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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
10/1991, de 21.03.1991
Data do Parecer: 
21-03-1991
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério do Plano e da Administração do Território
Relator: 
GARCIA MARQUES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PLANO GERAL DE URBANIZAÇÃO
PLANO MUNICIPAL
CAMARA MUNICIPAL
ASSEMBLEIA MUNICIPAL
GOVERNO
COMPETENCIA
REGULAMENTO
DELIBERAÇÃO
DESLEGALIZAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
LACUNA
INTEGRAÇÃO
ANALOGIA
Conclusões: 
1 - Invocando como norma habilitante o artigo 15 do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, aprovado pela Portaria n 274/77, de 19 de Maio, a Camara Municipal de Lisboa aprovou, em sessão de 14 de Agosto de 1990, uma deliberação qualificada como "interpretativa e integradora" do referido Regulamento;
2 - Muitas das disposições da deliberação camararia visam, na sua confessada intencionalidade, preencher lacunas resultantes da inexistencia de outros planos urbanisticos, cuja elaboração era expressamente afirmada no proprio Regulamento a que se faz referencia na conclusão 1 - cfr., alem do preambulo, os artigos 4, 6, n 1, 8, n 2, 9 e 10;
3 - A deliberação camararia inclui normas gerais e abstractas, que se pretendem vinculantes para todas as situações nelas previstas, de conteudo, em larga medida, inovador, excedendo, pois, um escopo interpretativo e integrador de lacunas do instrumento normativo que se dispunha esclarecer e completar;
4 - Os planos municipais tem a natureza de regulamento administrativo - artigo 4 do Decreto-Lei n 69/90, de 2 de Março;
5 - A aprovação dos planos municipais compete a assembleia municipal - artigo 3, n 2, do Decreto-Lei n 69/90, e artigo 39, n 2, alinea a), do Decreto-Lei n 100/84, de 29 de Março;
6 - O n 1 do artigo 15 do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa não se configura como norma habilitante da elaboração de instrumentos normativos, limitando-se a legitimar a pratica, pela Camara Municipal, de actos administrativos de aplicação do Regulamento, mediante actividade interpretativa das suas normas e integradora de lacunas;
7 - A controvertida deliberação camararia, editada com apelo a um preceito para tal não habilitante, contendo normas de conteudo inovador e não interpretativo não procedendo a integração de lacunas, e antes se substituindo a planos municipais para cuja aprovação a Camara Municipal não dispõe de competencia, configura-se como um regulamento ilegal;
8 - O artigo 15, n 1, do Regulamento do PGUCL não esta ferido de inconstitucionalidade por motivo de violação do artigo 115, n 5, da Constituição.
Texto Integral
Texto Integral: 
SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA ADMINISTRAÇÃO
LOCAL E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO,

EXCELÊNCIA:


1.

A Câmara Municipal de Lisboa, invocando a competência que lhe é atribuída pelo nº 1 do artigo 15º do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, que passaremos a designar "Regulamento do P.G.U.C.L.", ou, simplesmente, "Regulamento", aprovado pela Portaria nº 274/77, de 19 de Maio, editou uma deliberação divulgada como "normativa urbanística", que foi aprovada na sessão camarária de 14 de Agosto de 1990.

Tal deliberação, expressamente qualificada como "Deliberação Interpretativa e Integradora do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa", suscitou dúvidas, no plano da legalidade, à Direcção-Geral do Ordenamento do Território (1 , dúvidas reafirmadas e ampliadas por um adjunto do Gabinete de Vossa Excelência (2 , o qual, dada a complexidade do problema colocado, sugeriu que fosse solicitado o parecer deste Conselho Consultivo.

Tendo Vossa Excelência concordado, por despacho de 15 de Janeiro findo, com o proposto, cumpre emitir parecer.

2.

A fim de bem situar o conteúdo e alcance da citada deliberação camarária, nada melhor do que transcrever a consideração preambular enunciada em primeiro lugar, como fundamento das regras editadas.
Aí se pode ler o seguinte:
"Considerando que o artigo 15º do Regulamento [...] confere à Câmara poderes para resolver as dúvidas e integrar as lacunas que se suscitem na respectiva aplicação e que ambas as actividades jurídicas devem obedecer a uma interpretação objectivista e actualista, e verificando-se que o referido regulamento suscita dúvidas que urge resolver e interpretar e contém lacunas que urge integrar;" (3 .

A primeira questão que importa analisar foi suscitada pela D.G.O.T. e consiste em saber se a aludida deliberação camarária excede (ou não) a actividade interpretativa e integradora de lacunas prevista no citado artigo 15º do Regulamento do P.G.U.C.L. (4 .

Complementarmente, interessará curar da questão de saber se o nº 1 do artigo 15º da Portaria nº 274/77 está ou não ferido de inconstitucionalidade, por violação do disposto no nº 5 do artigo 115º da Constituição (5 .

3.

Importa, assim, tomar conhecimento do conteúdo essencial das regras por que se desdobra a deliberação camarária em apreço. Antes, porém, uma breve referência à Portaria nº 274/77, que aprovou o Regulamento e a planta de síntese das disposições do P.G.U.C.L.
3.1. Da nota preambular da Portaria, convém destacar, por mais salientes, as seguintes ideias-chave:
a) tentativa, que vinha de há muito, por parte da Câmara Municipal de Lisboa no sentido de superar as dificuldades resultantes da parca e dispersa legislação permitindo regulamentar as intervenções públicas e privadas no desenvolvimento urbano;
b) natureza sintética do Regulamento, suficientemente flexível para que não constitua um espartilho impeditivo a adaptações circunstanciais, salientando-se o seu "carácter normativo genérico, quer de fundo, quer de forma", a "ser desenvolvido mediante sucessivos trabalhos pormenorizados complementares";
c) referência à circunstância de, no plano da regulamentação, o diploma se limitar a contemplar a matéria relativa à definição urbanística (6 .

O Regulamento desdobra-se por quinze artigos, de conteúdo inevitavelmente técnico, atenta a matéria que é objecto da respectiva normação.

O artigo 15º epigrafado de "Omissões", dispõe o seguinte:
"1 - Compete à Câmara Municipal de Lisboa a resolução das dúvidas que se suscitem na aplicação do presente regulamento, bem como a integração de lacunas.
2 - Da decisão tomada pela Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do número anterior, cabe recurso para o Ministro da Habitação, Urbanismo e Construção ou, nos casos da sua competência, para o Ministro da Educação e Investigação Científica".
3.2. Vejamos então quais as grandes orientações que, na sua confessada intencionalidade interpretativa e integradora, a deliberação camarária se propôs. Ao procedermos à sua enunciação, teremos a oportunidade de dedicar atenção a alguns dispositivos do Regulamento do P.G.U.C.L.
3.2.1. Assim, num primeiro ponto, sob o título "Classificação dos Sectores da Zona Urbana", procede-se à definição dos conceitos de "áreas consolidadas" e "áreas de expansão".

Salienta-se que o Regulamento, no artigo 1º, subdivide a "zona urbana" em sectores (7, uns em função do uso (comerciais e administrativos e de habitação), outros em função da tipologia (de habitação colectiva e de habitação individual), outro em função do tipo de intervenção (a preservar). Observa-se, todavia, aparecerem no texto do regulamento referências à habitação consolidada (8, "sem que seja explicitado o seu conceito".

Alude-se, em seguida, a uma (eventual) contradição entre duas normas do Regulamento: o nº 1 do artigo 6º e o artigo 8º.

Esclarecendo-se o sentido do que se afirma, escreve-se o seguinte:
"... enquanto o artigo 6º, nº 1, impõe como edificabilidade máxima, para todos os sectores, a que resulta da aplicação dos índices constantes dos quadros anexos ao regulamento, o artigo 8º manda aplicar às construções em banda, que é a tipologia dominante, em todos os sectores, com excepção do de habitação individual, uma regra que conjuga a profundidade da empena com a cércea, da qual resulta quase sempre uma edificabilidade superior à dos índices dos referidos quadros" (9 .

Em face do conteúdo considerado contraditório das duas normas, a deliberação firmou o entendimento que se passa a transcrever:
"Para integrar, interpretar e compatibilizar os preceitos acima referidos, considerou-se que nos Sectores a Preservar e nas áreas Consolidadas,onde os arruamentos e alinhamentos das fachadas estão definidos e se visa o tratamento e aproveitamento de parcelas não edificadas ou de substituição de edificações pré-existentes, a regra aplicável para definir a edificabilidade é a do artigo 8º do Regulamento (cércea e profundidade de empena), embora com limitações nos Sectores a Preservar, decorrentes dos objectivos específicos de protecção do património existente.

Nas áreas de Expansão, onde é necessário estabelecer previamente a afectação das várias áreas aos diferentes usos (área loteável, arruamentos, estacionamentos e equipamentos públicos), a edificabilidade é estabelecida pela aplicação dos índices urbanísticos constantes dos quadros anexos ao Regulamento" (10 .

Como resultado da ponderação a que procedeu, a edilidade extraiu a conclusão de que áreas consolidadas serão as áreas dos sectores comerciais e administrativos, de habitação colectiva e de habitação individual, "quando sejam dotadas de infra-estruturas urbanísticas e não sejam previsíveis alterações ao traçado ou abertura de novos arruamentos".

As áreas de expansão serão as áreas dos mesmos sectores, "quando não se integrem no conceito de áreas consolidadas".
3.2.2. Num segundo ponto, epigrafado "sectores a preservar", estabelecem-se regras a aplicar em situações de demolição e posterior construção de novos edifícios, de alterações e ampliações dos edifícios existentes e de alteração do uso residencial e do uso industrial.

A justificação apresentada na deliberação camarária para a enunciação de tais regras para os "sectores a preservar" resulta do facto de não terem sido "elaborados os planos parciais e de pormenor a que se refere o artigo 4º do Regulamento" (11 .

As regras, bastante detalhadas, que se desdobram do ponto 2.1. ao ponto 2.7.1. da "normativa urbanística" que estamos acompanhando, destinam-se, no objectivo confessado da deliberação, a ser observadas, nos sectores a preservar, "até à aprovação dos Planos de Pormenor".

Não se trata, pois, de procedimentos casuísticos, ou "ad hoc", para aplicação a um caso concreto, representando-se com a intenção manifesta de se configurarem como verdadeiras normas que se pretendem vinculativas para todas as situações nelas previstas.
3.2.3. No ponto 3. da deliberação são enunciadas diversas regras aplicáveis às áreas consolidadas, cujo conceito, como se disse, foi "desenhado" no ponto 1. do texto da edilidade lisboeta.

Também aqui, a deliberação reconhece que "não tendo sido elaborados planos parciais nem de pormenor para as unidades de ordenamento (12 , e face às dúvidas de aplicação do Regulamento referidas no nº 1, até à aprovação de planos de pormenor, observar-se-ão nas áreas consolidadas, as normas a seguir referidas" (13 .

Trata-se de directivas que estabelecem diversos condicionamentos a que deverão ficar sujeitas as novas construções (14 e que especificam os princípios a que deverão obedecer a ampliação de edifícios (15 , a utilização de logradouros (16 e a localização de comércio e serviços (17 .

Cotejando o conteúdo das referidas regras com o disposto no Regulamento, onde, como já se referiu, apenas no nº 2 do artigo 6º se faz referência à noção de "habitação (colectiva) consolidada", fácil é constatar que, na deliberação, se incluem regras e condicionamentos inovadores em relação às estatuições regulamentares, sem prejuízo de alguns dos condicionamentos mencionados na normativa municipal se conformarem com os requisitos fixados no nº 1 do artigo 8º do Regulamento.
3.2.4. No ponto 4, a edilidade da capital pretende explicar, através de um algoritmo matemático, o quadro anexo ao Regulamento, a que se refere o seu artigo 6º.

4.

4.1. Resolver as dúvidas que se suscitem na aplicação de normas jurídicas pressupõe a realização de uma actividade interpretativa.

O texto (legal) pode comportar diversos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou absurdas.

Interpretar consiste em retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento (18 .

A actividade interpretativa é, segundo FRANCESCO FERRARA, "a operação mais difícil e delicada a que o jurista pode dedicar-se, e reclama fino tacto, senso apurado, intuição feliz, muita experiência e domínio perfeito não só do material positivo, como também do espírito de uma certa legislação".

E logo acrescenta:
"Cumpre evitar os excessos: duma parte o daqueles que por timidez ou inexperiência estão estritamente agarrados ao texto da lei, para não perderem o caminho (e muitas vezes toda uma era doutrinal é marcada por esta tendência, assim acontecendo com a época dos comentadores que se segue imediatamente à publicação dum código); por outro lado, o perigo ainda mais grave de que o intérprete, deixando-se apaixonar por uma tese, trabalhe de fantasia e julgue encontrar no direito positivo ideias e princípios que são antes o fruto das suas lucubrações teóricas ou das suas preferências sentimentais" (19 .

A finalidade da interpretação é determinar o sentido objectivo da lei, a "vis ac potestas legis" (20 . Entender uma lei é "indagar com profundeza o pensamento legislativo, descer da superfície verbal ao conceito íntimo que o texto encerra e desenvolvê-lo em todas as suas direcções possíveis" (21 .
4.2. Para tal, o intérprete lança mão dos factores hermenêuticos que são essencialmente o elemento gramatical (o texto ou a "letra da lei") e o elemento lógico, o qual, por sua vez, se subdivide em elemento racional (ou teleológico), elemento sistemático e elemento histórico (22 (23 .

O texto do nº 1 do artigo 9º do Código Civil começa por dizer que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei mas reconstituir a partir dela o "pensamento legislativo" (24 .

"A letra (o enunciado linguístico), como escreve BAPTISTA MACHADO, é assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do artigo 9º, nº 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso". Pode ter de proceder-se a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto "falhado" se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação" (25 .
4.3. Segundo alguns autores, a indagação do direito "praeter legem" inicia-se no extremo limite que separa a interpretação extensiva da aplicação analógica.

A primeira limitar-se-ia a estender a aplicação da norma a casos não previstos pela sua letra mas compreendidos pelo seu espírito; ao passo que a segunda leva a aplicar a norma mesmo a situações que já nem sequer são abrangidas no seu "espírito" (26 .

Para outros autores, entra-se no domínio da indagação e aplicação do Direito "praeter legem", logo que a situação a regular não seja susceptível de ser abrangida por qualquer interpretação da norma com uma correspondência, ainda que mínima, no enunciado ou fórmula verbal da mesma norma.

Nos termos do artigo 10º,nº 1,do Código Civil o julgador deverá aplicar (por analogia) aos casos omissos as normas que directamente contemplam casos análogos (27 E só na hipótese de não encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o nº 3 do mesmo artigo, segundo o qual "a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema".

A lacuna é, em fórmula corrente entre os autores alemães, uma "incompletude do sistema normativo que contraria o plano deste " (28 . Como escreve BAPTISTA MACHADO, existirá uma lacuna quando a lei (dentro dos limites de uma interpretação ainda possível) e o direito consuetudinário não contêm uma regulamentação exigida ou postulada pela ordem jurídica global - ou melhor: não contêm uma resposta a uma questão jurídica.

Limitando-nos ao que este autor qualifica como "lacunas da lei" (ou na terminologia mais em uso na doutrina alemã "lacunas de regulamentação"), por oposição à categoria das "lacunas do Direito", podem verificar-se três diferentes espécies de incompletude", as duas primeiras situadas no "plano das normas" e a terceira no "plano da sua teleologia":
a) no plano das normas, pode não ser possível a aplicação de uma norma legal, sem que acresça uma nova determinação que a lei não contém;
b) ainda no plano das normas estão as lacunas resultantes de contradições normativas, quando estas não possam ser superadas por via interpretativa;
c) no plano teleológico, podem ocorrer lacunas, a integrar em face do escopo visado pelo legislador, ou seja, perante a "ratio legis" de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo; trata-se do domínio de eleição da analogia (29 .
Estas lacunas são, na lição de BAPTISTA MACHADO, "lacunas patentes que se nos oferecem segundo critérios de pura lógica. O seu preenchimento será em regra mais difícil, em certos casos mesmo impossível, sem uma intervenção legislativa. Todavia, sempre que seja possível o recurso à analogia com uma norma existente no sistema, este recurso é de preceito (artigo 10º, 1, do Código Civil). Na falta de norma que regule um caso análogo, haverá que proceder nos termos do nº 3 do mesmo artigo 10º, tirando todo o partido possível, para efeitos da elaboração da norma ad hoc, dos princípios gerais constituintes do sistema ou dos princípios jurídicos supralegais".
Neste segundo caso, escreve BAPTISTA MACHADO, "o legislador não remete o intérprete para juízos de equidade, para a justiça do caso concreto, antes, bem ao contrário, o incumbe de elaborar e formular uma "norma", isto é, uma regra geral e abstracta que contemple o tipo de casos em que se integre o caso omisso. Esta norma será uma simples norma "ad hoc", apenas para o caso "sub judice", sem que de modo algum adquira carácter vinculante para futuros casos ou para outros julgadores" (30 .
4.4. Nem todos os "silêncios" da lei são lacunas. Há, por um lado, "silêncios" que são significativos, traduzindo, por isso, uma "resposta" da lei a certa questão de direito.

Há, por outro, ausências de "tratamento" legal que derivam da própria natureza do instrumento normativo em questão.

A natureza (e o conteúdo) do Regulamento do Plano Geral de Urbanização de Lisboa, aprovado pela Portaria nº 274/77, é disso um bom exemplo. Em diversas das suas disposições se prevê que diferentes desenvolvimentos das suas normas venham a ser feitos através de planos parciais e de planos de pormenor (31 .

Não se pode, nesses casos, falar em lacunas. A "incompletude" de um Regulamento de um plano geral de urbanização é co-natural ao próprio diploma, na medida da sua articulação com os demais planos urbanísticos que o completarão ou desenvolverão.

É a própria nota preambular da Portaria nº 274/77 que o refere, ao salientar que "o seu carácter normativo genérico, quer de fundo, quer de forma, deverá ser desenvolvido mediante sucessivos trabalhos pormenorizados complementares, que se consideram sempre viáveis e possíveis, dado o carácter sintético deste Plano Geral ...".

5.

5.1. Do regime do Decreto-Lei nº 560/71, de 17 de Dezembro, ao abrigo do qual foi editada a Portaria que aprovou o Regulamento do PGUCL, podem extrair-se as seguintes notas fundamentais:
a) imposição da obrigação de as câmaras municipais promoverem a elaboração de planos gerais de urbanização das sedes dos seus municípios - artigo 1º;
b) competência do Ministro das Obras Públicas para aprovar os planos gerais ou parciais (32 de urbanização, após audição do Conselho Superior de Obras Públicas quando os planos respeitarem a centros urbanos com mais de 10000 habitantes (ou quando o Ministro o determinar) - artigo 3º, nº 4;
c) proibição de os municípios introduzirem, sem prévia aprovação do MOP, quaisquer alterações nos planos já aprovados - artigo 3º, nº 5;
d) obrigação de revisão dos planos gerais, pelo menos, uma vez todos os cinco anos, sem prejuízo de o MOP poder determinar que a revisão se faça em menor prazo - artigo 3º, nº 6;
e) competência, em princípio, das câmaras municipais para promoverem a execução dos planos gerais de urbanização - artigo 4º, nº 1;
f) faculdade de as câmaras municipais aprovarem ("as câmaras [...] podem aprovar") planos de pormenor relativos a sectores urbanos de áreas já abrangidas por planos gerais ou parciais de urbanização aprovados - artigo 7º, nº 1;
g) competência do MOP para aprovar planos de pormenor quando a área por eles abrangida ainda não esteja sujeita a plano aprovado, geral ou parcial, ou quando impliquem alteração aos planos em vigor - artigo 7º, nº 2 (33 ;
h) competência do MOP para aprovar, por portaria, os regulamentos dos planos gerais ou parciais de urbanização, devendo com a referida portaria ser publicados no Jornal Oficial uma planta de síntese das disposições do plano e o respectivo regulamento - artigo 14º, nºs 1 e 2 (34 (35 .
5.2. O Decreto-Lei nº 560/71, assim como o Decreto-Lei nº 208/82, bem como os respectivos diplomas complementares, os nºs 2 a 7 do artigo 6º e, no que respeita a planos de pormenor, os nºs 3 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei nº 77/84 (36 , foram revogados pelo Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março, que veio disciplinar o regime jurídico dos planos municipais de ordenamento do território.
Encontrando-se o Decreto-Lei nº 69/90 já em vigor à data da aprovação da controvertida deliberação camarária, aprovada, repete-se, em sessão da C.M.L. de 14 de Agosto de 1990, importa conhecer o seu regime.
5.2.1. Assim, do respectivo relatório preambular colhe--se, desde logo, a inferência de que a legislação vigente sobre elaboração de planos de ocupação de solos da competência dos municípios, ou seja, planos directores municipais, planos gerais e parciais de urbanização e planos de pormenor, não se revela adequada, não se articulando as suas disposições entre si, nem correspondendo de forma correcta à repartição actual das capacidades e responsabilidades entre a Administração Central e a administração local.
5.2.2.Passando-se à análise do articulado, o artigo 1º, dispondo sobre o objecto do diploma, distingue impressivamente, quanto aos planos municipais, três momentos, que são subsequentemente regulados: a elaboração, a aprovação e a ratificação.
5.2.3. Resulta da tipologia constante do artigo 2º que os planos municipais compreendem: planos directores municipais, planos de urbanização e planos de pormenor [artigo 2º, nº 1, alíneas a), b) e c)] (37 .

Como se escreveu no parecer nº 34/90, de 21 de Fevereiro de 1991, aguardando homologação, "estes dois últimos instrumentos de ordenamento físico têm um âmbito territorial restrito: os planos de urbanização, que abrangem áreas urbanas e urbanizáveis, podendo também abranger áreas não urbanizáveis intermédias ou envolventes daquelas, e os planos de pormenor, que tratam, em detalhe, áreas referidas nas alíneas a) e b) do citado nº 1 do artigo 2º".

"Só com a criação do plano director municipal se introduziu um instrumento de ordenamento abrangendo a totalidade do território municipal (como hoje se dispõe expressamente na referida alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 69/90) .

"Elaborado o plano director municipal, com ele se fixam as disposições referentes à política municipal de ordenamento, à organização de redes e sistemas fundamentais, ao zonamento do território, à programação da administração urbanística, à regulamentação da prática urbanística e ao plano de financiamento ".
5.2.4. De especial relevância para a economia do parecer se revestem os artigos 3º e 4º, que, por isso, se transcrevem.

No primeiro, sob a epígrafe "Competência", dispõe-se:
"1 - A elaboração dos planos municipais compete à câmara municipal.
2 - A aprovação dos planos municipais bem como a aprovação de medidas preventivas e normas provisórias relativas a planos municipais competem à assembleia municipal (38 .
3 - Compete ao Governo, pelo Ministro do Planeamento e da Administração do Território, ratificar os planos municipais, bem como as medidas preventivas e as normas provisórias relativas a planos municipais, nos termos do presente diploma.
4 - A ratificação dos planos directores municipais é precedida de parecer favorável dos Ministros da Agricultura, Pescas e Alimentação, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e do Comércio e Turismo.
5 - Compete à Direcção-Geral do Ordenamento do Território proceder ao registo dos planos municipais ratificados, bem como dos planos municipais não sujeitos a ratificação, das medidas preventivas e das normas provisórias relacionadas com uns e com outros".
Por sua vez, o artigo 4º, epigrafado de "natureza jurídica", estabelece que "os planos municipais têm a natureza de regulamento administrativo" (39 .

5.2.5. Mais algumas disposições merecem ainda uma especial referência.

Assim:
A) em matéria de ratificação, estabelece-se no nº 1 do artigo 16º que a ela estão sujeitos:
"a) Os planos directores municipais;
b) Os planos de urbanização, quando falte plano director municipal plenamente eficaz;
c) Os planos de pormenor, quando falte plano director municipal ou plano de urbanização plenamente eficaz;
d) Os planos de urbanização e os planos de pormenor, quando não se conformem com planos municipais ratificados;
e) Os planos de urbanização e os planos de pormenor, nos casos previstos no nº 5 do artigo 19º, relativo à revisão dos planos municipais".
B) no que respeita à revisão, dispõe-se no artigo 19º que:
a) "a revisão dos planos municipais consiste na reapreciação das disposições consagradas no regulamento e na planta de síntese, com vista à sua eventual actualização" - nº 1;
b) o plano director municipal e os planos de urbanização devem ser revistos antes de decorrido o prazo de dez anos a contar da sua entrada em vigor ou da sua última revisão - nº 3;
c) decorrido esse prazo de 10 anos sem que o plano municipal tenha sido revisto, ficam sujeitos a ratificação do Governo, pelo Ministro do Planeamento e da Administração do Território, todos os planos de urbanização ou de pormenor que com aquele tenham área em comum - nº 5 (40 .
C) relativamente à alteração, reza o nº 1 do artigo 20º que, com a entrada em vigor de um plano municipal, a câmara municipal promove a reformulação da planta de síntese e o regulamento do plano anterior.
D) quanto aos "planos em vigor", estabelece-se no nº 1 do artigo 30º o seguinte:
"Aplica-se aos planos directores municipais, aos planos gerais e parciais de urbanização e aos planos de pormenor, aprovados nos termos da legislação vigente, o disposto nos artigos 19º a 23º e 26º, considerando-se o prazo referido no artigo 19º a partir da entrada em vigor do presente diploma".
5.3. Resulta do regime exposto e, designadamente, das disposições combinadas dos artigos 3º, nºs 2 e 3, e 16º, nº 1, que os planos municipais (incluindo, pois, os planos de pormenor) são aprovados pela assembleia municipal, apenas carecendo de ratificação do Governo, quando falte plano director municipal ou (no caso dos planos de pormenor) plano de urbanização plenamente eficaz.

A competência da assembleia municipal para a aprovação dos planos é tanto mais lógica quanto é certo que aos planos municipais é expressamente afirmada, por disposição legal, a natureza de regulamentos administrativos (artigo 4º). Ora, é à assembleia municipal que compete "aprovar posturas e regulamentos" - artigo 39º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.

O artigo 4º do Decreto-Lei nº 69/90, ao afirmar a natureza regulamentar dos planos municipais de ordenamento do território, seguiu na esteira de igual qualificação operada, quanto aos planos directores municipais, pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 208/82, tomando posição na controvérsia doutrinal acerca da natureza jurídica dos planos urbanísticos (41 .
5.4. Com efeito, a caracterização dos planos de ordenamento como actos administrativos, que alguma doutrina defendia no domínio da legislação anterior, é afastada pela sua evidente eficácia normativa.

O plano é obrigatório tanto para a Administração como para os particulares e o acto administrativo que violar um plano plenamente eficaz fica viciado de ilegalidade (artigo 24º do Decreto-Lei nº 69/90), devendo a Inspecção-Geral de Administração do Território promover a sua impugnação contenciosa através do competente representante do Ministério Público (artigo 23º, nº 1). Se o plano fosse um acto administrativo, a consequência da desconformidade poderia ser a sua revogação ou derrogação por esse novo acto.

A normativa urbanística constante de um plano aplica-se a todos quantos, durante a sua vigência, possam achar-se nas circunstâncias previstas para caírem sob a sua alçada, sendo, pois, relevante para a definição do universo subjectivo dos seus destinatários a qualidade em função da qual essas normas se lhes aplicam.

As normas de planeamento são, por isso mesmo, normas genéricas. Como salienta um autor (42 , por outro lado, o regime jurídico do planeamento confirma inequivocamente a sua natureza normativa, para que já aponta a circunstância de a publicação ser condição da sua eficácia (artigo 18º, nº 3, do Decreto-Lei nº 69/90), pois só a partir desse momento passa a ser obrigatório para a Administração e para os particulares (43 .

Acompanhemos, por mais alguns trechos, o pensamento de LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA:
"A favor da normatividade dos planos de ordenamento joga, definitivamente, o respectivo regime de revogação/derrogação e de revisão/alteração.
"De uma parte, a virtualidade obrigatória dos planos não se esgota e antes se afirma com a sua aplicação, de tal modo que os actos administrativos singulares não podem revogá-los nem derrogá-los, sendo a desconformidade com eles antes geradora de invalidade sancionada com a nulidade ou anulabilidade, consoante os casos, de tais actos singulares.
"De outra parte, se o plano fosse um acto administrativo, dele derivariam inquestionáveis direitos subjectivos e não seria possível a sua revisão/alteração a todo o tempo e por razões de mera conveniência".

Em face do regime jurídico vertido no Decreto-Lei nº 69/90, confirmativo dos argumentos de ordem doutrinária já por muitos sustentados em face do regime anterior, deve entender-se que os planos de ordenamento são regulamentos administrativos, cuja lei habilitante é, no caso dos planos municipais, o Decreto-Lei nº 69/90 (44 (45 .

6.

Como já se salientou, a directiva da edilidade lisboeta foi editada, na sua confessada intencionalidade, para suprir a inexistência dos planos parciais e de pormenor a que se refere o artigo 4º do Regulamento do PGUCL.

Sem curarmos agora da questão de saber se as regras adoptadas são as mais curiais do ponto de vista interpretativo das disposições do Regulamento (46 , o que importa sobremaneira sublinhar é o que se pode resumir nas asserções que se seguem:
a) por um lado, a deliberação camarária, sob o pretexto, que já se viu ser incorrecto (cfr. supra, ponto 4.4.), de integrar lacunas do Regulamento, editou normas inovadoras, que extravasam claramente do conteúdo e âmbito do instrumento normativo que se visava interpretar e integrar (47 ;
b) tal deliberação tem, assim, natureza e conteúdo próprios de um plano municipal, para cuja aprovação a câmara municipal não dispõe de competência. Com efeito, atento o disposto pelo artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 69/90 e pelo artigo 39º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, tal competência pertence à assembleia municipal (48 ;
c) finalmente, e em qualquer caso, o artigo 15º, nº 1, do Regulamento do PGUCL, devidamente interpretado, com apelo aos princípios oportunamente expostos, não pode constituir norma habilitante da deliberação editada.

E isto, não só porque a normação que a integra deve, em grande parte das suas previsões e estatuições, ser qualificada como inovadora (49 , mas também porque o escopo do referido nº 1 do artigo 15º não visa habilitar a uma elaboração normativa.

Efectivamente, parece resultar do nº 2 do referido artigo 15º, ao dispor que da "decisão tomada pela C.M. de Lisboa, nos termos do número anterior, cabe recurso" para um membro do Governo, que a intencionalidade do nº 1 residia tão-somente na habilitação da Câmara Municipal à prática de actos administrativos de aplicação do Regulamento, mediante actividade interpretativa das suas normas e integradora de lacunas.

O que está em causa, como intenção da norma, é a aplicação, mediante actos administrativos (50 , do Regulamento do PGUCL e não a formulação de um "mandato" habilitante da elaboração de um instrumento normativo, de mais a mais, inovador, e substitutivo de um plano municipal para cuja aprovação a Câmara Municipal não dispõe de competência.

Deste modo, a controvertida deliberação camarária, editada mediante a invocação de norma não habilitante, e dotada de um conteúdo inovador e não interpretativo, não procede à integração de lacunas, antes se substituindo a planos municipais e seus regulamentos, para cuja aprovação a Câmara Municipal não era, aliás, competente.

Constituída por normas gerais e abstractas, que se pretendem vinculantes para o futuro, para todas as situações nelas previstas, a referida deliberação camarária é, assim, um regulamento ilegal (51 .

7.

Resta-nos proceder à análise da questão da eventual infracção do disposto no nº 5 do artigo 115º da Constituição - cfr. supra, ponto 2, in fine.
7.1. Como é salientado por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o artigo 115º concretiza em primeiro lugar alguns dos princípios fundamentais inerentes ao princípio do Estado de direito democrático: o princípio da hierarquia das fontes, o princípio da tipicidade das leis e o princípio da legalidade da administração.

São duas as categorias de actos normativos aqui contemplados: os actos legislativos (nºs 1, 2, 3, 4 e 5) e os actos regulamentares (nºs 6 e 7). A primeira categoria comporta três espécies - lei, decreto-lei e decreto legislativo regional - (nº 1); a segunda integra várias modalidades, nomeando o preceito tão-somente o decreto regulamentar (nº 6).

Anotando o preceito constitucional que ora nos ocupa, ponderam os citados constitucionalistas que "a Constituição não fornece qualquer critério de definição da fronteira material entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar (52 . Teoricamente, em cada área normativa deveria haver uma parte legislativa e uma parte regulamentar. Mas a proporção em que isso acontece depende essencialmente da lei. Ela tanto pode esgotar a regulamentação da matéria, consumindo o regulamento (pois não existe reserva de regulamento), como pode limitar-se a deferir para regulamento de certa entidade a tarefa de regulamentação material do assunto (o que não pode haver é uma área normativa preenchida apenas por via regulamentar, sem qualquer lei prévia). Entre esses dois extremos, existem múltiplas possibilidades. Há, porém, certos limites constitucionais, pois, nas áreas de reserva de competência legislativa, a lei deve ela mesma preencher, pelo menos num primeiro nível, toda a área, só deixando para regulamento a execução das suas normas (regulamentos puramente executivos)" (53 .
7.2. Duas foram as razões básicas que nortearam a apresentação do preceito que viria a originar o artigo 115º, disposição sem correspondência no texto original da Constituição, sendo, por assim dizer, uma criação da Lei Constitucional nº 1/82.

A esse respeito referiu JORGE MIRANDA:
"Em primeiro lugar, uma razão de condensação constitucional: a matéria de actos legislativos aparece esparsa, hoje, por alguns preceitos constitucionais [...]. Em segundo lugar, tentar meter um pouco de ordem num domínio em que, de há longos anos a esta parte, se verifica, quase diria, um verdadeiro caos no sistema jurídico português" (54 .
7.2.1. Justifica-se que se recorde o conteúdo do nº 5 do artigo 115º da Constituição.

Dispõe o seguinte:
"Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos".

Não se revela fácil a tarefa de determinar a interpretação de tal norma, mormente no que se refere à captação do sentido e alcance da segunda parte do preceito (55 . O objectivo da proibição constitucional aí vertida consiste em impedir que a lei confira a actos não legislativos o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

Ou seja, pretendeu-se, em primeiro lugar, proibir a interpretação (ou integração) autêntica de leis através de actos normativos não legislativos (v. g., os regulamentos), ou de actos administrativos (v. g., despachos, directivas, etc.). Por outro lado, da parte final da norma em apreço resulta clara e expressamente a proibição de regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis. Trata-se, aliás, de um corolário lógico dos princípios da proeminência e tipicidade dos actos legislativos.

Quer isto dizer que as leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação sejam determinadas por outro acto que não seja uma outra lei. Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. artigo 172º), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei (56 .

Os "actos de outra natureza" a que o preceito se refere abrangem, para além dos actos administrativos e dos actos jurisdicionais, os actos normativos (designadamente os regulamentos).
7.3 A breve deambulação teórica que se efectuou é suficiente para responder à segunda questão colocada na consulta, pelo que nos dispensamos de um maior aprofundamento da temática relativa à deslegalização (57 .

Socorremo-nos, ainda de novo, da perspectiva explicada por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA na anotação ao artigo 115º:
"O principal dos actos normativos infraconstitucionais é o acto legislativo. Todavia, o termo "lei" designa um conceito caracteristicamente polissémico ao longo de toda a Constituição, sendo aqui utilizado em três sentidos diferentes: a) no sentido genérico, abrangendo as leis da AR, os decretos-leis do Governo e os decretos legislativos regionais (nºs 5, 6 e 7); b) no sentido de leis da República, isto é, as leis e os decretos-leis (nºs 2 e 3); c) no sentido restrito de lei formal da AR (nºs 1 e 2).
"De todo o modo (e abstraindo das leis de revisão constitucional), actos legislativos são apenas as três espécies enunciadas: as leis da AR, os decretos-leis do Governo, os decretos legislativos das assembleias das RAs. Se fosse preciso norma expressa a enunciá-lo, aí está o nº 5: "nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ..." (58 .

Posto que os actos regulamentares não estão contemplados pelo conceito de "lei" constante do nº 5 do artigo 115º da Constituição, o nº 1 do artigo 15º do Regulamento do PGUCL não cabe no âmbito da disciplina do referido preceito constitucional.

Esta tese, que decorre da referida disposição da lei fundamental, encontrou acolhimento no acórdão nº 303/85 do Tribunal Constitucional, supra referenciado.

Aí se afirma que o nº 5 do artigo 115º da CRP "só vale justamente para os actos legislativos". Analisando a constitucionalidade do preceito que aí se sindicava, concluía-se que o mesmo, privado de natureza legislativa, não poderia de modo algum ser atacado na sua legitimidade constitucional à luz do artigo 115º, nº 5, da CRP, que só rege para os actos legislativos. Após o que se acrescentava:

"Essa norma constitucional proíbe que uma lei permita a sua própria alteração por um acto sem natureza legislativa, mas já não impede que um preceito de natureza regulamentar se faça "integrar" por outro regulamento" .

CONCLUSÃO:

8.

Termos em que se extraem as seguintes conclusões:
1ª. Invocando como norma habilitante o artigo 15º do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa, aprovado pela Portaria nº 274/77, de 19 de Maio, a Câmara Municipal de Lisboa aprovou, em sessão de 14 de Agosto de 1990, uma deliberação qualificada como "interpretativa e integradora" do referido Regulamento;
2ª. Muitas das disposições da deliberação camarária visam, na sua confessada intencionalidade, preencher lacunas resultantes da inexistência de outros planos urbanísticos,cuja elaboração era expressamente afirmada no próprio Regulamento a que se faz referência na conclusão 1ª - cfr., além do preâmbulo, os artigos 4º, 6º, nº 1, 8º, nº 2, 9º e 10º;
3ª. A deliberação camarária inclui normas gerais e abstractas, que se pretendem vinculantes para todas as situações nelas previstas, de conteúdo, em larga medida, inovador, excedendo, pois, um escopo interpretativo e integrador de lacunas do instrumento normativo que se dispunha esclarecer e completar;
4ª. Os planos municipais têm a natureza de regulamento administrativo - artigo 4º do Decreto-Lei nº 69/90, de 2 de Março;
5ª. A aprovação dos planos municipais compete à assembleia municipal - artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 69/90, e artigo 39º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março;
6ª. O nº 1 do artigo 15º do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa não se configura como norma habilitante da elaboração de instrumentos normativos, limitando-se a legitimar a prática, pela Câmara Municipal, de actos administrativos de aplicação do Regulamento, mediante actividade interpretativa das suas normas e integradora de lacunas;
7ª. A controvertida deliberação camarária, editada com apelo a um preceito para tal não habilitante, contendo normas de conteúdo inovador e não interpretativo não procedendo à integração de lacunas, e antes se substituindo a planos municipais para cuja aprovação a Câmara Municipal não dispõe de competência, configura-se como um regulamento ilegal;
8ª. O artigo 15º, nº 1, do Regulamento do PGUCL não está ferido de inconstitucionalidade por motivo de violação do artigo 115º, nº 5, da Constituição.




___________________________________________________________
(1Veja-se a proposta-informação nº 125/90, de 22 de Novembro, subscrita por uma consultora jurídica, que faz parte da documentação constante do processo.
(2Cfr. informação nº 13/91, de 11 de Janeiro.
(3Após a enunciação dos demais considerandos preambulares, remata-se do seguinte modo:
"A Câmara Municipal de Lisboa, nos termos do artigo 15º do Regulamento [...], delibera aprovar e pôr em execução o seguinte:"
(4A informação referida na nota (1) dá à mencionada questão resposta afirmativa, defendendo "a submissão da deliberação a aprovação da Assembleia Municipal".
(5Questão suscitada na informação referida na nota (2).
(6Refere-se como diploma habilitante o Decreto-Lei nº 560/71, de 17 de Dezembro, ao qual voltaremos. Nos termos do nº 1 do seu artigo 14º "compete ao Ministro das Obras Públicas aprovar, por portaria, os regulamentos dos planos gerais ou parciais de urbanização ...".
Por seu turno, o nº 2 do citado artigo 14º, norma expressamente mencionada na Portaria nº 274/77, estabelece que "com a portaria a que se refere o número antecedente, serão publicados no "Diário do Governo" uma planta de síntese das disposições do plano e o respectivo regulamento". São justamente esses os textos aprovados pela citada Portaria nº 274/77.
(7Dispõe o artigo 1º: "As disposições que regulamentam a construção no território administrativo de Lisboa diferem segundo as seguintes zonas:
1 - Zona rural;
2 - Zona urbana e seus sectores
a) Sectores a preservar;
b) Sectores comerciais e administrativos;
c) Sectores de habitação colectiva;
d) Sectores de habitação individual.
3 - Zona industrial".
Os sublinhados são de nossa responsabilidade.
(8A única referência expressa encontra-se no nº 2 do artigo 6º, onde se fala em "habitação colectiva já consolidada".
(9Dispõem os artigos 6º e 8º, sob as epígrafes "Características das diversas zonas e sectores" e "Construções em banda contínua", respectivamente, o seguinte:
Artigo 6º
"1 - As normas fixadas em planos parciais e de pormenor poderão variar segundo as circunstâncias específicas das áreas abrangidas, sem que sejam ultrapassados, de qualquer forma, os máximos estabelecidos para os sectores correspondentes no quadro anexo ao presente Regulamento.
2 - Em sectores de unidades de ordenamento habitacional a preservar ou de habitação colectiva já consolidada, poderá ser permitida, para concretização de planos de pormenor de composição e integração arquitectónica, a edificação, a título excepcional, de construções que não obedeçam ao estabelecido no número anterior.
3 - Poderão ser admitidas bonificações especiais, a fixar oportunamente pelo município, como aditamento ao regulamento, quando os projectos incluam, de forma relevante, equipamento de interesse colectivo, espaços públicos, passagens de peões ou estacionamento livre".
Artigo 8º
"1 - A partir do plano marginal vertical, as construções não poderão exceder a profundidade de 15m., medida perpendicularmente àquele, excepto com varandas abertas, de balanço nunca superior a 2m., e exceptuando ainda:
a) Os casos de pisos de cave, rés-do-chão e 1º andar, quando não utilizados para habitação e projectados em conjunto;
b) O caso de edifícios especiais de equipamento;
c) O caso de edifícios singulares projectados em conjunto com a sua envolvência.
A altura da fachada, sem prejuízo do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, não poderá, salvo estudo de conjunto, exceder os 25 m., excepto nos arruamentos em que a mesma já tenha sido excedida, podendo então ser mantida como máximo absoluto de cada rua, ou troço de rua diferenciado, a altura já atingida. Poderão ser autorizados, fora das áreas monumentais ou de conjuntos classificados, os andares recuados acima do último piso servido por elevadores, sendo a cobertura em laje, ou então o aproveitamento do vão do telhado.
Este aproveitamento não deverá exceder, em qualquer caso e no ponto máximo, 3,5 m. acima da altura da fachada, e deverá recuar, tanto quanto for a referida elevação, à excepção de chaminés, antenas de televisão, pára-raios e similares, e não serão permitidos volumes de construção, excedendo planos a 45, passando pelas linhas superiores da fachada.
Não serão permitidas tolerâncias especiais nos gavetos ou tirando partido de praças, pracetas, jardins públicos ou outros espaços considerados como incorporados na via pública, a menos que se trate de estudos gerais de conjunto.
2 - Nas zonas a preservar não serão autorizadas novas construções ou remodelações que não obedeçam a planos parciais ou de pormenor a elaborar pelo município, sem prejuízo da decisão do Governo, em conformidade com a legislação especial, quanto à fixação de áreas de protecção ou outras medidas".
(10Ou seja, de acordo com o disposto nº nº 1 do artigo 6º.
Acerca deste assunto, cfr. infra, nota (46).
(11Estabelece, sob a epígrafe "Planos parciais e de pormenor", o artigo 4º do Regulamento:
"As unidades de ordenamento são, em princípio, objecto de planos parciais, podendo, quer as primeiras quer estes últimos, justificar a existência de planos de pormenor. Tais planos serão executados pelos serviços municipais".
(12Acerca das unidades de ordenamento do território e sua classificação, vejam-se os artigos 2º e 3º do Regulamento, respectivamente.
(13Atenta a sua extensão e natureza técnica, e considerando que tal não é indispensável para enfrentar as dificuldades da consulta, não se justifica, neste, como em outros casos, transcrever as regras constantes da deliberação camarária.
(14Cfr. ponto 3.1. da deliberação, onde tais condicionamentos se desdobram pelas alíneas a) a f).
(15Cfr. ponto 3.3. da deliberação.
(16Cfr. ponto 3.4. do texto editado pela edilidade.
(17Cfr. ponto 3.6. da deliberação camarária.
(18Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador", (2ª reimpressão), Almedina, Coimbra, 1987, páginas 175 e seguintes.
(19"Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis", traduzido por MANUEL DE ANDRADE, Coimbra, 1978, pág. 129.
(20"Scire leges non hoc est verba earum tenere, sed vim ac potestatem" (17, Dig. 1,3).
(21 FRANCESCO FERRARA, loc. cit., págs. 128 e 134.
(22Cfr. J. BAPTISTA MACHADO, loc. cit., página 181.
(23Vejam-se ainda JOÃO DE CASTRO MENDES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1984, págs. 237 e seguintes, maxime, quanto aos elementos de interpretação, páginas 242 e seguintes, e JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito - Introdução e Teoria Geral, 4ª edição, revista, Verbo, 1987, páginas 321 e seguintes.
(24Segundo BAPTISTA MACHADO, esta expressão, propositadamente incolor, significa que o legislador não se quis comprometer na controvérsia entre a doutrina subjectivista ("vontade do legislador", como escopo da actividade interpretativa) e a doutrina objectivista (reconstituição da "vontade da lei") - cfr. loc. cit., pág. 188.
(25J. BAPTISTA MACHADO, loc. cit., pág. 189.
(26Para uma tentativa de definir um critério de distinção entre interpretação extensiva e aplicação analógica, veja-se J. BAPTISTA MACHADO, "Lições de Direito Internacional Privado", Coimbra, 1974, pág. 100, nota 1, e loc. cit. na nota (18), páginas 185 e 193, que aqui se acompanhou de muito perto. Veja-se também JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, obra citada, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, páginas 350 e seguintes.
(27Acerca do conceito de analogia, cfr. JOÃO CASTRO MENDES, loc. cit., pág. 260. Aí se escreve que há analogia quando a razão de decidir no caso omisso e no caso previsto é a mesma: "Ubi eadem est ratio legis, eadem est ejus dispositio". Vejam-se também OLIVEIRA ASCENSÃO, loc. cit. na nota anterior, página 359, e J. BAPTISTA MACHADO, loc. cit., na nota (18), pág. 202.
(28Vejam-se J. BAPTISTA MACHADO, loc. cit., págs. 194 e seguintes, e OLIVEIRA ASCENSÃO, loc. cit. na nota (26), págs. 347 e seguintes.
(29Numa outra perspectiva pode dizer-se que as lacunas podem ser de previsão ou de estatuição. Na primeira hipótese falha a previsão de um caso que deve ser juridicamente regulado, enquanto na segunda, havendo previsão, não se estatuíram os efeitos jurídicos correspondentes.
(30"Loc. cit.", pág. 203.
(31Cfr., v. g., os artigos 4º, 6º, nº 1, 8º, nº 2 e 9º.
(32Nos termos do nº 3 do artigo 3º, as câmaras municipais podiam apresentar à aprovação planos parciais de urbanização, enquanto não fossem aprovados os planos gerais.
(33Vejam-se, posteriormente, sobre a matéria, o artigo 29º do Decreto-Lei nº 208/82, de 26 de Maio, e o artigo 6º, nºs 2 e 3, e 10º, nºs 3 e 5, do Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março. A questão de saber se continuava a aplicar-se a norma do artigo 7º do Decreto-Lei nº 560/71, ou se, pelo contrário, a aprovação ministerial ali prevista tinha sido substituída pela figura da ratificação pelo Governo, por força do Decreto-Lei nº 77/84, foi objecto de análise no parecer nº 28/89, de 9 de Novembro de 1989, não homologado, onde se extraíram as seguintes conclusões:
"1ª. O artigo 7º do Decreto-Lei nº 560/71 [...] não está em vigor;
"2ª. A aprovação dos planos de pormenor compete:
a) à câmara municipal, sempre que esteja vigente o plano director municipal ou plano geral de urbanização, ou existam normas provisórias legalmente aprovadas ou ainda se estiverem abrangidas por áreas de desenvolvimento urbano prioritário ou de construção prioritária (artigo 10º, nº 3, do Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março);
b) à assembleia municipal, na situação inversa (artigos 6º, nº 2, do Decreto-Lei nº 77/84 e 39º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março);
"3ª. A aprovação dos planos de pormenor não está sujeita a ratificação do Governo".
(34Foi justamente mediante a invocação do disposto no nº 2 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 560/71, que foi editado o Regulamento do PGUCL.
(35Para mais pormenores acerca dos objectivos dos planos gerais e parciais de urbanização e dos planos de pormenor, no regime do Decreto-Lei nº 560/71, cfr.JOÃO PAULO MIRANDA DE SOUSA, "Os planos de urbanização no vigente ordenamento jurídico português", in "Diário do Urbanismo", coordenação de DIOGO FREITAS DO AMARAL, INA, 1989, págs. 356-357, e ainda o parecer nº 28/89, já citado.
(36O Decreto-Lei nº 208/82, de 26 de Maio, definira o quadro regulamentar dos planos directores municipais, figura introduzida pela Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, que estabeleceu as atribuições das autarquias e competências dos respectivos órgãos, tendo sido revogada, na quase totalidade dos seus preceitos, pelo Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.
O Decreto-Lei nº 77/84, de 8 de Março, estabeleceu o regime da delimitação e da coordenação das actuações da administração central e local em matéria de investimentos públicos.
(37Dispondo sobre o "conteúdo dos planos", pode ler-se no artigo 9º:
"1 - Os planos municipais regem a ocupação, o uso e a transformação do solo na área abrangida.
2 - O plano director municipal estabelece uma estrutura espacial para o território do município, a classificação dos solos e os índices urbanísticos, tendo em conta os objectivos de desenvolvimento, a distribuição racional das actividades económicas, as carências habitacionais, os equipamentos, as redes de transportes e de comunicações e as infra-estruturas.
3 - O plano de urbanização define uma organização para o meio urbano, estabelecendo, designadamente, o perímetro urbano, a concepção geral da forma urbana, os parâmetros urbanísticos, o destino das construções, os valores patrimoniais a proteger, os locais destinados à instalação de equipamentos, os espaços livres e o traçado esquemático da rede viária e das infra-estruturas principais.
4 - O plano de pormenor estabelece a concepção do espaço urbano, dispondo, designadamente, sobre usos do solo e condições gerais de edificação, quer para transformação das edificações existentes, caracterização das fachadas dos edifícios e arranjo dos espaços livres".
(38Outras normas definidoras da competência da assembleia municipal são os artigos 7º, nº 1, e 8º, nº 1. Aí se dispõe que a assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal, pode estabelecer medidas preventivas (nº 1 do artigo 7º) ou normas provisórias (artigo 8º, nº 1).
(39Os sublinhados são da nossa responsabilidade.
(40O nº 5 do artigo 19º enuncia justamente os casos prevenidos na alínea e) do nº 1 do artigo 16º.
(41Acerca da natureza jurídica dos planos de urbanização podem consultar-se: JOSÉ OSVALDO GOMES, "Plano Director Municipal", Coimbra, 1983, págs. 20-26 e 108-114, e "Manual dos Loteamentos Urbanos", 2ª ed., Coimbra, 1983, págs. 183 e segs.; JOÃO PAULO MIRANDA DE SOUSA, loc. cit., págs. 359 e segs.; EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA e LUCIANO PAREJO ALFONSO, "Lecciones de Derecho Urbanistico", I, Madrid, 1979, págs. 164 e segs.
Vejam-se ainda, sobre o mesmo tema, MARIA DO PATROCÍNIO PAZ FERREIRA e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, "O Novo Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos", Coimbra, 1985, pág. 40; FERNANDO ALVES CORREIA, "O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade", Coimbra, 1990, págs. 241 e segs.
(42LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, "Planos Municipais de Ordenamento do Território", Almedina, Coimbra, 1991, págs. 25 e seguintes.
(43Segundo o autor trata-se, porém, de simples indício, uma vez que "é teoricamente concebível que a obrigatoriedade de um acto administrativo, em relação ao seu autor, dependa da respectiva publicação".
(44O entendimento que, mesmo na vigência da legislação anterior, propugnava a natureza regulamentar dos planos urbanísticos, era defendido, entre outros, por MARIA DO PATROCÍNIO PAZ FERREIRA e LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, loc. cit., na nota (39), bem como por J. OSVALDO GOMES, "Manual dos Loteamentos Urbanos", 3ª edição, Coimbra, 1983, págs. 183 e seg. e por FERNANDO ALVES CORREIA, in loc. cit..
(45Como observa LUÍS PERESTRELO DE OLIVEIRA, "a qualificação dos planos municipais de ordenamento do território como regulamentos administrativos tem [...] outras importantes consequências quer quanto à sua interpretação e integração, que se regem pelas regras próprias de interpretação das leis, quer quanto ao regime da sua impugnação contenciosa, com fundamento em ilegalidade, atento o disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 26º e na alínea e) do nº 1 do artigo 51º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, e no Capítulo V (Impugnação de normas) da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho, designadamente no que se refere à legitimidade processual, ao prazo de interposição dos recursos e efeito das decisões neles proferidas".
Sobre a impugnação dos regulamentos ilegais, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, "Direito Administrativo", Lições policopiadas, Lisboa, 1988, volume IV, páginas 263 e seguintes, mormente no que se refere à solução actual no Direito Português, págs. 268 e seguintes.
(46Num plano puramente interpretativo é, no mínimo, muito discutível a solução a que se chega na deliberação acerca da eventual contradição entre o disposto no nº 1 do artigo 6º e no artigo 8º do Regulamento - cfr. supra, ponto 3.2.1.
Parece, pelo contrário, que a regra geral, extensiva às diversas zonas e sectores, deverá ser a que se contém no nº 1 do artigo 6º que, relativamente "às normas que forem fixadas em planos parciais e de pormenor" (hoje, apenas planos municipais de pormenor), estabelece como limite os valores estabelecidos no quadro anexo ao Regulamento. Essa regra apenas deverá ser afastada por disposições de natureza especial ou excepcional, como é o caso dos nºs 2 e 3 do referido artigo 6º, e o nº 1 do artigo 8º, este só aplicável às áreas de construção em banda contínua (nas unidades de ordenamento habitacionais). Motivo por que se revela muito duvidosa, na vigência do actual Regulamento do PGUCL, a conclusão contida na deliberação camarária, nos termos da qual o disposto no nº 1 do artigo 6º apenas se aplica às "áreas de expansão", aplicando-se o artigo 8º, nº 1 aos "sectores a preservar" e às "áreas consolidadas".
Parece, assim, fazer sentido a tese sustentada na informação a que se alude na nota (1), segundo a qual se deverão antes aplicar os valores fixados no quadro anexo a que se refere o artigo 6º, nº 1, se, no regulamento não constar uma norma especial para o sector em causa. Se esta existir, como é o caso do artigo 8º relativamente às construções em banda contínua, será esta a aplicável. Acresce ainda que, no que se refere aos "sectores a preservar", o nº 1 do artigo 8º não poderá ser aplicado, sem mais, posto que o nº 2, no caso de novas construções ou remodelações, e o artigo 9º, relativamente à altura das edificações, obrigam à elaboração de planos de urbanização complementares.
(47Recorde-se que, tal como é expressamente referido no preâmbulo da Portaria nº 274/77, o Regulamento se caracteriza fundamentalmente pelo seu carácter genérico, carecendo de desenvolvimento e concretização mediante outros planos municipais (então qualificáveis como planos parciais e de pormenor), de forma a viabilizar a sua aplicação prática. Tal necessidade é ainda expressamente salientada em diversas disposições do Regulamento (cfr. artigos 4º, 6º, 8º, nº 2, 9º e 10º), pelo que, em face do articulado do diploma - distribuído por apenas quinze artigos -, fácil é concluir acerca dessa intenção de complementarização e de detalhe normativos, através dos referidos instrumentos de normativa urbanística.
(48Carece de relevo na economia do parecer o disposto pelo artigo 96º do Decreto-Lei nº 100/84, nos termos do qual se mantém "em vigor a legislação especial aplicável aos municípios de Lisboa e Porto, em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma".
(49Para a distinção entre "normas inovadoras" e "normas interpretativas", veja-se, v. g., NUNO SÁ GOMES, "Introdução ao Estudo do Direito", Lisboa, 1979-80, ed. da Faculdade de Direito de Lisboa, págs. 225 e segs.
(50Actos administrativos que podem ser gerais, de conteúdo não normativo, destinados a coordenar e orientar a prática de actos administrativos concretos, a realizar no futuro, reduzindo-lhes a margem de discricionariedade, ou actos administrativos individuais e concretos, estabelecendo com precisão o conteúdo dos direitos e deveres dos particulares, no que se refere, por exemplo, ao aproveitamento urbanístico de cada imóvel na área da sua aplicação, ou definindo a situação jurídica dos seus proprietários, identificados ou identificáveis.
(51Numa perspectiva material, os regulamentos são normas jurídicas, dimanadas de órgãos administrativos, no desempenho da função administrativa - cfr. AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, "Teoria dos Regulamentos", in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs 1-2-3-4, Janeiro-Dezembro de 1980, págs. 1 e segs., e Ano I (2ª série) - nº 1, Janeiro-Março de 1986, págs. 5 e segs. Vejam-se também sobre o conceito e regime do regulamento administrativo, matéria que aqui não importa desenvolver: GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", 4ª edição, Almedina, 1986, pág. 669 e segs.; FREITAS DO AMARAL, "Direito Administrativo", vol. III, "Lições 1984-1985", págs. 15 e segs.; ANDRÉ GONÇALVES PEREIRA, "Erro e legalidade no acto administrativo", Lisboa, 1962, págs. 78 e segs.; MARCELLO CAETANO; "Manual de Direito Administrativo", 10ª edição, reimpressão, tomo I, 1980, págs. 32 e segs.; EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA, "Legislacion Delegada. Potestad Reglamentaria y control judicial", Ed. Tecnos, Madrid, 1970, págs. 148 e segs. No âmbito dos pareceres do Conselho Consultivo, cfr. também, a título de exemplo, os pareceres nºs 34/84, de 20 de Junho de 1984, publicado no "Diário da República" nº 230, de 3.10.1984, e no B.M.J. nº 341, pág. 96, 29/86, de 5 de Março de 1987, in "Diário da República" nº 141, de 23.6.1987, e 27/88, de 27.10.1988, inédito.
(52Acerca da distinção entre "Regulamento" e "Lei", cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, loc. cit. na nota anterior, páginas 33 e segs.; parecer deste Conselho nº 68/87, de 24-3-88, "Diário da República", II Sèrie, nº 221, de 23-9-88, pontos III e V.
(53"Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª edição, 2ª volume, anotação III ao artigo 115º, pág. 55.
(54"Diário da Assembleia da República", II Série, Suplemento ao nº 19, de 25 de Novembro de 1981, pág. 432-(24).
(55Cfr. os trabalhos parlamentares de revisão constitucional, onde se colhem elementos de pouca valia, nos "Diários da Assembleia da República", II Série, Suplemento ao nº 19, de 25-11-1981, págs. 432-(24) a 432-(26); I Série, nº 115, de 8-7-1982, pág. 4775.
(56Cfr. parecer nº 34/84, de 20 de Julho de 1984, publicado no "Diário da República", II Série, nº 230, de 3-10-1984 e no "Boletim", nº 341, págs. 96 e segs. (ponto III. 3.2) e os abundantes elementos de doutrina aí citados. Como se observa no citado parecer "a interpretação através de regulamento jamais pode ter força e valor de lei".
(57Sobre tal matéria vejam-se os acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 189/85, de 29-10-1985, in "Diário da República", I Série, nº 301, de 31-12-1985, 201/85, in "Diário da República", II Série, nº 32, de 7-2-86, 303/85, in "Diário da República", II Série, nº 83, de 10-4-86, 203/86, in Diário da República", II Série, nº 195, de 26-8-86, e 105/88, in "Diário da República", II Série, nº 202-S, de 1-9-88.
Vejam-se ainda os pareceres nºs 70/89, de 26-10-89, in "Diário da República", II Série, nº 108, de 11-5-90, 27/88, de 27-10-88, não publicado, 8/89, de 23-11-89, inédito, e 20/83, de 21-7-83, in B.M.J. nº 333, pág. 131.
(58Loc. cit., anotação IV ao artigo 115º, págs. 55 e 56.
No sentido de arredar igualmente os actos regulamentares da previsão do nº 5 do artigo 115º, cfr. OLIVEIRA ASCENSÃO, "O Direito", Editorial Verbo, 1987, pág. 514.
Anotações
Legislação: 
CONST76 ART115 N1 ART172.
CCIV66 ART9 N1 N2 ART10 N1 N3.
PORT 274/77 DE 1977/05/15 ART1 ART6 ART8 ART15.
DL 560/71 DE 1971/12/17 ART1 ART3 ART4 ART7 ART14.
DL 208/82 DE 1982/05/26 ART29.
DL 77/84 DE 1984/03/08 ART6 N2 N3 ART10 N3 N5.
DL 100/84 DE 1984/03/29 ART39 N2 A.
DL 69/90 DE 1990/03/02 ART1 ART2 ART3 ART4 ART9 ART16 ART18 ART19 ART23 ART24 ART30.
Jurisprudência: 
AC TC 189/85 DE 1985/10/29 IN DR IS DE 1985/12/31.
AC TC 201/85 IN DR IIS DE 1986/02/07.
AC TC 303/85 IN DR IIS DE 1986/04/10.
AC TC 203/86 IN DR IIS DE 1986/08/26.
AC TC 105/88 IN DR IIS DE 1988/09/01.
Referências Complementares: 
DIR CONST / DIR ADM * ADM PUBL / DIR URB / DIR CIV * TEORIA GERAL.
Divulgação
Número: 
DR172
Data: 
28-07-1992
Página: 
6957
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