Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
98/1989, de 25.01.1990
Data do Parecer: 
25-01-1990
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
INIMPUTÁVEL
PERIGOSIDADE
MEDIDA DE SEGURANÇA
MEDIDA DE SEGURANÇA PRIVATIVA DE LIBERDADE
INTERNAMENTO
INTERNAMENTO EM REGIME ABERTO
EXECUÇÃO DE PENAS
EXECUÇÃO DE MEDIDAS DE SEGURANÇA
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
SAÍDA PRECÁRIA
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS
COMPETÊNCIA
Conclusões: 
1 - O Codigo Penal e o Codigo de Processo Penal vigentes respeitam os principios e regras do Decreto-Lei n 265/79, de 1 de Agosto, no tocante a execução da medida de internamento de inimputaveis, a que se referem os artigos 91 e seguintes daquele primeiro diploma legal. Consequentemente:
2 - Não obstante a revogação tacita do n 2 do artigo 42 do Decreto-Lei n 402/82, de 23 de Setembro, pelo Codigo de Processo Penal, os inimputaveis internados nos termos do artigo 91 do Codigo Penal poderão cumprir essa medida de segurança em regime aberto, ex vi do artigo 218 do Decreto-Lei n 265/79, desde que se verifiquem os pressupostos definidos no artigo 14, n 2, deste diploma legal;
3 - Na execução da referida medida de segurança, ex vi e nos termos do artigo 221 do Decreto-Lei n 265/79, poderão ser concedidas aos inimputaveis, pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais ou pelo director do respectivo estabelecimento, as licenças de saida a que se refere o n 3 do artigo 49 deste diploma legal, desde que sejam observados os requisitos estabelecidos nas respectivas disposições legais.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR MINISTRO DA JUSTIÇA,
EXCELÊNCIA

1 .

1.1. O director do Estabelecimento prisional de Santa Cruz do Bispo expôs as seguintes dúvidas à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais:

"O tratamento de inimputáveis perigosos, internados no anexo psiquiátrico do estabelecimento, incluiu, durante cerca de treze anos, uma terapia de contactos quinzenais ou semanais com as famílias e as comunidades a que pertenciam, através de licenças concedidas por essa Direcção-Geral, mediante proposta do médico psiquiatra, tendo em vista não perder as relações existentes e assim preparar a sua futura reinserção social.

"Estas licenças que começaram a ser autorizadas ainda durante a vigência da reforma prisional de 1936, continuaram a ser concedidas depois da reforma de 1979 (Decreto-Lei 265/79), com base nos artigos 217º, 218º e 221º com referência às al. c) e d) do artigo 15º deste diploma, conforme essa Direcção-Geral fundamentou.


"A autorização destas licenças que "embora tivessem as melhores intenções de tratamento e preparação da reinserção social destes doentes, dadas as dúvidas que suscitou a fundamentação legal invocada e atendendo a que os nobres objectivos pretendidos deverão procurar-se estabelecer em futuras revisões legislativas” foi revogada por despacho de V. Exa., de 89.01.27.

"Apesar da fundamentação legal não ter sido por mim invocada na proposta remetida, concordo que aquelas normas são aplicáveis a estes casos e ainda se poderão invocar outras medidas de flexibilidade previstas na lei, tais como o artigo 42º, nº 2, do Decreto-Lei nº 402/82 e os artigos 58º e seguintes do referido Decreto-Lei nº 265/79.

"Porém, e em reforço daquele despacho, determinou V. Exa. que "até estudo mais pormenorizado do problema só devem ser autorizadas saídas destes doentes pelo Tribunal de Execução das Penas.

"Foi assim posta em dúvida a aplicação daquelas normas, em especial o artigo 218º que regulamenta a execução das medidas de segurança, e consequentemente a aplicação, por analogia, de todas as medidas de flexibilidade previstas no referido Decreto-Lei nº 265/79 para a execução de medidas privativas da liberdade aos internados por anomalia mental.

"Da sua não aplicação está a resultar o abandono, cada vez mais acentuado, dos inimputáveis pelos seus familiares e a diminuir o número dos que são reintegrados na sociedade.

"A cura e o tratamento, que a medida de segurança visa, e que, no relatório da proposta de lei do actual C. Penal, seriam a melhor defesa da sociedade, estão a transformar-se numa situação de prisão perpétua não prevista no nosso sistema jurídico.

"Continuo a admitir que o regime aberto é aplicável aos internados a quem foi aplicada a medida de segurança por anomalia mental, quando compensada a doença que o tornou perigoso, após a observação prevista no artigo 8º, como regime mais adequado ao seu tratamento e à sua readaptação social, como plano individual previsto no artigo 9º, na elaboração do qual são tidos em conta as precauções previstas no artigo 14º do mesmo diploma, e artigo 42º, nº 2, do Decreto-Lei nº 402/82.

"Assim, será possível aplicar as medidas de flexibilidade referidas nos artigos 58º e seguintes nas quais se prevêem as licenças para trabalhar e estudar de várias horas com ou sem custódia, prolongadas até dezasseis dias seguidos ou interpolados, de 48 horas em cada trimestre, de oito dias durante os últimos três meses, ou, seis seguidos ou interpolados rios últimos nove meses, por força do artigo 218º do citado diploma.

"Não foi alterada por lei a competência para a concessão de licenças de saída pelo que, de harmonia com o artigo 49º compete: ao Juiz do Tribunal de Execução das Penas a concessão de licenças de saída prolongada, à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e ao Director do Estabelecimento as outras licenças previstas no mesmo diploma.

"Em face do exposto, porque as dúvidas foram levantadas, porque estão suspensas, a aguardar estudo, as medidas de flexibilidade na execução do internamento de inimputáveis por anomalia mental, o que dificulta a obtenção dos fins visados na lei com o tratamento destes doentes, tenho a honra de solicitar a V. Exa. o estudo destes casos, e se necessário a obtenção de um parecer urgente da Procuradoria-Geral da República, conforme vontade manifestada por V. Exa.".

1.2. Solicitado o estudo da questão posta a uma técnica superior do Instituto de Criminologia de Lisboa, aí foram discutidas as principais dúvidas. E, "perante a delicadeza das questões abordadas", foi entendido conveniente a solicitação do parecer desta Procuradoria-Geral da República "centrado nas seguintes questões:

"1. Poderão os inimputáveis ser colocados em regime aberto, ao abrigo do nº 2 do artigo 42º do Decreto-Lei 402/82, caso se entenda que a disposição ainda está em vigor? Em caso afirmativo, quem terá competência para a decisão em causa?

"2. A entender-se que o artigo 42º do Decreto-Lei 402/82 foi revogado pelo novo Código de Processo Penal, será legítimo defender-se a concessão, por parte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, de licenças de saída ou outras soluções de abertura previstas na lei "a fim de preparar a libertação do internado" e "tornar-se a execução da medida mais flexível", por mera força do artigo 221º da Lei Penitenciária, sem entrar em confronto com as normas do Código Penal (artigos 91º a 96º) e do Cod. Proc. Penal (artigos 500º a 506º) actualmente em vigor?

"Formulando esta última questão duma outra maneira:

"Nenhuma dúvida se levanta quanto à possibilidade de concessão aos inimputáveis de licenças de saída prolongadas, a cargo dos Tribunais de Execução das Penas, como inequivocamente resulta do artigo 61º do Decreto-Lei nº 265/79, mas poderá a Administração Penitenciária conceder-lhes outras licenças de saída ou medidas de flexibilidade, enquanto impender sobre eles um juízo de perigosidade formulado pela autoridade judicial, nos termos do artigo 91º do Código Penal?".

1.3. Na sequência, veio o Director-Geral dos Serviços Prisionais representar tais dúvidas a V. Exa., nos seguintes termos:

"A execução da medida de segurança aplicada pelos tribunais aos detidos judicialmente declarados inimputáveis perigosos suscita sérias dúvidas, em certos aspectos, à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

"Tal medida privativa de liberdade, como é sabido, prossegue simultaneamente dois objectivos: a segurança da sociedade e o tratamento ou cura do doente mental segregado. E a legislação penal desenha as soluções nela estabelecidas segundo o risco e a gravidade da lesão dos valores sociais e a necessidade de não segregar definitivamente o doente irresponsável. Acontece, porém, que nos termos do nº 2 do artigo 92º do Código Penal, "quando o facto praticado pelo inimputável consista em homicídio ou ofensas corporais graves, ou em outros actos de violências puníveis com pena superior a 3 anos, e existam razões para recear a prática de outros factos da mesma natureza e gravidade, o internamento terá a duração mínima de 3 anos".

"Por sua vez, o nº 3 do artigo 93º do Código Penal elide qualquer possibilidade de cessação do tratamento decidido nos termos do nº 2 do artigo 91º antes de decorrido o prazo mínimo de 3 anos.

"Finalmente a legislação penal, que não prevê expressamente qualquer autorização de saídas para tratamento, estabelece nos artigos 94º e 95º do Código respectivo que o inimputável apenas pode ser libertado a título de ensaio por um período mínimo de 2 anos ou após um período de liberdade experimental com a mesma duração.

"O Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto (Lei de Execução das Medidas Privativas de Liberdade), a fim de tornar mais flexível a execução ou de preparar a libertação dos reclusos, admite uma grande variedade de saídas (vide artigos 15º, 49º a 61º, 218º) e 221º) autorizadas quer pelo Juiz das Penas quer pela Administração Penitenciária.

"Tais medidas de flexibilidade só podem, porém, ser concedidas, nos termos do nº 2 do artigo 58º do Decreto-Lei nº 265/79, "se não for de recear que o recluso se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tais benefícios proporcionam para delinquir, desde que a concessão da licença de saída não prejudique seriamente a segurança e a ordem públicas, nem ponha em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cabem à execução das medidas privativas de liberdade".

"Tais concessões pressupõem, pois, sempre um juízo subjectivo de não perigosidade do recluso e de ausência de risco que, na sua formulação, deverá ter em conta os elementos de ponderação enumerados nas alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 50º do mesmo diploma legal.

"Ora a redacção dos artigos 91º, nº 2, e 93º, nº 3, do Código Penal parece não permitir, para os inimputáveis aí referidos, a formulação deste juízo de não perigosidade. Efectivamente a Lei exclui a invocação de qualquer causa justificativa da cessação do internamento enquanto não decorrer o prazo mínimo de 3 anos de internamento, contrariamente ao que acontece com outros delinquentes inimputáveis. Neste caso, a aplicação da medida de segurança contém uma declaração e fixação judicial de perigosidade pelo prazo mínimo de 3 anos que impede o próprio Juiz das Penas de conceder liberdade ao internado antes daquele prazo expirar. Em meu entender, durante esse período, as medidas de flexibilização da medida de segurança não parecem lógicas com o quadro legal existente, aparentando, até, certa contradição com a decisão judicial.

"Mas a evolução mais recente da Psiquiatria vem criando, nos serviços clínicos dos Serviços, a consciência da necessidade de se dispor da possibilidade de conceder, com a devida cautela, saídas terapêuticas aos doentes mentais, mesmo que inimputáveis perigosos tipificados no artigo 91º, nº 2 do Código Penal. E se esta necessidade vem sendo transmitida com certa premência à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais pelos respectivos serviços externos, temos sentido também que o receio de autorizar tais saídas, pela dúvida da sua legalidade e possíveis reacções dos tribunais, vem conduzindo os hospitais psiquiátricos não prisionais ao não recebimento de tais doentes. Sabendo-se que não existem ainda hospitais psiquiátricos prisionais e que a maioria dos inimputáveis perigosos terão de ser internados nos hospitais do Ministério da Saúde enquanto a referida carência persistir, compreende-se a conveniência da clarificação jurídica do problema".

Tendo Vossa Excelência concordado com a proposta de solicitação do parecer deste corpo consultivo, cumpre satisfazer o pedido formulado, visando-se, essencialmente, responder às questões postas no estudo referido no nº 1.2., relativamente à execução das medidas de segurança privativas de liberdade aplicadas aos inimputáveis perigosos.

2.

Comecemos por uma breve análise dos textos legais que precederam os normativos ora especialmente em causa.

2.1. Referia-se o Código Penal de 1886, no seu título II, às “penas e seus efeitos e (às) medidas de segurança".

No tocante às "penas e medidas de segurança" - Capítulo I -, e na parte que ora interessa, dispunha nos artigos 68º e segs. (1) :

"Artigo 68º - Aos delinquentes imputáveis, criminalmente perigosos em razão de anomalia mental, anterior à condenação ou sobrevinda após esta, poderá a pena de prisão ou de prisão maior em que tenham sido condenados ser prorrogada por dois períodos sucessivos de três anos, quando se mantiver o estado de perigosidade criminal resultante de anomalia mental. Se após as prorrogações a perigosidade do recluso se mantiver, poderá ser-lhe aplicada a medida de segurança do nº 1 do artigo 70º.

§ único. Os dementes inimputáveis que tenham cometido um facto previsto na lei penal, a que corresponda pena de prisão por mais de seis meses, e que pela natureza da afecção mental devam ser considerados criminalmente perigosos, mormente em razão da tendência para perpetração de actos de violência, serão internados em manicómios criminais. O internamento cessará, quando o tribunal verificar a cessação do estado de perigosidade criminal resultante da afecção mental.

Quando o facto cometido pelo demente irresponsável consista em homicídio, ofensas corporais graves ou outro acto de violência, punível com pena maior, e se verifique a probabilidade de perpetração de novos factos igualmente violentos ou agressivos, o internamento em manicómio criminal terá a duração mínima de três anos".

.............................................................................................................

"Artigo 70º - São medidas de segurança:

1º. O internamento em manicómio criminal;

§ 1º O internamento em manicómio criminal de delinquentes perigosos será ordenado na decisão que declarar irresponsável e perigoso o delinquente nos termos do § único do artigo 68º.

................................................................................................”
................................................................................................”

"Artigo 72º - A alteração do estado de perigosidade, determinante da prorrogação das penas ou de aplicação de medidas de segurança, tem por efeito a substituição dessas penas ou medidas de segurança por outras correspondentes à natureza da alteração, nos termos seguintes:


.......................................................................................................”

No título III referia-se o Código Penal à "aplicação e execução das penas", importando referir, no tocante à "execução das penas e medidas de segurança" (capítulo V):

"Artigo 115º - A execução das penas ou medidas de segurança funda-se exclusivamente em sentença passada em julgado.

§ único. ................................................................................... “

"Artigo 118º - Salvas as excepções previstas na lei, a execução das penas é contínua.

A execução das penas e medidas de segurança privativas de liberdade suspende-se:

1º. Por doença física ou mental que imponha internamento hospitalar (2)

....................................................................................”

2.2. Dispunha o Código de Processo Penal de 1929, no capítulo I - "Disposições Gerais"- do título VII - "Das Execuções” -, na redacção do Decreto-Lei nº 185/72:

"Artigo 627º - Compete ao Ministério Público promover a execução das penas e medidas de segurança

§ único. ........................................................................”.

"Artigo 628º - Cabe ao juiz competente para a execução da pena decidir, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público ou do condenado, as questões relativas ao início, duração e suspensão da execução da pena ..................................”.

"Artigo 629º - Cabe ao Tribunal de Execução das Penas decidir sobre a modificação ou substituição das penas ou medidas de segurança, no decurso da execução, e em especial (3) :

...................................................................................................................”. .

Entre essas competências especiais cabia decidir sobre as alterações do estado de perigosidade criminal, a cessação do estado de perigosidade e a substituição de medidas de segurança mais graves por outras menos graves.

2.3. Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei nº 26 643, de 28 de Maio de 1936 (Reforma dos Serviços Prisionais):

"1. A necessidade da reforma dos serviços prisionais é indiscutível para quem conhecer a sua actual organização e os princípios a que deve subordinar-se o regime prisional ....................

"Neste diploma, à parte algumas disposições de carácter penal, somente se organizam os serviços destinados à execução da pena de prisão e das medidas de segurança, e de tudo o que constitui o seu natural complemento.

...............................................................................................

"9. Este diploma pretende estabelecer um plano completo da organização prisional dos adultos - sistema harmónico e inspirado nos dados e nas indicações da ciência penitenciária; ora as questões fundamentais, os pontos centrais de um regime prisional são os seguintes:

1) Determinação dos tipos de estabelecimentos prisionais;

2) Condições da sua construção e instalação;

3) Forma do cumprimento da pena nas suas modalidades;

4) Meios de individualizar a pena durante a execução;

5) Processo de fiscalizar o cumprimento da pena e da aplicação da medida de segurança;

6) Meios de adaptação gradual do preso ao regime da liberdade;

7) Formas de libertação definitiva ou condicional e de modificação ou redução da pena;

8) Instituições post-prisionais;

9) Instituições burocráticas ou de outra ordem para que o regime prisional esteja subordinado a um pensamento geral;

10) Quadro dos funcionários, forma do seu recrutamento e requisitos que estes devem possuir.

Todos estes problemas são considerados no actual diploma e é por isso que ele, do mesmo passo que contém um plano integral de realizações e a orgânica dos respectivos serviços, se pode considerar um código de execução da pena e das medidas de segurança privativas da liberdade.

"10. A organização prisional deve ter por base o sistema penal e, como o actual não está em rigorosa harmonia com o sistema prisional que se propõe, parece que, em boa lógica, se deveria começar por substituir o Código penal e só depois proceder à elaboração do regime prisional (4) . Todavia não pôde seguir-se este processo porque a elaboração do Código penal exige muito tempo e não é possível demorar mais a solução de alguns problemas prisionais. Nem é rigorosamente necessário que assim seja, porque, por um lado, a desconformidade entre o Código Penal e o novo sistema prisional não é tão grande como poderá parecer, pois naquele têm sido introduzidas algumas modificações, e ainda neste diploma se inserem as mais urgentes e as que foram julgadas indispensáveis para a sua execução; e, por outro lado, porque também a execução da pena fornece muitos ensinamentos sobre a sua eficácia e condições da sua aplicação, e até sobre a sua conveniência ou inconveniência.

Em conformidade, o diploma tratou, no seu título I, dos estabelecimentos prisionais" destinados à "detenção, ao cumprimento de penas e à execução de medidas de segurança privativas da liberdade" (5) ; no título II, dos "anexos dos estabelecimentos prisionais"; no título III, da "construção dos edifícios prisionais"; no título IV, da "entrada nos estabelecimentos prisionais; no título V, do "tratamento dos reclusos"; no título VI, da "transferência de reclusos"; no título VII, do "falecimento do recluso e seu espólio"; no título VIII, da "libertação dos reclusos", no título IX, do "Patronato", no título X, da "direcção e administração dos estabelecimentos prisionais", e no título XI, de "disposições transitórias".

Note-se que o diploma continha apenas uma disposição (artigo 314º) prevendo a saída precária da prisão aos reclusos (6) , em situações que nada tinham a ver com a ora em causa.

As "relações dos reclusos com o exterior" - capítulo VII do título V - limitavam-se, pois, quase às "visitas", reguladas nos artigos 303º a 313º.

2.4. A Lei nº 2 000, de 16 de Maio de 1944, criou os tribunais de execução das penas, delimitou-lhes a competência e estabeleceu alguns princípios relativos à nova forma de processo que a matéria (agora) jurisdicionalizada exigia.

O Decreto-Lei nº 34 553, de 30 de Abril de 1945, veio regular a organização e competência dos tribunais de execução das penas - "competência para proferir as decisões destinadas a modificar ou substituir as penas ou medidas de segurança no tempo do seu cumprimento, tanto na duração como no regime prisional, se por lei não (pertencessem) a qualquer outro tribunal" (do preâmbulo do diploma) -, tendo sido criado (apenas) um tribunal com sede em Lisboa e jurisdição em todo o País (artigo 1º).

0 Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro, estabelecendo a orgânica, funcionamento e competência dos tribunais de execução das penas, "consagra(ou), pela primeira vez entre nós, a intervenção directa de uma magistratura especializada no cumprimento das penas e medidas de segurança privativas de liberdade e na reintegração social dos condenados".

Como se acrescenta no seu preâmbulo:

"0 juiz prolonga a acção do poder judicial na fase do tratamento penitenciário, atenuando a descontinuidade que tradicionalmente tem existido entre julgamento e condenação, por um lado, e actuação penitenciária dirigida à reintegração social do recluso, pelo outro.

"A intervenção do juiz efectiva-se nas visitas, pelo menos mensais, que fará aos estabelecimentos, nos contactos regulares com os presos, na participação em conselhos técnicos em que se apreciem decisões de particular importância para os reclusos, na revisão periódica dos progressos feitos no sentido da liberdade condicional e vigiada, na concessão da medida inovadora da saída precária prolongada, na reapreciação anual do internamento dos inimputáveis perigosos e, já na fase pós-institucional, na coordenação das actividades de assistência social exercidas em benefício dos libertados.

"Garantindo aos reclusos o acesso a uma entidade independente, pensou-se que beneficiaria o clima dos estabelecimentos e que se estimularia a adesão dos presos ao processo da sua reintegração social. Nesta medida, crê-se que a autoridade da administração penitenciária

não sairá diminuída com a colaboração do poder judicial".

Nos artigos 22º e 23º o diploma fixou, respectivamente, a competência do tribunal de execução das penas e do juiz do tribunal de execução das penas, em termos muito próximos dos estabelecidos nos artigos 68º e 69º da Lei actual, Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).

No tocante à competência do tribunal de execução das penas, e na parte que ora mais interessa, traduz-se, essencialmente, em decidir sobre a alteração e ou cessação do estado de perigosidade criminal e a modificação ou substituição das penas ou medidas de segurança, em curso de execução.

Quanto à competência do juiz do tribunal de execução das penas, importa destacar – nº 4 do referido artigo 23º e alínea d) do vigente artigo 69º da Lei nº 38/ /87 - a de

"Conceder e revogar saídas precárias prolongadas".

No tocante a essas saídas precárias, dispôs o Decreto-Lei nº 783/76:

"Artigo 34º - Aos condenados a penas e medidas de segurança privativas da liberdade de duração superior a seis meses podem ser autorizadas saídas precárias prolongadas quando tenham cumprido um quarto da pena ou seis meses da medida de segurança e se entenda que esta providência favorece a sua reintegração social.

"Artigo 35º - 0 Período da saída precária prolongada é fixado por tempo não superior a oito dias e a sua concessão pode ser renovada de seis em seis meses.

"Artigo 36º -1. A saída precária prolongada obedece a condições a fixar para cada caso.

2. 0 tempo da saída precária prolongada não é descontado no cumprimento da pena ou da medida de segurança, salvo o que vai disposto nos artigos seguintes.

.........................................................................................................................”.

2.5 - Como escreve EDUARDO CORREIA (7) :

"Uma vez fixada a reacção criminal há que executá-la. Mas essa execução, que normalmente se traduz em uma privação da liberdade do delinquente, supõe o problema de saber qual o processo mais apto para a realizar da maneira mais perfeita. Ora o conjunto de actividades destinadas a averiguar qual seja esse processo denomina-se, justamente, ciência penitenciária e é ao conjunto de normas legais que o regulam que se chama direito penitenciário.

"0 âmbito destas normas é o mais variado e ramifica-se nos mais diversos problemas, desde, por exemplo, a questão de saber como se hão-de tratar os condenados durante a sua reclusão e depois da sua libertação até à de saber como se hão-de construir os estabelecimentos prisionais (x) .

"0 direito penitenciário português está contido funda mentalmente no Decreto-Lei nº 26 643, de 28 de Maio de 1936 ..............................................................................".

2.6 - Deve, pois, concluir-se, da antecedente exposição que a execução das penas e das medidas de segurança privativas de liberdade envolve a aplicação de regras e princípios de direito criminal, de direito processual criminal e, especialmente, de direito penitenciário, este último, essencialmente, da alçada administrativa.

Como a seguir melhor se verá, com manifesta influência na dilucidação das questões postas.

3.

Diz-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto:

“1. 0 direito penitenciário tem sido em Portugal objecto de largos estudos e tratamentos legais de aperfeiçoamento ............................................................................................

"( ... ) Só, porém, em 1936 se abalançou a nossa legislação a elaborar uma ampla reforma prisional. As suas características estavam, todavia, mais fixadas numa série de disposições substantivas - de tipo parasitário (perigosidade, prorrogação da pena, prisão de menores, regime de medidas aplicáveis a alcoólicos e equiparados, etc.) - do que num ajustado equilíbrio entre a ideia de ressocialização do delinquente e seus direitos, segurança e ordem prisionais.

"0 sistema progressivo que se adoptava era de tal forma rígido que rapidamente foi submerso por modificações de carácter mais ou menos administrativo. Saliente-se que a afectação dos reclusos a estabelecimentos, sem ter em conta o grau de segurança conveniente, veio conduzir a grandes dificuldades de controle de evasões e de protecção dos direitos dos reclusos e da sua reinserção social.

"De saudar são, em todo o caso, muitas das medidas tomadas depois do 25 de Abril.

"2. A presente reforma continua a partir da ideia da corrigibilidade de todos os condenados, e isso corresponde a uma nobre tradição do nosso direito, sem afectar as ideias de prevenção impostas pela defesa social.

"A flexibilidade que se dá à execução das medidas privativas de liberdade, o regime das licenças de saída, já entre nós ensaiado, os planos de tratamento, a preocupação de garantir a defesa dos reclusos, que logo se mostra na estruturação da sua vida intramuros – regulamentação da correspondência e visitas, o chamado "ar fresco" que entra no estabelecimento as atenções devidas ao trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais, aproximando-o da vida livre, a ocupação dos tempos de lazer dos reclusos, a
assistência religiosa, espiritual e médico-sanitária, se, por um lado, se aperfeiçoam e se concretizam, têm sempre lugar, por outro, o quadro de regras de disciplina não arbitrária, mas regulada de forma, tanto quanto possível, vinculada.

"Tudo, aliás, dominado pelo novo princípio, no nosso sistema, de separação de estabelecimentos e reclusos em função do grau de segurança (máxima, média ou mínima) que oferecem ..................................................................................................

"Finalmente, embora seja lição de recentes reuniões internacionais apontar-se a prioridade das reformas penitenciárias relativamente ao Código Penal, procurou-se articular este diploma não só com a lei vigente mas ainda com a eventual aprovação em sede própria do projecto do Código Penal".

E dispôs-se, na parte que mais interessa à economia do parecer:

"Artigo 1º. 0 presente diploma aplica-se aos estabelecimentos dependentes do Ministério da Justiça".

"Artigo 2º - 1. A execução das medidas privativas de liberdade deve orientar-se de forma a reintegrar o recluso na sociedade, preparando-o para, no futuro, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem que pratique crimes.

2. A execução das medidas privativas de liberdade serve também a defesa da sociedade, prevenindo a prática de outros factos criminosos".

"Artigo 3º - 1. ....................................................................................................................

2. Tanto quanto possível, aproximar-se-á a execução das condições da vida livre, evitando-se as consequências nocivas da privação de liberdade.

3. Na modelação da execução das medidas privativas de liberdade não devem ser criadas situações que envolvam sérios perigos para a defesa da sociedade ou da própria comunidade prisional.

4. A execução deve, tanto quanto possível, estimular a participação do recluso na sua reinserção social, especialmente na elaboração do seu plano individual, e a colaboração da sociedade na realização desses fins.

5 . ....................................................................................................................”.



"Artigo 8º - 1. Após o ingresso, quando a duração da pena o justifique, mas sempre que a parte ainda não cumprida da medida privativa de liberdade seja superior a seis meses, ou no caso de pena relativamente indeterminada, dar-se-á início à observação sobre a personalidade e sobre o meio social, económico e familiar do recluso.

2. A observação terá por objecto averiguar todas as circunstâncias e elementos necessários a uma planificação do tratamento do recluso, durante a execução da medida privativa de liberdade, e à sua reinserção social, após a libertação.

3. ................................................................................................" (8) .

"Artigo 9º - 1. 0 plano individual de readaptação é elaborado com base nos resultados da observação referida no artigo anterior.

2. Do plano individual de readaptação deverão constar, pelo menos, as seguintes indicações:

a) Internamento em regime aberto ou fechado;

............................................................................

h) Medidas de flexibilidade na execução;

i) Medidas de preparação de libertação;

3. No decurso do cumprimento da medida privativa de liberdade deverão ser feitas as modificações no plano de readaptação que o progresso do recluso e outras circunstâncias relevantes exigirem.

....................................................................................................................”.
......................................................................................................................

"Artigo 14º-1. 0 recluso que não reúna as condições referidas no nº 2 é internado em estabelecimento fechado.

2. 0 recluso pode ser internado, com o seu consentimento, num estabelecimento ou secção de regime aberto, quando estejam preenchidos os pressupostos deste, isto é, quando não seja de recear que ele se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tal regime lhe proporciona para delinquir.

3. 0 recluso pode também ser internado num estabelecimento de regime fechado, ou regressar a este, quando isso se revelar necessário ao seu tratamento ou sempre que pelo seu comportamento se mostrar que não satisfaz as exigências do regime aberto.

4. 0 internamento em regime fechado é executado em condições de segurança capazes de prevenir o perigo de evasão dos reclusos.

5. 0 internamento em regime aberto é executado prescindindo-se, total ou parcialmente, de medidas contra o perigo de evasão dos reclusos".

"Artigo 15º-1. A fim de preparar a libertação pode:

a) Transferir-se o recluso para um estabelecimento ou secção de regime aberto;

b) Recorrer-se às medidas de flexibilidade na execução prevista no artigo 58º;

c) Autorizar-se o recluso a sair do estabelecimento pelo período máximo de oito dias, sem custódia, durante os últimos três meses do cumprimento da pena;

d) Autorizar-se o recluso que trabalhe ou frequente locais de ensino no exterior a sair do estabelecimento seis dias por mês, seguidos ou interpolados, sem custódia, nos últimos nove meses do cumprimento da pena.

2. ...........................................................................................................” (9).

Título V
Licenças de saída do estabelecimento
Capítulo I
Princípios comuns

Artigo 49º
Competência para a concessão de licenças de saída

"1. Compete ao juiz do tribunal de execução das penas conceder e revogar as licenças de saída prolongadas.

2. A concessão das licenças de saída prolongadas pode condicionar-se à consulta de autoridades diferentes das penitenciárias.

3. Compete à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais ou ao director do estabeleci mento conceder as outras licenças de saída previstas neste título" (10).

"Artigo 50º-1. As licenças de saída do estabelecimento não são um direito do recluso e na sua concessão deve tomar-se em conta:

a) Natureza e gravidade da infracção;

b) Duração da pena;

c) Eventual perigo para a sociedade do insucesso da aplicação da medida;

d) Situação familiar do recluso e ambiente social em que este se vai integrar;

e) Evolução da personalidade do recluso ao longo da execução da medida privativa de liberdade.

2. .................................................................................................................

4. As licenças de saída podem obedecer a condições a fixar para cada caso" (11) .


"Artigo 52º - As licenças de saída prolongadas não podem ser concedidas relativamente a:

a) Reclusos sujeitos a prisão preventiva;

b) Reclusos em cumprimento de penas de duração inferior a seis meses;

c) Reclusos em regime de semidetenção;

d) Internados em centros de detenção com fins de preparação profissional acelerada;

e) Internados em estabelecimentos de segurança máxima.".

....................................................................................................................

"Artigo 58º-1. A fim de tornar a execução das medidas privativas de liberdade mais flexível, nomeadamente nos aspectos referentes ao restabelecimento de relações com a sociedade, de forma geral e progressiva, pode o recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto ser autoriza do pela Direcção-Geral, sob proposta do respectivo director:

a) A sair do estabelecimento, com ou sem custódia, a fim de trabalhar ou frequentar estabelecimentos de ensino e aperfeiçoamento profissional;

b) A sair do estabelecimento durante determinadas horas do dia, com ou sem custódia.

2. As medidas de flexibilidade na execução só podem ser concedidas se não for de recear que o recluso se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tais benefícios lhe proporciona para delinquir, desde que a concessão da licença de saída não prejudique seriamente a segurança e a ordem públicas, nem ponha em causa as razões de prevenção geral e especial que sempre cabem à execução das medidas privativas de liberdade".

....................................................................................................................

"Artigo 60º - 0 recluso internado em estabelecimento ou secção de regime aberto pode ser autorizado pelo respectivo director a sair, sem custodia, pelo prazo máximo de quarenta e oito horas, uma vez em cada trimestre" (12)

....................................................................................................................

"Artigo 62º- A. 0 recluso pode ser autorizado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais a sair do estabelecimento, sob custódia, por tempo não superior a doze horas, quando deva comparecer em juízo ou por outro motivo justificado, nomeadamente sérias razões familiares ou profissionais que não sejam incompatíveis com a ordem e a segurança públicas".

"Artigo 62º- B. A fim de preparar a libertação, pode a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sob proposta do director do estabelecimento, autorizar as saídas previstas nas alíneas b), c) e d) do artigo 15º".

.........................................................................................................................

Título XX
Execução das medidas de segurança
privativas de liberdade

"Artigo 217º - 0 internamento resultante da aplicação de uma medida de segurança visa a defesa da sociedade, devendo ser orientado a reintegrar o internado na vida livre".

"Artigo 218º - Ao internamento resultante da aplicação de uma medida de segurança são aplicáveis, por analogia, as normas sobre a execução das penas privativas da liberdade, na medida em que nada se dispuser em contrário".

....................................................................................................................

"Artigo 221º - A fim de preparar a libertação do internado, pode tornar-se a execução da medida de segurança mais flexível, nomeadamente pela concessão de licenças de saída, nos termos do disposto nos artigos 49º e seguintes".

....................................................................................................................

"Artigo 225º - Permanecem aplicáveis as normas do direi to anterior à entrada em vigor do presente diploma que não sejam contrárias às suas disposições ou ao seu espírito e fins".

Refira-se, por fim, que o diploma, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 1980 (artigo 227º), depois de fixar os "Princípios Gerais " - título II -, trata das seguintes matérias: título III "Alojamento, vestuário e alimentação"; título IV "Visitas e correspondência"; título V "Licenças de saída do estabelecimento"; título VI "Trabalho, formação e aperfeiçoamento profissionais"; título VII - "Ensino"; título VIII - "Tempo livre"; título IX -"Assistência moral e espiritual"; título X - "Assistência médico-sanitária"; título XI - "Segurança e ordem"; título XII - "Meios coercivos"; título XIII - "Medidas disciplinares"; título XIV - "Direito de exposição, de queixa e de interposição de recurso"; título XV - "Libertação"; título XVI -"Serviços Prisionais"; título XVII - "Assessores"; título XVIII - "Investigação criminal e execução da pena"; título XIX - "Regras especiais"; título XX "Execução das medidas de segurança privativas de liberdade".

Salvo raros casos de competências do juiz do tribunal de execução das penas, as diversas medidas previstas no diploma cabem à Administração - Ministro da Justiça, Director-Geral dos Serviços Prisionais e directores dos estabelecimentos prisionais.

3.2. Constitui o Decreto-Lei nº 265/79 o diploma fundamental do direito penitenciário português (13), tendo havido o propósito, como se diz no seu preâmbulo, de o articular "não só com a lei vigente mas ainda com a eventual aprovação em sede própria do projecto do Código Penal".

Sendo evidente - e não questionada - a harmonia do diploma com os textos legais atrás citados, conheçamos da sua discutida articulação com a legislação posterior, na parte ora em causa.

4.

4.1. Dispõe o artigo 42º do Código Penal vigente, aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro:

"A execução das penas de prisão é regulada em legislação especial, na qual são fixados os deveres e os direitos dos reclusos".

Anotando esta disposição, escreve MAIA GONÇALVES (14) :

"2. Este preceito remete o direito penitenciário para a legislação especial, por se tratar de um ramo diferenciado do direito penal substantivo e que, por estar em constante evolução, não é aconselhável que esteja integrado na lei geral.

3. A execução das penas está subordinada à respectiva finalidade principal, que é a ressocialização do delinquente como dimana da filosofia subjacente ao Código Penal .....................................

4. A legislação especial reguladora de execução das penas, particularmente da pena de prisão, consta fundamentalmente do Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro, que entrou em vigor com o Código penal e revogou todas as disposições do Código de Processo Penal sobre execução das penas; e do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto.

Estes diplomas foram elaborados tendo em vista o Código Penal e destinavam-se já a viabilizar a sua correcta aplicação".

No tocante à aplicação e execução da medida de segurança "internamento de inimputáveis", dispõe o Código Penal nos artigos 91º e seguintes, na parte que ora interessa:

"Artigo 91º - 1. Quando um facto descrito num tipo legal de crime for praticado por indivíduo inimputável nos termos do artigo 20º, será este mandado internar, pelo tribunal em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança, sempre que, por virtude da anomalia psíquica e da natureza e gravidade do facto praticado, houver fundado receio que venha a cometer outros factos típicos graves.

2. Quando o facto praticado pelo inimputável consista em homicídio ou ofensas corporais graves, ou em outros actos de violência puníveis com pena superior a 3 anos, e existam razões para recear a prática de outros factos da mesma natureza e gravidade, o internamento terá a duração mínima de 3 anos".

"Artigo 92º - 1. 0 internamento findará quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade criminal que lhe deu origem.

2. ...................................................................................................................

"Artigo 93º - 1. Se for invocada a existência de causa justificativa da cessação do internamento, o tribunal pode a todo o tempo apreciar a questão.

2. A apreciação é obrigatória, independente mente de alegação, decorridos 3 anos sobre o início do internamento e 2 sobre a decisão que o tenha mantido.

3. Fica ressalvado, em qualquer caso, o prazo mínimo de internamento fixado no nº 2 do artigo 91º".

"Artigo 94º - 1. Decorridos os prazos mínimos de interna mento, pode o delinquente inimputável ser libertado a título de ensaio, por um período mínimo de 2 anos, desde que haja sérias razões para presumir que o internado já não oferece o perigo da prática de novos factos ilícitos.

....................................................................................................................

4. Se o ensaio confirmar a cessação da perigosidade criminal, o tribunal converterá em definitiva a libertação do internado; de contrário, será ordenado o seu internamento ou aplicada a medida que, nos termos da lei e em face da conduta ou da personalidade do agente, se mostre mais adequada.

5. Se durante o período de ensaio, e em face da conduta do libertado, se verificar que não é adequado o regime de liberdade, deverá o tribunal ordenar o interna mento do delinquente ou aplicar outra medida, nos termos da última parte do número anterior”.

"Artigo 95º - 1. A liberdade definitiva de um internado nos estabelecimentos destinados a inimputáveis, quando não tenha tido lugar a libertação a título de ensaio, será sempre precedida de um período de liberdade experimental não inferior a 2 anos nem superior a 6.

2. É aplicável à liberdade experimental prevista no número anterior o disposto nos nºs 2, 3, 4 e 5 do artigo anterior".

....................................................................................................................

"Artigo 99º - 1. 0 internamento de inimputáveis perigosos pode ser suspenso condicionalmente por um período de 2 a 5 anos, desde que o tribunal conclua que à suspensão se não opõe a necessidade de prevenção da perigosidade.

2. É aplicável a este caso o disposto nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 94º".

4.2. Entende o senhor Director-Geral dos Serviços Prisionais que as medidas de flexibilidade previstas no Decreto-Lei nº 265/79 (v. artigos 15º, 49º a 61º, 218º e 221º) - que, diz, "só podem ser concedidas, nos termos do nº 2 do artigo 58º (daquele diploma), se não for de recear que o recluso se subtraia à execução da pena ou que se aproveite das possibilidades que tais benefícios proporcionam para delinquir (...)" - "pressupõem, pois, sempre um juízo subjectivo de não perigosidade do recluso e de ausência de risco (...)", que "a redacção dos artigos 91º, nº 2, e 93º, nº 3, do Código Penal parece não permitir, para os inimputáveis aí referidos. Efectivamente - acrescenta - a Lei exclui a invocação de qualquer causa justificativa da cessação do internamento enquanto não decorrer o prazo mínimo de 3 anos de internamento, contrariamente ao que acontece com os outros delinquentes inimputáveis (...)”.

Cremos não se justificarem tais dúvidas.

0 conceito de perigosidade não é absoluto e imutável, podendo ser apreciado, antes da sua cessação, da cura, em vários graus evolutivos, numa consideração gradativa, em termos tais que, embora se manifeste um juízo global de estado de perigosidade, pode, apesar disso, ser formulado um juízo de que uma saída precária ou outra medida de flexibilidade não envolvem risco de subtracção à execução da medida ou de danosidade social pelo perigo da prática de actos da mesma natureza, sendo até que a própria autorização de saída precária possa constituir um elemento do plano de tratamento do internado.

0 próprio Código Penal admite (prevê) diversos graus de estado de perigosidade: devendo o internamento findar apenas quando o tribunal verificar que cessou o estado de perigosidade (artigo 92º, nº 1, com as ressalvas dos artigos 91º, nº 2, e 93º, nº 3), o diploma prevê, como pressuposto da concessão de liberdade a título de ensaio (artigo 94º, nº 1), a mera presunção de que o internado já não oferece o perigo de prática de novos factos ilícitos, e como pressuposto de suspensão condicional do internamento (artigo 99º, nº 1), a conclusão pelo tribunal, de que à suspensão se não opõe a necessidade de prevenção da perigosidade.

Parece, pois, que para a concessão das medidas de flexibilidade previstas no Decreto-Lei. Nº 265/79 se não pode ser mais rigoroso que para a concessão da liberdade a título de ensaio, da liberdade experimental e da suspensão condicional do internamento, que não pressupõem um juízo seguro e definitivo de cessação do estado de perigosidade criminal.

E dados os fins terapêuticos daquelas medidas de flexibilidade (15), e porque tais medidas não constituem ainda nenhuma das formas de liberdade (não definitiva) previstos no Código Penal, não se vêem obstáculos à concessão dessas medidas - observados os devidos pressupostos legais, os necessários cuidados - mesmo quando a medida de internamento tem o limite mínimo de três anos (artigos 91º, nº 2, e 93º, nº 3).

Em abono desta posição, isto é, no sentido de que as citadas normas do Código Penal respeitam, nessa parte, os princípios e regras do Decreto-Lei nº 265/79, pode, ainda, invocar-se:

- o facto de o anterior Código Penal, vigente à data da publicação do Decreto-Lei nº 265/79, conter norma (§ único do artigo 68º) essencialmente idêntica à do citado artigo 91º do Código Penal vigente;

- o facto de o Decreto-Lei nº 265/79 ter sido elaborado tendo já em conta - como atrás se salientou - o projecto de que resultou o vigente Código Penal;

- a inclusão, no Decreto-Lei nº 402/82, publicado na mesma data que o Código Penal, de norma (artigo 42º, nº 2) em que - embora desnecessariamente, como adiante melhor se verá - expressamente se admitia o internamento (cura) dos inimputáveis em estabelecimentos abertos.

Razões suficientes, assim se vê, para se concluir que não há contradição entre os pressupostos das medidas de flexibilidade previstas no Decreto-Lei nº 265/79 e os do internamento previsto nos artigos 911º e seguintes do Código Penal.

5.

5.1. Diz-se no preâmbulo do Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro:

"A próxima entrada em vigor do Código Penal pressupõe uma profunda reestruturação do Código de Processo Penal, particularmente do Título VIII do Livro II, sobre as execuções das penas, que portanto urge efectuar, antes mesmo da elaboração dum novo Código, a que seguidamente e de imediato se procederá.

"Sabe-se que o Código de Processo Penal é um diploma adjectivo, destinado a viabilizar e a dar execução prática às normas penais substantivas sistematizadas no Código Penal. É este último o diploma basilar, onde o pensamento legislativo toma posição sobre as grandes opções do direito criminal, nomeadamente sobre os fins das sanções criminais e sobre as vias de reinserção na sociedade daqueles que algum dia sucumbiram perante a rede das normas incriminadoras.

"Daí que toda a reestruturação ou alteração do Código de Processo Penal, para que se integre no pensamento legislativo da lei e na hermenêutica do sistema, deva sempre arrancar das normas penais substantivas que no Código Penal se contêm.

....................................................................................................................

"As normas constantes do presente decreto-lei confinam-se, assim, dentro das coordenadas seguintes:

“a) ....................................................................................................................
"b) Reformulação de todo o Título VIII do Livro II, sobre execução das penas.

"Sabe-se que o Código Penal mantém algumas das penas tradicionais, como é o caso da prisão e da multa, criando porém outras ainda desconhecidas do nosso ordenamento jurídico, como é o caso do regime de prova e da prestação do trabalho a favor da comunidade. Mas mesmo aquelas penas tradicionais passam a obedecer a uma nova filosofia, quer nos seus fins quer na sua execução, salientando-se em relação a esta que as prisões de pequena duração passam a poder ser cumpridas pelos sistemas de dias livres e de semidetenção.

"Não pareceu, assim, viável proceder a meras alterações neste título, por total inadaptação das suas normas e mesmo da sua filosofia. Por isso se criaram, desde já, normas inteiramente novas para a execução das penas, e, entestando tais normas, disposições gerais em que se destacam os direitos fundamentais dos delinquentes como pessoas cuja dignidade há que respeitar em todas as situações e disposições visando a finalidade da execução das penas, de reinserir na sociedade os delinquentes, devolvendo-os ao pleno convívio dos seus concidadãos como elementos inteiramente úteis e válidos.

"Todas as normas sobre execução das penas, que agora se formulam, foram elaboradas arrancando do espírito e da letra do Código Penal, e sempre dentro do pensamento de que é este último o diploma fundamental que elas se destinam a viabilizar e executar.

....................................................................................................................

"De salientar, finalmente, que o presente decreto-lei visa estabelecer um conjunto mínimo de normas que se reputam indispensáveis para viabilizar a entrada em vigor do Código Penal. Ele não dispensa nem prejudica a próxima elaboração de um novo Código de Processo Penal, a que de imediato se procederá; e tem mesmo a vantagem de, quando da entrada em vigor de um novo Código, poder já ser levada em conta a experiência entretanto recolhida, pois que as normas agora formuladas representam uma antecipação em aspectos restritos, mas fulcrais".

E dispôs o Decreto-Lei nº 402/82 sobre a execução das medidas de segurança privativas de liberdade:

"Artigo 41º - A decisão que decretar a medida de internamento especificará se este se efectua em estabelecimento de cura, tratamento ou segurança e ainda, se for caso disso, a duração do internamento".

"Artigo 42º - 1. 0 internamento de inimputáveis e de imputáveis portadores de anomalia psíquica aos quais os estabelecimentos comuns são prejudiciais efectua-se em hospitais ou clínicas especializadas, ou em anexos de estabelecimentos prisionais.

2. 0 disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de cura em estabelecimentos abertos, quando imposta pela terapêutica psiquiátrica".

"Artigo 43º - 0 início, suspensão e cessação do internamento, bem como a libertação a título de ensaio experimental, efectuam-se mediante manda do ou simples comunicação do tribunal, em que se especificarão, se for caso disso, os deveres impostos e o período de liberdade experimental".

"Artigo 44º - 1. Nos estabelecimentos onde o internamento se efectuar será organizado processo individual do internado, onde se registarão todas as comunicações recebidas do tribunal e todos os elementos a este fornecidos, e ainda a avaliação periódica do tratamento e da perigosidade do internado.

2. Semestralmente, e sempre que necessário, o estabelecimento fornecerá ao tribunal a avaliação referida no final do número anterior".

....................................................................................................................

"Artigo 53º - São revogados os artigos 625º a 645º do Código de Processo Penal

5.2. Não se devem oferecer dúvidas de que as antecedentes normas (de direito processual penal) respeitavam os apontados princípios e regras de direito penal e direito penitenciário consagrados, respectivamente, no Código Penal vigente e no Decreto-Lei nº 265/79.

De notar apenas que o citado artigo 42º, especialmente o seu nº 2, ao especificar tipos de estabelecimentos em que a medida devia ser executada, invadiu a área do direito penal e do direito penitenciário, estando, pois, tais especificações deslocadas em diploma que se propôs ser de direito processual penal (16).

Mais do que a especificação do tipo de estabelecimento, a norma do nº 2 do citado artigo 42º consagrava um regime de execução da medida do internamento cfr., entre outros, os artigos 9º e 14º do Decreto-Lei nº 265/79 -, matéria, notoriamente, de direito penitenciário.

Como se viu, a não inclusão de norma idêntica no Código de Processo Penal vigente suscita dúvidas quanto à vigência daquela norma e, consequentemente, quanto à possibilidade de concessão de licenças de saída e outras medidas de abertura relativamente aos inimputáveis internados.

Importa, pois, conhecer o regime do Código de Processo Penal vigente sobre a matéria em causa.

6.

6.1. Dispôs o artigo 2º do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, que aprovou o Código de Processo Penal vigente:

“1. É revogado o Código de Processo Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 16 489, de 15 de Fevereiro de 1929, com a redacção em vigor.

2. São igualmente revogadas as disposições legais que contenham normas processuais penais em oposição com as previstas neste Código, nomeadamente as seguintes: ............................................................................................................................ (17) ”.

0 Código de Processo Penal trata da "execução das medidas de segurança" no seu título IV, dispondo na parte que ora interessa:

"Artigo 500º - 1. A decisão que decretar o internamento especifica o tipo de instituição em que este deve ser cumprido e determina, se for caso disso, a duração máxima e mínima do internamento.

2. 0 início e a cessação do internamento efectuam-se por mandado do tribunal".

"Artigo 501º-1. Na instituição onde o internamento se efectuar é organizado um processo individual, no qual se registam ou juntam as comunicações recebidas do tribunal e os elementos a este fornecidos, bem como os relatórios de avaliação periódica dos efeitos do tratamento sobre a perigosidade do internado.

2. Anualmente, ou sempre que as condições o justificarem ou o tribunal o solicitar, o director da instituição remete para o processo referido no artigo seguinte o relatório de avaliação periódica

"Artigo 502º-1. No Tribunal de Execução de Penas é organizado o processo de internamento para oportuna revisão da situação do internado, .....................................................”.


"Artigo 503º - 1. Até dois meses antes da data calculada para a revisão obrigatória da situação do internado, o tribunal ordena a perícia psiquiátrica do condenado, a realizar, sempre que possível, no próprio estabelecimento em que se encontrar internado, devendo o respectivo relatório ser-lhe apresentado dentro de trinta dias.

2 . ....................................................................................................................

"Artigo 504º - . A decisão de libertação do internado a título de ensaio ou de experiência é sempre precedida de audição do Ministério Público e do interessado ou do seu defensor.

2. 0 tribunal pode, antes de decidir, ordenar a perícia a que se refere o nº 1 do artigo anterior".

"Artigo 505º - 0 tribunal pode encarregar os serviços de reinserção social de acompanharem o tratamento de internados ou de exercerem a vigilância dos libertados a título de ensaio ou de experiência".

"Artigo 506º - É correspondentemente aplicável à medida de internamento o disposto nos artigos 475º, 476º, 477º, 478º e 484º (18)“.

....................................................................................................................

"Artigo 509º - A suspensão, a revogação da suspensão e o reexame das medidas de segurança são decidi das pelo tribunal precedendo audição do Ministério Público, do defensor e da pessoa a elas sujeita, salvo se, quanto a esta, o seu estado tornar a audição inútil ou inviável".

6.2. Como escreve MAIA GONÇALVES (19) - os citados artigos 500º e 509º "estabelecem a tramitação necessária, dentro do processo penal, para a execução da medida de segurança de internamento de inimputáveis, estabelecida nos artigos 91º a 95º do Código Penal".

Confrontando aquelas normas processuais com as dos citados artigos 41º a 44º do Decreto-Lei nº 402/82, é evidente que aquelas vieram substituir estas últimas, operando-se, assim, uma revogação tácita, por substituição, do ordenamento jurídico então em vigor (20), por outro mais aperfeiçoado, mais completo.

Como escreveu M. A. LOPES ROCHA (21) :

"A execução da medida de segurança de internamento, constante dos artigos 500º e seguintes, revela aperfeiçoamentos em confronto com as correspondentes disposições do Decreto-Lei nº 402/82 (artigos 41º e seguintes).

"A exigência expressa do mandato do tribunal para o início e a cessação do internamento traduz a ideia do reforço das garantias do internado, não bastando a simples comunicação do tribunal a que aludia o artigo 43º daquele Decreto-Lei, deste modo se acentuando que também na execução da medida de segurança vigora em pleno o princípio da legalidade.

"Desaparecem as especificações do artigo 42º do Decreto-Lei nº 402/82 quanto ao tipo de estabelecimentos em que a medida deve ser executada, naturalmente por se ter considerado que a matéria releva do direito penitenciário e estaria deslocada no Código de Processo Penal.

"0 artigo 502º é novo e regula a intervenção do Tribunal de Execução das Penas na execução da medida ......

"Ainda na senda do reforço das garantias do internado, a nova disposição do artigo 503º cuida dos preliminares da revisão obrigatória da situação daquele, impondo a perícia psiquiátrica e dispondo que a revisão tem lugar com audição do defensor e do próprio internado, só podendo ser dispensada a presença deste se o seu estado de saúde a tornar inútil ou inviável.

"As mesmas garantias são acauteladas no artigo 504º para o caso da libertação a título de ensaio ou de experiência e, em geral, para a suspensão, revogação e reexame de medidas de segurança, no artigo 509º. 0 papel do Instituto de Reinserção Social em matéria de assistência e vigilância é reafirmado no artigo 505º".

Respeitando os princípios e normas (artigos 91º a 95º) do Código Penal, também se não oferecem dúvidas de que o novo regime processual não pôs em causa, não prejudica em nada o referido regime penitenciário (do Decreto-Lei nº 265/79).

7.

Na sequência do exposto deve concluir-se pela revogação da norma do nº 2 do citado artigo 42º do Decreto-Lei nº 402/82, que expressamente admitia a "cura (dos inimputáveis) em estabelecimentos abertos".

Como já se disse aquela norma era, manifestamente, de direito penitenciário, e não de direito processual penal, estando, pois, deslocada, a mais, naquele diploma legal.

Este fenómeno é, aliás, frequente, tendo o legislador, no actual Código de Processo Penal, incorrido na mesma incorrecção, que M. A. LOPES ROCHA (22) assim justifica:

"Iniciei esta exposição tentando vincar que a regulamentação processual penal das execuções é apenas um dos sectores ou, se quiserem, um dos fragmentos de um conjunto legislativo que tem de funcionar de forma coerente e integrada para a realização dos fins que se propõe o sistema de justiça penal.

"Poderia até discutir-se se alguns pormenores da regulamentação do processo executivo não seriam dispensáveis, por pertencerem ao chamado direito penitenciário ou ao domínio das atribuições dos órgãos que concorrem para a execução das penas e medidas, como o Instituto de Reinserção Social,, constantes das suas leis estatutárias.

"Mas compreende-se a intenção do legislador, ainda que num ou noutro ponto tenha invadido domínios que, em bom rigor técnico, não relevam do direito processual penal, na sua vertente executiva: a necessidade de optimizar, na sua dimensão prática, o princípio da legalidade na aplicação das penas e medidas de segurança. Quanto às finalidades da execução, essas relevam do sistema de justiça penal no seu conjunto e, em particular, do Decreto-Lei nº 265/79, onde expressamente se diz que a "execução das medidas privativas de liberdade deve orientar-se de forma a reintegrar- o recluso na sociedade, preparando-o para, no futuro, conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem que pratique crimes"; e que a "execução das medidas privativas de liberdade serve também a defesa da sociedade, prevenindo a prática de outros factos criminosos" (artigo 2º).

E no que à medida de segurança privativa da liberdade particularmente respeita, o objectivo do internamento "é a defesa da sociedade, devendo ser orientada a reintegrar o internado na vida livre" (artigo 217º).

De onde resulta que ao desaparecimento (revogação) da referida norma (nº 2 do artigo 42º do Decreto-Lei nº 402/82) não pode ser atribuído qualquer outro significado que não seja o reconhecimento da sua impropriedade (desnecessidade) no diploma em que indevidamente foi introduzida.

Assim sendo, a possibilidade (ou não) de internamento de inimputáveis em estabelecimentos abertos - como, aliás, a sua sujeição às demais medidas de flexibilidade na execução do internamento - decorrerá, como resulta de todo o exposto, do direito penitenciário atrás invocado, que o Código Penal não derrogou.

Face aos citados artigos 218º e 221º do Decreto-Lei nº 265/79, não se podem oferecer dúvidas de que os inimputáveis internados podem beneficiar do discutido regime aberto (artigo 9º e seguintes) bem assim de licenças de saída precárias concedidas pela administração penitenciária (artigo 49º, nº 3, do referido diploma legal), desde que observados os respectivos pressupostos de concessão dessas medidas de flexibilidade.

8.

Termos em que se conclui:

1º. 0 Código Penal e o Código de Processo Penal vigentes respeitam os princípios e regras do Decreto-Lei nº 265/79, de 1 de Agosto, no tocante à execução da medida de internamento de inimputáveis, a que se referem os artigos 91º e seguintes daquele primeiro diploma legal. Consequentemente:

2º. Não obstante a revogação tácita do nº 2 do artigo 42º do Decreto-Lei nº 402/82, de 23 de Setembro, pelo Código de Processo Penal, os inimputáveis internados nos termos do artigo 91º do Código Penal poderão cumprir essa medida de segurança em regime aberto, ex vi do artigo 218º do Decreto-Lei nº 265/79, desde que se verifiquem os pressupostos definidos no artigo 14º, nº 2, deste diploma legal;

3º. Na execução da referida medida de segurança, ex vi e nos termos do artigo 221º do Decreto-Lei nº 265/79, poderão ser concedidas aos inimputáveis, pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais ou pelo director do respectivo estabelecimento, as licenças de saída a que se refere o nº 3 do artigo 49º deste diploma legal, desde que sejam observa dos os requisitos estabelecidos nas respectivas disposições legais.






(1) Na redacção do Decreto-Lei nº 39 688, de 5 de Junho de 1954, que integrou no Código Penal, com algumas modificações, os princípios fundamentais da chamada Reforma dos Serviços Prisionais (Decreto-Lei nº 26 643, de 28 de Maio de 1936), a seguir referida.

(2) Não tendo havido simulação na doença, o "tempo de internamento hospitalar" contava-se por inteiro na duração das penas e medidas de segurança privativas de liberdade nº 3 do artigo 117º.

(3) Este artigo 629º - redacção de 1972 foi substituído, com ligeiras alterações, pelo artigo 22º do Decreto-Lei nº 783/76, de 29 de Outubro (Orgânica dos Tribunais de Execução das Penas), a seguir referido.

(4) Como escreveu BELEZA DOS SANTOS, em prefácio à "Organização Prisional", 1955, de J. ROBERTO PINTO e ALBERTO A. FERREIRA:
"Do que fica exposto, infere-se que a Reforma dos serviços prisionais de 1936, teve de remodelar diversas normas em matéria de execução das penas e de providenciar mais largamente ainda quanto à determinação e execução das medidas de segurança.
Poderia julgar-se, à primeira vista, ser preferível ter-se publicado um novo Código Penal, onde fossem inseridos os novos princípios, com um sistema devidamente coordenado e que, depois de publicado este Código, se procedesse à reorganização especificamente prisional. O rumo tomado, embora aparentemente ilógico, foi talvez o mais acertado.
Inovar, em conjunto, o direito criminal, sem haver a segurança de que ele seja devidamente executado, sem que a sua eficiência esteja de antemão garantida pelos estabelecimentos prisionais, e pelos serviços necessários, será não só fazer obra vã, mas desacreditar princípios que não podem efectivar-se.
.............................................................................................
Por outro lado, como se tratava de princípios e instituições novos, era aconselhável fazer primeiro como que um ensaio, estar atento às lições da experiência e verificar até que ponto ela ensina o prosseguimento ou correcções do que se tentou. Por isto, afigura-se-nos razoável que, em 1936, se tivessem limitado as modificações do direito criminal àquilo que se mostrava necessário para que se pudesse dar vida aos novos meios com que praticamente se procurava aperfeiçoar a luta contra a criminalidade e a recuperação de elementos que se haviam mostrado a-sociais ou anti-sociais".

(5) Algumas das normas deste título I foram posteriormente introduzidas, com adaptações, no Código Penal - cfr. nota (1) -, pelo Decreto-Lei nº 39 688, de 5 de Junho de 1954, por constituírem princípios fundamentais de direito penal no tocante à fixação e cumprimento das penas e medidas de segurança.

(6) Artigo 314º do Decreto-Lei nº 26 643: "O Ministro da Justiça poderá autorizar a saída da prisão aos reclusos, por tempo não superior a doze horas, quando forem chamados a juízo, ou por outro motivo justificado excepcionalmente grave e urgente.
§ 1º. Se for concedida a autorização, a que se refere este artigo, adoptar-se-ão as necessárias providências para segurança dos presos.
§2º. Os detidos só poderão sair havendo informação favorável da autoridade judicial ou outra a cuja ordem estiverem".
Anotando esta disposição, escreveram J. ROBERTO PINTO e ALBERTO A. FERREIRA, em ob. cit,-, pág. 202/203:
"Nos termos do artigo único do Decreto-Lei nº 31 175, de 15 de Março de 1945, o Ministro da Justiça pode delegar no Director-Geral dos Serviços Prisionais, no todo ou em parte, a solução dos assuntos a que se refere o presente artigo.
Para qualquer saída precária, o director da cadeia enviará a proposta, devidamente justificada, à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, instruindo-a com os elementos da circular nº 2, de 6 de Abril de 1937, da referida Direcção-Geral. Quando se trate de um detido, nos termos do § 2º, ainda da proposta deverá constar a informação favorável da entidade à ordem de quem o recluso se encontre.
Do mesmo modo se procederá quando o motivo da saída precária for o estado de saúde do preso. Neste caso, à proposta acrescerá o parecer do médico da cadeia".

(7) Direito Criminal, 1, 1963, pág. 14.

(x) "0 que tudo envolve problemas de classificação de delinquentes, da maneira de os internar, do seu vestuário e alimentação, da sua vida higiénica, do seu trabalho, da sua instrução, do seu contacto com o mundo exterior, da sua disciplina, da sua transferência, da sua libertação e da assistência que deve ter lugar depois dela, da direcção dos estabelecimentos prisionais, das relações do trabalho com o ambiente exterior, etc. .......".

(8) Os nºs 1 e 3 deste artigo 8º têm a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 49/80, de 22 de Março.

(9) As alíneas b) e c) do nº 1, e o nº 2 deste artigo 15º têm a redacção do Decreto-Lei nº 49/80, de 22 de Março.

(10) 0 nº 3 do artigo 49º foi acrescentado pelo Decreto-Lei nº 49/80.

(11) Os artigos 50º a 62º, relativos a "licenças de saída do estabelecimento" têm a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 49/80, que reformulou todo o título V.

(12) Os artigos 59º e 61º referem-se à concessão de licenças de saída prolongada.

(13) Como se diz no seu artigo 225º, permaneceram em vigor as normas do direito anterior que não lhe fossem contrárias. Entre essas normas contavam-se, entre outras, as relativas aos estabelecimentos prisionais, do Decreto-Lei nº 26 643 e legislação posterior.

(14) Código Penal Português, anotado e comentado, 3ª edição, 1986, pág. 115.

(15) Para não dizer, ainda, que a concessão dessas medidas poderá constituir uma das formas mais seguras de averiguar (testar) o estado (grau) de perigosidade do internado.

(16) Cfr., neste sentido, M. A. LOPES ROCHA, "0 Novo Código de Processo Penal", em "Jornadas de Direito Processual Penal" no âmbito do C.E.J., pág. 490. A este tema se regressará mais adiante, a propósito do novo Código de Processo Penal.

(17) Não consta dessa relação o Decreto-Lei nº 265/79.

(18) Referem-se estes artigos aos critérios de contagem do tempo de prisão (artigo 475º), ao momento (dia e hora) da libertação (artigo 476º), ao mandado de libertação (artigo 477º), a diversas comunicações dos directores de estabelecimentos prisionais ao Ministério Público (artigo 478º) e à aplicação de legislação especial no que não estiver previsto (nesse) capítulo quanto aos termos processuais de libertação condicional (artigo 484º).

(19) Código de Processo Penal anotado, 2ª edição, 1988, pág. 554.

(20) Como escreveu FRANCESCO FERRARA, "Interpretação e Aplicação das Leis", Coimbra, 1963, págs. 193 e 194:
"A abrogação pode resultar ou duma declaração expressa do legislador que proclama abolida uma certa lei, pura e simplesmente sem outra estatuição (...) ou é conexa com uma nova regulamentação jurídica que substitui a revogada. Neste caso, aliás, a abrogação .expressa é supérflua, pois basta que a lei nova estabeleça uma regulamentação diversa incompatível com a lei antiga, para que a lei nova prevaleça e destitua de efeitos a lei precedente. Então é uso falar-se de abrogação tácita: a vontade abrogativa resulta da nova disciplina que se vem substituir à anterior, pela incompatibilidade do novo ordenamento jurídico com o antigo (...).
A abrogação tácita não resulta só de incompatibilidade; opera-se também quando uma lei nova regula toda a matéria já disciplinada pela anterior (...)".

(21) Ob. cit., págs. 489 e 490.

(22) Ob. cit., págs. 494 e 495.
Anotações
Legislação: 
CP886 ART68 ART70 ART72 ART115 ART118.
CPP29 ART627 ART628 ART629.
DL 26643 DE 1936/05/28 ART314.
L 2000 DE 1944/05/16.
DL 34553 DE 1945/04/30.
DL 783/76 DE 1976/10/29 ART22 ART23 ART34 ART35 ART36.
DL 265/79 DE 1979/08/01 ART1 ART2 ART3 ART8 ART9 ART14 N2 ART15 ART49 ART50 ART52 ART58 ART60 ART61 ART62 A B ART217 ART218 ART221 ART225.
CP82 ART42 ART91 ART92 N1 ART93 N1 N3 ART94 N1 ART95 N1 ART99.
DL 402/82 DE 1982/09/23 ART41 ART42 N1 ART43 ART44 ART53.
DL 78/87 DE 1987/02/17 ART2.
CPP87 ART500 ART501 ART502 ART503 ART504 ART505 ART506 ART509.
Referências Complementares: 
DIR PROC PENAL / DIR PENIT.
Divulgação
Número: 
DR180
Data: 
06-08-1990
Página: 
8763
19 + 1 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf