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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
19/2001, de 22.11.2001
Data do Parecer: 
22-11-2001
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
FERNANDES CADILHA
Descritores e Conclusões
Descritores: 
CÓDIGO DA ESTRADA
INFRACÇÃO RODOVIÁRIA
PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
NOTIFICAÇÃO POSTAL
DOMICÍLIO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
PRESUNÇÃO LEGAL
FICÇÃO LEGAL
NORMA ESPECIAL
REMISSÃO DINÂMICA
PROCESSO PENAL
LEI SUBSIDIÁRIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
LACUNA
DIREITO DE MERA ORDENAÇÃO SOCIAL
DIREITO PENAL
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
Conclusões: 
1.ª As contra-ordenações previstas no Código da Estrada e na sua legislação complementar regem-se pelas normas processuais do Regime Geral das Contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 26 de Setembro) e, subsidiariamente, pela lei geral do processo penal, com as adaptações constantes dos artigos 151º a 157º daquele primeiro diploma (artigos 150º, n.º 1, do Código da Estrada e 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 26 de Setembro);

2.ª A partir da revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o Código da Estrada, através da nova redacção dada ao seu artigo 156º, passou a prever um regime próprio de notificação por carta registada a enviar para o domicílio do condutor, pelo qual se considera presumidamente feita a notificação no dia em que for assinado o aviso de recepção;

3.ª Pelo seu carácter inovador, essa medida só poderia revestir um efeito útil, se interpretada no sentido de afastar a aplicação subsidiária da correspondente norma do artigo 113º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na redacção então vigente, que continuava a exigir, na notificação por via postal registada, que o aviso de recepção fosse pessoalmente assinado pelo próprio destinatário;

4.ª Nos mesmos termos, na vigência daquele artigo 156º, não era aplicável o procedimento de identificação da pessoa a quem tenha sido entregue a carta ou aviso, para o caso de o destinatário não ter sido encontrado no local, que havia sido instituído pela alínea c) do n.º 4 do artigo 113º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto;

5.ª A nova redacção dada ao artigo 156º do Código da Estrada pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, preserva o regime de presunção de notificação - que passa a abranger a notificação por carta registada ou por carta simples -, sendo de excluir, por identidade de razão, a aplicação subsidiária das disposições da lei processual penal previstas para as mesmas formas de notificação (cfr. artigo 113.º, n.º 6, alínea c), do Código de Processo Penal);

6.ª Em conformidade com as antecedentes conclusões, e segundo o regime actual, a notificação efectuada, no âmbito do processo de contra-ordenação rodoviária, por meio de carta expedida para o domicílio ou sede do notificando, considera-se como feita no terceiro dia ou no quinto dia posterior ao do envio, consoante se trate de carta registada ou carta simples, desde que a correspondência seja entregue ou depositada nesse local, independentemente da identificação, por parte do distribuidor postal, da pessoa que a tenha recebido.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Administração
Interna,
Excelência:


I

A Direcção-Geral de Viação, veiculando uma informação do gabinete jurídico e de contencioso da Delegação de Viação de Bragança, representou a Vossa Excelência a conveniência de obter o parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República quanto aos termos em que deve ter lugar a notificação dos infractores no âmbito dos processos de contra-ordenações rodoviárias.

Uma informação elaborada pelo Gabinete ([1]), na sequência do expediente remetido pela Direcção-Geral de Viação, sintetizou nos seguintes termos os aspectos relevantes da questão:

“1. A Delegação de Viação de Bragança enviou à Direcção-Geral de Viação uma informação dando conta dos problemas suscitados relativamente à forma das notificações e das consequências processuais que daí advêm.
De facto, têm entendido os tribunais que a forma de notificação das contra-ordenações dos agentes infractores deve ser determinada pelas regras processuais constantes do Código de Processo Penal (artº 113º) e não pela forma presente no Código da Estrada (artº 156º), por razões que se prendem com a imprecisão do regime legal constante do último diploma referido.
Ora, um tal entendimento por parte dos tribunais tem provocado a devolução dos processos ao nível judicial, por não se encontrarem validamente realizadas as notificações das decisões condenatórias.
Pelos motivos expostos, solicitou aquela Direcção de Viação que a questão fosse submetida à apreciação do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, solicitação que nos cumpre analisar.
2. Tenhamos presente que o agente infractor que comete um ilícito de mera ordenação social deve ser notificado da infracção cometida, notificação essa a ter lugar através de uma das formas expressamente previstas no Código da Estrada (artº 156º).
Todavia, defendem os tribunais que as regras de notificação a terceiro, tal como estão redigidas pelo Código da Estrada (alínea c), do nº 1, do artº 156), não são suficientemente claras, pelo que mandam aplicar a forma de notificar própria do processo penal (nº 1 do artº 113º). O fundamento de um tal entendimento prende-se com o facto de o Regime Geral das Contra-Ordenações determinar a aplicação subsidiária das regras do processo criminal sempre que essa aplicação não contrarie o ilícito de mera ordenação social (artº 41º).
Na prática, esta solução processual vem-se a traduzir em um regresso dos autos à origem para que seja efectuada a notificação. O motivo dessa devolução resulta do facto de a lei processual penal exigir que da notificação feita a terceiro deva sempre constar a identificação desse mesmo terceiro, o que não se passa no Código da Estrada, sob pena de se considerar que o arguido não foi correctamente notificado para efeitos de audição e defesa (artº 50º RGCO), dando-se por nulo o processado a partir do acto de notificação.
Atentando porém na letra da Lei, somos levados a concluir que as regras do processo penal não se aplicam às contra-ordenações, antes se aplicando o regime jurídico destas. Isto porque o artº 41º RGCO consagra uma aplicação subsidiária do processo criminal, quando o mesmo não entre em contradição com o ilícito de mera ordenação social.
Ora, o artigo 150º CE determina que às contra-ordenações constantes deste diploma se aplicam as normas previstas nos artigos seguintes, de entre os quais se destacando o artigo 156º, que expressamente se reporta à forma das notificações, não fazendo qualquer referência à necessidade de identificação de terceiro.
Assim sendo, chegamos à conclusão avançada pela Delegação de Viação de Bragança: as notificações relativas a ilícitos de mera ordenação social regem-se pelo regime especial vertido no Código da Estrada.
3. Importa ter também presente a alteração que se prepara ao Código da Estrada, que abordará igualmente esta matéria, na tentativa de tornar mais simples e célere a forma de notificação. Mas, a dita alteração legislativa poderá resultar frustrada no seu propósito caso o entendimento dos tribunais se mantenha.
4. Ante o exposto, permitimo-nos concordar com a necessidade e oportunidade da submissão desta questão ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.”

Concordando com a sugestão formulada, Vossa Excelência solicitou o parecer deste corpo consultivo ([2]), que, assim, cumpre emitir.

II

1. O novo Código da Estrada, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de Maio, para entrar em vigor em 1 de Outubro seguinte, revogando o então vigente, aprovado originalmente pelo Decreto-Lei n.º 39672, de 20 de Maio de 1954, entre outras importantes inovações, introduziu, pela primeira vez, no domínio das infracções rodoviárias, o ilícito de mera ordenação social.

Esse propósito encontra-se enunciado, de modo suficientemente explícito, no seu artigo 133º ([3])([4]), que dispõe o seguinte:
“1 – As infracções às disposições deste Código e legislação complementar têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes, sendo então puníveis e processadas nos termos gerais da lei penal.
2 – As contra-ordenações são sancionadas e processadas nos termos da respectiva lei geral, com as adaptações constantes deste Código.”

À luz deste preceito, o parecer deste Conselho Consultivo n.º 22/95, de 22 de Junho de 1995 ([5]), observou que o “princípio é hoje o de que as infracções ao Código da Estrada e seus regulamentos têm a natureza de contra-ordenações, salvo se constituírem crimes”.

A mesma ideia é precisada numa anotação ao mesmo normativo ([6]):

“Segundo o nº 1 do presente artigo as infracções ao Código da Estrada e seus regulamentos só podem ter duas naturezas.
“Em primeiro lugar, podem ter natureza penal. É assim quando constituam crime. Nesta hipótese, é-lhes aplicável uma pena de prisão e/ou multa e, eventualmente, medidas de segurança criminais.
“Em segundo lugar, as infracções ao presente Código e seus regulamentos têm - é esta a regra - natureza de contra-orde-nação, pertencendo ao denominado direito de mera ordenação social, sendo puníveis com coima e, eventualmente, medidas de segurança (inibição de conduzir, por exemplo) administrativas.
“Isto significa que desapareceu do domínio do direito rodoviário, ou, como se queira, direito da circulação terrestre, enquanto regulado por este Código e seus regulamentos, a figura da contravenção ou transgressão, que tinha natureza penal.”

2. São conhecidas as necessidades de índole político-criminal a que o direito de mera ordenação social pretendeu dar resposta ([7]). Elas foram, aliás, apresentadas com algum desenvolvimento no relatório do Decreto-Lei n.º 232/79, de 24 de Julho, que consagrou entre nós pela primeira vez o ilícito de mera ordenação social, e que, por conservarem plenamente a sua pertinência, surgem sintetizadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro ([8]):

“Resumidamente, o aparecimento do direito das contraor-dena-ções ficou a dever-se ao pendor crescentemente intervencio-nista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente alargando a sua acção conformadora aos domínios da econo-mia, saúde, educação, cultura, equilíbrios ecológicos, etc.. Tal característica, comum à generalidade dos Estados das moder-nas sociedades técnicas, ganha entre nós uma acentuação particular por força das profundas e conhecidas transformações dos últimos anos, que encontraram eco na Lei Fundamental de 1976. A necessidade de dar consistência prática às injunções normativas decorrentes deste novo e crescente intervencio-nismo do Estado, convertendo-as em regras efectivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de sanções.”

O intróito do Decreto-Lei n.º 433/82 justifica ainda a urgência de conferir efectividade ao direito de ordenação social, com uma configuração distinta e autónoma do direito penal, em resultado das transformações operadas ou em vias de concretização no ordenamento jurídico português, a começar pelas transformações do quadro jurídico-constitucional.

Com efeito, o direito das contra-ordenações recebeu expresso reconhecimento na revisão constitucional de 1982, por via das referências explícitas que lhe são feitas em matéria de reserva de competência legislativa da Assembleia da República [artigo 168º, n.º 1, alínea d)] ([9]) e no tocante aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das normas (artigo 282º, n.º 3) ([10]). Por outro lado, também, em cumprimento da injunção político-criminal do artigo 18º, n.º 2, da Constituição, o campo preferencial do ilícito de mera ordenação social aparece delimitado por referência a um princípio da subsidariedade do direito penal, segundo o qual “o direito criminal deve apenas ser utilizado como ultima ratio da política criminal, destinado a punir as ofensas intoleráveis aos valores ou interesses fundamentais à convivência humana, não sendo lícito recorrer a ele para sancionar infracções de não comprovada dignidade penal” ([11]).
3. A concretização plena do princípio da subsidariedade do direito penal pressupunha a autonomia do direito de mera ordenação social. E era nesse plano que EDUARDO CORREIA fazia radicar a natureza e especificidade desse tipo de ilícito ([12]).

Segundo o autor, no ponto em que exprimem apenas uma censura de natureza social e se traduzem num mal com o sentido de mera advertência despido de toda a mácula ético-jurídica, as contra-ordenações “devem enquadrar-se, não no ilícito criminal, mas no ilícito administrativo e, portanto, em vez de penas criminais, só podem corresponder-lhes reacções desprovidas dos sinais que caracterizam aquelas sanções.

“A esta luz, uma coisa será o direito criminal, outra coisa o direito relativo à violação de uma certa ordenação social, a cujas infracções correspondem reacções de natureza própria. Este é, assim, um aliud que, qualitativamente, se diferencia daquele, na medida em que o respectivo ilícito e as reacções que lhe cabem não são directamente fundamentáveis num plano ético-jurídico, não estando, portanto, sujeitas aos princípios e corolários do direito criminal.” ([13])

Essas especificidades passavam, em sua opinião, pela entidade aplicadora das sanções (uma autoridade administrativa e não judicial), pela equiparação no plano da responsabilidade entre pessoas singulares e entes colectivos, pela sua desconsideração para efeitos de reincidência, habitualidade, perigosidade ou registo criminal, e pela inexistência de medidas privativas da liberdade individual.

No plano processual, seria de salientar, ainda segundo EDUARDO CORREIA, uma diferente e mais extensa amplitude do princípio da oportunidade e uma simplificação da tramitação processual, com recurso das decisões sancionatórias das autoridades administrativas para os tribunais administrativos ([14]).

4. O programa político-criminal desenhado a partir dos anteprojectos do Código Penal da autoria de EDUARDO CORREIA foi no essencial materializado legislativamente através do Código Penal de 1982 e do diploma que veio definir o regime jurídico das contra-ordenacões.

Na presença do Decreto-Lei n.º 433/82, a referida autonomia do ilícito de mera ordenação social face ao ilícito penal - tal como observou FIGUEIREDO DIAS ([15]) -, desenvolveu-se em três diferentes níveis: dogmático, sancionatório e processual.

Reportando-nos ao processo da contra-ordenação, que mais interessa na óptica da consulta, a nota de maior saliência vai para a atribuição da competência às autoridades administrativas para a aplicação das coimas (artigo 33º), com admissão de um controlo judicial de segundo nível, através da possibilidade de impugnação da decisão administrativa para o tribunal da comarca da sede da autoridade decidente (artigo 59º) ([16]). O processo segue uma tramitação simplificada - justificada pela necessidade de satisfazer os objectivos de eficácia e celeridade -, mas não deixa de consignar algumas das garantias constitucionalmente admitidas no direito penal, nomeadamente as resultantes dos princípios da legalidade e da aplicabilidade da lei mais favorável, bem como o direito de audiência do arguido (artigos 2º, 3º, 43º e 50º) ([17])([18]).
O regime processual instituído pelo Decreto-Lei n.º 433/82 assegura, porém, a aplicação a título subsidiário do direito processual penal (“sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo penal” – artigo 41º, n.º 1) ([19]), o que poderá compreender-se, num primeiro momento, pela desnecessidade de introduzir um modelo processual específico em face da relativa inocuidade (do ponto de vista da natureza da conduta e da gravidade da sanção) que caracterizaria o ilícito em causa ([20]) ([21]).

O processo assume, em todo o caso, uma feição particular que deriva da distinta natureza das sucessivas fases que o compõem: a primeira, dirigida à investigação, instrução e aplicação da coima, da competência da autoridade administrativa, aproxima-se do procedimento administrativo do tipo sancionador; enquanto que a segunda, correspondendo à impugnação contenciosa da decisão administrativa, caracteriza um processo jurisdicionalizado, com a intervenção de um juiz de direito de primeira instância e eventual recurso para o tribunal da Relação ([22]).

O que significa que “iniciado um processo de contra-ordenação existe a possibilidade de actos da Administração – que fora desse contexto seriam actos administrativos tout court (sujeitos, portanto, ao regime e garantias próprias do Direito Administrativo) – passarem a ser regulados por outro sector do sistema jurídico. Nestes termos, quando um acto de uma autoridade administrativa possa ser visto simultaneamente como um acto administrativo e um acto integrador de um processo de contra-ordenação, o seu regime jurídico, nomeadamente para efeitos de impugnação, deverá ser em princípio o do ilícito de mera ordenação social e subsidiariamente o regime do processo penal, mas não o regime do Código de Procedimento Administrativo. Uma solução diferente criaria o risco de um bloqueio completo da actividade sancionatória da administração por cruzamento de regimes e garantias júridicas.” ([23])

5. O Decreto-Lei n.º 433/82 foi objecto de uma profunda reformulação por via das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.

Na respectiva exposição de motivos, o legislador explicita a necessidade de levar a efeito a revisão do ilícito de mera ordenação social nos seguintes termos:

“Consagrado a partir de 1979, o ilícito de mera ordenação social tem vindo a assumir uma importância antes dificilmente imaginável.
Com efeito, a par do programa de descriminalização desde então gizado, com a inerente transformação em contra-ordenações de muitas infracções anteriormente qualificadas como contravenções ou como crimes, regista-se um crescente movimento de neopunição, com o alargamento notável das áreas de actividades que agora são objecto de ilícito de mera ordenação social e, do mesmo passo, com a fixação de coimas de montantes muito elevados e a cominação de sanções acessórias especialmente severas. Compreensivelmente, não pode o direito de mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de bagatelas penais.
É nesta perspectiva que deve entender-se a presente reforma do regime geral das contra-ordenações, especialmente orientada para o efectivo reforço das garantias dos arguidos perante o crescente poder sancionatório da Administração. Por outro lado, cumpre acentuar a eficácia do sistema punitivo das contra-ordenações, tão mais necessário quanto mais extenso o domínio de intervenção e a relevância daquele sistema na ordenação da vida comunitária. Por último, afigura-se adequado, no momento presente, proceder ao aperfeiçoamento da coerência interna do regime geral de mera ordenação social, bem como da coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal.”

Neste sentido, em ordem ao reforço dos direitos e garantias dos arguidos, fixaram-se regras sobre a atenuação da coima nos casos de tentativa e cumplicidade (artigos 13º, n.º 2, e 16º, n.º 2), estabeleceram-se com maior rigor os pressupostos da aplicação das sanções acessórias (artigos 21º-A), e procedeu-se a uma mais vasta explicitação, bem como ao reforço, dos direitos de audiência e defesa (artigos 50º, 53º, 58º, 59º, n.º 2, 68º e 72º-A ).

Visando garantir uma maior eficácia do sistema, alteraram-se os limites mínimos e máximos das coimas (artigo 17º), incluiu-se a referência ao benefício económico resultante da infracção entre os critérios gerais da medida da coima (artigo 18º) e fixaram-se regras quanto ao cúmulo jurídico das coimas em caso de concurso de contra-ordenações (artigo 19º).

Ainda no plano da coordenação com a legislação penal e processual penal, são de salientar a clarificação de aspectos relativos à apreensão (artigos 83º e 48º-A), a fixação de regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento e a interrrupção da prescrição da coima (artigos 27º-A e 30º-A), para além da substituição do processo de advertência pela sanção de admoestação (artigo 51º).

Alguns autores interpretaram, porém, esta evolução legislativa como tendo representado uma efectiva descaracterização do regime jurídico do ilícito de mera ordenação social, produzindo uma progressiva aproximação dos institutos e figuras do direito penal.

A este propósito, FREDERICO DE LACERDA DE COSTA PINTO refere o seguinte:

“Devem destacar-se como causas da actual descaracterização do Direito de Mera Ordenação Social – de que se procurará dar conta nas próximas páginas – dois movimentos de sentido perverso em relação ao projecto original.
Por um lado, verificou-se entre nós na última década um alargamento das áreas de intervenção do Direito de Mera Ordenação Social a sectores para os quais este sistema sancionatório não foi pensado, em particular a circuitos económicos e tecnológicos complexos. Esta tendência – que não foi acompanhada por qualquer inovação no regime substantivo e processual adequada às novas realidades que foram sendo entretanto abrangidas por este ramo do Direito – originou no plano sancionatório um considerável agravamento dos montantes das coimas e um alargamento do leque de sanções acessórias aplicáveis.
Por outro lado, mas devido em parte ao aspecto que se acabou de descrever, o legislador tem procurado equilibrar este agravamento sancionatório com um incremento da componente de garantia do regime do ilícito de mera ordenação social, realizando para o efeito uma aproximação vincada aos institutos e soluções do Direito Penal.” ([24])

Mais adiante o autor reconhece ([25]) que este fenómeno de expansão do ilícito de mera ordenação social - determinado pelo alargamento das zonas de intervenção, pelo aumento da gravidade das sanções aplicáveis e, nalgumas áreas específicas, por uma crescente complexidade do regime substantivo – não foi acompanhado de uma evolução do regime geral deste tipo de ilícito no sentido de conciliar a eficácia dos mecanismos de atribuição de responsabilidade pelas autoridades administrativas com a garantia da esfera de liberdade e expectativas dos particulares. “Entre a garantia e a eficácia – escreve - o legislador tem optado, talvez correctamente, por privilegiar a primeira. Mas a opção tem custos severos para a harmonia dos sistemas sancionatórios e de pouco servirá então atribuir esse poder formalmente à Administração se ao mesmo tempo se criam limites que na prática o comprometem. Uma Administração ineficaz é nestas áreas, como noutras, sinónimo de um «vazio de poder» que na realidade o não é, pois, como foi já notado por BAPTISTA MACHADO (x), outras forças não legitimadas nem controladas preencherão essas áreas de poder.”

“Esta tendência – remata o autor que vimos de citar – é profundamente criticável por três ordens de razões: em primeiro lugar, porque se trata de uma orientação que pode afectar a eficácia do Direito de Mera Ordenação Social, já que importa para o seu seio instrumentos teóricos por vezes inadequados às realidades regulamentadas. A este risco acresce, por outro lado, o facto de se estar a hipotecar a própria autonomia substantiva e processual do ilícito de mera ordenação social, pois não se privilegiam soluções específicas e adequadas aos problemas das diversas áreas de intervenção sancionatória em causa. Finalmente, a tendência descrita corresponde a uma significativa erosão do princípio da subsidiariedade do direito penal, na medida em que – mesmo que não se qualifiquem como penais as sanções do Direito de Mera Ordenação Social (o que pelo menos quanto a algumas sanções acessórias é bastante duvidoso) – acaba por ser a estrutura dogmática e normativa do sistema penal que é aplicada por via administrativa e os mecanismos judiciais dos tribunais comuns, com a estrutura simbólica e efectiva do processo penal, que conduzem a apreciação das decisões das autoridades administrativas impugnadas judicialmente.” ([26])


III

1. Analisada em traços largos a filosofia do ilícito de mera ordenação social, bem como o seu mais recente sentido evolutivo, é o momento de dar a conhecer, com maior precisão, os contornos do regime legal mais directamente implicado na resolução da questão que vem suscitada na consulta.

Não contém o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quaisquer normas que definam os princípios que devem enquadrar os actos processuais do processo das contra-ordenações. Têm, pois, de se entender como directamente aplicáveis as normas resultantes do Código de Processo Penal, por força do disposto no artigo 41º, n.º 1, já citado, atendendo embora a eventuais aspectos incompatíveis com a disciplina dessa forma de processo.

Têm assim aplicação no processo de contra-ordenações as disposições dos artigos 92º, 93º, 94º, 95º, 99º e 100º do Código de Processo Penal, relativos à forma que devem assumir os actos processuais ([27]).

Já no que se refere ao regime da comunicação dos actos processuais, haverá que ter presente a disciplina constante dos artigos 46º e 47º do Decreto-Lei n.º 433/82.

Dispõem:
“Artigo 46º
Comunicações de decisão
1 – Todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas serão comunicadas às pessoas a quem se dirigem.
2 – Tratando-se de medida que admita impugnação sujeita a prazo, a comunicação revestirá a forma de notificação, que deverá conter os esclarecimentos necessários sobre admissibilidade, prazo e forma de impugnação.”

“Artigo 47º
Da notificação

1 – A notificação será dirigida ao arguido e comunicada ao seu representante legal, quando este exista.
2 – A notificação será dirigida ao defensor escolhido cuja procuração conste do processo ou ao defensor nomeado.
3 – No caso referido no número anterior, o arguido será informado através de uma cópia da decisão ou despacho.
4 – Se a notificação tiver de ser feita a várias pessoas, o prazo de impugnação só começa a correr depois de notificada a última pessoa.”

Como se constata, o Decreto-Lei n.º 433/82, em paralelo com o regime descrito nos artigos 111º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), autonomiza o conceito de notificação do de comunicação, reservando o formalismo mais rigoroso da notificação para as decisões administrativas aplicadas no âmbito do processo de contra-ordenação que se tornem passíveis de impugnação judicial cujo exercício se encontre dependente de prazo.

Nos mesmos termos, o CPP impõe o uso da notificação relativamente a actos que exigem um conhecimento pormenorizado do notificando, em que, por isso mesmo, a notificação deve indicar a finalidade da comunicação ou convocação, por meio de transcrição, cópia ou resumo do despacho ou mandado que a tiver ordenado (artigo 112º, n.º 3) ([28]).

Os n.ºs 1 e 2 do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 433/82 explicitam a quem deve ser dirigida a notificação, quando esta deva ter lugar, distinguindo consoante o arguido disponha ou não de defensor constituído, com o que afastam a disciplina decorrente do artigo 113º, n.º 9, do CPP ([29]).

Na ausência de outras especificações quanto ao modo como deve ser feita a notificação (e salvo a referência genérica quanto ao respectivo conteúdo constante do n.º 2 do artigo 46º), haverá que observar os procedimentos previstos no artigo 113º do CPP, subsidiariamente aplicável ([30]).

O certo é que esta disposição, que estabelece as regras gerais sobre notificações, tem sido objecto de sucessivas alterações, que têm vindo a alargar as modalidades da notificação, bem como a precisar alguns dos seus específicos procedimentos, aspectos a que adiante se fará mais desenvolvida referência ([31]).

2. Por agora, importa ter presente que o regime de comunicação de actos processuais, no quadro do ilícito de mera ordenação social – por apelo às disposições comuns do Decreto-Lei n.º 433/82, em articulação com as pertinentes normas do direito processual penal -, poderá ter de ceder perante disposições avulsas que estipulem regimes especiais em relação a certos tipos de ilícito contra-ordenacional.
O aparecimento de tais regimes especiais surge aliás associado ao fenómeno de expansão do ilícito de mera ordenação social e da crescente complexidade das matérias regulamentadas - de que antes se deu sucinta nota -, conduzindo a que, no âmbito do mesmo universo sancionatório, se acentuem os factores de fragmentação e casuísmo em detrimento dos princípios que modelam o regime geral das contra-ordenações ([32]).

Um dos ordenamentos que conserva algumas especificidades, no que concerne ao regime substantivo e processual das contra-ordenações, é justamente o novo Código da Estrada, que – como oportunamente se assinalou - passou a qualificar como contra-ordenações as infracções rodoviárias previstas nesse Código e na sua legislação complementar (com excepção das que sejam puníveis como crimes nos termos da lei penal).

A matéria atinente às regras processuais encontra-se sistematizada no Capítulo III do Título VI (“Da responsabilidade”), onde, para além do princípio geral do artigo 150º já antes aludido, se incluem disposições relativas ao auto de notícia e de denúncia, à identificação do condutor, às infracções praticadas por agentes não domiciliados em Portugal e ao cumprimento da decisão (artigos 151º a 154º e 157º).

As disposições a que interessa dar uma maior atenção, face ao objecto da consulta, são as constantes dos artigos 155º e 156º, que prevêem procedimentos específicos relativos à matéria das notificações.

É relevante notar, porém, que esse é um mecanismo que tem também sofrido significativas alterações legislativas.
3. Na versão originária do Código da Estrada, a matéria era contemplada nos dois primeiros números do artigo 155º, que estipulavam o seguinte:

“1 - Antes da decisão sobre a aplicação das sanções, as pessoas interessadas serão notificadas dos factos constitutivos da infracção e das sanções aplicáveis e pelas quais poderão ser responsabilizadas.
2 – Quando possível, o interessado é notificado no acto de autuação, mediante a entrega de um exemplar do auto de notícia, donde conste a possibilidade de pagamento voluntário pelo mínimo e suas consequências quanto à sanção acessória, prazo e local para pagamento voluntário e para a apresentação da defesa.”

Face à ausência de uma qualquer especificação legal quanto ao modo como deveriam efectuar-se as notificações, no âmbito do procedimento de contra-ordenação rodoviária, o entendimento unânime era que elas se processavam de acordo com as regras gerais aplicáveis do Código de Processo Penal. Essa seria ainda como consequência da genérica remissão efectuada pelo artigo 41º do Regime Geral das Contra-ordenações.

Havia, por isso, que recorrer ao disposto no artigo 113º do CPP, preceito que, na sua primitiva redacção, então ainda vigente, consignava o seguinte:

“Artigo 113º
Regras gerais sobre notificações

1. As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal, através de carta isenta de porte e expedida com aviso de recepção, de modelo oficialmente aprovado, o qual só pode ser assinado pelo destinatário, previamente identificado com anotação dos elementos constantes do bilhete de identidade ou noutro documento oficial que permita a identificação; ou
c) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente admitir esta forma de notificação.
2. Se, no caso da alínea b) do número anterior, o destinatário:
a) Não for encontrado, disso dá conta o funcionário do serviço postal ao proceder à devolução, seguindo-se a esta notificação mediante contacto pessoal:
b) Se recusar assinar, o funcionário do serviço postal entrega a carta e lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação.
c) Se recusar a carta, o funcionário do serviço postal lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação.
3. (...)
4. (...)
5. (...)”

Como se vê, este preceito previa que a notificação, quando seguisse por via postal, apenas pudesse ser efectuada na pessoa do notificando, implicando que a carta fosse sempre assinada pelo próprio destinatário, que para o efeito seria identificado pelo distribuidor postal (alínea b) do n.º 1).

As presunções de notificação, por seu turno, circunscreviam-se aos casos em que o notificando se recusasse a assinar o registo ou a receber a carta (alíneas b) e c) do n.º 2)

Neste estádio da evolução legislativa, e face à necessária articulação com o regime resultante da lei geral, no processo contra-ordenacional por infracções rodoviárias, as notificações haveriam de ser feitas ou por contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este fosse encontrado (e se possível no próprio acto de autuação, mediante a entrega do auto de notícia, como especialmente determinava o artigo 155º, n.º 2, do Código da Estrada) ou por via postal, através de carta expedida com aviso de recepção, o qual só podia ser assinado pelo destinatário, previamente identificado com a anotação dos elementos constantes do bilhete de identidade ou noutro documento oficial que permita a identificação (artigo 113º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPP) ([33]).

4. A revisão do Código da Estrada levada a efeito pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, com o confessado objectivo de introduzir no diploma as adaptações e correcções aconselhadas pela experiência resultante do período de vigência entretanto já decorrido, veio a operar o desdobramento da matéria das notificações em dois novos articulados: o artigo 155º, que passou a definir os casos em que haveria lugar à notificação dos interessados, antes ainda da decisão final do procedimento (n.º 1), reproduzindo, nos números seguintes, as disposições relativas ao exercício do direito de defesa, que anteriormente constavam dos n.ºs 3 e 4 da redacção primitiva; o artigo 156º, que, inovatoriamente, passou a indicar o modo como se efectuam as notificações.

Dispôs este preceito:

“Artigo 156º
Notificações

1 – As notificações efectuam-se:
a) No acto de autuação, quando possível, mediante a entrega de um duplicado do auto, donde constem as indicações referidas no nº 1 do artigo anterior;
b) Por contacto pessoal com o notificando no lugar em que for encontrado;
c) Mediante carta com aviso de recepção, expedida para o domicílio ou sede do notificando.
2 – O domicílio do condutor para os efeitos previstos na alínea c) do número anterior é o constante do registo a que se refere o nº 8 do artigo 122º, e a notificação presume-se efectuada àquele no dia em que for assinado o aviso de recepção.”

O aspecto mais significativo desta nova disciplina legal, traduziu-se no estabelecimento de uma presunção legal de notificação, sempre que esta seja efectuada mediante carta com aviso de recepção expedida para o domícilio do condutor. Para esse efeito, a nova redacção do n.º 2 do artigo 156º consagrou o conceito de domicílio do condutor, considerando como tal, por remissão para o artigo 122º, n.º 8, do Código da Estrada, aquele que constar do registo do título da habilitação legal para conduzir.

Que essa foi uma uma das principais novidades introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 2/98, no plano processual, ressalta com evidência do próprio preâmbulo do diploma, onde a medida surge justificada pela necessidade de prosseguir os interesses da “segurança rodoviária” e da “protecção dos utentes das vias públicas” ([34]). O legislador pretendeu, pois, conferir uma maior celeridade e eficácia ao procedimento de notificação, designadamente em termos de garantir o efectivo cumprimento das decisões punitivas.

Visto que o objectivo da lei foi o de instituir, por razões de economia processual, a presunção de notificação pessoal através da remessa da carta registada para o domicílio do condutor, o corolário natural é que a notificação se considerasse como efectuada desde que a carta fosse entregue nesse domicílio, independentemente de nele ter sido encontrado o notificando.

Caso se entendesse ser de manter a exigência de assinatura do aviso pelo próprio destinatário, por aplicação subsidiária do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 113º do CPP, o regime seria então correspondente ao que já vigorava antecedentemente, não assumindo uma qualquer feição inovadora. E, do mesmo modo, não teria qualquer efeito útil o estabelecimento pela lei de uma presunção de notificação. Se a carta, ainda que expedida para o domicílio do condutor, houvesse de ser efectivamente entregue a este, que para tal deveria assinar o respectivo aviso de recepção, identificando-se como seu o destinatário, estaria efectuada a prova da notificação, tornando-se desnecessário presumi-la.

As presunções são, conforme dispõe o artigo 349º do Código Civil, “as ilações que a lei ou o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”. Como logo acrescenta o artigo 350º, n.º 1, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz.”

As presunções legais relacionam-se, por conseguinte, com o regime do ónus da prova, cujo princípio geral vem estabelecido no artigo 342º do mesmo Código, e têm como principal consequência a inversão do ónus probatório ([35]).

No caso em análise, o facto desconhecido que se infere como verificado, por força da presunção legal, é o efectivo conhecimento por parte do destinatário do conteúdo da notificação. A presunção, justamente, dispensa a exigência da prova de que o aviso de recepção foi efectivamente assinado pelo destinatário ([36]).

Só assim se compreende que o legislador tenha passado a definir o que se entende por domicílio do condutor, para efeito da recebimento das notificações, e que a mudança de domicílio tenha ficado sujeita a um dever de comunicação à entidade competente para a emissão dos títulos de condução, cuja infracção passou a ser igualmente punível com coima (cfr. artigo 122º, n.ºs 9 e 10) ([37]).

Tornou-se nítida, deste modo, a diferenciação entre os regimes de notificação previstos no Código da Estrada e na lei processual penal, quando esta se efectue através de via postal registada. Segundo a nova redacção do artigo 156º, n.º 2, do Código da Estrada a notificação presume-se feita desde que a carta seja efectivamente entregue no domicílio do infractor, independentemente de ter sido este ou uma outra pessoa encontrada no local a assinar o respectivo aviso; ao passo que a originária redacção do artigo 113º do CPP, ainda vigente à data da publicação do Decreto-Lei n.º 2/98, mantinha a obrigatoriedade de uma notificação pessoal, que deveria ser comprovada pela assinatura pelo interessado directo do aviso de recepção.

5. Já após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 2/98, o Código de Processo Penal foi objecto de uma profunda revisão – operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto -, que implicou, designadamente, a completa reformulação do seu artigo 113º, relativo às regras gerais da notificação.

Esta disposição foi ainda alterada pelo Decreto-Lei n.º 320--C/2000, de 15 de Dezembro, que deu nova redacção ao n.º 2 e aditou dois números (n.ºs 3 e 4), implicando a renumeração dos anteriores n.ºs 3 a 10, que passaram a constituir, respectivamente, os n.ºs 5 a 12.

Essencialmente, a nova redacção veio precisar o formalismo a seguir quando a notificação deva ser efectuada por via postal simples, alterando do mesmo passo o prazo de dilação e o seu modo de contagem para efeito de se considerar como presumidamente feita a notificação, sem pôr em causa os aspectos fulcrais da regulamentação instituída pela reforma de 1998.

A actual versão do preceito, na parte que mais interessa considerar, estatui:

“Artigo 113º ([38])
Regras gerais sobre notificações

1. As notificações efectuam–se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
2. Quando efectuadas por via postal registada, as notificações presumem-se feitas no 3º dia útil posterior ao do envio, devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.
3. Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.
4. Se for impossível proceder ao depósito da carta na caixa de correio, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, apõe-lhe a data e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente.
5. Quando a notificação for efectuada por via postal registada, o rosto do sobrescrito ou do aviso deve indicar, com precisão, a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente e as normas de procedimento referidas no número seguinte.
6. Se:
a) O destinatário se recusar a assinar, o agente dos serviços postais entrega a carta ou o aviso e lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
b) O destinatário se recusar a receber a carta ou o aviso, o agente dos serviços postais lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
c) O destinatário não for encontrado, a carta ou o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso;
d) Não for possível, pela ausência de pessoa ou por outro qualquer motivo, proceder nos termos da alíneas anteriores, os serviços postais cumprem o disposto nos respectivos regulamentos, mas sempre que deixem aviso indicarão expressamente a natureza da correspondência e a identificação do tribunal ou do serviço remetente.
7 – (...)
8 – (...)
9 - (...)
10 – (...)”

A notificação passa agora a poder ser feita, também, ainda que apenas nos casos especialmente previstos, através de carta ou aviso simples.

Alargam-se, por outro lado, as presunções legais de notificação.

A notificação, quando tenha lugar por via postal, presume-se feita no terceiro dia útil posterior ao do envio, se for remetida por carta registada, e no quinto dia útil posterior à data do depósito da carta na caixa do correio do notificando, conforme a declaração lavrada pelo distribuidor.

A presunção ocorre, pois, não apenas quando se verifique a recusa de assinatura do registo ou a recusa de recebimento da carta, por parte do destinatário – como se previa já na primitiva redacção do preceito -, mas também sempre que a correspondência seja entregue no local de destino, ainda que não à pessoa nela directamente interessada.

O legislador rodeou-se, porém, de certas cautelas, para esta última hipótese, e determinou - na alínea c) do n.º 6 – que, se o destinatário não for encontrado, os serviços postais façam menção do facto com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso (que deverá ser a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe).

Só no caso em que não seja possível, pela ausência de pessoa ou por outro qualquer motivo, efectuar a entrega da carta ou do aviso, é que cabe aos serviços postais devolver a correspondência, nos termos regulamentares, limitando-se, nessa hipótese, a deixar um aviso com a expressa indicação da natureza da correspondência e a identificação do tribunal ou do serviço remetente.

6. Embora a lei não o explicite - ao contrário do que sucede nos casos de recusa de assinatura do registo ou de recepção da carta -, parece claro que a entrega da correspondência a uma terceira pessoa devidamente identificada, com menção do facto, por parte do agente distribuidor, equivale à notificação.

A exigência, por parte do legislador, de um determinado formalismo que deverá ser adoptado pelo funcionário dos correios, no caso de não ser encontrado o destinatário da correspondência, apenas se torna compreensível se daí puder resultar um qualquer efeito útil; e esse efeito parece ser o da obtenção da prova da efectiva entrega da correspondência no local de destino, em termos de se poder presumir que o interessado tomou conhecimento do conteúdo da carta ou aviso.

Resta salientar que todas as alterações introduzidas no artigo 113º do CPP, desde a versão originária, visaram facilitar o regime de notificações, adequando-o às exigências de celeridade processual e à nova realidade social, gerada designadamente pelo crescimento urbano. O novo sistema tem em vista superar os entraves ao regular andamento dos processos que resultavam, no modelo tradicional, da frequente frustração da primeira modalidade de notificação, em regra feita por via postal registada, mas implicando a entrega da carta ao próprio notificando, e pretendeu acompanhar o movimento de idêntico pendor que se iniciou, no processo civil, com a reforma de 1995/1996 ([39]) ([40]).

Poderá assim afirmar-se que a reforma de processo penal empreendida em 1998 procurou instituir um modelo mais simplificado de notificação por via postal, mas já nada permite concluir que as especificidades que envolvem essa forma de notificação (especialmente a exigência de identificação da pessoa a quem tenha sido entregue a correspondência quando não seja o póprio notificando) se tenham tornado também extensivas ao processo de contra-ordenação rodoviária, para o qual se havia já autonomizado, anteriormente, um mecanismo próprio de comunicação dos actos processuais.

7. Entretanto, as disposições processuais constantes do Código da Estrada, entre as quais as relativas ao modo de efectuar as comunicações das infracções (artigos 155º e 156º), foram de novo alteradas pelo Decreto-Lei n.º 162/2001, de 22 de Maio ([41]).

A entrada em vigor deste diploma, que na versão originária havia sido fixada no trigésimo dia posterior à sua publicação no Diário da República (artigo 3º), foi depois protelada para o dia 1 de Outubro de 2001, por efeito da alteração introduzida naquele artigo 3º pelo Decreto-Lei n.º 178-A/2001, de 12 de Junho.

Ainda antes do seu começo de vigência, estes diplomas foram no entanto revogados pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro [artigo 1º, alínea a)], que, do mesmo passo, operou uma profunda revisão do Código da Estrada, incluindo as disposições relativas às notificações (artigo 2º), sendo que o novo regime passou a vigorar a partir de 1 de Outubro de 2001 (artigo 6º).

À disciplina normativa decorrente do Decreto-Lei n.º 2/98, já antes analisada, veio a suceder, pois, a agora estabelecida pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, designadamente no que se refere à matéria das notificações, pelo que não tem qualquer utilidade dar a conhecer as alterações intermediamente introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 162/2001, que, como se viu, não chegaram a ter uma qualquer aplicação prática.

Cabe referir, em todo o caso, que o novo diploma mais não pretendeu do que absorver as soluções legislativas já formuladas no Decreto-Lei n.º 165/2001, e cuja reedição em diploma autónomo se considerou justificada pela conveniência de proceder a uma revisão do montante das coimas, que passa a ser previsto em euros, e pelo interesse em efectuar uma harmonização sistemática do conjunto de normas que foram objecto de alteração.

Em substância, a única inovação agora introduzida respeita à obrigatoriedade de pagamento imediato por parte dos condutores com coimas em dívida (artigo 154º, n.º 2). Nesta circunstância o infractor deve proceder ao pagamento imediato das sanções pecuniárias em que anteriormente tiver sido condenado e ainda ao pagamento, pelo mínimo, da coima correspondente à nova infracção ou, em alternativa, ao depósito de quantia igual ao valor máximo da coima cominada para essa contra-ordenação ([42]).

No que respeita às alterações produzidas nos artigos 155º e 156º do Código da Estrada, o objectivo proclamado pelo legislador, dentro de um programa legislativo mais amplo, que tem como pano de fundo uma maior eficácia das medidas tendentes a prevenir a sinistralidade rodoviária, é o de assegurar uma maior simplificação no sistema de notificações.

Esse propósito foi claramente afirmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 265-A/2001 – reproduzindo, aliás, o excerto que, a esse titulo, já constava da nota introdutória do Decreto-Lei n.º 165/2001, onde se declara: “Procedeu-se também à simplificação do regime das notificações, contemplando-se a notificação através de carta simples enviada para o domicílio do infractor, no caso de não ter sido possível proceder à notificação pessoal ou por carta registada.”

Com efeito, na nova redacção, o artigo 156º passou a dispor:

“Artigo 156º
Notificações

1 – As notificações efectuam-se:
a) Por contacto pessoal com o notificado no lugar em que for encontrado;
b) Mediante carta registada expedida para o domicílio ou sede do notificando;
c) Mediante carta simples expedida para o domicílio ou sede do notificando.
2 – A notificação por contacto pessoal deve ser efectuada sempre que possível no acto de autuação, podendo ainda ser utilizada quando o notificando for encontrado pela entidade competente.
3 – Se não for possível, no acto de autuação, proceder nos termos do número anterior ou se estiver em causa qualquer outro acto a notificação pode ser efectuada através de carta registada expedida para o domicílio ou sede do notificando.
4 – Se por qualquer motivo a carta prevista no número anterior for devolvida à entidade remetente, a notificação é reenviada ao notificando, para o seu domicílio ou sede, através de carta simples.
5 – Para efeitos do disposto nos nºs. 3 e 4 considera-se domicílio do notificando:
a) O que consta do registo a que se refere o nº 8 do artigo 122º, no caso previsto no n.º 1 do artigo 134º.
b) O do proprietário, do adquirente com reserva de propriedade, do usufrutuário, do locatário em regime de locação financeira, do locatário por prazo superior a um ano, ou o de quem, em virtude de facto sujeito a registo, tiver a posse do veículo, no caso previsto no nº 2 do artigo 134º e no nº 1 do artigo 152º.
6 – A notificação nos termos do nº 3 considera-se efectuada no 3º dia útil posterior ao do envio devendo a cominação aplicável constar do acto de notificação.
7 – No caso previsto no nº 4, o funcionário da entidade competente lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para o qual foi enviada, considerando-se a notificação efectuada no 5º dia posterior à data indicada, cominação que deverá constar do acto de notificação.
8 – Quando a infracção for da responsabilidade do proprietário, do adquirente com reserva de propriedade, do usufrutuário, do locatário em regime de locação financeira, do locatário por prazo superior a um ano, ou de quem, em virtude de facto sujeito a registo, tiver a posse do veículo, a notificação, no acto de autuação, pode fazer-se na pessoa do condutor.
9 – Se o notificando se recusar a receber ou a assinar a notificação, o funcionário certifica a recusa, considerando-se efectuada a notificação.”

8. A primeira e mais importante inovação introduzida no preceito, tal como se anunciava no exórdio, consiste na possibilidade, que agora surge explicitamente reconhecida, de a notificação ser efectuada através de carta simples enviada para o domicílio ou sede do notificando.

Neste ponto, o legislador do Código da Estrada mais não faz do que aproximar o regime das notificações, no âmbito das contra-ordenações rodoviárias, do previsto na lei processual penal, que, por efeito da revisão operada pela Lei n.º 59/98 – posteriormente, porém, à última reforma do direito estradal, levada a efeito nesse mesmo ano -, admitia já o recurso à via postal simples como uma das formas de dar conhecimento a um interessado de um acto processual.

São, contudo, distintos os pressupostos factuais de que depende, nos termos do Código da Estrada, a notificação por via postal simples: esta forma de notificação é aí prevista em sucedâneo à notificação por carta registada, apenas tendo lugar quando não seja possível efectuar a notificação através de carta expedida sob registo, e ocorra, por isso, a devolução à entidade remetente ([43]).

A notificação através de carta simples é assim considerada como uma modalidade sucessiva de notificação, que é utilizada apenas e quando se torne necessário reenviar a notificação em virtude de, por qualquer motivo (designadamente por ausência do destinatário ou de qualquer outra pessoa que com ele resida ou trabalhe), não tenha sido possível entregar a carta registada no local do destino.

Sucede que a norma não se limita a consignar este novo tipo de notificação, mas especifica também as formalidades que deverão ser observadas pelo funcionário instrutor ou pelo agente dos serviços postais, bem como estipula as cominações legais aplicáveis relativamente a cada um dos apontados procedimentos, dando como presumidamente feita a notificação no 3.º ou no 5º dia útil posterior à data da expedição da carta, consoante se trate de carta registada ou carta simples.

Um outro elemento de interpretação relevante é que o preceito, através do seu n.º 9, estabelece autonomamente uma presunção de notificação para os casos de recusa de recebimento da carta ou de recusa de assinatura do aviso, situações anteriormente cobertas pela aplicação supletiva do n.º 4, alíneas a) e b), do artigo 113º do CPP.

Por outro lado, é de interesse reter que, na sua nova redacção, o artigo 156º mantém a referência ao domicilio do notificando, nos termos e para os efeitos de notificação, embora efectue agora uma distinção entre o domicílio do condutor e o domicílio da pessoa que tiver a posse efectiva do veículo, a fim de assegurar que a carta possa ser enviada, consoante os casos, a quem deva efectivamente responder pela infracção.

9. Uma primeira ilação a retirar da sumária análise que se deixou esboçada, é que a norma que actualmente estipula o regime das notificações no âmbito do procedimento contra-ordenacional por infracções rodoviárias, não se limita a enunciar, tal como sucedia nas anteriores versões, um princípio geral em matéria de notificações; mas, indo um pouco mais além, desenvolve agora um conjunto de regras que, paralelamente ao que dispõe o artigo 113º para o processo penal, definem o formalismo preciso que, nesse domínio, se impõe adoptar, bem como as correspondentes consequências legais.

O artigo 156º do Código da Estrada estabelece, pois, um sistema tanto quanto possível completo de notificações, que se torna especialmente aplicável às contra-ordenações previstas nesse diploma, reduzindo em larga medida a eventualidade de aplicação subsidiária das equivalentes disposições do direito processual penal.



IV

1. O antecedente excurso, dando conta da evolução legislativa ocorrida no regime de notificações no âmbito do procedimento contra-ordenacional por infracções rodoviárias, em contraponto com a disciplina aplicável no direito processual penal, coloca-nos em posição mais esclarecida para ensaiar uma resposta à questão suscitada na consulta.

A pergunta – recorde-se – pretende determinar se o formalismo das notificações a efectuar nos termos do artigo 156º do Código da Estrada carece de ser completado pelo regime processual definido no artigo 113º do CPP, e prende-se com a prática estabelecida por alguns tribunais no sentido de considerarem exigível, no caso de notificação por carta registada, que o funcionário dos serviços postais, tal como determina a alínea c) do n.º 6 daquele preceito, identifique, fazendo menção do facto, a pessoa que tiver recebido a carta, quando o destinatário não tiver sido encontrado.

No momento em que a questão foi formulada, a redacção do artigo 156º do Código da Estrada em vigor era a resultante do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.

Como se observou na devida oportunidade, a versão originária do Código da Estrada, através do seu artigo 155º, estipulava apenas algumas regras gerais a adoptar no procedimento para a aplicação das sanções, entre as quais sobressaía a obrigatoriedade de notificação ao interessado dos factos constitutivos da infracção e da sanção aplicável (n.º 1) e a preferência conferida à notificação pessoal, que, se possível, devia ter lugar no próprio acto de autuação, mediante a entrega de um exemplar do auto de notícia (n.º 2).

Neste quadro legal, tornava-se claro que, sempre que não fosse possível efectuar a notificação por contacto pessoal nos termos previstos na norma, ou houvesse lugar a uma qualquer outra notificação subsequente, entrava em funcionamento o regime subsidiário do CPP, que definia não só as modalidades possíveis de notificação como o formalismo que lhes era aplicável.

E – note-se – a esse tempo, nos precisos termos do artigo 113º do CPP, a notificação só poderia ser feita ou por contacto pessoal com o notificando ou por via postal, através da carta registada com aviso de recepção, o qual só poderia ser assinado pelo destinatário, que, para o efeito, era previamente identificado com a anotação dos elementos constantes do bilhete de identidade [n.º 1, alíneas a) e b)].

Registe-se ainda que o mesmo preceito da lei geral previa já a presunção de notificação, mas apenas para os casos em que o destinatário se recusasse a assinar o aviso ou a receber a carta [n.º 2, alíneas b) e c)], havendo lugar à mera devolução da correspondência – frustrando-se consequentemente a realização da formalidade – se o notificando não fosse encontrado na morada para onde tivesse sido expedida [n.º 2, alínea a)].

2. A revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 2/98 representou um significativo avanço no sentido da autonomização do regime de notificações aplicável ao procedimento das contra-ordenações rodoviárias.

De um lado, o Código da Estrada passou a conter uma disposição processual (artigo 156º) que especifica as diversas formas admissíveis de notificação (n.º 1); de outro, foi introduzido inovatoriamente um mecanismo de presunção de notificação para o caso em que a comunicação do acto seja efectuada através de carta com aviso de recepção expedida para o domicílio ou sede do notificando (n.º 2).

A presunção de notificação, tal como se encontrava prevista no n.º 2 do artigo 156º - constituindo a principal novidade introduzida pela Decreto-Lei n.º 2/98, no plano processual, como justamente se realça no preâmbulo deste diploma -, não tinha paralelo no correspondente regime do CPP, cujo artigo 113º conservava ainda, à data da entrada em vigor daquele diploma, a redacção originária instituída pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro.

Por essa mesma linear razão, quando passou a vigorar o novo regime do artigo 156º do Código da Estrada, não poderia recorrer-se a qualquer outro procedimento suplementar eventualmente previsto no CPP para efeito de garantir a efectiva entrega da carta de notificação ao interessado. Os procedimentos previstos no direito estradal e no direito processual penal eram, aliás, díspares: enquanto que o supracitado artigo do Código da Estrada admitia a presunção da notificação sempre que a carta fosse expedida com aviso de recepção para o domicílio ou sede do notificando, o CPP estipulava paralelamente que a correspondência deveria ser devolvida se o destinatário não fosse encontrado, seguindo-se, nesse caso, a notificação através de contacto pessoal.

A circunstância de a nova lei não ter contemplado qualquer outra formalidade que assegurasse cautelarmente o efectivo conhecimento do acto processual por parte do notificando, bastando-se com a simples remessa da carta registada para o domicílio do condutor, conforme constasse do respectivo registo individual, inculca que a notificação se considerava presumidamente feita independentemente de a correspondência ter sido entregue ao próprio destinatário ou a qualquer outra pessoa que fosse encontrada na mesma residência.

Certo é que ulteriormente à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 2/98, também o regime de notificações do CPP foi objecto de modificações, passando o seu artigo 113º a admitir com uma maior amplitude a presunção da notificação ([44]). É de notar, porém, que se manteve uma substancial diferença de regime: no direito processual penal alargou-se a presunção à hipótese em que o destinatário não tenha sido encontrado no endereço postal, mas apenas quando a carta ou aviso tenha sido entregue a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe, que, para o efeito, era devidamente identificado pelo funcionário dos correios [artigo 113º, n.º 4, alínea c)]; ao passo que o artigo 156º do Código da Estrada não estipulava qualquer ressalva quanto a este aspecto.

Parece haver, por outro lado, um fundamento material para esta divergência de critérios: enquanto que a presunção da notificação, no domínio do direito processual penal, radica essencialmente na prova da entrega da correspondência no local de residência do destinatário, o que permite inferir que o notificando teve efectivo conhecimento do seu conteúdo, no direito rodoviário, a presunção está intrinsecamente ligada ao conceito de domicílio do condutor, entendendo-se que esta se verifica sempre que a carta registada seja enviada para o local que o próprio notificando indicou, perante as autoridades competentes, como sendo o seu domicílio; por isso também os condutores se encontram vinculados a comunicar, sob pena de incorrerem em ilícito contra-ordenacional, a mudança de residência ([45]).

3. Em face, porém, da nova redação dada ao artigo 113º do CPP, poderia vir a defender-se uma interpretação actualista do artigo 156º do Código da Estrada, em termos de passar a aplicar-se à notificação efectuada por carta registada para o domicílio do condutor, o formalismo que o CPP introduziu, na reforma de 1998, para a situação similar em que a notificação deva ter lugar por via postal registada.

Uma tal interpretação pressupunha, porém, que o regime do artigo 156º, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 2/98, houvesse de ser completado, subsidariamente, pelas regras previstas no direito processual penal. Ou seja, era necessário que o sistema definido naquela disposição, pela sua incompletude, implicasse uma remissão para as regras complementares do CPP, em termos de poder entender-se como uma remissão dinâmica, pela qual o regime de notificações do Código da Estrada se ajustaria em cada momento ao modelo processual desenhado pela lei geral.

Face a tudo o que anteriormente se expôs, não é posssível sufragar esta tese.

O mecanismo da presunção de notificação introduzido pelo Decreto-Lei n.º 2/98, através da nova redacção dada ao artigo 156º do Código da Estrada, era inovador relativamente ao regime contemporâneo do CPP, implicando – como se observou – que ele adquirisse exequibilidade prática independentemente do recurso a quaisquer outras disposições processuais da lei geral.

Não havendo lugar, num primeiro momento, à aplicação supletiva do CPP, não poderá passar a exigir-se uma tal aplicação, supervenientemente, apenas porque a revisão do CPP, vindo a regulamentar uma nova modalidade de notificação, operou uma aproximação ao regime já constante do Código da Estrada.

O pressuposto da intervenção da norma supletiva é a existência de uma lacuna. Esta terá de ser detectada pelo intérprete no sistema jurídico a quo, não podendo emergir da mera compaginação desse com sistemas jurídicos diferentes.

A função integradora subsidiária do CPP em relação ao processo das contra-ordenações rodoviárias resulta da remissão sucessiva para o Regime Geral das Contra-ordenações (artigo 150º, n.º 1, do CE) e deste para o direito processual penal (artigo 41º, n.º 1). É, pois, o próprio legislador do Código da Estrada que, recorrendo a normas remissivas, se dá conta da existência de lacunas que deverão ser supridas pelos casos análogos prevenidos na lei processual penal ([46]). Tratando-se, assim, de omissões intencionais, estas apenas poderão ter-se como existentes quando se torne claro que o legislador se absteve de regular especialmente uma certa matéria, dando aso à intervenção, nesse domínio, do direito subsidiário. Não é esse manifestamente o caso, quando a lei define o regime de um instituto em termos parcialmente colidentes com o do caso similar previsto no diploma subidiariamente aplicável.

4. O artigo 156º do Código da Estrada foi entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, passando a conter uma mais desenvolvida regulamentação da matéria, sem deixar de manter alguns pontos de distanciamento em relação ao correspondente regime do artigo 113º do CPP.

No ensejo de simplificar o regime das notificações, a actual redacção do artigo 156º contempla a notificação através de carta simples, que havia já sido introduzida na lei processual penal na revisão de 1998. No entanto, e ao contrário do que prevêem as disposições conjugadas dos n.ºs 1, alínea c), e 6 daquele dispositivo, essa constitui uma forma sucessiva, e não alternativa, de notificação, destinando-se a ser utilizada apenas no caso de não ter sido possível proceder à notificação pessoal ou por carta registada.

Ademais, na sua nova formulação, o artigo 156º preserva o regime de presunção legal de notificação com base na remessa da carta, registada ou simples, para o domicílio do infractor (n.ºs 5, 6 e 7) e institui especificamente a presunção de notificação no caso de recusa de recebimento da carta ou da assinatura do registo, tradicionalmente prevista na lei geral do processo penal (n.º 9).

A norma estabelece agora uma disciplina completa, no tocante quer às modalidades de notificação, quer aos trâmites procedimentais a adoptar, tornando mais evidente a desnecessidade do recurso ao direito subsidiário. Por outro lado, mantendo-se, no essencial, o regime próprio de notificação por via postal, subsistem as razões, já antes invocadas, que conduzem ao afastamento da aplicação subsidiária da norma da alínea c) do n.º 6 do artigo 113º ([47]).

V

Termos em que se formulam as seguintes conclusões:

1.ª As contra-ordenações previstas no Código da Estrada e na sua legislação complementar regem-se pelas normas processuais do Regime Geral das Contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 26 de Setembro) e, subsidiariamente, pela lei geral do processo penal, com as adaptações constantes dos artigos 151º a 157º daquele primeiro diploma (artigos 150º, n.º 1, do Código da Estrada e 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 26 de Setembro);

2.ª A partir da revisão efectuada pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o Código da Estrada, através da nova redacção dada ao seu artigo 156º, passou a prever um regime próprio de notificação por carta registada a enviar para o domicílio do condutor, pelo qual se considera presumidamente feita a notificação no dia em que for assinado o aviso de recepção;

3.ª Pelo seu carácter inovador, essa medida só poderia revestir um efeito útil, se interpretada no sentido de afastar a aplicação subsidiária da correspondente norma do artigo 113º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, na redacção então vigente, que continuava a exigir, na notificação por via postal registada, que o aviso de recepção fosse pessoalmente assinado pelo próprio destinatário;

4.ª Nos mesmos termos, na vigência daquele artigo 156º, não era aplicável o procedimento de identificação da pessoa a quem tenha sido entregue a carta ou aviso, para o caso de o destinatário não ter sido encontrado no local, que havia sido instituído pela alínea c) do n.º 4 do artigo 113º do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto;

5.ª A nova redacção dada ao artigo 156º do Código da Estrada pelo Decreto-Lei n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, preserva o regime de presunção de notificação - que passa a abranger a notificação por carta registada ou por carta simples -, sendo de excluir, por identidade de razão, a aplicação subsidiária das disposições da lei processual penal previstas para as mesmas formas de notificação (cfr. artigo 113.º, n.º 6, alínea c), do Código de Processo Penal);

6.ª Em conformidade com as antecedentes conclusões, e segundo o regime actual, a notificação efectuada, no âmbito do processo de contra-ordenação rodoviária, por meio de carta expedida para o domicílio ou sede do notificando, considera-se como feita no terceiro dia ou no quinto dia posterior ao do envio, consoante se trate de carta registada ou carta simples, desde que a correspondência seja entregue ou depositada nesse local, independentemente da identificação, por parte do distribuidor postal, da pessoa que a tenha recebido.



[1]) Informação n.º 14/SR/2001, de 23 de Janeiro de 2001.
[2]) Ofício n.º 1195, de 26 de Março de 2001.
[3]) Renumerado pelo Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, e correspondente, sem quaisquer alterações, ao artigo 135º, na versão originária.
[4]) As infracções ao anterior Código da Estrada de 1954, eram puníveis como contravenções ou transgressões, exceptuando-se os casos previstos nos artigos 58º (disposições gerais relativas à responsabilidade criminal por infracções cometidas no exercício da condução), 59º (homicídio em consequência de acidente de viação) e 60º (abandono de sinistrados) daquele diploma e nos artigos 1º do Decreto–Lei nº 123/94, de 14 de Abril (condução sem habilitação legal de veículos automóveis ligeiros ou pesados), e 2º do Decreto–Lei nº 124/90, de 14 de Abril (condução de veículos sob influência de álcool) - cfr. JERÓNIMO FREITAS, Código da Estrada Anotado e Legislação Complementar, 4.ª edição, Lisboa, pág. 235.
[5]) Na mesma linha o parecer n.º 48/95, de 19 de Abril de 1996, publicado no “Diário da República” n.º 194, de 23 de Agosto de 1997, pág. 10382, cujo método expositivo se segue momentaneamente.
[6]) COSTA PIMENTA, Código da Estrada Anotado e Legislação Complementar, Coimbra, págs. 343 e seguinte.
[7]) Uma desenvolvida análise histórica do aparecimento de direito de mera ordenação social pode ver-se em FARIA COSTA, A Importância da Recorrência no Pensamento Jurídico. Um Exemplo: a Distinção entre o Ilícito Penal e o Ilícito de Mera Ordenação Social, “Revista de Direito e Economia”, ano IX, n.ºs 1-2, Janeiro-Fevereiro de 1983, págs. 3 a 51; MIGUEL PEDROSA MACHADO, Elementos para o Estudo da Legislação Portuguesa sobre Contra-ordenações, “Scientia Ivridica”, Tomo XXXV, 1986, págs. 58 a 134.
[8]) O Decreto-Lei n.º 232/79, do mesmo passo que instituiu o quadro normativo básico do ilícito de mera ordenação social, pretendeu eliminar a categoria das contravenções puníveis com pena de multa, ao estabelecer no artigo 1º, n.º 3: ”são equiparáveis às contra-ordenações as contravenções ou transgressões previstas pela lei vigente a que sejam aplicadas sanções pecuniárias”.
[9]) Corresponde-lhe, no texto actual, o artigo 165º, n.º 1, alínea d), que prescreve:
“Artigo 165º
(Reserva relativa de competência legislativa)
1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre:
(...)
d) Regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo;
(...)
2. (...)
3. (...)”
[10]) Dispõe:
“Artigo 282º
(Efeitos na declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade)
1. (...)
2. (...)
3. Ficam ressalvados os casos julgados, salvo decisão em contrário do Tribunal Constitucional quando a norma respeitar a matéria penal, disciplinar ou de ilícito de mera ordenação social e for de conteúdo menos favorável ao arguido.
4. (...)”
[11]) Ainda do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 433/82, onde, mais adiante, se acrescenta: “Também o novo Código Penal, ao optar por uma política equilibrada de descriminalização, deixa em aberto um vasto campo ao direito de ordenação social naquelas áreas em que as condutas, apesar de socialmente intoleráveis, não atingem a dignidade penal. Mas são, sobretudo, as necessárias reformas em domínios como as práticas restritivas da concorrência, as infracções contra a ecomomia nacional e o ambiente, bem como a protecção dos consumidores, que tornam o regime das contra-ordenações verdadeiramente imprescindível.”
[12]) Sobre a articulação entre o princípio da subsidariedade do direito penal e a autonomia do direito de mera ordenação social, com uma explanação das ideias de EDUARDO CORREIA, ver FREDERICO DE LACERDA DE COSTA PINTO, O Ilícito de Mera Ordenação Social e a Erosão do Princípio da Subsidariedade da Intervenção Penal, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 7, Janeiro-Março de 1997, págs. 14 e segs.
[13]) Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social, in “Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XLIX, 1973, págs. 15-16.
[14]) Segue-se aqui, textualmente, uma síntese que, a partir do trabalho citado na nota na-tecedente, foi elaborada por FREDERICO DE LACERDA DE COSTA PINTO, ob.cit., pág. 14.
[15]) O Movimento da Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social, “O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, Jornadas de Direito Criminal organizadas pelo Centro de Estudos Judiciários, págs. 329 e segs.
[16]) Contrariamente à solução preconizada por EDUARDO CORREIA, a competência para conhecer da impugnação judicial foi atribuída ao juiz da comarca da área onde se encontra sediada a autoridade administrativa que aplicou a coima.
[17]) Cfr. FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., págs. 330 e 335.
[18]) O direito de audiência do arguido em processo de contra-ordenação havia obtido, entretanto, consagração constitucional, através do aditamento, na revisão constitucional de 1989, de um n.º 8 ao artigo 32º da CRP (“Nos processos de contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”). Actualmente, corresponde-lhe o n.º 10 do mesmo preceito, que alargou a mesma garantia a “quaisquer processos sancionatórios”.
[19]) A circunstância de a norma remeter para “os preceitos reguladores do processo criminal”, e não apenas para o Código de Processo Penal, sugere que possam ser aplicadas normas de processo criminal que se encontrem previstas em legislação avulsa quando sejam adequadas à situação considerada no processo contra-ordenacional (neste sentido, SIMAS SANTOS/LOPES DE SOUSA, Contra-ordenações. Anotações ao Regime Geral, Lisboa, 2001, pág. 260).
[20]) No sentido exposto, FREDERICO DE LACERDA DE COSTA PINTO, ob. cit., pág. 79.
[21]) LOPES ROCHA, O Processo de Contra-ordenação e o Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, “Contra-ordenações. Notas e Comentários ao Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro”, 1985, págs. 105 e segs., propôs, porém, que se introduzisse a distinção entre contra-ordenações graves e ligeiras, reservando-se para as primeiras um processo mais solene e para as segundas uma via menos demorada e complexa.
[22]) Assim, GOMES DIAS, Breves Reflexões sobre o Processo de Contra-ordenação, “Contra-ordenações. Notas e Comentários ao Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro”, 1985, págs. 130-131.
[23]) FREDERICO DE LACERDA DE COSTA PINTO, ob.cit., pág. 81.
[24]) Este aspecto foi igualmente analisado por FIGUEIREDO DIAS, Oportunidade e Sentido da Revisão do Código Penal Português, Jornadas de Direito Criminal organizadas pelo Centro de Estudos Judiciários, vol.I, Lisboa, 1996, pág. 31.
[25]) FREDERICO DE LACERDA DE COSTA PINTO, ob. cit., pág. 96.
x) Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1985, pág. 37.
[26]) Idem, pág. 99.
[27]) Neste sentido, LEONES DANTAS, Considerações sobre o Processo das Contra-ordenações, “Revista do Ministério Público”, n.º 55, Julho-Setembro de 1993, pág.108, que aqui se seguiu textualmente.
[28]) Cfr. GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Vol. II, 2.ª edição, Lisboa, pág. 61.
[29]) Redacção do Decreto-Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, segundo a renumeração resultante das alterações entretanto introduzidas nesse artigo pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro.
[30]) Cfr. LEONES DANTAS, ob. cit., pág.109; ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, Coimbra, 1996, pág. 84; SIMAS SANTOS/LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 273.
[31]) Trata-se das alterações impostas pela Lei n.º 59/98, de 25 de Outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000, de 15 de Dezembro.
[32]) Diversos diplomas avulsos em matéria de contra-ordenações contemplam regimes específicos de comunicação de actos processuais, cujo traço comum se traduz na tentativa de simplificação do sistema previsto no CPP: cfr. os artigos 32, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 64/89, de 25 de Fevereiro (segurança social); 41º do Decreto-Lei n.º 13/90, de 8 de Janeiro (comércio de câmbios); 217º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro (regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras); 411º do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro (Código do Mercado de Valores Mobiliários).
[33]) Neste sentido, MARIA TERESA LEME/PEDRO DIAS FERREIRA, As Contra-ordenações ao Código da Estrada. Meios de Defesa, Porto, 1997, pág. 28.
[34]) Diz-se no intróito: “Também no plano processual, há que procurar soluções que, respeitando e protegendo direitos individuais dos cidadãos, permitam prosseguir um interesse vital para as sociedades modernas, que é o da segurança rodoviária, ou seja, a protecção dos utentes das vias públicas. Procura-se, deste modo, garantir a identificação dos infractores e estabelecer uma presunção legal de notificação pessoal no domicílio do arguido.”
[35]) Cfr. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 111.
[36]) A situação prevista no artigo 156º, n.º 2, do Código da Estrada poderia caracterizar-se com maior rigor como uma ficção legal: a norma atribui a um facto (a expedição da carta para o domicílio do condutor, quando nele efectivamente recebida) a consequência jurídica própria de um outro (a recepção da carta pelo próprio destinatário, que deverá ser identificado para o efeito). Parece ser, aliás, por recurso a essa figura que o Código de Processo Penal equipara à notificação a expedição de carta registada, quando o destinatário se recuse a receber a carta ou a assinar o aviso de recepção [artigo 113º, n.º 6, alíneas a) e b)]. No entanto, como se infere do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 22/98, parece ter sido propósito do legislador instituir, naquele caso, uma presunção legal, e nesse sentido aponta também a fórmula verbal usada no texto. De todo o modo, mesmo que de mera ficção legal se tratasse, não deveria conduzir a solução interpretativa diversa. Quanto à distinção entre aos conceitos de presunção legal e ficção legal, cfr, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, pág. 215; BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pag. 112.
[37]) A consagração de um conceito de domicilio do condutor é, de resto, um elemento de tal modo relevante na economia do diploma revisor do Código da Estrada, que se encontra expressamente mencionada na correspondente lei de autorização legislativa, implicando para o Governo a adopção de um programa legislativo muito preciso no tocante ao tratamento a dar à matéria das notificações.
[38]) Figuram em itálico as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 320-C/2000. A redacção anterior, resultante da Lei n.º 59/98, era a seguinte:
“Artigo 113º
Regras gerais sobre notificações
1. As notificações efectuam–se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou
d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.
2. Quando efectuadas por via postal, as notificações presumem-se feitas no 3º ou no 4º dia útil posterior ao do envio, consoante haja ou não registo, devendo a cominação constar do acto de notificação.
3. Quando a notificação for efectuada por via postal registada, o rosto do sobrescrito ou do aviso deve indicar, com precisão, a natureza da correspondência, a identificação do tribunal ou do serviço remetente e as normas de procedimento referidas no número seguinte
4. Se:
a) O destinatário se recusar a assinar, o agente dos serviços postais entrega a carta ou o aviso e lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
b) O destinatário se recusar a receber a carta ou o aviso, o agente dos serviços postais lavra nota do incidente, valendo o acto como notificação;
c) O destinatário não for encontrado, a carta ou o aviso são entregues a pessoa que com ele habite ou a pessoa indicada pelo destinatário que com ele trabalhe, fazendo os serviços postais menção do facto com identificação da pessoa que recebeu a carta ou o aviso;
d) Não for possível, pela ausência de pessoa ou por outro qualquer motivo, proceder nos termos da alíneas anteriores, os serviços postais cumprem o disposto nos respectivos regulamentos, mas sempre que deixem aviso indicarão expressamente a natureza da correspondência e a identificação do tribunal ou do serviço remetente.
5. Valem como notificação, salvo nos casos em que a lei exigir forma diferente, as convocações e comunicações feitas:
a) Por autoridade judiciária ou de polícia criminal aos interessados presentes em acto processual por ela presidida, desde que documentadas no auto;
b) Por via telefónica em caso de urgência, se respeitarem os requisitos constantes do nº 2 do artigo anterior e se, além disso, no telefonema se avisar o notificando de que a convocação ou comunicação vale como notificação e ao telefonema se seguir confirmação telegráfica, por telex ou por telecópia.
6. O notificando pode indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber notificações. Neste caso, as notificações, levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos número anteriores, consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.
7. As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medida de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
8. As notificações ao advogado ou ao defensor nomeado, quando outra forma não resultar da lei, são feitas nos termos do nº 1, alíneas a), b) e c), ou por telecópia.
9. A notificação edital é feita mediante a afixação de um edital na porta do tribunal, outro na porta da última residência do arguido e outro nos lugares para o efeito destinados pela respectiva junta de freguesia. Sempre que tal for conveniente, é ordenada a publicação de anúncios em dois números seguidos de um dos jornais de maior circulação na localidade da última residência do arguido ou de maior circulação nacional.
10. Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.”
[39]) No sentido exposto, MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, 12.ª edição, Coimbra, pág. 305.
[40]) O artigo 236º do Código de Processo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 329--A/95, de 12 de Dezembro, introduziu a citação por via postal registada para a residência ou local de trabalho do citando, admitindo que a carta possa ser entregue a terceiro, desde que devidamente identificado pelo distribuidor postal e com a advertência do dever de pronta entrega ao interessado (n.º 3). O Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto, aditou, por sua vez, o artigo 236-A, que prevê a citação por via postal simples, nas acções para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato reduzido a escrito, endereçada para o domicílio ou sede que tenha sido declarado naquele contrato.
[41]) Rectificado pela Declaração n.º 13-A/2001, de 24 de Maio de 2001.
[42]) O carácter inovatório da medida é sublinhado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 265--A/2001, inserindo-se – como aí se afirma - no compromisso governamental de assegurar uma maior eficácia na aplicação e no cumprimento das sanções.
[43]) Diferente é o sistema do CPP, em que a via postal simples é admitida como meio autónomo de notificação para as situações expressamente previstas na lei, caso em que a notificação se presume feita no 5.º dia posterior à data do depósito da carta na caixa de correio do notificando (segundo a redacção actual, resultante do Decreto-Lei n.º 320--C/2000).
[44]) Na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto.
[45]) Registe-se que regime similar foi introduzido ulteriormente no processo civil, através da citação por via postal simples, prevista para certo tipo de acções sobre contrato, em que, do mesmo modo, a citação se considera feita com a entrega da carta no domicílio do citando indicado no contrato, sem necessidade de prévia identificação da pessoa que a tenha recebido, e sendo ainda inoponível ao autor, na acção, a mudança de domicílio, se não tempestivamente comunicada (cfr. antecedente nota 40).
[46]) Cfr. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 107.
[47]) Segundo a renumeração resultante das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 320--C/2001, de 15 de Dezembro.
Anotações
Legislação: 
CE94 ART122 N8 N9 N10 ART133 ART150 N1 ART155 ART156
DL 2/98 DE 1998/01/03
DL 162/2001 DE 2001/05/22 ART1 ART3
RECT 13-A/2001 DE 2001/05/24
DL 178-A/2001 DE 2001/06/12
DL 265-A/2001 DE 2001/09/28 ART1 A ART2 ART6
CONST76 ART18 N2 ART32 N10 ART165 N1 D ART282 N3
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART2 ART3 ART33 ART41 N1 ART46 ART47 ART50 ART59
DL 244/95 DE 1995/09/14
CPP87 ART111 ART112 N3 ART113
L 59/98 DE 1998/08/25
DL 320-C/2000 DE 2000/12/15
CCIV66 ART342 ART349 ART350 N1
Referências Complementares: 
DIR ESTRAD / DIR ORDN SOC / DIR PROC PENAL
Divulgação
Data: 
08-02-2002
Página: 
2724
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