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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
126/2001, de 00.00.0000
Data de Assinatura: 
Tipo de Parecer: 
Informação-Parecer
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Justiça
Relator: 
JOÃO MIGUEL
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CONVENÇÃO BILATERAL
COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA EM MATÉRIA PENAL
TRANSFERÊNCIA DE PESSOA CONDENADA
PORTUGAL
BRASIL
PROJECTO
Conclusões: 
A celebração de tratado com o conteúdo constante do Projecto de Tratado entre a República portuguesa e a República Federativa do Brasil Sobre a Transferência de Pessoas Condenadas suscita as considerações constantes dos pontos III e IV deste parecer.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Justiça,
Excelência:



I


Dignou-se Vossa Excelência solicitar informação urgente sobre e nova versão do Projecto de Tratado entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Sobre a Transferência de Pessoas Condenadas , que deverá ser assinado no decorrer da próxima semana, durante a V Cimeira Luso-Brasileira [1].
O projecto de tratado vinha acompanhado de uma informação produzida no Gabinete de Documentação e Direito Comparado em Junho de 1998, sobre a matéria [2], da qual decorre que o projecto de tratado vem sendo negociado entre as partes desde há alguns anos, constituindo o texto agora apresentado uma versão tendencialmente definitiva.
A premência da consulta, circunscrita, face à vocação deste corpo consultivo, à apreciação da compatibilidade jurídica do projecto com o ordenamento português – artigo 37.º, alínea a) do estatuto do Ministério Público -, não consente uma mais extensa investigação e aprofundamento das questões que em situação normal se justificariam.
Cumpre, pois, nas condições enunciadas, emitir parecer com a urgência solicitada.

II

O articulado do projecto de tratado sobre a transferência de pessoas condenadas compreende dezasseis artigos, englobando num único conjunto matérias de natureza substantiva, de natureza processual e “cláusulas de estilo” dos tratados, antecedidos de um preâmbulo onde se expõem as motivações que levam as partes a convir neste instrumento de direito internacional.
No preâmbulo expõem-se os motivos que ditam a celebração do tratado.
Enunciam-se os “laços de fraternidade, amizade e cooperação que presidem as relações de ambos os países” encorajam a “aprofundar esse relacionamento privilegiado no campo da cooperação em áreas de interesse comum”, bem como “reforçar a cooperação judiciária mútua, em matéria penal”, que deve contribuir para a reinserção social das pessoas condenadas, em atenção aos interesses da boa administração da justiça.
Para a prossecução desses objectivos concretiza-se que “é importante que os nacionais de ambos os Estados ou as pessoas que neles tenham residência habitual ou vínculo pessoal, que se encontram privados da liberdade por decisão judicial proferida em virtude de uma infracção penal, tenham a possibilidade de cumprir a condenação no seu ambiente social de origem”, sendo que “a melhor forma de alcançar tal desiderato é possibilitar a efectivação da transferência das pessoas condenadas para o seu próprio país”, garantindo, também, assim, “o pleno respeito pelos direitos do homem decorrentes das normas e princípios universalmente reconhecidos”.
Enunciados os pressupostos que justificam e sustentam o articulado, este normativiza as matérias em preceitos assim epigrafados: Artigo 1.º: Definições; Artigo 2.º: Princípios gerais; Artigo 3.º: Condições para a transferência; Artigo 4.º: Informações; Artigo 5.º: Autoridades Centrais; Artigo 6.º: Consentimento; Artigo 7.º: Transferência; Artigo 8.º: Efeitos da transferência; Artigo 9.º: Execução; Artigo 10.º: Recurso de revisão; Artigo 11.º: Cessação do cumprimento da pena; Artigo 12,º: Non bis in idem; Artigo 13.º: Informações relativas ao cumprimento da condenação; Artigo 14.º: Aplicação no tempo; Artigo 15.º: Resolução de dúvidas; e artigo 16.º : Disposições finais e transitórias.

II
O artigo 33º da Constituição contém normas sobre expulsão, extradição e direito de asilo, e os princípios delas decorrentes constituem a base de todas as formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal [3].
Ao nível do direito internacional o quadro genérico a que Portugal se encontra vinculado em matéria de transferência de pessoas condenadas é a Convenção Sobre a Transferência de Pessoas Condenadas do Conselho da Europa, designada, doravante, apenas, por Convenção [4] [5].
No âmbito do direito interno, a cooperação judiciária internacional está regulada na Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, alterada pela Lei n.º 104/2001, de 25 de Agosto, em termos não relevantes para a questão, doravante, apenas, Lei da cooperação, que dedica, além de outras normas [artigos 1.º, n.º1, alínea d) e 27.º] todo o Capítulo IV do Título IV (Execução de sentenças penais), à transferência de pessoas condenadas, destinando ao assunto os artigos 114.º a 123.º.
“A transferência de pessoas condenadas é, pois, regulada pelos princípios e normas procedimentais constantes destes artigos, aplicando-se correspondentemente em tudo o que neles não for especialmente regulado as disposições dos Capítulos I («Execução de sentenças penais estrangeiras») e II («Execução, no estrangeiro, de sentenças penais portuguesas») do mesmo Título.” [6]
Por tais razões, “também aqui se exige a ligação entre o condenado e o Estado da execução, a existência de sentença transitada em julgado, uma certa duração da condenação, o consentimento da pessoa visada, a dupla incriminação, o acordo entre o Estado da condenação e o Estado da execução, a efectivação da transferência só após a revisão e confirmação da sentença estrangeira” [7].
Lopes Rocha e Teresa Alves Martins [8] apresentam a justificação material para a consagração da transferência de pessoas condenadas, nos seguintes termos:
“Atendendo a que a moderna política criminal insiste cada vez mais na reinserção social dos delinquentes, pode ser mais aconselhável o cumprimento da condenação no país de origem do que no Estado da comissão da infracção. Esta política funda-se igualmente em considerações humanitárias: as dificuldades de comunicação devidas às barreiras linguísticas, a alienação da cultura e dos costumes locais, a falta de contacto com a família, podem ter efeitos negativos sobre o delinquente estrangeiro. O repatriamento de pessoas condenadas pode corresponder ao interesse dos detidos e ao dos próprios governos.”
Anote-se, por fim e sem maior desenvolvimento, que o Código de Processo Penal incorpora também normas com incidência na execução das sentenças penais e na transferência de pessoas condenadas (artigos 229.º, e 234.º a 240.º) [9].

III

Na apreciação e ponderação do projecto de Tratado, seguir-se-
-á a metodologia da apreciação sequencial das respectivas disposições, segundo a sistemática do projecto.
Artigo 1.º (Definições)
Este preceito sintetiza e define um conjunto de temos usados no documento. Assim, a alínea a) define “condenação”, a alínea b): ”Sentença”, a alínea c): “Estado da condenação“, e, a alínea d): “Nacional”.
O teor dos conceitos a que se referem as alíneas b) e d) coincidem com o que se estabelece nas alíneas b) e c) do artigo 1.º da Convenção.
A alínea d) define o que se deve entender por “nacional”.
Não constando do elenco das definições do artigo 1.º da Convenção, Portugal fez uso da prerrogativa concedida pelo n.º 4 do artigo 3.º, e apresentou uma declaração ao texto da Convenção, pela qual expressa que o “termo «nacional» abrange todos os cidadãos portugueses, independentemente do modo de aquisição da nacionalidade;”.
A formulação do conceito afigura-se coincidente [10].
Quanto à alínea a), a definição do termo “condenação” pode prestar-se a dúvidas, face aos termos em que se mostra redigida.
A redacção é a seguinte:
“a) ‘Condenação’: qualquer pena ou medida privativa de liberdade, incluindo medida de segurança de duração determinada, proferida por um juiz ou tribunal, em virtude da prática de infracção penal.”
Atentos os seus termos, a condenação compreende qualquer pena ou medida privativa de liberdade, incluindo medida de segurança desde que “de duração determinada”.
É certo que a Convenção menciona a medida privativa de liberdade, mas não menciona a medida de segurança, e, por outro lado, que o preceituado na lei interna refere a medida de segurança, mas não a medida privativa de liberdade (Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto – artigos 1.º, n.º 1, alínea d) e 115.º) [11].
No entanto, o aditamento da expressão “medida de segurança de duração determinada” é mais ampla do que a previsão normativa, englobando não só as que são privativas de liberdade como as que o não são [12] e que não são de incluir neste Tratado.
O ordenamento jurídico interno, quer anterior quer posterior à entrada em vigor da Convenção, consagrava a expressão “pena ou medida de segurança privativas de liberdade”, afigurando-se-nos que a mesma deve ser adoptada na definição.
Assim, a alínea a) passaria a ser redigida como segue:
“a) ‘Condenação’: qualquer pena ou medida de segurança privativa de liberdade, proferida por um juiz ou tribunal, em virtude da prática de infracção penal;”
Uma última nota.
Neste artigo do projecto de tratado define-se o que se entende por “Estado da condenação” e não se adopta terminologia idêntica à consagrada na Convenção quanto à designação do Estado para o qual a pessoa condenada é transferida a fim de cumprir a pena, que se denomina por “Estado da execução”.
Por razões de rigor e harmonia terminológica, sugere-se a inclusão desta definição e a consequente alteração das expressões de conteúdo similar constantes do projecto de tratado pela expressão “Estado da execução”, a qual é usada no texto da Convenção e noutros textos de âmbito bilateral [13].
Artigo 2.º (Princípios gerais)
O n. 1 enuncia um princípio geral de compromisso de cooperação mútua pelas partes, e o n.º 2 consagra o princípio do pedido para a efectivação da transferência.
Sobre esta última norma, dir-se-á que a sua formulação se apresenta mais ampla do que a consagrada quer na Convenção (artigo 2.º, n.º 3) quer na Lei da cooperação (artigo 115.º, n.º 3).
Em qualquer destes dois normativos, a transferência só pode ser pedida pelo Estado estrangeiro ou por Portugal, acrescentando, ainda, a lei interna que em qualquer dos casos se carece de requerimento ou do consentimento expresso do condenado.
A regra é, pois, a de a formulação do pedido de transferência relevar sempre da competência dos Estados interessados, como se preceitua nos normativos citados, embora tal pedido possa ser suscitado a requerimento da pessoa condenada [14].
Sugere-se, assim, para este número a seguinte redacção:
“2. A transferência pode ser pedida pelo Estado da condenação ou pelo Estado da execução, em qualquer dos casos a requerimento ou com o consentimento expresso da pessoa condenada.”
Artigo 3.º (Condições para a transferência)
Este preceito consagra requisitos idênticos ou similares aos que se mostram previstos no artigo 3.º, n.º 1, da Convenção.
Refira-se, tão-só, que na alínea c) se prevê que a duração da condenação a cumprir seja, pelo menos, de 6 meses, à data da apresentação do pedido ao Estado da condenação, sem excepcionar a possibilidade de as Partes poderem acordar numa transferência, em caso de cumprimento de pena de medida inferior à antes referida, tal como é consentido pelo artigo 3.º, n.º 2, da Convenção.
No entanto, a opção por uma tal solução releva de considerações não estritamente técnico-jurídicas.

Artigo 4.º (Informações)
O n.º 1 estabelece a obrigação de informar as pessoas condenadas a quem o Tratado possa vir a aplicar-se do seu conteúdo. O cumprimento desta obrigação decorre de razões de transparência jurídica e relaciona-se com a prestação do consentimento para a transferência por parte da pessoa condenada e consequente verificação como o mesmo foi prestado, como previsto no subsequente n.º 3, alínea e) e no artigo 6.º.
Formulação idêntica ou similar pode encontrar-se noutros tratados[15].
O n.º 2 projecta o que se prevê no artigo 4.º, n.º 2 da Convenção, sendo tal princípio consagrado noutros textos [16].
No n.º 3 enunciam-se os elementos que a informação deve conter. As diversas alíneas correspondem, embora por ordem diversa e diferente estruturação, ao que consta nas alíneas a) a d) do n.º 2 do artigo 117.º da Lei da cooperação, que absorveu, em termos quase literais, o preceituado no n.º 2 do artigo 6.º da Convenção.
Todavia, no projecto não se enunciam os elementos informativos previstos no n.º 1 do artigo 117.º da Lei da cooperação, que, também nesta parte, se mostra redigida em grande proximidade ao texto da Convenção.
As informações em causa afiguram-se constituírem pressuposto essencial para a sequência e apreciação do pedido [17], devendo aí ser incluídos, à semelhança, também, de tratados congéneres [18], não se devendo considerar supridos pela formulação genérica constante da alínea f) do projecto.
Sugere-se, a seguinte redacção para o n.º 3:
3. A informação referida no parágrafo anterior deve conter:
a) O nome, a data de nascimento, a naturalidade e a nacionalidade da pessoa condenada;
b) Sendo caso disso, a sua residência no Estado da execução;
c) Uma exposição dos factos que fundamentam a sentença;
d) Indicação do crime pelo qual a pessoa foi condenada, da duração da pena ou medida aplicada e do tempo cumprido;
e) Cópia autenticada da sentença;
f) Cópia autenticada do texto das disposições legais aplicadas;
g) Relatório sobre o comportamento prisional;
h) Declaração da pessoa condenada, contendo o seu consentimento na transferência;
i) Outros elementos de interesse para a execução da pena.

Por último, o n.º 5 consagra um dever de informação à pessoa condenada da decisão sobre um pedido de transferência.
Não se especifica como se presta essa informação, pelo que uma informação oral compreende-se nessa previsão.
A Lei da cooperação (artigo 118.º, n.º 5) no que é tributária do preceituado no texto convencional (artigo 4.º, n.º 5) exige que a informação seja prestada por escrito [19].
Nessa medida, o n.º 5 deverá também consagrar que a informação a prestar à pessoa condenada deve ser por escrito, sugerindo-se a seguinte redacção:
“5. A pessoa condenada será informada por escrito da decisão relativa ao pedido de transferência.”

Artigo 5.º (Autoridades Centrais)
A designação de autoridades centrais, a quem compete a transmissão de pedidos, não o sendo por via diplomática, conforma-se com o que se estabelece no artigo 21.º da Lei da Cooperação.

Artigo 6.º (Consentimento)
Este preceito explicita qual a lei aplicável à prestação do consentimento (n.º 1), confere às Partes o direito de se assegurarem que o consentimento é prestado voluntariamente e com plena consciência das consequências decorrentes da transferência (n.º 2), e concede ao Estado da execução uma forma de efectivação desse direito (n. 3).
As soluções consagradas em matéria de consentimento da pessoa condenada, um dos elementos fundamentais em que se estrutura o mecanismo da transferência, harmonizam-se com o que se estabelece no artigo 120.º, n.ºs 3 e 4, da Lei da cooperação, preceito que incorpora no direito interno as normas constantes do artigo 7.º da Convenção.

Artigo 7.º (Transferência)
Nos dois números deste artigo estabelece-se que, uma vez decidida a transferência, a pessoa condenada é entregue em local acordado por ambas as partes (n.º 1), sendo entregue aos agentes do Estado da execução uma certidão, actualizando os elementos a que se refere o n.º 3 do artigo 4.º (n.º 2).
Se a proposta de alteração do n.º 3 do artigo 4.º for adoptada nos termos sugeridos, interessa especificar no preceito agora em apreciação quais são os elementos do n.º 3 do artigo 4.º que serão de constar na certidão.

Artigo 8.º (Efeitos da transferência)
As disposições deste artigo harmonizam-se com o preceituado no artigo 121.º, n.ºs 1 e 2, da Lei da cooperação, que adopta o preceituado no artigo 8.º da Convenção.

Artigo 9.º (Execução)
No n.º 1 prescreve-se que a transferência de pessoa condenada somente será efectuada se a sentença for exequível no Estado da execução.
No que se refere a Portugal, a força executiva de sentença penal estrangeira depende sempre da sua prévia revisão e confirmação[20], pelo que a transferência só se efectivará depois da revisão e confirmação daquela, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 100.º da Lei da cooperação.
O n.º 2 consagra que o Estado da execução não pode “agravar, aumentar ou prolongar a pena ou medida aplicada no Estado da condenação, nem privar a pessoa condenada de qualquer direito para além do que resultar da sentença proferida no Estado da condenação, nem pode alterar a matéria de facto constante da sentença proferida no Estado da condenação.
Os limites aqui expressos encontram-se previstos no n.º 2 do artigo 100.º da Lei da cooperação que inclui uma outra limitação: a de que o tribunal que se pronunciar pela revisão não pode converter uma pena privativa de liberdade em pena pecuniária.
Por outro lado, o n.º 3 do artigo 237.º do Código do Processo Penal preceitua que se a sentença penal estrangeira tiver aplicado pena que a lei portuguesa não prevê ou pena que a lei portuguesa prevê, mas em medida superior ao máximo legal admissível, a sentença é confirmada, mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado.
As regras constantes neste n.º 3 “visam salvaguardar certos princípios da ordem pública portuguesa de carácter penal e constitucionalmente consagrados” [21], e conformam-se com a Convenção face ao teor da declaração apresentada por Portugal, aquando da ratificação [22].
O n.º 3 do artigo do projecto estabelece que a execução da pena no Estado da execução rege-se pela legislação e pelos procedimentos desse Estado.
A regra geral aqui consagrada harmoniza-se com o preceituado na lei portuguesa (artigo 101.º, n.º 1, da Lei da cooperação), embora a inclusão do termo “procedimentos” seja susceptível de geral ambiguidade, por não ser unívoco.

Artigo 10.º (Recurso de Revisão)
A reserva conferida pelo n.º 1 ao Estado da condenação para julgar um recurso de revisão, a que se refere o n.º 1, conforma-se com a nossa lei interna (artigo 101, n.º 3, da Lei da cooperação) que, por sua vez, se conforma com uma regra de direito internacional (artigo 13.º da Convenção).

Artigo 11.º (Cessação do cumprimento da pena)
As disposições deste artigo visam por termo à execução de uma sentença criminal sempre que o Estado da condenação informe o Estado da execução de qualquer decisão ou medida que tenha por efeito retirar à condenação o seu carácter executório ou a sua cessação.
A sua compatibilidade com o direito interno compatibiliza-se com o que se estipula nos n.ºs 5 e 7 do artigo 101.º da Lei da cooperação.

Artigo 12.º (Non bis in idem)
Como exigência deste princípio, constitucionalmente consagrado – artigo 29.º, n.º 5 – decorrem consequências jurídicas para o Estado da condenação e para o Estado da execução.
Quanto ao Estado da condenação, a execução da condenação nele proferida deve ficar suspensa, tal como não se poderá executar de novo a condenação desde que o Estado da execução a considere cumprida [23].
Estes efeitos, consagrados no artigo 121.º da Lei da cooperação e no artigo 8.º da Convenção, mostram-se cobertos pelo artigo 8.º do projecto antes analisado.
Para o Estado da execução, a pessoa condenada não poderá ser de novo julgada ou condenada pelos factos que deram origem à sua condenação no Estado da condenação, mas não obsta a que a mesma pessoa possa vir a ser detida, julgada e condenada no Estado da execução, por facto diverso daqueles, desde que penalmente sancionado nesse país.
A formulação do preceito do projecto tal como se apresenta visa prever estas duas situações. Afigura-se-nos, todavia, que a redacção actual poderia arrimar-se mais ao texto constitucional português, que “proíbe rigorosamente o duplo julgamento” [24] pelos mesmos factos.
Não é legítimo nem se concebe um raciocínio formal que extraia da previsão da norma o sentido de que esta só impede a dupla condenação e não o duplo julgamento.
Tendo em vista a harmonia e coerência jurídicas, afigura-se de aditar a expressão “julgada ou” a seguir a “não pode ser nele” e antes de “condenada pelos mesmos factos”.
O artigo ler-se-ia assim:
“Artigo 12.º
Non bis in idem
A pessoa transferida para o território de uma das Partes não pode ser nele julgada ou condenada pelos mesmos factos por que tiver sido condenada no território da outra Parte.”
A expressão “julgada e condenada” é a que melhor corresponde ao texto constitucional, tendo sido usada no artigo 14.º, n.º 1, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos Relativa à Assistência às Pessoas Detidas e à Transferência das Pessoas Condenadas.

Artigo 13.º (Informações relativas ao cumprimento da condenação)
O articulado conforma-se com o que se acha estabelecido em outros instrumentos internacionais – artigos 15.º da Convenção, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos e o Acordo entre o Governo de Portugal e o Governo de Macau.

Artigo 14.º (Aplicação no tempo)
Trata-se de uma norma de natureza processual, usual noutros tratados.

Artigo 15.º (Resolução de dúvidas)
Artigo 16.º (Disposições finais e transitórias)
Estes dois preceitos não suscitam comentários, contendo o último as chamadas cláusulas de estilo, respeitantes à ratificação, entrada em vigor e denúncia do tratado, sendo muito usuais em instrumentos internacionais.

IV
O projecto de tratado não contempla algumas matérias que, porventura, careceriam de regulamentação ou de melhor especificação, como sucede noutros textos internacionais.
São elas:
1. A previsão das situações mais típicas que possam ou devam justificar a recusa de transferência.
Os artigos 6.º e 7.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos enunciam os casos em que a transferência deve ser recusada e aqueles em que pode ser recusada, sendo que, neste caso, a enumeração não deve ser taxativa, dependendo a transferência sempre do acordo assumido pelos Estados em causa.
.
2. O projecto é mudo quanto à faculdade de concessão de medidas de clemência – amnistia, perdão genérico e indulto -, não parecendo que a previsão do n.º 3 do artigo 9.º, que manda observar na execução da pena a legislação e os procedimentos do Estado da execução, conceda algum arrimo a essa possibilidade.
Essas medidas podem ser concedidas quer pelo Estado da condenação quer pelo Estado da execução, como decorre do preceituado no artigo 22.º do Acordo Tipo da ONU, do artigo 12.º da Convenção e do artigo 101.º, n.º 4, da Lei da cooperação.
Tal solução acha-se consagrada no Acordo entre o Governo de Portugal e o Governo de Macau (artigo 12.º) e, em termos mais restritivos, na Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos (artigo 12.º).

3. Recolhe-se também o silêncio do projecto quanto à cobertura das despesas originadas com os actos de cooperação previstos no tratado.
No direito interno, que acolhe soluções consagradas no direito internacional, prevê-se, no artigo 26.º, n.º 1, da Lei da cooperação, a regra da gratuitidade da execução dos pedidos de cooperação, regra que comporta excepções, nestas se incluindo as despesas derivadas da transferência de pessoas para o território do Estado (n. 2, alínea c).
Outros instrumentos internacionais relativos especificamente à transferência de pessoas condenadas inserem norma expressa regulando a matéria. Estão neste caso o Acordo entre o Governo de Portugal e o Governo de Macau (artigo 16.º) e a Convenção entre a República portuguesa e o Reino de Marrocos (artigo 23.º) [25].
Em termos estritamente jurídicos esta última norma pode constituir uma boa base de trabalho para o desenvolvimento de negociações.

V
Em face do exposto, formula-se a seguinte conclusão:
A celebração de tratado com o conteúdo constante do Projecto de Tratado entre a República portuguesa e a República Federativa do Brasil Sobre a Transferência de Pessoas Condenadas suscita as considerações constantes dos pontos III e IV deste parecer.








[1] Ofício sem número, datado de 29-08.01, com registo de entrada na Procuradoria-Geral da República de 28 de Agosto de 2001, sendo a distribuição da mesma data.
[2] Não numerada nem subscrita pelo técnico que a elaborou. Solicitada pelo antecessor de Vossa Excelência em 25 de Maio de 1998, a informação foi enviada através da referência 16 Prob Crim, 1489/98, de 26-06-98.
[3] TERESA ALVES MARTINS e MÓNICA QUINTAS ROMA, «Cooperação Internacional no Processo Penal», em Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 5, 3º e 4º, Julho-
-Dezembro 1995, págs. 445-446.
[4] Convenção esta não qualificada de “europeia”, por estar aberta à adesão de Estados não europeus, foi aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 8/93, de 20 de Abril, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 8/93, da mesma data.
[5] Cfr. Também o Acordo Tipo sobre transferência de Reclusos Estrangeiros, aprovado no Sétimo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento de Delinquentes, publicado pela Procuradoria-Geral da República, em «Compilação das Normas e Princípios das Nações Unidas em Matéria de Prevenção do Crime e de Justiça Penal», separata autónoma do boletim Documentação e Direito Comparado, n.º duplo 61/62, Lisboa, 1995, págs. 165 a 170.
[6] Informação-Parecer n.º 46/98, de 21 de Outubro de 1998.
[7] Idem, apelando à Informação-Parecer n.º 10/92-C, de 25 de Maio de 1993.
[8] Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal (Comentários), Colecção Commentarium, Aequitas - Editorial Notícias, 1992, pág. 174. Embora a afirmação tenha sido produzida no quadro do anterior diploma legal que regia a matéria (Decreto-Lei n.º 43/91, de 22 de Janeiro, ela é igualmente transponível para o actual regime.
[9] A aplicação das disposições do Código de Processo Penal é subsidiária. Este diploma manda aplicar – artigo 229.º - os tratados e convenções internacionais às rogatórias, à extradição, à delegação do procedimento criminal, aos efeitos das sentenças penais estrangeiras e às restantes relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal e, só na falta ou insuficiência daqueles instrumentos, opera o disposto em lei especial ou o que se preceitua nesse Código.
[10] Note-se que o universo subjectivo dos destinatários do tratado poderia ser estendido aos estrangeiros e apátridas que tenham residência em Portugal, mercê das declarações constantes das alíneas d) e e) da Resolução da Assembleia da República que aprovou para ratificação a Convenção.
No direito interno, os artigos 96.º, n.º 1, alínea f) e 104.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Lei da Cooperação, dão expressão normativa a essa declaração.
Todavia, a opção pelo alargamento releva de considerações que exorbitam da estrita apreciação técnico-jurídica.
[11] Sendo essa a regra, o artigo 114.º basta-se com a expressão “pena ou medida privativas de liberdade”, nela se deve considerar compreendida a medida de segurança privativa de liberdade.
[12] Exemplos de medidas de segurança não privativas de liberdade são as previstas nos artigos 100.º (Interdição de actividades) e 101.º (Cassação da licença e interdição da concessão de licença de condução de veículo motorizado) ambos do Código Penal. Sobre esta matéria veja-se o parecer n.º 21/96, de 10 de Julho de 1996.
[13] Artigo 3.º, alínea b), da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos Relativa à Assistência às Pessoas Detidas e à Transferência das Pessoas Condenadas, assinada em Évora em 14 de Novembro de 1998, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 18/2000, de 6 de Março de 2000 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 5/2000, da mesma data.
[14] Cfr. ob. e aut. cit. na nota 8, pág. 108.
[15] Artigo 4.º, n.º 1, do Acordo entre o Governo de Portugal e o Governo de Macau Sobre Transferência de Pessoas Condenadas, assinado em Lisboa em 7 de Dezembro de 1999, aprovado para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 80-B/89, de 16 de Dezembro, publicada em suplemento ao Diário da República, I-A Série, dessa data, e o artigo 4.º da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos Relativa à Assistência às Pessoas Condenadas e à Transferência das Pessoas Condenadas.
[16] Artigo 4.º, n.º 2, do Acordo cit. na nota anterior.
[17] O uso da fórmula verbal “devem” no n.º 3 do artigo 4.º da Convenção, faz crer da necessidade imperativa de incluir tais informações.
[18] Artigos 4.º, n.º 3, alíneas a) a d) do Acordo e artigos 18.º e 19.º da Convenção, ambos identificados na nota 14.
[19] A prestação de informação está também estabelecida nos instrumentos mencionados na nota 14. Todavia, enquanto o artigo 4.º, n.º 5, do Acordo, refere a informação escrita, o artigo 19.º, n.º 4 da Convenção omite qualquer referência à forma como a informação deve ser prestada.
[20] Nos termos da declaração apresentada por Portugal, aquando da ratificação da Convenção, “a execução de uma sentença estrangeira efectuar-se-á com base na sentença de um tribunal português que a declare executória, após prévia revisão e confirmação;”.
[21] M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal anotado, I volume, 2.ª edição, editora Rei dos Livros, 1999, anotação ao artigo 237.º, pág. 1122.
[22] Declaração apresentada sob alínea c): “Quando tiver de adaptar uma sentença estrangeira, Portugal, consoante o caso, converterá, segundo a lei portuguesa, a sanção estrangeira ou reduzirá a sua duração, se ela ultrapassar o máximo legal admissível na lei portuguesa;”.
[23] Não assim no caso de a pessoa condenada se subtrair à execução, o Estado da condenação recupera o direito de executar o remanescente não cumprido. Cfr. Artigo 124.º, n.º 1, alínea b) da Lei da cooperação.
[24] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, Coimbra Editora, 1993, anotação VI ao artigo 29.º, pág. 194.
[25] Com a seguinte redacção:
"Artigo 23º
As despesas de transferência são da responsabilidade do Estado da execução, salvo se de outra forma for decidido pelos dois Estados.
O Estado que assume as despesas de transferência fornece a escolta.
O Estado da execução não pode em caso algum reclamar o reembolso das despesas em que incorreu para a execução da pena e a vigilância do condenado.
As despesas ocasionadas com a execução da pena e a vigilância do condenado no Estado da condenação são sempre da responsabilidade deste último."
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART29 N5 ART33
L 144/99 de 1999/08/31 ART1 N1 D ART21 ART26 N1 N2 C ART27 ART100 N1 N2 ART101 N1 N3 N4 N5 N7 ART114 ART117 N1 N2 A B C D ART118 N5 ART120 N3 N4 ART121 N1 ART123
L 104/2001 de 2001/08/25
EMP98 ART37 A
CPP87 ART229 ART234 ART237 N3 ART240
Referências Complementares: 
DIR CONST * DIR FUND / DIR CRIM / DIR INT PUBL * TRATADOS*****
CONV SOBRE A TRANSFERÊNCIA DE PESSOAS CONDENADAS, CE
CONV ENTRE A REPÚBLICA PORTUGUESA E O REINO DE MARROCOS RELATIVA À ASSISTÊNCIA ÀS PESSOAS DETIDAS E À TRANSFERÊNCIA DAS PESSOAS CONDENADAS
ACORDO ENTRE O GOVERNO DE PORTUGAL E O GOVERNO DE MACAU
Divulgação
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