravações ou comunicações telefónicas.
Tendo V. Exª decidido submeter a este corpo consultivo o reexame da questão supracitada, cumpre emitir o correspondente parecer.

II

1. Este Conselho Consultivo, em recente parecer que teve por objecto a questão de saber se podem ser autorizadas escutas telefónicas antes da abertura do inquérito e com base na mera suspeita da prática de um crime, pronunciou-se incidentalmente no sentido que do auto a que alude o artigo 188º do Código do Processo Penal de 1987 não tem de constar o conteúdo das conversas ou comunicações telefónicas interceptadas (1).

2. Há, no entanto, quem entenda que o aludido auto deve conter a transcrição do conteúdo da gravação (2).

3. A questão objecto deste parecer complementar consiste, pois, em saber se do auto a que respeita o nº 1 do artigo 188º do CPP deverá ou não constar a transcrição da comunicação telefónica ou similar interceptada.
A resposta à referida questão pressupõe, fundamentalmente, a interpretação do disposto no artigo 188º do CPP.
Com vista ao melhor esclarecimento da problemática enunciada, far--se-á, porém, referência a algumas soluções do direito comparado mais próximas do nosso ordenamento jurídico, e a uma ou outra disposição processual penal ou civil que seja pertinente.

III

1.1. Esta matéria é regulada em França no artigo 100º, nºs. 4 a 6, da Lei nº 91-646, de 10 de Julho de 1991.
O juiz de instrução ou o funcionário de polícia judiciária por aquele incumbido para o efeito organiza um auto de intercepção e gravação telefónica, que deve inserir o dia e a hora em que a operação começou e terminou, e as gravações são seladas.
O juiz de instrução ou o funcionário de polícia judiciária por aquele incumbido transcreve a comunicação com interesse para a descoberta da verdade em auto que é integrado no processo, sendo as comunicações em língua estrangeira vertidas em francês com a assistência de intérprete.
As gravações são destruídas a requerimento do procurador da República ou do procurador-geral logo que decorra o prazo de prescrição da acção penal, lavrando-se auto (3).
É de salientar, do regime de execução das escutas telefónicas vigente em França,que são lavrados dois autos, um relativo à intercepção e gravação e outro relativo à redução a escrito do respectivo conteúdo, sob a superintendência do juiz de instrução ou do funcionário da polícia judiciária incumbido da diligência por aquele magistrado.
A jurisprudência francesa tem entendido que o funcionário de polícia judiciária controla o registo das conversações telefónicas em banda magnética ou cassete, tal como a sua transcrição se ele próprio a não realizar, e que na escolha dos extractos a submeter a exame de jurisdição lhe cabe determiná-los, com sujeição a sanções penais, e que ele realiza todas essas tarefas sob a responsabilidade e controlo do juiz de instrução (4) (5).
1.2. Em Itália a execução das operações de intercepção e registo das comunicações telefónicas consta do artigo 268º do "Codice di Procedura Penale".
As comunicações interceptadas são gravadas e das operações é lavrado um auto, no qual é transcrito, ainda que sumariamente, o conteúdo das comunicações interceptadas.
As operações são executadas nas instalações da Procuradoria da República, podendo o Ministério Público, quando aquelas instalações o não permitam e em excepcional situação de urgência, ordenar que elas ocorram noutro serviço público ou, por delegação, na Polícia Judiciária.
Os autos e os registos são imediatamente transmitidos ao Ministério Público e, no prazo de 5 dias, contados do termo das operações, são depositados na secretaria juntamente com o despacho que tenha ordenado, autorizado ou prorrogado o prazo de intercepção, onde permanecerão pelo tempo fixado pelo Ministério Público, salvo se o juiz o entender desnecessário.
Se do depósito puder resultar grave prejuízo para a investigação, o juiz pode autorizar o Ministério Público a retardá-lo até ao encerramento do inquérito preliminar.
Os representantes das partes são imediatamente notificados de que no prazo fixado podem examinar os autos e ouvir as gravações.
Findo o referido prazo ordenará o juiz a aquisição das comunicações indicadas pelas partes que se não revelem manifestamente irrelevantes, e ordenará, oficiosamente, a eliminação das gravações e dos autos cuja utilização seja proibida.
O Ministério Público e os defensores podem participar na eliminação, sendo para o acto avisados pelo menos 24 horas antes.
O juiz ordena a transcrição integral das gravações a recolher, observando o formalismo, os meios e as garantias previstas para o desempenho da peritagem, que é inserida no processo com vista à instrução.
Os defensores podem extrair cópia das transcrições e fazer executar a transposição da gravação para fita magnética (6).
A doutrina italiana que se tem pronunciado sobre o disposto neste artigo tem concluído que só os documentos fónicos e os autos assumem relevo probatório e que a transcrição visa permitir o controlo das operações de escuta telefónica pela defesa aquando do depósito dos respectivos instrumentos.
A propósito desta normação, integrada num Código que influenciou de algum modo as soluções da nossa lei processual penal, importa sublinhar que dela resulta que o auto de intercepção e de gravação das comunicações telefónicas insere a transcrição, ainda que sumária, do respectivo conteúdo.

1.3. Em Espanha inexiste normação que discipline o procedimento relativo às operações de execução da intercepção das comunicações telefónicas ou a inserção do seu conteúdo nos autos (7).
1.4. Na Alemanha também a lei não prevê o regime de inserção no processo dos elementos recolhidos através da intercepção das comunicações telefónicas.
A jurisprudência tem, porém, admitido quer a reprodução das fitas magnéticas perante o juiz, como meio de prova de inspecção auricular, quer a transcrição do seu conteúdo nos autos, com a natureza de prova documental (8).

2.1. Vejamos agora o conteúdo do artigo 188º do CPP, que se reporta ao formalismo da intercepção e gravação das comunicações telefónicas, nos termos seguintes:
"1 - Da intercepção e gravação a que se refere o artigo anterior é lavrado auto, o qual, junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações (9).
"2. Se o juiz considerar os elementos recolhidos, ou alguns deles, relevantes para a prova, fá-los-á juntar ao processo; caso contrário ordena a sua destruição, ficando todos os participantes nas operações ligados por dever de segredo relativamente àquilo de que tenham tomado conhecimento.
"3. O arguido e o assistente, bem como as pessoas cujas conversações tiverem sido escutadas, podem examinar o auto para se inteirarem da conformidade das gravações e obterem, à sua custa, cópias dos elementos naquele referidos.
"4. Ressalva-se do disposto no número anterior o caso em que as operações tiverem sido ordenadas no decurso do inquérito ou da instrução e o juiz que as ordenou tiver razões para crer que o conhecimento do conteúdo das gravações, pelo arguido ou pelo assistente, poderia prejudicar as finalidades do inquérito ou da instrução".

2.2. Empreendamos a interpretação da transcrita normação .
A problemática da interpretação da lei processual penal não assume qualquer especialidade face aos princípios consignados no artigo 9º do Código Civil, aplicáveis à determinação do sentido prevalente de toda e qualquer norma jurídica, independentemente do ramo de direito em que se integre (10).
Atento, porém, o objecto do processo penal - realização do direito de punir do Estado -, releva particularmente em sede de interpretação da normativa a consideração do fim do processo e o princípio da interpretação conforme à Constituição (11).

2.3. O artigo 9º do Código Civil prescreve, sobre a interpretação da lei, que:
"1. A interpretação não deve cingir-se à letra de lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
"2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
"3. Na fixação do sentido e alcance de lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados".
Atentemos, pois, à luz do disposto na transcrita normação, no sentido prevalente das normas do artigo 188º do CPP, naturalmente a partir do seu elemento gramatical ou literal.
À determinação do sentido prevalente das normas não basta, porém, a sua análise literal, ainda que dela resulte um sentido que ao intérprete pareça claro.
O resultado da interpretação literal deverá, com efeito, ser confirmado pela chamada interpretação lógica, isto é, pela verificação do fim das normas, do seu enquadramento sistemático e político e da sua história.
No exame do fim da norma inclui-se a verificação das situações reguladas e de qual o interesse que se pretendeu proteger bem como o âmbito de tal protecção.
Qualquer norma jurídica faz parte de um sistema jurídico global e não pode deixar de ser entendida à luz dele.
As circunstâncias políticas, culturais e sociais em que as normas foram elaboradas, às vezes apontadas em trabalhos preparatórios ou nos respectivos exórdios justificativos, facilitam, naturalmente, a sua compreensão.
Se os elementos literal e lógico de interpretação concorrem para que lhes seja atribuído um sentido unívoco, estamos perante a chamada interpretação declarativa.
No caso de o resultado da interpretação literal, por equivocidade do texto, não coincidir com o resultado da indagação lógica, a esta deverá o intérprete dar prevalência.
Se o legislador se quedou ao expressar a vontade aquém do que a razão da norma exigia, dizendo menos do que queria, importa que o intérprete opere a chamada interpretação extensiva.
Mas se não podia, sem contradição ou injustiça, querer dizer tudo o que o elemento literal parece significar, impõe-se o tipo de interpretação restritiva (12).

2.4. Na primeira parte do nº 1 do artigo 188º do CPP refere-se que da intercepção e gravação da conversação ou comunicações telefónicas é lavrado um auto.
A expressão "intercepção e gravação" significa, fundamentalmente, a captação das conversações ou comunicações telefónicas e o seu registo em banda magnética ou "cassete".
2.4.1. O conceito de auto consta do artigo 99º do CPP (13)
No nº 1 estabelece-se a noção de auto através da sua finalidade e do seu objecto.
Trata-se, nos termos da lei, de um instrumento de registo presencial de actos processuais no respectivo circunstancialismo de tempo, modo e lugar, com vocação para produzir fé pública.
O oficial de justiça ou o funcionário de polícia criminal que haja assistido aos actos processuais a documentar procede ao seu registo no referido instrumento documental, em termos de "perpetua rei memoria", com vista à realização da prova do objecto material do processo.
No nº 2 particulariza-se o auto de registo da actividade processual de audiência de julgamento e do debate instrutório em termos de o designar por acta.
Dir-se-á que os instrumentos de registo dos actos processuais abrangem o tipo geral designado auto e o especial designado acta.
No nº 3 elencam-se os elementos que devem constar do auto, incluindo os requisitos previstos para os actos descritos nos artigos 94º e 95º deste diploma.
Os artigos 94º e 95º do CPP reportam-se à forma escrita dos autos e à sua assinatura, respectivamente.
É obrigatória a menção do dia, mês, ano e lugar da prática do acto, e, tratando-se de acto que afecte liberdades fundamentais das pessoas, da hora da sua ocorrência, com referência ao momento do seu início e conclusão (artigo 94º, nº 6, do CPP).
Dos elementos que devem constar do auto, salienta-se, pelo seu relevo, a identificação das pessoas que intervieram no acto, a descrição especificada das operações praticadas e a intervenção de cada um dos participantes processuais.
O auto é, pois, o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigue e a que tiver assistido quem o redige, e a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que perante quem assistiu tiverem ocorrido (artigo 99º, nº 1, do CPP).

2.4.2. Na segunda parte do nº 1 do artigo 188º do CPP prescreve-se, por seu turno, que o auto de intercepção e gravação e os instrumentos de registo desta são imediatamente levados ao conhecimento do juiz que haja ordenado ou autorizado a diligência de escuta.
A actividade de intercepção e de gravação das comunicações telefónicas é obviamente distinta daquela que concerne à transcrição do conteúdo da gravação.
Do referido auto deve constar, indubitavelmente, a identidade da pessoa que procedeu à intercepção, a identificação do telefone interceptado e o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção e da gravação, e a menção do despacho judicial através do qual a diligência foi ordenada ou autorizada (14)
No nº 2 prescreve-se, por um lado, que o juiz a quem os elementos resultantes da intercepção telefónica forem apresentados decide sobre o seu destino - junção ao processo ou a sua destruição -, e, por outro, o dever de segredo das pessoas que em razão do procedimento em análise conheceram os factos.
O critério legalmente estabelecido com vista à junção ao processo ou à destruição dos elementos resultantes da intercepção das comunicações telefónicas releva da consideração pelo juiz respectivo da sua utilidade ou inutilidade para a prova.
A fim de determinar a relevância ou irrelevância do conteúdo das gravações para a prova dos factos penalmente ilícitos que são objecto do processo, tem o juiz, naturalmente, de o conhecer.
O conhecimento do conteúdo das gravações pelo juiz implica necessariamente a prévia realização das operações de audição das comunicações telefónicas interceptadas.
Do elemento literal das conjugadas disposições dos nºs 1 e 2 , é admissível o entendimento de que o juiz a quem for levado o auto e as fitas gravadas ou elementos análogos é que deverá ouvir ou fazer ouvir aos funcionários competentes o conteúdo das gravações e selecionar os elementos a inserir no processo ou a destruir, que este corpo consultivo adoptou no parecer de que este é complementar. No excurso seguinte testaremos o bem ou mal fundado desta asserção.
No nº 3 prescreve-se a faculdade de o arguido, o assistente e as pessoas cujas conversações hajam sido escutadas examinarem o auto a fim de controlarem a conformidade das gravações e de obterem cópia dos elementos nele referidos.
Esta disposição parece, de algum modo, contrariar o entendimento possível do disposto nos nºs 1 e 2 que se deixou enunciado. É que a referência ao exame do auto parece reportar-se ao auto previsto no nº 1, e se tal exame é susceptível de proporcionar ao arguido, ao assistente e às pessoas cujas conversações hajam sido escutadas o controlo da conformidade das gravações, então é porque o auto previsto no nº 1 deve inserir a transcrição das gravações.
O nº 4 contém normação excepcional em relação ao disposto no nº 3 quanto à faculdade de exame do auto de registo do conteúdo das gravações pelo arguido e pelo assistente no caso de a diligência de escuta haver sido ordenada no decurso do inquérito e haver motivos de índole objectiva que permitam concluir que o conhecimento do conteúdo das gravações por aqueles sujeitos processuais é susceptível de prejudicar os fins de descoberta da verdade dos factos com relevância penal objecto do inquérito ou da instrução.

2.4.3. Passemos aos elementos lógicos de interpretação - histórico, sistemático e finalístico.
No plano histórico não se conhecem subsídios úteis de interpretação. Com efeito, o artigo 210º do Código do Processo Penal de 1929, única disposição relativa à intercepção, gravação ou impedimento das comunicações, limitava-se a prescrever que o juiz e qualquer oficial de justiça ou agente de autoridade por sua ordem, podiam ter acesso, para aquele fim, aos correios e estações de telecomunicações.
Dos trabalhos preparatórios do CPP que são conhecidos, isto é, dos da Lei de autorização legislativa nº 43/86, de 26 de Setembro, não consta qualquer referência específica ao conteúdo que actualmente integra o artigo 188º do CPP(15).
No entanto, na exposição de motivos da proposta de lei da autorização legislativa, a propósito da apreensão de correspondência refere-se, que "o projecto quis reforçar mais ainda o seu sistema de garantias, fazendo para tanto constar do seu articulado uma norma ao abrigo da qual o juiz que tiver ordenado ou autorizado a diligência de apreensão é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência respectiva", e no que concerne às escutas telefónicas salientou-se que seriam tomadas, "quanto às formalidades da operação, especiais cuidados para que fiquem a pertencer aos autos a transcrição do teor da gravação ou intercepção conjuntamente com as fitas gravadas ou elementos análogos que lhe serviram de base e também para que seja assegurado o sigilo quanto aos elementos recolhidos que eventualmente não venham a ser objecto de utilização processual"16.

2.4.4. No plano sistemático releva a disposição paralela do nº 3 do artigo 179º do CPP relativa à apreensão de correspondência em que se prescreve: "o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente aquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova".
Não se justificava, considerando a natureza do suporte material da comunicação interceptada, o prévio conhecimento desta por outrem que não o juiz que ordenou a diligência, e a solução legal de ser este o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência constitui garantia de violação mínima do direito à inviolabilidade da correspondência previsto no artigo 34º, nº 1, da CRP.
Mas a propósito do conteúdo dos registos das comunicações telefónicas ou similares, já a lei não impõe que o juiz que ordenou ou autorizou a intercepção seja o primeiro a dele tomar conhecimento.
Parece que o legislador pretendeu, quanto às autoridades que devem tomar primeiramente conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida e das conversações ou comunicações telefónicas ou similares, consagrar soluções diferentes.
Essa diversidade de solução legal é, aliás, compreensível se tivermos em conta a complexidade do processo de intercepção conducente ao conhecimento do conteúdo das comunicações telefónicas ou similares em causa, seja no plano da tecnologia respectiva seja na área dos meios humanos necessários para o efeito.
A diversidade de formulação legal quanto ao referido aspecto de quem deve tomar conhecimento em primeiro lugar do conteúdo da correspondência apreendida e das comunicações telefónicas ou similares é susceptível de favorecer a leitura do nº 1 do artigo 188º do CPP no sentido de que o auto a que se reporta aquela disposição deve inserir o conteúdo das comunicações interceptadas.

2.4.5. O fim da lei é, sobretudo, no sentido de que fique integrada no processo a transcrição do teor útil da gravação ou intercepção conjuntamente com as respectivas "cassetes" ou bandas magnéticas e haja sigilo quanto aos elementos que não sejam objecto de aquisição processual.
A actividade de transcrição do conteúdo das cassetes ou bandas magnéticas é, por seu turno, instrumental em relação à respectiva aquisição processual, a qual é essencial, além do mais, à consulta e exame do respectivo instrumento documental.
E tal consulta, com a excepção prevista no nº 4, é que permite às pessoas previstas no nº 3, ajuizarem da conformidade das gravações, o que naturalmente também pressupõe a audição dos registos de som originais, e a aquisição daquelas para o processo.
Noutra sede, estabelece a lei, relativamente aos crimes previstos no artigo 187º, nº 2, do CPP, a exclusiva competência da Polícia Judiciária para proceder à execução do controlo das comunicações telefónicas ou similares (artigo 18º da Lei nº 20/87, de 12 de Junho).
Subjaz a estas normas a constatação da eficiência e da capacidade técnica para aquele fim da Polícia Judiciária, em razão dos meios técnicos e humanos de que dispõe.
Por outro lado, na determinação do sentido e alcance da lei, deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais ajustadas.
Os serviços judiciais não dispõem de meios técnicos e humanos adequados à optimização da actividade de recolha de prova por audição e transcrição do conteúdo das cassetes e bandas magnéticas.
A audição pelo juiz do conteúdo dos registos de som, não raro envolvendo várias cassetes ou bandas magnéticas, e a subsequente actividade de transcrição, implicaria longo trabalho daquele magistrado em funções meramente executivas de eventual recolha de prova, em prejuízo do exercício das outras funções que lhe são próprias.
O sigilo relativamente ao conteúdo das gravações que não venha a ser objecto de aquisição processual é legalmente imposto a todos os que dele conheceram, seja aquando da intercepção-gravação seja aquando da transcrição.
Da conjugação dos referidos elementos lógico-interpretativos parece-nos resultar que o auto de intercepção e gravação a que alude o nº 1 do artigo 188º do CPP deve conter a transcrição do conteúdo das cassetes ou bandas magnéticas.
Tal sentido encontra, com efeito, na letra da lei, o mínimo de expressão necessário a que se reporta o artigo 9º, nº 2, do Código Civil.
Na verdade, o termo "gravação" inserto no nº 1 do artigo 188º do CPP é susceptível de ser entendido com o significado do conteúdo da gravação.
Parece, aliás, ser esse o sentido que resulta do termo "gravações" a que se reporta o nº 3 daquele artigo, enquanto se prescreve a faculdade de o arguido, o assistente e as pessoas escutadas examinarem o auto para se inteirarem da conformidade das gravações.
Ademais, a referência naquela disposição à faculdade de exame do auto, através da expressão "podem examinar o auto", o qual contém indubitavelmente o conteúdo das gravações, parece aludir ao mesmo auto a que alude o nº 1.
Assim, repensando a solução proposta no parecer de que este é complementar, inclinamo-nos agora para entender que o auto a que alude o nº 1 do artigo 188º do CPP deve incluir a transcrição do conteúdo das comunicações telefónicas ou similares interceptadas.

3.1. A lei não determina o âmbito da transcrição do conteúdo das gravações e é susceptível de colocar-se a questão de saber se ela deverá ou não ser integral.
Trata-se, sem dúvida, de uma questão de particular relevância no domínio do processo penal, face aos princípios da economia e celeridade, se tivermos em conta que as intercepções telefónicas ou similares são susceptíveis de envolver várias "cassetes" e, consequentemente, enorme quantidade de folhas de processos com a respectiva transcrição, eventualmente em língua estrangeira, nem sempre suficientemente conhecida pela generalidade dos operadores do registo ou transcrição em apreço, o que implica a intervenção da perícia de tradução.
Por outro lado, configurada a eventual complexidade do procedimento global da referida actividade de intercepção telefónica ou similar, não pode deixar de se considerar a situação em que dela não resulte qualquer elemento relevante para a descoberta da verdade sobre a prática de crimes ou para a prova ou em que o interesse de tais elementos se restringe a determinada parte do conteúdo das "cassetes" ou bandas magnéticas.
Inexistindo, como inexiste, normação de processo penal ou civil que se reporte directamente à estatuição sobre a transcrição integral ou não integral do conteúdo das conversações telefónicas ou similares interceptadas, impõe-se apelar aos princípios que resultam da Constituição e da lei processual penal (artigo 4º do CPP).
Deve-se começar por considerar que a intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou similares visa a descoberta da verdade sobre a prática de certos crimes ou a sua prova (artigos 187º, nº 1, e 190º do CPP).
Nesta conformidade, é admissível o entendimento de que o órgão de polícia criminal judicialmente autorizado a realizar a intercepção telefónica ou similar, constatando que a mesma não assume qualquer relevo para a descoberta da verdade sobre a prática de crimes ou para a prova, dispensado estaria de a transcrever no auto previsto no artigo 188º, nº 1, do CPP.
Se fosse de adoptar este entendimento, o órgão de polícia criminal que realizasse as operações de gravação limitar-se-ia a inscrever no auto o número do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção e da gravação telefónica ou similar, o despacho que a ordenou ou autorizou, e que do procedimento nada resultou com interesse para a investigação em causa, e a propor ao juiz que ordenou ou autorizou as operações, a destruição do próprio auto e das "cassetes" ou bandas ou a sua desmagnetização, naturalmente sem prejuízo de aquele magistrado poder controlar aquela informação, ouvindo as "cassetes" ou bandas magnéticas.
Esta solução respeitaria os princípios da simplicidade, economia e celeridade processual e assumiria a lógica que resulta do facto de ser de presumir que os órgãos de polícia criminal encarregados de realizar as operações de intercepção telefónica ou similar dispõem de informação adequada a ajuizar do seu relevo probatório, e de se impor solidariedade e confiança que deve envolver a actuação de todos os operadores judiciários nesta área de investigação criminal de tanto melindre.
Só que a referida solução de não transcrição, pelos órgãos de polícia criminal encarregados das operações, de qualquer conteúdo das gravações, colide, de algum modo, com o disposto no artigo 188º, nº 2, do CPP, em que se prescreve ser o juiz que ordenou ou autorizou as operações quem ajuiza e decide do relevo, para a descoberta da verdade sobre os crimes ou para a sua prova, dos elementos de informação que resultaram da intercepção.
Daí que haja de encontrar-se a solução desta problemática por apelo a outra ordem de considerações que releva dos princípios a que já se fez referência.
3.2. A excepcionalidade no âmbito da recolha de prova em processo penal das escutas telefónicas ou similares, face à garantia dos direitos fundamentais constitucionalmente consagrados de liberdade de comunicação e de intimidade da vida privada, aponta no sentido de adopção de uma solução que, sem afectar o fim daquele meio de obtenção da prova, limite os efeitos nefastos da violação daqueles direitos.
A transcrição do conteúdo das gravações telefónicas ou similares, pelos meios materiais e humanos que envolve, aumenta o risco da devassa da intimidade da vida privada dos cidadãos.
Não é justificável e, consequentemente, admissível, que, gravadas comunicações telefónicas com informações da vida íntima dos cidadãos, sem a mínima conexão com o objecto material do processo em causa, devam ser objecto de transcrição integral no auto em apreço.
Atenta a finalidade da permissão excepcional das escutas telefónicas ou similares - descoberta da verdade sobre a existência de certos crimes ou a sua prova -, e a proporcionalidade que deve existir entre aquele fim e os meios instrumentais conducentes à sua realização, em que prepondera o princípio da necessidade ou da mínima intervenção possível na esfera jurídica dos cidadãos, bem como o princípio da utilidade processual, de que são corolários os princípios da simplicidade e celeridade, impõe-se a solução de transcrição, no auto a que alude o nº 1 do artigo 188º do CPP, do conteúdo das gravações que seja estritamente necessário à realização do fim a que serve de instrumento.
Face à finalidade prevista na lei do meio excepcional de recolha de prova que são as escutas telefónicas ou similares, não pode deixar de se considerar a proibição de praticar no processo penal actos inúteis, que resulta do disposto nos artigos 4º do CPP e 137º e CPC.
A propósito da prova documental em processo penal, que consista em registo fonográfico, insere o artigo 166º, nº 3, do CPP, no tocante à sua transcrição, o princípio da necessidade.
Deverá, assim, ser transcrito, no auto a que se refere o nº 1 do artigo 188º do CPP, o conteúdo da gravação através do qual o juiz possa ajuizar e decidir sobre o que de tais elementos tem de mandar inserir no processo por relevarem para a descoberta da verdade ou prova dos crimes enumerados no artigo 187º, nº 1, do CPP, ou destruir por não relevaram para tal efeito.
E o primeiro juizo de valor, provisório embora, sobre a questão da relevância ou irrelevância dos aludidos elementos probatórios para os fins aludidos compete ao órgão de polícia criminal que superientenda nas operações de intercepção e escuta das comunicações telefónicas ou similares.
Esta entidade, naturalmente qualificada na área da investigação criminal, fará transcrever na íntegra, no aludido auto, o que considerar relevante para os fins previstos no artigo 187º, nº 1, do CPP.
No que concerne às comunicações telefónicas ou similares, ou à parte delas, que ao aludido órgão de polícia criminal pareça não relevarem para os mencionados fins, bastará mencionar no auto o genérico e resumido conteúdo das comunicações objecto da gravação.
Este resumo possibilitará ao juiz, entidade superiormente vocacionada para a decisão do que é ou não relevante para os fins consagrados no artigo 187º, nº 1, do CPP, a pertinente decisão.
E se eventualmente o juiz considerar necessário, a fim de fundamentar a aludida decisão, que a transcrição tenha maior amplitude, naturalmente que poderá ordená-la na extensão julgada necessária, ou confrontá-la com os registos fonográficos, através da própria audição.
As "cassetes" ou as bandas magnéticas cujo conteúdo haja sido transcrito e aproveitado para o processo deverão ser-lhe apensas ou, se tal não for possível, guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo (artigo 101º, nº 3, do CPP e 10º, nºs 1 e 2, do Código Civil).

4. Aqui chegados, é altura de responder à questão que nos é colocada, com base nos elementos fáctico-jurídicos recenseados.
O auto a que se reporta o artigo 188º, nº 1, do CPP deve incluir não só a menção do despacho judicial que autorizou ou ordenou a diligência, a identidade da pessoa que procedeu à intercepção, a identificação do telefone interceptado e o circunstancialismo de tempo, modo e lugar de intercepção, como também o conteúdo das gravações que seja necessário à decisão judicial sobre os elementos que deverão ou não constar do processo penal em causa.
A transcrição da gravação deverá abranger a integralidade do conteúdo das comunicações telefónicas ou similares interceptadas considerado de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes a que alude o artigo 187º, nº 1, do CPP pela entidade responsável pelas respectivas operações.
No caso de aquela entidade constatar que o conteúdo das gravações não tem qualquer relevo para os aludidos fins, bastará mencioná-lo no auto de forma genérica, com referência à mera natureza ou tema das conversações, com o respeito devido ao direito à intimidade da vida privada.
O referido auto é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica ou similar, o qual, por despacho ordenará a junção ao processo dos elementos transcritos relevantes para a prova dos factos penalmente ilícitos acima mencionados, e a destruição dos irrelevantes, designadamente mediante desmagnetização.
Se o juiz entender necessário, com vista à prolação da decisão de junção ao processo do conteúdo das gravações ou à sua destruição, a transcrição integral dos elementos resumidos no auto, naturalmente que a poderá ordenar. E se carecer de controlar a própria gravação pelo confronto com o conteúdo da transcrição, certo é que pode proceder à respectiva audição.
Os participantes nas operações de intercepção, gravação, transcrição e eliminação do conteúdo das bandas magnéticas ou "cassetes" ficam legalmente vinculados ao dever de sigilo sobre tudo quanto no âmbito de tais operações veio ao seu conhecimento.
O arguido, o assistente e as pessoas eventualmente escutadas têm a faculdade de examinar o aludido auto a fim de poderem controlar a conformidade dos elementos recolhidos e adquiridos para o processo com o que consta do suporte material de registo do som, e deles obter cópia.
O arguido e o assistente, se a intercepção telefónica ou similar ocorreu no decurso do inquérito ou da instrução, não têm a faculdade de conhecer do auto nem das gravações, se o juiz de instrução decidir que tal conhecimento é susceptível de prejudicar o fim das referidas fases processuais.
Conclusão:
IV

Formulam-se, com base no exposto, as seguintes conclusões:
1ª - Da intercepção e gravação das comunicações telefónicas ou similares é lavrado um auto (artigo 188º, nº 1, do Código de Processo Penal - CPP);
2ª - O referido auto deve inserir a menção do despacho judicial que ordenou ou autorizou a intercepção, a identidade da pessoa que a ela procedeu, a identificação do telefone interceptado, o circunstancialismo de tempo, modo e lugar da intercepção, bem como o conteúdo da gravação necessário à decisão judicial sobre o que deverá ou não constar do processo penal respectivo;
3ª - A transcrição do conteúdo da gravação a que se refere a alínea anterior deverá abranger a integralidade dos elementos da comunicação telefónica ou similar interceptada que a entidade responsável pelas operações considere de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes previstos no artigo 187º, nº 1, do CPP;
4ª - O conteúdo da gravação, que àquela entidade se revelar destituído de interesse para a descoberta da verdade ou para a prova dos crimes referidos na conclusão anterior, deverá ser mencionado naquele auto, tão só de modo genérico com a mera referência à sua natureza ou tema, sob a égide do respeito do direito à intimidade da vida privada dos cidadãos;
5ª - Lavrado o referido auto, é imediatamente levado ao conhecimento do juiz que tiver ordenado ou autorizado a intercepção telefónica ou similar (artigo 188º, nº 1, do CPP);
6ª - O juiz, por despacho, ordenará a junção ao processo dos elementos relevantes para a prova e a destruição dos irrelevantes, incluindo a desmagnetização das "cassetes" ou bandas magnéticas (artigo 188º, nº 2, do CPP);
7ª - O juiz, se o entender necessário à prolação da decisão referida na conclusão segunda, poderá ordenar a transcrição mais ampla ou integral da parte objecto da menção referida na conclusão 4ª;
8ª - Os participantes nas operações de intercepção, gravação, transcrição e eliminação de elementos recolhidos ficam vinculados ao dever de sigilo quanto àquilo de que em tais diligências tomaram conhecimento (artigo 188º, nº 2, do CPP);
9ª - As "cassetes" ou as bandas magnéticas cujo conteúdo seja inserido nos autos devem a estes ser apensas ou, se isso se tornar impossível, guardadas depois de seladas, numeradas e identificadas com o processo respectivo (artigos 10º, nºs 1 e 2, do Código Civil, e 101º, nº 3, do CPP);
10ª - O arguido, o assistente e as pessoas escutadas podem examinar o referido auto a fim de controlarem a conformidade dos elementos recolhidos e objecto de aquisição processual com os registos de som respectivos, e desses elementos constantes do auto obterem cópias (artigo 188º, nº 3, do CPP);
11ª - O arguido e o assistente não podem proceder ao exame referido na conclusão anterior se a intercepção telefónica ou similar ocorrer no decurso do inquérito ou da instrução e o juiz decidir que o conhecimento por eles do auto ou das gravações é susceptível de prejudicar a respectiva finalidade (artigo 188º, nº 4, do CPP).

__________________________________________________

(1) Parecer nº 92/91, de 30 de Março de 1992, não publicado.

(2) O DIAP informou, a título de fundamentação da sugestão do mencionado reexame da questão por este corpo consultivo, que os juízes do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa entendem que do aludido auto deve constar a transcrição do conteúdo da gravação, que lhe deve ser apresentado juntamente com as "cassetes" pela Polícia Judiciária, sem que tenham de proceder à audição anterior à transcrição.

(3) O referido texto da lei francesa é o seguinte:
"4. Le juge d'instruction ou l'officier de police judiciaire commis par lui dresse procès-verbal de chacune des opérations d'interception et d'enregistrement. Ce procès-verbal mentionne la date et l'heure auxquelles l'opération a commencé et celles auxquelles elle s'est terminée.
Les enregistrements sont placés sous scellés fermés.
"5. Le juge d'instruction ou l'officier de police judiciaire commis par lui transcrit la correspondance utile à la manifestation de la vérité. Il en est dressé procès-verbal. Cette transcription est versée au dossier.
Les correspondances en langue étrangère sont transcrites en français avec l'assistance d'un interprète requis à cette fin.
"6. Les enregistrements sont détruits, à la diligence du procureur de la Rèpublique ou du procureur général, à l'expiration du délai de prescription de l'action publique".

(4) Decisão de 15 de Fevereiro de 1983 do tribunal de "grande instance" de Estrasburgo, confirmada pela "cour d'appel" de Colmar, em 9 de Março de 1984 (citação no acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso "Huvig", publicado na "RUDH", 1990, pág. 164).

(5) O Ministério da Justiça de França, na sequência da condenação daquele país pelo tribunal Europeu dos Direitos do Homem pelos acórdãos Kruslin e Huvig no que concerne às escutas telefónicas, com o fundamento de o direito francês as não consagrar, fez circular, em 27 de Abril de 1990, aos "Premiers Présidents" e "Procureurs Généraux" e aos "Présidents" e "Procureurs de la Republique par "la Direction des affaires criminelles e des grâces du Ministére de la Justice, Bureau de l'Action Publique" ,o seguinte:
"Il s'impose notamment de veiller à ce que:
- les écoutes télépfhoniques ne soient ordonnées que pour l'elucidation des infractions les plus graves;
- leur durée soit toujours limiteé dans le temps, quitte à faire l'object de renouvellements;
- les modalités de retranscription des écoutes soient définies dans la commission rogatoire;
- les bandes magnétiques soient placés sous scellés et adressées au magistrat mandant;
- en cas de décision définitive sur les poursuites, les bandes magnétiques soient effacées ou détruites, à la diligence du Parquet" ("RUDH", 1990, pags. 221 e 222).
O acórdão Kruslin" foi publicado na "RUDH", 1990, pág 172.

(6) O texto do referido artigo 268º do "Codice di Procedura Penale", italiano é o seguinte:
"1. Le comunicazioni intercettate sono registrate e delle operazioni è redatto verbale.
"2. Nel verbale è transcrito, anche sommariamente, il contenuto delle comunicazioni intercettate.
"3. Le operazioni possono essere compiute esclusivamente per mezzo degli impianti nella procura della Repubblica. Tuttavia, quando tali impianti risultano insufficienti o inidonei ed esistono eccezionali ragioni di urgenza, il pubblico ministero può disporre, con provvedimento motivato, il compimento delle operazioni mediante impianti di pubblico servizio o in dotazione alla polizia giudiziaria.
"4. I verbali e le registrazioni sono immediatamente trasmessi al pubblico ministero. Entro cinque giorni dalla conclusione delle operazioni, essi sono depositati in segreteria insieme ai decreti che hanno disposto, autorizzato, convalidato o prorogato l'intercettazione, rimanendovi per il tempo fissato dal pubblico ministero, salvo che il giudice non riconosca necessaria una proroga.
"5. Si dal deposito può derivare un grave pregiudizio per le indagini, il giudice autorizza il pubblico ministero a ritardarlo non oltre la chiusura delle indagini preliminari.
"6. Ai difensori delle parti è immediatamente dato avviso che, entro il termine fissato a norma dei commi 4 e 5, hanno facoltà di esaminare gli atti e ascoltare le registrazioni. Scaduto il termine, il giudice dispone l'acquisizione delle conversazioni, indicate dalle parti, che non appaiano manifestamente irrilevanti, procedendo anche di ufficio allo stralcio registrazioni e dei verbali di cui è vietata l'utilizzazione. Il pubblico ministero e i difensori hanno diritto di partecipare allo stralcio e sono avvisati almeno venti-quattro ore prima.
"7. Il giudice dispone la trascrizione integrale delle registrazioni da acquisire, osservando le forme, i modi e le garanzie previsti per l'espletamento delle perizie. Le trascrizioni sono inserite nel fascicolo per il dibattimento.
"8. I difensori possono estrarre copia delle trascrizioni e fare eseguire la trasposizione della registrazione su nastro magnetico."
(7) O artigo 579º é o único do Enjuiciamiento Criminal que se reporta especificamente às escutas telefónicas, nos termos seguintes:
"2. El Juez podrá acordar, em resolución motivada, la intervención de las comunicaciones telefónicas del procesado, si hubiere indicios de obtener por estos medios el descubrimiento, la comprobación de algún hecho o circunstancia importante de la causa.
"3. De igual forma el juez podrá acordar, em resolución motivada, por um plazo de hasta três meses, prorrogables por iguales períodos, la observación de las comunicaciones postales, telegráficas o telefónicas de las personas sobre las que existan indicios de responsabilidad criminal, asi como de las comunicaciones de las que se sirvan para realización de sus fines delictivos.
"4. En caso de urgencia, cuando las investigationes se realicen para la averiguación de delitos relacionados con la actuación de bandas armadas o elementos terroristas o rebeldes, la medida prevista en el número 3 de este artículo podrá ordenarla el Ministro del Interior, en su defecto, el Director de la Seguridad del Estado, comunicándolo inmediatamente por escrito motivado al Juez competente, quien, también de forma motivada, revocará o confirmará tal resolución en su plazo máximo de setenta y dos horas desde que fue ordenada la observación".
(8) JUAN-LUIS GOMEZ COLOMER, "El Processo Penal Aleman, Introducción y Normas Basicas", Barcelona, 1985, pág. 124.
(9) O artigo 187º do CPP dispõe sobre a admissibilidade das escutas telefónicas o seguinte:
"1. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só pode ser ordenada ou autorizada, por despacho do juiz, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) Relativos a armas, engenhos, matérias explosivas e análogas;
d) De contrabando; ou
e) De injúrias, de ameaças, de coacção e de intromissão na vida privada, quando cometidos através do telefone, se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
2. A ordem ou autorização a que alude o nº 1 do presente artigo pode ser solicitada ao juiz dos lugares onde eventualmente se puder efectivar a conversação ou comunicação telefónica ou da sede da entidade competente para a investigação criminal, tratando-se dos seguintes crimes:
a) Terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada;
b) Associações criminosas previstas no artigo 287º do Código Penal;
c) Contra a paz e a humanidade previstos no Título II, do Livro II do Código Penal;
d) Contra a segurança do Estado previstos no capítulo I do Título V do Livro II do Código Penal;
e) Produção e tráfico de estupefacientes;
f) Falsificação de moeda ou de títulos de crédito previstos nos artigos 237º, 240º e 244º do Código Penal;
g) Abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.
3. É proibida a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objecto ou elemento de crime".
(10) FIGUEIREDO DIAS, "Direito Processual Penal", 1º vol., Coimbra, 1974, págs. 94 e 95; JOSÉ DA COSTA PIMENTA, "Introdução ao Processo Penal", Coimbra, 1991, págs. 86 e 87; OTTORINO VANNIANI e GIUSEPPE GOCCIARDI, "Manuale di Diritto Processuale Penale Italiano", Milano, 1986, págs. 11 a 15.
(11) FIGUEIREDO DIAS, obra citada, pág. 95.
(12) MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo", vol. I, Coimbra, 1990, págs. 112 a 134; KARL LARENZ, "Metodologia da Ciência do Direito", (trad.), Lisboa, 1969, pág. 369; BAPTISTA MACHADO, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", Coimbra, 1990, págs. 183-188; OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito, Introdução e Teoria Geral", Lisboa, 1987, págs. 345 e segs.; CASTRO MENDES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1984, págs. 252-255.
(13) É a seguinte a normação do artigo 99º do CPP:
"1. O auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele.
"2. O auto respeitante ao debate instrutório e à audiência denomina-se acta e rege-se complementarmente pelas disposições legais que este Código lhe manda aplicar.
"3. O auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção dos elementos seguintes:
a) Identificação das pessoas que intervierem no acto;
b) Causas, se conhecidas, da ausência das pessoas cuja intervenção no acto estava prevista;
c) Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram, dos documentos apresentados ou recebidos e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência;
d) Qualquer ocorrência relevante para apreciação da prova ou da regularidade do acto.
"4. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 169º".
(14) De algum modo conexionada com esta problemática, apenas se conhece uma decisão judicial, proferida em 1ª instância.
A propósito da questão de saber se os factos conhecidos através de escutas telefónicas são ou não susceptíveis de produção e valoração em sede de julgamento, enunciam-se os seus requisitos de essencialidade, fidedignidade e veracidade, e conclui-se no sentido de que se trata de prova documental.
Afirma-se, por outro lado, que a essencialidade se reporta ao momento da decisão judicial de intercepção das conversas telefónicas, e a fidedignidade ao momento da gravação, e que esta é garantida pela imposição legal de fazer consignar em auto os elementos a ela relativos, nomeadamente o período em que decorre e o número do telefone em causa, e que a veracidade, colocada em momento posterior à intercepção e gravação, releva não só da identificação dos interlocutores como também da valoração das suas declarações (Ac. do 1º Juízo Criminal de Lisboa, de 21 de Janeiro de 1992, "Colectânea de Jurisprudência", Ano XVII, Tomo I, págs. 307 e 308).
(15) Os referidos trabalhos preparatórios constam do "Diário da Assembleia da República", II Série, de 4 e 17 de Abril, de 16 de Maio e de 19 de Agosto de 1986, e I Série, de 16 de Maio e de 26 de Julho de 1986.
(16) "Diário da Assembleia da República", II Série, suplemento ao nº 49, de 4 de Abril de 1986, pág. 1808.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART2 ART25 N1 ART26 N1 N2 ART32 N4 ART34 N1 N4 ART221 N1 ART272. CPP87 ART1 ART48 ART49 ART52 ART53 ART54 ART55 ART56 ART99 ART122 N1 ART126 ART187 ART188 ART189 ART190 ART193 ART242 ART243 ART248 ART249 ART250 ART251 ART252 ART253 ART262 ART263 ART267 ART268 ART269 ART270. CPP29 ART210.
CP82 ART180 N1 ART334 ART342 ART356 ART357 ART358.
CCIV66 ART80. L 43/86 DE 1986/09/26 ART1 ART2.
L 20/87 DE 1987/06/12 ART1 ART2 ART12 ART13 ART14 ART15 ART16 ART18. l 47/86 DE 1986/10/15 ART1 ART2 ART3. L 29/78 DE 1978/06/12.
L 65/78 DE 1978/10/13. L 19/81 DE 1981/08/18.
DL 295-A/90 DE 1990/09/21 ART1 N5 ART5. DL 151/85 DE 1985/05/09 ART6 N3. DL 447/91 DE 1991/11/27. DL 333/83 DE 1983/04/14 ART1 N1.
DL 39/90 DE 1990/02/03. DL 329-D/74 DE 1974/07/10 ART2.
DL 23/89 DE 1989/01/14 ART5 N3. DL 373/85 DE 1985/09/20 ART5 N3.
Jurisprudência: 
AC RP DE 1991/06/26.
AC RC DE 1991/06/19 IN COL JUR ANO XVI T3 PAG277-278.
AC STJ DE 1988/06/22 IN BMJ 378 PAG632.
AC TC DE 1988/07/08 IN DR IIS DE 1980/09/05.
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR PROC PENAL.*****
DUDH DE 1948/12/10 ART12
PIDCD ART17
CEDH ART8 N1 N2
CONV EUR PARA A REPRESSÃO DO TERRORISMO ART1
Divulgação
Pareceres Associados
Parecer(es): 
2 + 2 =
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