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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
133/2001, de 26.09.2001
Data de Assinatura: 
26-09-2001
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
FERNANDES CADILHA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PROTECÇÃO DE MENORES
COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA
RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS EM MATÉRIA CIVIL
COMPETÊNCIA EXCLUSIVA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
CONVENÇÃO INTERNACIONAL
TREATY MAKING POWER
CLAUSULA DE DESCONEXÃO
PRIMADO DO DIREITO COMUNITÁRIO
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
TEORIA DOS PODERES IMPLICITOS
PRINCÍPIO DA BOA FÉ
COMUNIDADES EUROPEIAS
Conclusões: 
1.ª A Convenção de Haia de 19 de Outubro de 1996 e o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, do Conselho (designado como Regulamento Bruxelas II), ambos com efeitos em matéria de protecção de menores, contêm, no domínio de aplicação comum, disposições díspares no tocante à competência judiciária e ao reconhecimento de decisões judiciais;

2.ª Porém, as disposições conjugadas dos artigos 52º, n.º 2, da Convenção e 37º, 5º travessão, do Regulamento, no ponto em que admitem a prevalência do direito comunitário em relação a medidas aplicáveis a menores residentes habitualmente na Comunidade e autorizam os Estados Membros a aplicar as disposições da Convenção quando os menores residam fora da Comunidade, operam a compatibilização entre os dois instrumentos, obstando à emergência de um eventual conflito de normas na sua aplicação prática;

3.ª Em conformidade, não se torna exigível uma intervenção da Comunidade, sob a invocação de uma competência exclusiva, para que o direito convencional possa ser acolhido no ordenamento jurídico dos Estados Membros e nada impede, por conseguinte, que cada um desses Estados ratifique a Convenção a título individual;

4.ª Poderia justificar-se, no entanto, que, no momento da ratificação, os Estados interessados formulassem uma declaração interpretativa que explicite o sentido e alcance das mencionadas cláusulas de desconexão nos termos que ficaram explanados no antecedente n.º II. 5.;

5.ª A Convenção de Haia está aberta à assinatura e ratificação dos Estados membros da Conferência de Direito Internacional Privado de Haia presentes à sua 18º sessão, bem como à adesão, após a sua entrada em vigor, de qualquer outro Estado, com a implícita exclusão de organizações internacionais que não possuam esta natureza;

6.ª Em conformidade, a admissão da Comunidade Europeia, em vista à implementação, no espaço comunitário, das disposições previstas na Convenção, apenas poderia efectuar-se por via de um protocolo adicional a negociar com os Estados intervenientes na conferência;

7.ª Face ao exposto na conclusão 5.ª, a vinculação da Comunidade Europeia através da ratificação da Convenção a efectuar por todos Estados Membros, agindo estes em nome próprio e no interesse da Comunidade, infringe o princípio da boa fé na interpretação dos tratados;

8.ª Nessa mesma hipótese, a ratificação poderia não produzir o efeito útil de uniformização do direito comunitário, caso os Estados Membros pretendessem eximir-se às obrigações decorrentes da Convenção com fundamento na irregularidade do procedimento;

9.ª A ratificação da Convenção por cada um dos Estados Membros, a título individual e no interesse comunitário, como forma de suprir a mediação da Comunidade, põe em causa a autonomia de vontade inerente a uma declaração unilateral de aceitação de um tratado, e, nessa medida é incompatível com o treaty making power desses Estados.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Procurador-Geral da República,
Excelência:



I


O Senhor Ministro da Justiça dignou-se remeter à Procuradoria-Geral da República uma informação do Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação, afecto à Coordenação da Presidência Portuguesa da UE – Justiça, bem como o expediente que a acompanhava, solicitando, com carácter de urgência, a emissão de parecer sobre a viabilidade legal do procedimento de ratificação que é proposto pelo Comité de Direito Civil – Questões Gerais da UE, relativamente à ratificação da Convenção de Haia de 19 de Outubro de 1996 ([1]).

Nos termos da referida informação, o Comité, partindo do pressuposto de que existe uma competência exclusiva da UE, em relação aos compromissos a assumir em determinados domínios da aplicação da Convenção, apresentou três soluções possíveis em vista à sua ratificação:

(a) estabelecimento de um protocolo que permitisse à Comunidade aderir à Convenção;
(b) ratificação por cada Estado Membro, quer no interesse próprio, quer em nome do interesse comunitário;
(c) ratificação pelos Estados Membros, individualmente, acompanhada de uma declaração na qual reconheciam o primado do direito comunitário.


Na sequência dos debates então realizados, a proposta do Comité acabou por centrar-se na segunda das hipóteses consideradas, que assentaria no seguinte procedimento:

(a) apresentação, pela Comissão, de duas propostas de decisão autorizando cada um dos Estados Membros a assinar e ratificar a Convenção;
(b) adopção daquelas decisões pelo Conselho, ao abrigo do disposto no artigo 300º, n.ºs 2 e 3, do Tratado CE, no último caso, após consulta do Parlamento Europeu;
(c) depósito simultâneo dos 14 instrumentos de ratificação, cada um em nome próprio e no interesse da Comunidade.

A dúvida em concreto exposta, por parte do Gabinete para as Relações Internacionais, Europeias e de Cooperação, deriva de o acolhimento da proposta do Comité, tal como se encontra formulada, poder vir a representar, na prática, uma limitação do treaty making power dos Estados Membros, no ponto em que obriga ao depósito simultâneo dos instrumentos de ratificação e estipula um prazo para a conclusão do respectivo procedimento.


II


1. Um aspecto que interessa dilucidar preliminarmente, face ao desenvolvimento analítico que se torna necessário empreender, respeita à questão de saber se ocorre um verdadeiro conflito de normas entre o Regulamento Bruxelas II e a Convenção de Haia, em termos de justificar, ao abrigo do princípio da competência implícita, uma intervenção directa da UE como aderente à Convenção, em detrimento de uma exclusiva participação a título individual dos Estados Membros.
O parecer do Serviço Jurídico do Conselho ([2]) responde afirmativamente, partindo da interpretação das disposições conjugadas dos artigos 52º, n.º 2, da Convenção e 37º, 5º travessão, do Regulamento Bruxelas II.

Uma tomada de posição sobre esta questão exige, em todo o caso, uma análise comparativa, ainda que sumária, do objecto e do conteúdo normativo de ambos os textos.

2. A Convenção de Haia visa resolver os conflitos que possam suscitar-se entre diferentes sistemas jurídicos em matéria de competência, lei aplicável, reconhecimento e execução de medidas de protecção de menores (artigo 1º).

Como regra geral, a Convenção indica como instância competente para a adopção das medidas de protecção a autoridade, administrativa ou judiciária, do Estado contratante onde o menor tenha a residência habitual (artigo 5º) ou onde se encontre ocasionalmente deslocado (artigo 6º).

A lei aplicável é a do Estado que exerça a competência, salvo se, no superior interesse do menor, se entender ser de aplicar a lei de um outro Estado a que este se encontre vinculado (artigo 15º).

A regulação do poder paternal por acordo dos pais ou acto unilateral, sem intervenção de uma autoridade administrativa ou judiciária, rege-se pela lei do Estado onde o menor tiver a sua residência habitual (artigo 16º).

As medidas adoptadas pelas autoridades de um Estado contratante são reconhecidas por outro Estado contratante (artigo 23º, n.º 1). O reconhecimento só poderá ser recusado nas circunstâncias enumeradas no n.º 2 desse artigo:

“1. Les mesures prises par les autorités d’un Etat contractant sont reconnues de plein droit dans les autres Etats contractants.
2. Toutefois, la reconnaissance peut être refusée:
a) si la mesure a été prise par une autorité dont la compétence n’était pas fondée sur un chef de compétence prévu au chapitre II;
b) si la mesure a été prise, hors le cas d’urgence, dans le cadre d’une procédure judiciaire ou administrative, sans qu’ait été donnée à l’enfant la possibilité d’être entendu, en violation des principes fondamentaux de procédure de l’Etat requis;
c) à la demande de toute personne prétendant que cette mesure porte atteinte à sa responsabilité parentale, si cette mesure a été prise, hors le cas d’urgence, sans qu’ait été donnée à cette personne la possibilité d’être entendue;
d) si la reconnaissance est manifestement contraire à l’ordre public de l’Etat requis, compte tenu de l’interet supérieur de l’enfant;
e) si la mesure est incompatible avec une mesure prise postérieurement dans l’Etat non contractant de la résidence habitualle de l’enfant, lorsque cette dernière mesure réunit les conditions necessaires à sa reconnaissance dans l’Etat requis;
f) si la procédure prévue à l’article 33 n’a pas été respectée.”


A Convenção estabelece ainda regras relativas à cooperação entre Estados, prevendo a designação de uma autoridade central, que adoptará providências no tocante à troca de informações, bem como à prestação de assistência, à mediação de acordos e à localização de menores (artigo 31º).

Um Estado contratante poderá formular, até ao momento da ratificação, da aceitação, da aprovação ou da adesão, alguma das reservas previstas nos artigos 54º, n.º 2, e 55º, não sendo admitida qualquer outra reserva (artigo 60, n.º 1) ([3]).

A Convenção foi declarada aberta à assinatura dos Estados Membros da conferência de Haia de direito internacional privado, presentes à 18.ª sessão (artigo 57º, n.º 1), permitindo-se a adesão de qualquer outro Estado, a partir da data da sua entrada em vigor (artigo 58º, n.º 1).

3. O Regulamento (CE) n.º 1347/2000, do Conselho, é aplicável aos processos cíveis de divórcio, separação de bens e pessoas e anulação de casamento e aos pedidos de regulação de poder paternal que se encontrem dependentes desses processos (artigo 1º) e contém exclusivamente regras relativas à competência, reconhecimento e execução de decisões proferidas nessa matéria.

A competência judicial é deferida em função do critério de residência habitual dos cônjuges (ou de um deles) ou do da sua nacionalidade (ou domicílio, no caso do Reino Unido e da Irlanda) (artigo 2º, n.º 1) ([4]). O tribunal do Estado Membro a quem caiba conhecer de uma acção matrimonial é igualmente competente para qualquer questão relativa ao poder paternal de filhos comuns do casal, desde que o filho tenha residência habitual nesse Estado Membro (artigo 3º, n.º 1). Esse tribunal mantém a sua competência se o filho tiver residência habitual num outro Estado Membro, desde que: (a) pelo menos um dos cônjuges exercer o poder paternal em relação a esse filho; e (b) a competência desses tribunais tiver sido aceite pelos cônjuges e corresponder aos superiores interesses do filho [artigo 3º, n.º 2, alíneas a) e b)].

O artigo 8º estatui ainda uma competência supletiva, determinando a aplicação da lei do Estado Membro, no caso de não poderem funcionar as regras específicas previstas nos artigos anteriores (n.º 1) e conferindo a um nacional de um Estado Membro que tenha residência habitual noutro Estado Membro a faculdade de invocar, em pé de igualdade com os respectivos nacionais, a lei deste último Estado em relação a um requerido que não tenha residência habitual ou a nacionalidade de um Estado Membro (n.º 2).

As decisões proferidas num Estado Membro são reconhecidas nos outros Estados Membros sem necessidade de recurso a qualquer procedimento prévio (artigo 14º, n.º 1) e os motivos de recusa de reconhecimento são reduzidos ao mínimo necessário – encontrando-se previstos separadamente para as decisões proferidas em acção matrimonial e em regulação de poder paternal (artigo 15º, n.ºs 1 e 2) ([5]) -, implicando que não possa ser controlada a competência do tribunal, nem o mérito da decisão. (artigos 16º, 17º e 18.º).

As decisões proferidas num Estado Membro sobre o exercício do poder paternal relativamente a um filho comum do casal poderão ser executadas num outro Estado Membro depois de nele terem sido declaradas executórias a pedido de qualquer parte interessada (artigo 21º,n.º 1).

4. Uma primeira observação que cabe registar é que, no que concerne ao regime substantivo, o Regulamento Bruxelas II é bem mais restrito que a Convenção de Haia.

O regulamento comunitário apenas se refere a pedidos cíveis de regulação do poder paternal que sejam conexos com acções de divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação de casamento e apenas no tocante aos filhos comuns do casal, ao passo que a Convenção pretende abranger, no quadro de uma cooperação internacional, quaisquer medidas que se considerem necessárias, em matéria de protecção de menores, independentemente das vicissitudes da respectiva situação familiar.

Dentro do campo de aplicação comum, é possível detectar, no entanto, algumas de diferenças regime.

Desde logo, a atribuição de competência judicial assenta em diferentes critérios: enquanto que na Convenção a regra é a da competência do Estado contratante onde o menor tem residência habitual ou onde se encontre ocasionalmente deslocado, no Regulamento, dada a exigência de uma relação de conexão entre a regulação do poder paternal e a acção matrimonial, a competência para apreciar aquele pedido segue o regime aplicável a estas acções, tomando por base a residência habitual dos cônjuges ou a sua nacionalidade.

Subsidiariamente, nos termos do Regulamento, a competência poderá ser ainda definida em função da lei interna do Estado onde for formulado o pedido cível principal, sendo irrelevante, em qualquer dos casos, o local de residência do menor, que a Convenção, ao contrário, elege como determinante.

No que respeita ao reconhecimento de decisões proferidas por um outro Estado contratante, a mais significativa dissonância refere-se à possibilidade, consentida pela Convenção, de ser invocado, como motivo de recusa, o incumprimento pela autoridade decidente das regras da competência (Toutefois, la reconnaissance peut être refusée: a) si la mesure a été prise par une autorité dont la compétence n’était pas fondée sur un chef de compétence prévu au chapitre II - artigo 23º, n.º 2, alínea a) ) ([6]).

Ao invés, o Regulamento - como se anotou - proíbe o controlo da competência do tribunal de origem e, assentando num princípio de confiança mútua, limita-se a indicar como fundamentos do não reconhecimento disposições que se destinem a assegurar o respeito da ordem pública e dos direitos de defesa das partes, incluindo os direitos individuais da criança, e a evitar o reconhecimento de decisões incompatíveis ([7]).

Deste modo, e face teor literal das disposições acabadas de analisar, existe uma aparente discrepância entre os dois instrumentos quanto à competência judiciária, que poderá repercutir-se nas relações dos Estados Membros da UE (caso estes ratifiquem texto de Haia) com outros Estados outorgantes da Convenção, conduzindo eventualmente ao não reconhecimento, por parte de um terceiro Estado, das decisões que tenham sido adoptadas por um tribunal de um Estado Membro, ao abrigo das regras de competência definidas no Regulamento Bruxelas II.

5. Assentando na existência de um conflito de disposições, nos termos expostos, o Serviço Jurídico do Conselho, invocando a teoria dos poderes implícitos, segundo a orientação dimanada da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), sustenta que a Comunidade dispõe de competência exclusiva para aderir à Convenção([8]).

Para tanto, parte de uma interpretação conjugada das cláusulas de desconexão inseridas, respectivamente, na Convenção e no Regulamento, pelas quais a prevalência do Regulamento em relação às disposições da Convenção se circunscreve às medidas adoptadas por um tribunal de um Estado Membro incidentes sobre menores habitualmente residentes num dos Estados da Comunidade.

Na hipótese de o menor residir num país exterior à Comunidade, segundo o mesmo parecer, um Estado Membro eventualmente aderente à Convenção teria de aplicar, em relação ao reconhecimento e execução de decisões proferidas pelo tribunal de outro Estado Membro, as normas previstas na Convenção, em detrimento das que, nessa mesma matéria, estão consignadas no Regulamento.

Importa, pois, ter presente, para aferir da validade deste entendimento, as disposições que estão em causa.

Dispõe o artigo 52º da Convenção de Haia:

“Article 52

1. La Convention ne déroge pas aux instruments internationaux auxquels des Etats contractants sont Parties et qui contiennent des dispositions sur les matières réglées par la présente Convention, à moins qu’une déclaration contraire ne soit faite par les Etats liés par de tels instruments.
2. La Convention n’affecte pas la possibilité pour un ou plusieurs Etats contractants de conclure des accords qui contiennent, en ce qui concerne les enfants habituellement rédidents dans l’un des Etats Parties à de tels accords, des dispositions sur les matière réglées par la présente Convention.
3. Les accords à conclure par un ou plusieurs Etats contractants sur des matières réglées par la présente Convention n’affectent pas, dans les rapports de ces Etats avec les autres Etats contractants l’application des dispositions de la présente Convention.
4. Les paragraphes précédants s’appliquent également aux lois uniformes reposant sur l’existence entre les Etats concernés de liens spéciaux, notamment de nature régionale.”

Por seu turno, o artigo 37º do Regulamento estatui:

“Artigo 37º
Nas relações com determinadas convenções multilaterais

Nas relações entre os Estados-Membros, o presente regulamento prevalece sobre as seguintes convenções, na medida em que estas se refiram a matérias por ele reguladas:
- Convenção de Haia, de 5 de Outubro de 1961, relativa à competência das autoridades e à lei aplicável em matéria de protecção de menores.
- Convenção do Luxemburgo, de 8 de Setembro de 1967, sobre o reconhecimento das decisões relativas ao vínculo conjugal.
- Convenção de Haia, de 1 de Junho de 1970, sobre o reconhecimento dos divórcios e separações de pessoas.
- Convenção Europeia, de 20 de Maio de 1980, sobre o reconhecimento e a execução das decisões relativas à guarda de menores e sobre o restabelecimento da guarda de menores.
- Convenção de Haia, de 19 de Outubro de 1996, relativa à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento, à execução e à cooperação em matéria de poder paternal e de medidas de protecção de menores, desde que o menor resida habitualmente num Estado-Membro.” ([9])

Se bem se entende, a norma do artigo 52º da Convenção estatui uma declaração de compatibilidade com outros tratados que tenham sido ou venham a ser celebrados pelos Estados contratantes em relação às mesmas matérias.

Tem particular relevo, no que refere às relações com a Comunidade Europeia, a norma do n.º 2, pela qual se declara que a Convenção não afecta a possibilidade de um ou vários Estados contratantes concluírem acordos que contenham, no que concerne a crianças que residam habitualmente num desses Estados, disposições relativas às matérias reguladas na Convenção.

A Convenção de Haia, procurando prevenir eventuais conflitos, introduz, pois, um critério hierárquico, fixando antecipadamente, através de uma cláusula expressa, o seu lugar na ordem de prioridade a estabelecer com outros tratados concorrentes ([10]).

A Convenção, em conformidade com princípio explicitamente aceite pelo artigo 30º § 2 da Convenção de Viena ([11]), apresenta-se como subordinada em relação a outros tratados, preservando os direitos e obrigações assumidos pelos respectivos Estados contratantes.

E bem se compreende que assim seja. Os Estados subscritores da Convenção, tendo procurado estabelecer uma base mínima de cooperação internacional na promoção da defesa das pessoas e bens dos menores, não se opõe a que os Estados subscritores e aderentes, entre si ou nas relações com terceiros, estabeleçam acordos mais restritos que aprofundem e desenvolvam esses mecanismos de protecção, caso em que estes acordos têm um efeito derrogatório em relação às correspondentes disposições da Convenção.

Trata-se, neste caso, de uma aplicação concreta do princípio lex specialis derrogat generali.

Tendo em vista, do mesmo modo, definir a compatibilidade das disposições comunitárias com as resultantes de outras convenções multilaterais, o Regulamento Bruxelas II estabelece a sua prevalência, no tocante às matérias por ele reguladas, em relação à Convenção de Haia, desde que o menor resida habitualmente num Estado Membro.

Ao contrário do que sustenta o Serviço Jurídico do Conselho, a ressalva contida na parte final do artigo 37º, 5º travessão, do Regulamento, não pretende gerar um potencial conflito com as disposições da Convenção, antes se ajusta plenamente à cláusula de desconexão que esta instituiu através do seu artigo 52º, n.º 2 ([12]).

Esta disposição havia autorizado os Estados contratantes a estabelecerem acordos em relação a menores que residam habitualmente nos respectivos países. O regulamento comunitário, em correspondência com este ditame, veio afirmar a sua superioridade relativamente à Convenção, no tocante às medidas aplicáveis aos menores que residam habitualmente num Estado Membro, excluindo-a em relação a menores que residam num terceiro Estado que seja subscritor da Convenção, caso em que prevalecem as disposições desta última.

Ainda que a Convenção e o Regulamento contenham disposições díspares sobre a matéria de competência judiciária e do reconhecimento de decisões, não existe qualquer possibilidade de efectivo conflito entre os dois sistemas de normas, porquanto estes instituíram um esquema coerente de cláusulas de desconexão.

Os Estados Membros da UE, por efeito de uma norma contida no Regulamento Bruxelas II, estão dispensados de aplicar as disposições comunitárias em relação a processos cíveis de regulação de poder paternal que tenham por objecto menores residentes habitualmente em terceiros Estados. Neste caso, deverão aplicar as disposições da Convenção, quando a ela tenham aderido, sem que isso implique uma qualquer violação do compromisso assumido perante a Comunidade.

Deverá entender-se, porém, que esta restrição opera apenas no âmbito das relações dos Estado Membros com um outro Estado contratante, em resultado da ligação do menor a este terceiro Estado. Não faria sentido recorrer às normas convencionais para regular situações que relevam exclusivamente no quadro do relacionamento entre tribunais que integram a ordem jurídica comunitária. Por isso que o reconhecimento ou a execução num Estado Membro de uma decisão proferida sobre o exercício do poder paternal por um outro Estado Membro apenas possa suscitar dificuldade (e a eventual preterição do direito interno) quando o julgado envolva necessariamente a cooperação internacional de um Estado não comunitário ([13]).

É este o sentido interpretativo que melhor se coaduna com a imposição resultante do artigo 52º da Convenção. Do mesmo passo que admite que os Estados contratantes celebrem entre si acordos relativos às matérias reguladas na Convenção, no tocante a menores que residam num desses Estados (n.º 2), o preceito esclarece de seguida que esses acordos não prejudicam, nas relações com terceiros Estados contratantes, a aplicação das disposições convencionais (n.º 3). A norma de conflito limita, pois, a eficácia dos acordos restritos apenas quando, na situação jurídica a regular, ocorra a interferência de um terceiro Estado.

Nada parece obstar, por conseguinte, que os Estados Membros adiram à Convenção de Haia a título individual.

O que poderá justificar-se é que, no momento da ratificação, os Estados interessados formulem uma declaração interpretativa que explicite o sentido e alcance das mencionadas cláusulas de desconexão, nos termos explanados, tornando claro que, em matérias comuns, as disposições da Convenção são apenas aplicáveis nas situações ressalvadas na parte final do artigo 37º, 5º travessão, do Regulamento Bruxelas II, e a sua aplicação não contende com o direito comunitário ([14]) ([15]).


III

1. A exigência de uma participação directa da UE na Convenção de Haia poderia justificar-se, ou por se considerar de interesse que as respectivas disposições façam parte integrante da ordem jurídica comunitária, nas relações dos Estados Membros com terceiros, ou por se entender que ocorre uma incompatibilidade prática na aplicação da Convenção e do Regulamento, que impõe o uso da competência externa da Comunidade.

Esta última é, como se viu, a posição do Serviço Jurídico do Conselho, que considerou que a adesão à Convenção é parcialmente da competência exclusiva da Comunidade, e, em conformidade, propôs, em alternativa à celebração de um protocolo adicional que possibilite directamente essa adesão, que o Conselho autorize os Estados Membros a ratificarem a Convenção em seu próprio nome e no interesse da Comunidade.

Não se aceitando, como se explanou, a tese da competência exclusiva da Comunidade, na hipótese concreta, não poderá deixar de referir-se que o modelo proposto de intervenção dos Estados Membros em representação da UE depara também com sérias dificuldades.

2. A Comunidade Europeia dispõe de personalidade jurídica que lhe permite agir quer em relação aos Estados Membros (personalidade jurídica interna) quer na ordem internacional (personalidade jurídica internacional), em conformidade com os procedimentos previstos nos tratados constitutivos ([16]) ([17]).

Entende-se, de resto, que a “personalidade jurídica é essencial à organização internacional para que no seu seio se forme e exprima a vontade própria que lhe permita agir (quer em relação aos Estados Membros quer em relação a terceiros Estados ou a outras organizações internacionais quer, mesmo, em relação aos particulares que com ela entram em contrato) como uma entidade autónoma, juridicamente distinta dos Estados que a compõem.” ([18])

Como natural decorrência do seu reconhecimento como pessoa jurídica, uma organização internacional goza ainda de capacidade jurídica, a qual é definida em função das atribuições ou dos fins que justificaram a sua criação e com referência aos meios jurídicos considerados necessários para a realização dessas atribuições ou a prossecução desses fins ([19]).

No plano das relações internacionais, a capacidade jurídica dos sujeitos internacionais engloba, entre outros, o direito de celebração de acordos internacionais (jus tractuum), cujo fundamento material radica na consideração de que lhes incumbe promover, pela via convencional, a vinculação dos seus membros ou de outros sujeitos internacionais à realização de objectivos ou interesses próprios, à consecução de planos traçados pelas Organizações ou à concessão de facilidades para levarem a cabo a sua missão ([20]).

Essa capacidade das organizações internacionais de se comprometerem com tratados multilaterais, entendida como uma capacidade derivada e parcial, no sentido de que decorre da vontade expressa pelos Estados membros no acto constitutivo e está limitada por um princípio da especialidade ([21]), é explicitamente reconhecida pela Convenção de Viena de 21 de Março de 1986 (artigo 6º) ([22]).

No quadro da Comunidade Europeia, a competência para a celebração de acordos entre a Comunidade e um ou mais Estados ou organizações internacionais, circunscrita aos casos em que sejam admissíveis nos termos tratado instituidor, é conferida à Comissão, que deverá ser nesse sentido autorizada pelo Conselho ([23]).

No entanto, de acordo com a jurisprudência do TJCE, considera-se actualmente que Comunidade, mesmo que não exista uma norma expressa autorizativa, poderá concluir quaisquer acordos internacionais, no exercício de uma competência exclusiva que lhe é reconhecida com base numa interpretação finalista dos Tratado CEE, e que foi desenvolvida a partir do artigo 235º por apelo à chamada teoria dos poderes implícitos ([24]) ([25]).

É nesse contexto que assume especial relevo a doutrina firmada pela decisão de 31 de Março de 1971 (caso AETR) ([26]):

“Em particular, sempre que para a implementação de uma política comum prevista pelo Tratado a Comunidade tiver adoptado disposições que de algum modo instituam um regime comum, os Estados membros perdem o direito, quer agindo isoladamente quer em conjunto, de contrair perante terceiros Estados obrigações susceptíveis de afectar esse regime; com efeito, à medida que regras comuns forem sendo instituídas, só a Comunidade estará em posição de assumir e de executar, com efeitos em todos os domínios de aplicação da ordem jurídica comunitária, os compromissos contraídos em relação a terceiros Estados.” ([27])

3. Face a tudo o que anteriormente se expôs, não poderia pôr-se em dúvida, em tese geral, a capacidade jurídica da Comunidade para aderir, por iniciativa própria e na qualidade de sujeito de direito internacional, a um tratado originariamente concluído por dois ou mais Estados contratantes, ainda que, se fosse o caso, houvesse que invocar uma competência implícita.

No que se refere à Convenção de Haia subsiste, no entanto, uma objecção de princípio.

Nos termos do seu artigo 57º, n.º 1, a Convenção está aberta à assinatura dos Estados membros da Conferência de Direito Internacional Privado de Haia presentes à sua 18º sessão, sendo permitida a adesão de qualquer outro Estado, após a sua entrada em vigor (artigo 58º, n.º 1).

O problema da participação das organizações internacionais nas conferências diplomáticas, em pé de igualdade com os Estados ou em vez e no lugar dos Estados, quando essas organizações beneficiam de competências externas, tem sido amplamente discutido no seio da comunidade internacional ([28]), pelo que a circunstância de o texto final da Convenção não conter qualquer menção quanto à possibilidade de a ela aderirem organizações internacionais (circunscrevendo o seu campo de aplicação aos sujeitos internacionais com o estatuto de Estado) tem um significado jurídico muito preciso ([29]).

Não estando expressamente prevista a participação de uma organização internacional, como é o caso da Comunidade Europeia, a admissão de uma destas entidades apenas poderia ser viabilizada através da negociação de um protocolo adicional, em que teriam de intervir os órgãos competentes da organização, deixando prejudicada a possibilidade de a adesão vir a efectuar-se por simples declaração unilateral dos Estados Membros.

Nestes termos, a vinculação da Comunidade ao tratado através da ratificação a efectuar pelos Estados Membros, actuando estes em nome próprio e no interesse da Comunidade – tal como se preconiza no parecer do Serviço Jurídico do Conselho – representaria, na prática, uma fraude à disciplina jurídica da Convenção, que, por vontade dos seus subscritores, está exclusivamente aberta a sujeitos internacionais que tenham a designação de Estados. Implicando, assim, uma violação ao princípio da boa fé, enquanto regra essencial da interpretação dos tratados ([30]).

4. Num outro plano, a adesão da Comunidade Europeia à Convenção de Haia por via do mecanismo que vem proposto poderia não ter um qualquer efeito prático, se através dela, como parece ser o caso, se pretendesse instituir um regime jurídico vinculativo para todo o espaço comunitário.

Na verdade, como oportunamente se assinalou, o reconhecimento do jus tractuum, em relação às organizações internacionais, justifica-se pelo interesse em sujeitar a normas obrigatórias comuns todos os Estados Membros, que, assim, por efeito de um tratado vinculativo para a organização, passam a ter de aplicar essas disposições no respectivo ordenamento interno.

No entanto, na hipótese concreta, a circunstância de a Comunidade se encontrar impedida de aderir à Convenção por motu próprio – por a tal obstar a disciplina jurídica do tratado -, e de a sua adesão se operar por via de um mecanismo ferido de ilegalidade, frustaria, na prática, a possibilidade de a Comunidade impor, pelos seus próprios meios, a observância dessas disposições a qualquer dos Estados Membros.

Poderíamos estar perante uma situação assimilável às ratificações imperfeitas (ademais face aos termos em que se processa a mediação dos Estados Membros ([31])), que, segundo a solução fixada pela Convenção de Viena de 1969, poderá conduzir à invalidade do compromisso assumido pelo Estado no plano internacional ([32]).

4. Há, por fim, que trazer à colação uma outra ordem de considerações.

A ratificação da Convenção de Haia através da intervenção dos Estados Membros ([33]), agindo estes a título individual mas no interesse da Comunidade – com a consequente sujeição, no plano interno, a certas restrições procedimentais, tal como a necessidade de efectuar o depósito simultâneo de todos os instrumentos de ratificação e cumprir um determinado prazo de conclusão do respectivo processo -, é susceptível de infringir o princípio do treaty making power.

A decisão de um Estado em vincular-se a um tratado internacional corresponde a um exercício de soberania. O que justifica que seja o direito constitucional de cada Estado a definir o processo de ratificação e o respectivo de regime de repartição de poderes entre as diversas entidades estaduais intervenientes ([34]).

Constituindo, por outro lado, uma fonte de obrigações, que passarão a estar a cargo do Estado contratante, o tratado deve ser concluído “sem pressa e com pleno conhecimento de causa.” ([35])

No caso vertente, ao Estados Membros agem em nome próprio, fazendo projectar os efeitos do acto unilateral de ratificação na sua esfera jurídica, mas fazem-no no interesse da Comunidade.

Esse interesse, porém, só se realiza se todos os Estados Membros depositarem simultaneamente os instrumentos de ratificação, de forma a assegurarem que as disposições da Convenção se tornem integralmente aplicáveis, a partir de um mesmo momento, em todo o território comunitário.

A manifestação de vontade dos Estados Membros está, desse modo, condicionada pelo objectivo, definido pelos órgãos comunitários, de uniformizar as regras jurídicas de cooperação, em matéria de protecção de menores, na vertente do relacionamento com terceiros Estados.

Exige-se, assim, uma actuação concertada dos Estados Membros como único meio de alcançar, ainda que por via indirecta, o mesmo efeito jurídico que resultaria de uma adesão à Convenção que fosse negociada pela UE através de um protocolo adicional.

Neste circunstancialismo, a autonomia de vontade dos Estados Membros fica fortemente limitada pela necessidade de uma actuação conjunta, implicando porventura que os Estados prescindam de analisar a ratificação à luz das suas próprias conveniências e segundo a calendarização que julgarem mais adequada.

Numa outra perspectiva, a intervenção dos Estados Membros em nome próprio mas no interesse da Comunidade contraria a técnica do consenso (package deal), que é, em regra, adoptada nas conferências internacionais e nas organizações internacionais de integração, e que deveria propiciar, no seio da organização, a discussão alargada das questões, pondo em destaque a multiplicidade dos interesses em jogo e a importância das objecções que os interessados possam manifestar ([36]).

Tudo se conjuga para concluir que a fórmula proposta, visando substituir a mediação directa da UE, se torna incompatível com o treaty making power dos Estados Membros.




IV

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª A Convenção de Haia de 19 de Outubro de 1996 e o Regulamento (CE) n.º 1347/2000, do Conselho (designado como Regulamento Bruxelas II), ambos com efeitos em matéria de protecção de menores, contêm, no domínio de aplicação comum, disposições díspares no tocante à competência judiciária e ao reconhecimento de decisões judiciais;

2.ª Porém, as disposições conjugadas dos artigos 52º, n.º 2, da Convenção e 37º, 5º travessão, do Regulamento, no ponto em que admitem a prevalência do direito comunitário em relação a medidas aplicáveis a menores residentes habitualmente na Comunidade e autorizam os Estados Membros a aplicar as disposições da Convenção quando os menores residam fora da Comunidade, operam a compatibilização entre os dois instrumentos, obstando à emergência de um eventual conflito de normas na sua aplicação prática;

3.ª Em conformidade, não se torna exigível uma intervenção da Comunidade, sob a invocação de uma competência exclusiva, para que o direito convencional possa ser acolhido no ordenamento jurídico dos Estados Membros e nada impede, por conseguinte, que cada um desses Estados ratifique a Convenção a título individual;

4.ª Poderia justificar-se, no entanto, que, no momento da ratificação, os Estados interessados formulassem uma declaração interpretativa que explicite o sentido e alcance das mencionadas cláusulas de desconexão nos termos que ficaram explanados no antecedente n.º II. 5.;

5.ª A Convenção de Haia está aberta à assinatura e ratificação dos Estados membros da Conferência de Direito Internacional Privado de Haia presentes à sua 18º sessão, bem como à adesão, após a sua entrada em vigor, de qualquer outro Estado, com a implícita exclusão de organizações internacionais que não possuam esta natureza;

6.ª Em conformidade, a admissão da Comunidade Europeia, em vista à implementação, no espaço comunitário, das disposições previstas na Convenção, apenas poderia efectuar-se por via de um protocolo adicional a negociar com os Estados intervenientes na conferência;

7.ª Face ao exposto na conclusão 5.ª, a vinculação da Comunidade Europeia através da ratificação da Convenção a efectuar por todos Estados Membros, agindo estes em nome próprio e no interesse da Comunidade, infringe o princípio da boa fé na interpretação dos tratados;

8.ª Nessa mesma hipótese, a ratificação poderia não produzir o efeito útil de uniformização do direito comunitário, caso os Estados Membros pretendessem eximir-se às obrigações decorrentes da Convenção com fundamento na irregularidade do procedimento;

9.ª A ratificação da Convenção por cada um dos Estados Membros, a título individual e no interesse comunitário, como forma de suprir a mediação da Comunidade, põe em causa a autonomia de vontade inerente a uma declaração unilateral de aceitação de um tratado, e, nessa medida é incompatível com o treaty making power desses Estados.


Lisboa, 26 de Setembro de 2001


O Procurador-Geral Adjunto


(Carlos Alberto Fernandes Cadilha)






[1]) Ofício n.º 3499, de 3 de Setembro de 2001, aditado pelo ofício n.º 3502, do dia seguinte, que fixa em 1 de Outubro de 2001 a data limite para a remessa do parecer, de modo a habilitar a delegação portuguesa a adoptar uma posição no Conselho JAI.
[2]) Anexo ao expediente que acompanhava o pedido de parecer.
[3]) Dispõem:
“Article 54º
1. Toute communication à l’Autorité centrale ou à toute autre autorité d’un Etat contractant est adressée dans la langue originale et accompagnée d’une traduction dans la langue officielle ou l’une des langues officielles de cet Etat ou, lorsque cette traduction est difficilement réalisable, d’une traduction en français ou em anglais.
2. Toutefois, un Etat contractant pourra, en faisant la reserve prévue à l’article 60º, s’opposer à l’utilisation soit du français, soit de l’anglais.”

“Article 55º
1. Un Etat contractant pourra, conformément à l’article 60º:
a) réserver la compétence de ses autorités pour prendre des mesures tendant à la protection des biens d’un enfant situés sur son territoire;
b) se réserver de ne pas reconnaître une responsabilité parentale ou une mesure qui serait incompatible avec une mesure prise par ses autorités par rapport à ces biens.
2. La réserve pourra être restreinte à certaines catégories de biens.”
[4]) Dispõe:
“Artigo 2º
Divórcio, separação de pessoas e bens e anulação do casamento
1. São competentes para decidir as questões relativas ao divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) Em cujo território se situe:
- a residência habitual dos cônjuges, ou
- a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida, ou
- a residência habitual do requerido, ou
- em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, ou
- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante um ano imediatamente antes do pedido, ou
- a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante seis meses imediatamente antes do pedido, quer seja nacional do Estado-Membro em questão, quer, no caso do Reino Unido e da Irlanda, do “domicílio” de ambos os cônjuges.
2. Para efeitos do presente regulamento o termo “domicílio” é entendido na acepção que lhe é dada pelos sistemas jurídicos do Reino Unido e da Irlanda.”
[5]) Dispõe esse preceito:
“Artigo 15º
Fundamentos de não reconhecimento
1. Uma decisão em matéria de divórcio, separação de pessoas e bens ou anulação do casamento não será reconhecida:
a) Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido;
b) Se o acto que determinou o início da instância ou acto equivalente não tiver sido objecto de citação ou notificação ao requerido revel, em tempo útil e de forma a permitir-lhe providenciar pela sua defesa, excepto se estiver estabelecido que o requerido aceitou a decisão de forma inequívoca;
c) Se for inconciliável com outra decisão proferida em processo entre as mesmas partes no Estado-Membro requerido;
d) Se for inconciliável com uma decisão anteriormente proferida noutro Estado-Membro ou num país terceiro entre as mesmas partes, desde que esta anterior decisão reúna as condições necessárias para o reconhecimento no Estado-Membro requerido.
2. Uma decisão em matéria de poder paternal dos cônjuges proferida por ocasião de um processo matrimonial, na acepção do artigo 13º não será reconhecida:
a) Se o reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro requerido, tendo em conta os superiores interesses do filho;
b) Se, excepto em caso de urgência, tiver sido proferida, sem que ao filho, em violação de regras fundamentais do processo do Estado-Membro requerido, tenha sido oferecida a possibilidade de ser ouvido;
c) Se o acto que determinou o início da instância ou acto equivalente não tiver sido objecto de citação ou notificação à parte revel, em tempo útil e de forma a permitir-lhe providenciar pela sua defesa, excepto se estiver estabelecido que essa pessoa aceitou a decisão de forma inequívoca;
d) A pedido de qualquer pessoa que alegue que a decisão infringe o exercício do seu poder paternal, caso a mesma tenha sido proferida sem que a essa pessoa tenha sido oferecida a possibilidade de ser ouvida;
e) Se for inconciliável com uma decisão ulteriormente proferida em matéria de poder paternal no Estado-Membro requerido; ou
f) Se for inconciliável com uma decisão ulteriormente proferida em matéria de poder paternal noutro Estado-Membro ou no Estado terceiro em que o filho reside habitualmente, desde que esta posterior decisão reúna as condições necessárias para o reconhecimento do Estado-Membro requerido.”
[6]) Os fundamentos de recusa de reconhecimento constantes das alíneas b), c) d), e e) do n.º 2 do artigo 23º da Convenção têm correspondência, respectivamente, com as das alíneas b), d), a) e f) do n.º 2 do artigo 15º do Regulamento. A Convenção, além da alusão à incompetência do tribunal nos termos da alínea a) citada, contém uma referência ao incumprimento do procedimento previsto no artigo 33º, no caso de colocação do menor numa família de acolhimento (alínea f)), que não tem paralelo no regulamento comunitário, mas cuja não previsão, neste regulamento, se justifica pelo facto de este se encontrar circunscrito, no seu campo de aplicação, aos pedidos cíveis de regulação de poder paternal dependentes de um acção matrimonial. O Regulamento prevê, por seu turno, um alargamento das hipóteses em que poderá haver lugar à recusa de reconhecimento por contradição de julgados, conforme se consigna na alínea e) do n.º 2 do artigo 15º (quando a decisão a reconhecer for inconcilíável com uma decisão proferida ulteriormente pelo Estado requerido), o que não corresponde a uma divergência essencial de regimes, mas é antes um corolário lógico do princípio economia processual tendo em vista a prevenção de conflitos.
Discorda-se do entendimento sufragado no parecer do Serviço Jurídico do Conselho, segundo o qual o reconhecimento, tal como previsto no artigo 23º da Convenção, tem um carácter facultativo. A fórmula verbal “peut être” inserida no corpo do n.º 2 desse artigo não tem o sentido de conferir discricionaridade quanto à oportunidade da decisão a proferir. Esta, inserindo-se, por princípio, no âmbito da actividade jurisdicional, está vinculada ao princípio do pedido, encontrando-se unicamente dependente da verificação dos requisitos processuais e substantivos estipulados na norma.
[7]) Cfr. considerando 16º da exposição de motivos.
[8]) Os termos em que poderá ocorrer esta competência exclusiva será objecto de desenvolvimento ulterior (cfr. infra III. 2.).
[9]) Sublinhado nosso.
[10] ) Quanto ao conceito e finalidade das declarações de compatibilidade, cfr. NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, Direito Internacional Público, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, págs. 245-246.
[11]) Convenção sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, de 21 de Março de 1986.
[12]) A questão das cláusulas de desconexão foi analisada por RÉGIS BRILLAT, a propósito da participação da Comunidade Europeia nas convenções do Conselho da Europa.
O autor sublinha que a cláusula assim designada surgiu aquando elaboração da Convenção sobre Televisão Transfronteiriça de 1989, cujo artigo 27º § 1 estatuía o seguinte:
“Dans leurs relations mutuelles, les Parties qui sont membres de la Communauté économique européenne appliquent les règles de la Communauté et n’appliquent donc les règles découlant de la présente Convention que dans la mesure où il n’existe aucune règle communautaire régissant le sujet particulier concerné.”
Como se vê, o objecto da cláusula era o de assegurar a ligação entre o direito comunitário e o direito resultante da convenção europeia e tinha por função prevenir a eventual colisão com as normas comunitárias à medida que estas viessem a ser instituídas pela Comunidade em relação à mesma matéria.
Conforme esclarece o autor, “Là encore, la clause est de nature évolutive puisqu’elle n’a aucune conséquence lorsque le droit communautaire ne prévoit pas de règles dans le domaine concerné. Au contraire, au fur et à mesure de l’elaboration du droit communautaire, la clause est appelée à avoir une influence croissante et à limiter l’application de la convention aux relations entre les Etats non communautaires ou ente um Etat communautaire et un Etat non communautaire.” (“Annuaire Français de Droit International”, XXXVII, 1991, pág. 828)
Nos mesmos termos, a cláusula de desconexão inserida na Convenção de Haia, tem em vista afastar a aplicação do direito convencional em relação aos Estados Membros da Comunidade, de forma a que estes possam regular as suas relações recíprocas pelo direito interno próprio. A diferença específica, na situação vertente, é que o Regulamento Bruxelas II, ao afirmar, correspondentemente, a sua prevalência sobre a Convenção, introduziu um requisito material, restringindo esse efeito de prevalência, no seio da Comunidade, às medidas aplicáveis a menores habitualmente residentes num Estado Membro. Fê-lo, no entanto, para preservar a compatibilidade do Regulamento com a Convenção, que, por força do seu artigo 52º, n.º 2, reconhece a superioridade dos tratados restritos celebrados entre si por alguns dos Estados contratantes, mas quando incidam sobre menores residentes num desses Estados.
[13]) É preciso notar que o alcance desta restrição é muito limitado. Dado que os pedidos de regulação de poder paternal a que o Regulamento se aplica estão dependentes de acções matrimoniais, e que a competência do tribunal para o conhecimento destas acções se rege pelo critério da residência habitual ou nacionalidade dos cônjuges (artigos 2º e 3º), por via de regra, os menores envolvidos terão residência num país da Comunidade e só quando um nacional de um Estado Membro invoque a competência supletiva de um tribunal do espaço comunitário, relativamente a um requerido que não tenha residência habitual e não possua a nacionalidade num Estado Membro (artigo 8º), é que poderá colocar-se a eventualidade de o pedido se reportar também a um menor residente fora da Comunidade.
[14]) A apresentação de uma declaração interpretativa é tanto mais justificada quanto é certo que a Convenção de Haia não consente a formulação de reservas senão quanto às matérias especificadas nos seus artigos 54, § 2, e 55, que não respeitam a qualquer dos aspectos de divergência normativa que foram assinalados. Assim, os Estados Membros não poderiam obter, através da formulação de reservas, o efeito de excluir certas disposições da Convenção, em termos de completar ou reforçar, por essa via, o resultado interpretativo que dimana da cláusula de desconexão inserta no artigo 37º do Regulamento.
[15]) Para maiores desenvolvimentos, quanto à distinção entre reserva e declaração interpretativa e os seus efeitos, ver parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria--Geral da República n.º 34/91, de 10 de Março de 1992 (inédito).
[16]) Cfr. artigos 6º do Tratado CECA, 184º e 185º do Tratado CEEA e 210º e 211º do Tratado CEE (estes últimos correspondem actualmente aos artigos 281º e 282º, segundo a renumeração resultante do artigo 12º do Tratado de Amesterdão).
[17]) Quanto a este ponto, MOTA DE CAMPOS, Direito Comunitário, I vol., Lisboa, 8.º ed., págs. 585 e segs.
[18]) MOTA DE CAMPOS/LOPES PORTO/ANTÓNIO JOSÉ FERNANDES/EDUARDO RAPOSO DE MEDEIROS/MANUEL DE ALMEIDA RIBEIRO/MARIA LUIZA DUARTE, Organizações Internacionais. Teoria Geral. Estudo Monográfico das Principais Organizações Internacionais de que Portugal é Membro, ed. Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, pág. 42.
[19]) MARGARIDA SALEMA d’OLIVEIRA MARTINS/AFONSO d’OLIVEIRA MARTINS, Direito das Organizações Internacionais, vol. I, 2.ª ed., pág. 154.
[20]) Idem, págs. 156-158.
[21]) NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, ob. cit., pág. 173.
[22]) Onde se declara que “a capacidade de uma organização internacional para concluir tratados se rege palas regras pertinentes dessa organização.”
[23]) Cfr. artigo 300º do Tratado da União Europeia (renumerado de acordo com o artigo 12º do Tratado de Amesterdão).
[24]) Corresponde ao artigo 308º, segundo a renumeração operada artigo 12º do Tratado de Amesterdão.
[25]) MARIA LUZIA DUARTE entende o sentido da jurisprudência sobre o exercício de poderes implícitos pelos órgãos da Comunidade como uma consequência do princípio do efeito útil que deverá intervir na interpretação das disposições de um tratado (A Teoria dos Poderes Implícitos e a Delimitação de Competências entre a União Europeia e os Estados Membros, Lisboa, 1997, pág. 634).
[26]) No mesmo sentido, o parecer n.º 1/76, de 26 de Abril de 1977, in Colecção de Acórdãos do TJCE, pág. 741. Cfr., sobre este ponto, MOTA DE CAMPOS, ob. cit., págs. 597 e segs.; MARGARIDA SALEMA d’OLIVEIRA MARTINS/AFONSO d’OLIVEIRA MARTINS, ob. cit., págs. 182 e segs.
[27]) Uma análise desta jurisprudência pode ver-se em R. KOVAR, Les Compétences Implicites: Jurisprudence de la Cour et Pratique Communautaire, no Colóquio subordinado ao tema “Relations extérieures de la Communautaire Européenne et marché interieur: aspects jurídiques et fonctionnels”, organizado por PAUL DEMARET, Collège d’Europe. n.º 45, págs. 17 e segs. e, especialmente, págs. 19-20 e 23-27.
[28]) Cfr. NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, ob. cit., págs. 153-154.
[29]) Tendo estado presentes nos trabalhos da conferência todos os Estados Membros da UE, é significativo que no texto final da Convenção não tenha sido feita qualquer alusão à possibilidade de adesão da Comunidade Europeia. Isso compreende-se pelo carácter de subsidariedade de que a Convenção se reveste em relação a outros instrumentos internacionais que versem sobre a mesma matéria. A Convenção não teve a pretensão de fazer impor as suas normas no espaço comunitário, aceitando que a Comunidade lhe sobreponha disposições próprias que especificamente interfiram no mesmo campo de acção.
[30]) Sobre a aplicação deste princípio em direito internacional, cfr. NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, ob. cit., pág. 237; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA/FAUSTO DE QUADROS, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, 3.ª edição, pág. 241.
[31]) Aspecto que será analisado de seguida.
[32]) Convenção sobre o Direito dos Tratados, de 23 de Maio de 1969. Dispõe o seu artigo 46º, n.º 1: “A circunstância de o consentimento de um Estado a obrigar-se por um tratado ter sido expresso com violação de um preceito do seu direito interno respeitante à competência para a conclusão dos tratados, não pode ser alegada por esse Estado como tendo viciado o seu consentimento, a não ser que essa violação tenha sido manifesta, e diga respeito a uma regra do seu direito interno de importância fundamental.” Sobre este ponto, NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, ob. cit., págs. 175-177; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA/FAUSTO DE QUADROS , ob. cit., págs. 208-211.
[33]) Utiliza-se, no texto, a terminologia do direito constitucional português. O Estado Português poderia ser chamado a ratificar a Convenção por ter estado presente nos trabalhos da conferência, ao passo que a Comunidade Europeia, a ser admitida a intervir, teria de o fazer através do mecanismo de adesão, por se tratar da admissão de uma entidade que não participou na negociação do tratado (cfr., a este propósito, ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA/FAUSTO DE QUADROS, ob. cit., págs. 187 e segs., especialmente, 196-197 e 229-231.
[34]) ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, ob. cit., pág. 203.
[35]) NGUYEN QUOC DINH/PATRICK DAILLIER/ALAIN PELLET, ob. cit., pág. 115.
[36]) Idem, pág. 155.
Anotações
Legislação: 
CONV DE HAIA DE 1996/10/19 ART52 ART1 ART5 ART15 ART23
REG CONS CEE 1347/2000 APLICAVEL AOS PROC CIVEIS DE DIVORCIO SEPARAÇÃO DE BENS E PEDIDOS DE REGULAÇÃO DE PODER PATERNAL ART 2 ART 37 ART3 ART8 ART15 ART21
CONV VIENA DE 1986/03/21 ART6
T UE ART300
Jurisprudência: 
CASO AETR - DECISÃO DE 1971/03/31
Referências Complementares: 
DIR MENORES / DIR INT PRIV / TRATADOS / DIR JUDIC / DIR COMN / DIR CONST / DIR CIV * DIR FAM
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