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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
27/1988, de 27.10.1988
Data do Parecer: 
27-10-1988
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
PGR
Entidade: 
Procurador(a)-Geral da República
Relator: 
GARCIA MARQUES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
PODER LOCAL
AUTONOMIA
REGIME DA FUNÇÃO PUBLICA
AUTARQUIA LOCAL
REGULAMENTO
DESLEGALIZAÇÃO
REENVIO NORMATIVO
ESTATUTO ASSEMBLEIA DA REPUBLICA
COMPETENCIA RESERVADA
COMPETENCIA LEGISLATIVA
TRABALHO EXTRAORDINARIO
TRABALHO POR TURNOS
TRABALHO NOCTURNO
HIERARQUIA DAS FONTES DE DIREITO
DOMINGO
PRINCIPIO DA TIPICIDADE
FERIADO
TRABALHO
ACTO LEGISLATIVO
ACUMULAÇÃO DE CARGOS
Conclusões: 
1 - O principio da autonomia do poder local traduz-se no facto de as autarquias terem atribuições proprias, serem dotadas de orgãos representativos, possuirem meios financeiros e humanos e de estar garantida a não ingerencia por parte do poder central, sem prejuizo do regime de tutela;
2 - Os artigos 13, 15, n 2, e 17 do Decreto Regulamentar n 48/86, de 1 de Outubro, não infringem o principio constitucional da autonomia das autarquias locais, pelo que não são, nessa medida, materialmente inconstitucionais;
3 - O "regime de ambito da função publica", que, na redacção originaria da Constituição, constituia materia da competencia legislativa reservada da Assembleia da Republica (artigo 167, alinea m)), comtemplava o sistema geral de categorias integrantes dos quadros do funcionalismo publico, abrangendo a organização das suas carreiras, as condições de acesso e de recrutamento e o complexo de direitos e de deveres funcionais, validos para todos os funcionarios publicos;
4 - Nessa medida toda e qualquer disciplina normativa do regime e ambito da função publica so poderia constar da lei da Assembleia da Republica ou de decreto-lei autorizado;
5 - Nos termos da alinea u) do n 1 do artigo 168 da Constituição (na redacção posterior a revisão constitucional de 1982), apenas pertence a esfera da reserva da competencia legislativa da Assembleia da Republica a materia relativa as "bases do regime e ambito da função publica";
6 - Mesmo nos casos em que a Assembleia da Republica se limita a regular as bases do regime juridico, o respectivo desenvolvimento tera de ser operado por um diplima legislativo, um decreto-lei de desenvolvimento (artigo 201, n 1, alinea c));
7 - Atento o conteudo das conclusões precedentes (3 a 6) o Decreto Regulamentar n 48/86 e formal e organicamente inconstitucional;
8 - O "estatuto das autarquias locais" abrange, alem do regime das finanças locais, a sua organização, as suas atribuições e a competencia dos seus orgãos, a estrutura dos seus serviços e o regime dos respectivos funcionarios;
9 - A definição da entidade competente, no ambito da administração local para a autorização da prestação de trabalho extraordinario, nocturno e em dias de descanso ou feriados, de acumulação de lugares ou cargos publicos e de trabalho por turnos, constante dos artigos 13, 15, n 2, e 17 do Decreto Regulamentar n 48/86 faz parte do "estatuto das autarquias locais";
10- Atento o disposto na alinea r) do n 1 do artigo 168 da Constituição, so a Assembleia da Republica, atraves de lei, ou o Governo, mediante decreto-lei editado no exercicio da previa autorização legislativa, podem legislar sobre o estatuto das autarquias locais;
11- Atento o que se refere nas conclusões 8 a 10, os artigos 13, 15, n 2, e 17 do Decreto Regulamentar n 48/86 violam o artigo 168, n 1, alinea r), da Constituição, pelo que estão, tambem por esse motivo, feridos de inconstitucionalidade;
12- O n 5 do artigo 115 da Constituição estabelece a proibição dos regulamentos delegados ou autorizados nas suas manifestações de regulamentos modificativos, suspensivos, revogatorios e derrogatorios;
13- O artigo 32 do Decreto-Lei n 110-A/81 e uma norma de reenvio, atraves da qual a lei autoriza que um regulamento adapte, modificando-o, o disposto em dois dos seus capitulos (III e IV) a administração local;
14- O Decreto Regulamentar n 48/86 adaptou, para efeitos da sua aplicação a administração local, os referidos capitulos do Decreto-Lei n 110-A/81 e, bem assim, o regime de trabalho por turnos, previsto no Decreto-Lei n 308/85, de 30 de Julho;
15- O artigo 12, n 2, do Decreto-Lei n 20-A/86, de 13 de Fevereiro, na parte em que manteve em vigor o artigo 32 do Decreto-Lei n 110-A/81, de 14 de Maio, e, assim, inconstitucional;
16- Derivadamente, tambem o Decreto Regulamentar n 48/86, de 1 de Outubro, ao exercer os referidos poderes de modificação, e inconstitucional, por violação do n 5 do artigo 115 da Constituição.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Conselheiro Procurador-Geral da República,
Excelência:


Em conformidade com a deliberação tomada, por maioria, pela Câmara Municipal de Fafe, em reunião ordinária realizada em 19 de Novembro de 1986, o Presidente deste Município solicitou que Vossa Excelência se digne, "junto do Tribunal Constitucional, levantar o problema da constitucionalidade" do Decreto Regulamentar nº 48/86, de 1 de Outubro, diploma que estabelece normas sobre a prestação e a remuneração do trabalho extraordinário, nocturno, em dias de descanso semanal e feriados, bem como sobre as condições de acumulação de lugares ou cargos públicos, pelos funcionários e agentes que prestem serviço nas autarquias locais, associações e federações de municípios, serviços municipais e assembleias distritais.

Sobre a suscitada questão da constitucionalidade foi prestada informação pelo Senhor Auditor Jurídico do Ministério do Planeamento e da Administração do Território.

Entretanto, pelo relevo e complexidade das questões, considerou Vossa Excelência justificar-se a discussão em conferência, nos termos do artigo 42º, nº2, da Lei Orgânica do Ministério Público, tendo, assim, determinado a distribuição do processo pelo Conselho Consultivo.

Nestes termos, cumpre emitir parecer.

2.

2.1 -Como resulta do respectivo preâmbulo, com o Decreto Regulamentar nº 48/86, para além de se procurarem atingir objectivos de moralização na utilização de dinheiros públicos, visou-se, “por um lado, evitar a dispersão da legislação actualmente existente e, por outro lado, aplicar, com as necessárias adaptações, o regime consagrado para o pessoal da administração central no que se refere as condições de prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso semanal e feriados, bem como o regime de acumulação de lugares ou cargos públicos, consagrado no Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio"(1)

Prosseguindo, o nº3 do preâmbulo esclarece que se adopta para o presente diploma a forma de decreto regulamentar, "atendendo ao que se dispõe no artigo 32º do referido Decreto-Lei nº 110-A/81”.

No Decreto Regulamentar em apreço define-se ainda a entidade competente, na administração local, para a aprovação e a organização do trabalho por turnos, previstas, respectivamente, nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 308/85, de 30 de Julho, diploma que não contém norma equivalente ao já citado artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81.

2.2 - Justifica-se, pois, que detenhamos por um instante a atenção sobre o Decreto-Lei nº 110-A/81, designadamente no que se refere ao artigo 32º. Estabelece este preceito que "o disposto nos capítulos III e IV do presente diploma será aplicável, com as necessárias adaptações, à administração local mediante decreto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e do Plano e da Reforma Administrativa" (sublinhados nossos).

Os Capítulos III (artigos 10º a 21º) e IV (artigos 22º a 24º) têm, respectivamente, por objecto, o "trabalho extraordinário e nocturno, em dias de descanso e feriados" e as "acumulações".

2.3 - 0 Decreto Regulamentar nº 48/86 é constituído por dezoito artigos, distribuídos por três capítulos. 0 artigo 1º, não inserido em qualquer capítulo, define o "âmbito e objecto" do diploma.
0 Capítulo I está subdividido em três secções, tendo por objecto, respectivamente, o "trabalho extraordinário,, (artigos 2º a 10º), o "trabalho nocturno, em dias de descanso e em dias feriados" (artigos 11º e 12º) e a "autorização para a prestação de trabalho" (artigos 13º e 14º). 0 Capítulo II, constituído exclusivamente pelo artigo 15º, refere-se às "acumulações". Por sua vez, o capítulo III, com a epígrafe "disposições finais" compreende os artigos 16º a 18º, entre os quais o preceito relativo à "adopção do regime de trabalho por turnos" (artigo 17º).

2.4 - No essencial as disposições nucleares do decreto regulamentar (as do Capítulo I) transpõem para os funcionários e agentes das autarquias locais o preceituado pelos artigos que integram o Capítulo III do Decreto-Lei nº 110-A/81. No entanto, a apreciação comparativa dos correspondentes normativos revela, para além de significativas alterações de índole sistemática, algumas diferenças de conteúdo substancial. Assim, e a título de exemplo, não se divisa no Decreto-Lei disposição correspondente ao nº2 do artigo 3º do Decreto Regulamentar nº 48/86, segundo o qual "as situações eventualmente determinantes da prestação de trabalho extraordinário por parte do pessoal auxiliar ou operário deverão, preferentemente, e se possível, ser resolvidas através da estatuição de horários desfasados para os funcionários ou agentes sujeitos à sua prestação”. Também não se encontra correspondência no Decreto-Lei para as disposições dos artigos 5º, nº3 (dispensa da prestação de trabalho extraordinário) (2) e 6º, nº1, (não remuneração) do Decreto Regulamentar.

Relativamente à competência para a autorização para prestação de trabalho extraordinário, também não se encontra no Decreto Regulamentar disposição homóloga do n2 2 do artigo 202 do Decre to-Lei n2 110-A/81. Com efeito, para os funcionários e agentes da Administração Central, a prestação de trabalho extraordinário e em dias de descanso semanal deverá ser previamente autorizada pelo membro do Governo competente (n2 1 do artigo 202). Toda via, em caso de excepcional premência, a prestação deste trabalho poderá ser determinada pelo dirigente do serviço, devendo ser confirmada pelo membro do Governo no prazo de quarenta e oito horas, sem prejuízo do direito dos funcionários e agentes à correspondente remuneração (n2 2 do artigo 22).


Ora, quanto aos funcionários autárquicos apenas se prevê que a prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados deve ser fundamentada e previamente autorizada pelo órgão executivo dos respectivos municípios e freguesias (alínea a) do artigo 132 do Decreto Regulamentar) (3)

Observar-se-á, enfim, que, no que se refere à acumulação de lugares ou cargos públicos, o nº1 do artigo 15º do Decreto Regulamentar estabelece que a mesma se rege pelo disposto nos Decretos-Lei nºs 110-A/81, de 14 de Maio, e 191-F/79, de 26 de Junho (4) , entendendo-se, de acordo com o nº2, que as referências aos membros do Governo contidas nos citados Decretos-lei devem considerar-se feitas aos órgãos mencionados no artigo 13º do Decreto Regulamentar, ou seja, aos órgãos executivos dos municípios e freguesias, no que às autarquias locais diz respeito.

3.

3.1 - São as seguintes as razões aduzidas pela Câmara Municipal de Fafe para sustentar a tese da inconstitucionalidade do Decreto Regulamentar em apreço (5) :

a) Em primeiro lugar, teria havido violação do "princípio da hierarquia das normas jurídicas", tendo os Ministros respectivos, ao editarem o diploma, invadido o domínio privativo da Assembleia da República (ou do Governo, desde que autorizado) (6) ;

b) Por outro lado, o diploma violaria o "princípio da autonomia das autarquias locais", pondo em causa a competência dos respectivos órgãos autárquicos consignado no Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.

3.2 – É no âmbito deste segundo fundamento que se desenvolve a quase totalidade da argumentação produzida. No essencial, pretende-se invocar a inconstitucionalidade (material) dos artigos 13º, 15º, nº2, e 17º do Decreto Regulamentar, na medida em que os mesmos cometem ao órgão executivo do Município, ou seja, à Câmara Municipal (artigo 43º, nº1, do Decreto-Lei nº 100/84), a competência para autorizar a prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados (artigo 13º, alínea a)), a acumulação de lugares ou cargos públicos (artigo 15º, nº2) e a aprovação e organização do trabalho por turnos (artigo 17º).

Curiosamente, a argumentação desenvolvida na informação referida na nota 5 omite qualquer referência a preceitos do texto constitucional eventualmente violados, limitando-se a apontar para a desconformidade entre as estatuições das disposições indicadas do Decreto Regulamentar e alguns preceitos do Decreto-Lei nº 100/84.

O raciocínio é o seguinte: tendo presentes as disposições combinadas dos artigos 51º, nº1, alínea b) , 52º, nº1, e 55º do Decreto-Lei nº 100/84, a decisão sobre a prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados, bem como sobre regime de turnos, deve competir ao Presidente da Câmara e não à Câmara Municipal - o órgão executivo do Município (7) .

Como conclusão, considera-se o Decreto Regulamentar nº 48/86 "em flagrante contradição com o preceituado no Decreto-Lei n2 100/84, com negação dos seus princípios" sendo, por isso, “inconstitucional, tanto em razão da competência, como em razão da matéria".

3.3 - Várias são as questões que cumpre enfrentar, sendo certo que não podemos limitar-nos a analisar os fundamentos expressamente constantes da escassa documentação recebida do Município de Fafe. Suscitam-se, assim, os seguintes problemas fundamentais:

a) Em sede da alegada inconstitucionalidade material, impõe-se apreciar se os artigos 13º, 15º, nº2 e 17º do Decreto Regulamentar nº 48/86, violarão, de facto, o princípio da autonomia das autarquias locais - cfr. artigos 6º, nº1, 237º, nº2, 239º e 240º da Constituição;

b) Numa perspectiva de eventual violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, geradora, a existir, de inconstitucionalidade orgânica, cumpre averiguar se, na edição do presente Decreto Regulamentar, foram respeitados os ditames das alíneas r) e u), do nº1 do artigo 168º da Constituição (na sua versão actual) e das disposições que lhes corresponderam na redacção originária do texto fundamental;

c) Por outro lado, importa analisar a questão de saber se o artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81 e todo o Decreto Regulamentar nº 48/86 infringem ou não o disposto no nº5 do artigo 115º da Constituição, atenta a circunstância de aquele ter conferido a um regulamento (que os exerceu) os poderes de modificar, adaptando-as, às suas próprias disposições.

4.

4.1 - 0 princípio da autonomia do poder local está consignado no artigo 6º da Constituição da República, que, no Título VII da sua Parte III, respeitante à organização do poder político, e sob a epígrafe "Poder Local", desenvolve as coordenadas em que aquele se materializa (8) . Quer do texto constitucional quer da interpretação doutrinal que o analisa, retira-se a conclusão de que o princípio da autonomia do poder local se traduz no facto de as autarquias terem atribuições próprias, serem dotadas de órgãos representativos, possuírem meios financeiros e humanos e de estar garantida a não ingerência por parte do poder central, sem prejuízo do regime de tutela.

Consagra o artigo 6º da Constituição o princípio da autonomia local, ao estatuir, no seu nº1, que "o Estado é unitário e respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública".

Esse princípio significa, designadamente, como observam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, que "as autarquias locais são formas de administração autónoma territorial, de descentralização territorial do Estado, dotadas de órgãos próprios, de atribuições específicas correspondentes a interesses próprios, e não meras formas de administração indirecta ou mediata do Estado. 0 que não exclui, em certos termos, a tutela estadual (cfr. artigo 243º)” (9) .

Segundo estes autores ~ loc. cit. -, a garantia desse modo reconhecida implica uma certa policracia ou pluralismo de centros de poder, enquadrados numa complexa estrutura vertical de poder político e da administração.

Como se salienta no citado parecer nº 65/84, é com base nessa estrutura vertical do Estado, garantindo a autonomia local (e regional) no quadro descentralizador oposto às anteriores concepções de centralização e concentração política e administrativa, que se concebeu, no Título VII, o Poder Local, reconhecendo-se às autarquias locais atribuições, organização e competência dos seus órgãos em consonância com a filosofia descentralizadora (artigo 239º), concedendo-se-lhes património e finanças próprias (artigo 240º) e, sem prejuízo das formas de tutela previstas no artigo 243º, criando quadros de pessoal próprio, nos termos do artigo 244º (10) .

Como salienta um autor, a autonomia do Poder Local não deve ser, simplisticamente, encarada como contra-poder do Estado, antes se configurando como "garantia constitucional que assegura aos municípios um espaço de conformação autónoma, cujo conteúdo essencial não pode ser destruído pela administração estadual” (11)

Ou seja, a ênfase nos princípios constitucionais da autonomia local e da descentralização administrativa há-de ser temperada, nesta perspectiva, pela correcta valoração dos interesses em jogo, porventura conflituantes.

Daí o não se ter chegado ao ponto de prescindir de qualquer forma de tutela administrativa (12) .

4.2 - Mas será que as citadas disposições do Decreto Regulamentar nº 48/86 infringem, efectivamente, o princípio constitucional da autonomia das autarquias locais?

Relembre-se que os aludidos preceitos mais não fazem do que atribuir ao órgão executivo dos municípios e freguesias (a câmara municipal e a junta de freguesia, respectivamente) a competência para autorizar a prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados (artigo 13º, alínea a)), a acumulação de lugares ou cargos públicos (artigo 15º, nº2) e a aprovação e organização do trabalho por turnos na administração local (artigo 17º).

É evidente que nenhuma destas disposições afecta o conteúdo essencial da autonomia local.

Aliás, a verdadeira sede da crítica feita pela Câmara Municipal de Fafe reside na afirmação da eventual violação das já citadas disposições do Decreto-Lei nº 100/84. 0 problema não se deve colocar, assim, em termos de inconstitucionalidade material por violação do princípio da autonomia do poder local, uma vez que não são postas em causa pelas citadas disposições do decreto regulamentar, as atribuições e a organização das autarquias locais, em termos que afectem o conteúdo essencial dos específicos e distintos interesses e vontades que os seus órgãos representam (13).

Mesmo no que se refere à eventual desconformidade entre a estatuição dos citados preceitos do Decreto Regulamentar e as disposições combinadas dos artigos 51º, nº1, alínea b), 52º, nº1, e 55º do Decreto-Lei nº 100/84, é a mesma mais do que discutível, estando longe de ser líquida (14).

De facto, deverá ter-se presente que a competência originária para a "supervisão na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município" pertence à câmara municipal - cfr. artigo 51º, nº1, alínea b), do Decreto-Lei nº 100/84.

Portanto, o presidente da câmara apenas tem competência delegada (tacitamente) para proceder à referida supervisão (artigo 52º, nº1).

Delegação essa que, "mesmo quando tácita" pode ser feita cessar, a todo o tempo, pela câmara municipal (nº5 do citado artigo 52º), a qual, na sua qualidade de entidade delegante, pode revogar os actos praticados no uso da delegação (nº6). Resulta de tudo isto que o Decreto Regulamentar não poderia, sob pena de, então sim, violar o princípio-base fixado no Decreto-Lei nº 100/84, cometer a aludida competência ao Presidente da Câmara, o qual não é um órgão autónomo da administração municipal.

De qualquer modo, ainda que os referidos preceitos estivessem feridos de ilegalidade, isso não permitiria afirmar que os mesmos padecessem de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da autonomia do poder local, que, como se disse, não ocorre (15)

5.1 Para além da competência política e administrativa, o Governo detém competência legislativa, que se distribui do seguinte modo: própria e exclusiva, quanto à sua orgânica e funcionamento – nº2 do artigo 201º, da Constituição da República Portuguesa; originária, mas concorrente com a da Assembleia da República, em todas as matérias que não sejam da competência reservada desta - alínea a) do nº1 do citado artigo 201º; derivada ou dependente, quando exercida sob autorização da Assembleia da República (alínea b) do nº1 do artigo 201º), ou no desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam (alínea c) do nº1 do artigo 201º). Os decretos-lei editados pelo Governo no exercício da sua competência legislativa derivada ou dependente devem invocar expressamente a lei de autorização legislativa ou a lei de bases ao abrigo da qual são aprovados (nº3 do artigo 201º) (16)

5.2 - Torna-se, por isso, necessário proceder a um esforço de investigação tendente a apurar se o Decreto Regulamentar nº 48/86 (ou algumas das suas normas) versa matéria da competência reservada da Assembleia da República, a qual, portanto, não pode ser disciplinada por via regulamentar.

Assim se procederá à análise da questão consistente em saber se o diploma enferma ou não de inconstitucionalidade orgânica e formal.

Nos termos do artigo 168º, nº1, da Constituição, é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre "o estatuto das autarquias locais, incluindo o regime das finanças locais" (alínea r)) e sobre as "bases do regime e âmbito da função pública" (alínea u)).

Por razões de método, começaremos por apreciar a questão da conformidade com o normativo actualmente constante da alínea u) - "bases do regime e âmbito da função pública".

5.2.1 - Como escrevem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA (17) “o alcance da reserva de competência legislativa da Assembleia da República não é idêntico em todas as matérias. Importa distinguir três níveis: (a) um nível mais exigente, em que toda a regulamentação legislativa da matéria é reservada à Assembleia da República - é o que ocorre na maior parte das alíneas; (b) um nível menos exigente, em que a reserva da Assembleia da República se limita ao regime geral (alíneas d), e), h) e p)), ou seja, em que compete à Assembleia da República definir o regime comum ou normal da matéria, sem prejuízo, todavia, de regimes especiais que podem ser definidos pelo Governo (ou, se for caso disso, pelas assembleias regionais); (c) finalmente, um terceiro nível, em que a competência da Assembleia da República é reservada apenas no que concerne às bases gerais do regime jurídico da matéria (alíneas f), g), n) e u))”.

Concretizando a natureza e o alcance da reserva de competência legislativa neste terceiro nível (no âmbito do qual se situa justamente a alínea u)), os referidos autores ponderam que, aí, a Assembleia da República apenas tem que definir as bases gerais, podendo deixar para o Governo o desenvolvimento legislativo do regime jurídico (do regime geral e dos especiais a que haja lugar). E, finalizando, escrevem o seguinte: Não é fácil definir senão aproximadamente o que deve entender-se por bases gerais. Seguro é que deve ser a Assembleia da República a tomar as opções político-legislativas fundamentais, não podendo limitar-se a simples normas de remissão ou normas praticamente em branco".

5.2.2 - A data da publicação do Decreto-Lei nº 110-A/81, à luz de cujo artigo 32º viria a ser editado o questionado Decreto Regulamentar, estava em vigor a versão originária da Constituição. Cotejando as disposições pertinentes do texto primitivo (alínea m) do artigo 167º) e do texto saído da revisão de 1982 (a citada alínea u) do nº1 do artigo 168º), constata-se a existência de uma diferença sobre a qual não se pode passar em claro.

Com efeito, o que, antes da revisão constitucional de 1982 era matéria da competência reservada da Assembleia da República era o "regime e âmbito da função pública", e não, como hoje acontece, apenas as "bases do regime e âmbito da função pública".

Como se observa em acórdão recente do Tribunal Constitucional, o "regime e âmbito da função pública", constituía no texto originário da Constituição da República Portuguesa matéria da competência reservada da Assembleia da República, havendo sido concedido jurisprudencialmente a tal conceito o significado de nele se contemplar o sistema geral de categorias chamadas a integrar os quadros do funcionalismo, por forma a permitir a organização das respectivas carreiras com os correspondentes estatutos funcionais genéricos do pessoal nelas inserido" (18).

Já se observara no parecer da Comissão Constitucional nº 22/79 (19) que à competência reservada da Assembleia pertence a definição daquilo que bem poderá chamar-se o estatuto geral da função pública, ou seja, a definição do sistema de categorias, de organização de carreiras, de condições de acesso e de recrutamento, do complexo de direitos e de deveres funcionais que valem, em princípio, para todo e qualquer funcionário público e que, por isso mesmo, fornecem o enquadramento da função pública, como um todo, dentro das funções do Estado (20).

5.2.3 - A esta luz parece poder afirmar-se que o Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio, ao rever os vencimentos do funcionalismo público, introduzindo "princípios genéricos uniformizadores do estatuto remuneratório dos funcionários e agentes" (do preâmbulo) e ao disciplinar, através de adopção de dispositivos inovadores, as matérias de limites remuneratórios, remunerações acessórias, trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso e acumulações de cargos públicos, introduziu uma alteração substancial e qualitativa no respectivo regime estatutário.

Por esse motivo, deveria ter sido editado ao abrigo de uma autorização legislativa e não no exercício de competência legislativa originária ou independente (embora não exclusiva) do Governo, ou seja, nos termos da alínea a) do artigo 201º da Constituição.

Poder-se-ia ainda acrescentar que o Decreto-Lei nº 11O-A/81 não se desincumbiu totalmente da tarefa, tendo determinado, no artigo 32º, que o disposto nos Capítulos III e IV seria aplicável, com as necessárias adaptações, à administração local mediante decreto regulamentar.

Ora, dir-se-á, esta remissão não era constitucionalmente possível. Sem prejuízo do desenvolvimento mais detalhado do tema em momento oportuno (cfr., infra, ponto 6), impõe-se deixar, desde já, consignado que, em matérias que fazem parte da competência legislativa reservada da Assembleia da República, o respectivo regime jurídico só pode ser objecto de lei ou de decreto-lei autorizado, mas, em qualquer caso, de diploma legislativo. 0 Governo fica habilitado a legislar, a usar o seu poder legislativo, mas não a "trespassar" essa tarefa para o poder regulamentar.

Em matérias que caiam no âmbito da competência legislativa reservada da Assembleia da República, toda a regulamentação substantiva, material, tem de revestir forma legislativa, e, se houver lugar a regulamentos, eles hão-de limitar-se a ser simples regulamentos de execução. Este regime decorre directamente da natureza específica da competência legislativa reservada da Assembleia da República. Com efeito, a reserva de competência legislativa da A.R. não é apenas uma reserva de competência deste órgão de soberania, sendo também uma reserva de forma legislativa. Esse domínio de lei não pode ser invadido por regulamento, nem a lei pode autorizar tal invasão. Logo, quando o Governo obtém uma autorização legislativa, ele tem de regular a matéria mediante decreto-lei, não podendo "transferi-la” para regulamento.

É evidente que a circunstância de o Governo ter editado um decreto-lei sem a prévia obtenção da necessária autorização legislativa não é de molde a poder justificar a "transferência" de parte da disciplina normativa para regulamento.

A não ser assim, ocorreria o absurdo de um vício ser sanado pela pré-existência de um outro.

5.2.4 - No entanto, sempre se deverá dizer que à data da publicação do Decreto Regulamentar nº 48/86, ou seja, em 1 de Outubro, estava em vigor o Decreto-Lei nº 20-A/86, de 13 de Fevereiro, diploma que actualizou os vencimentos e pensões da função pública, com efeitos desde 1 de Janeiro de 1986. Ora, nos termos do nº2 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 20-A/86, foi mantido em vigor o Decreto-Lei nº 110-A/81, "em tudo o que não contrarie o disposto no presente diploma" (21). Assim se manteve em vigor o artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81.

É certo que o Decreto-Lei nº 20-A/86 também foi editado, como acontecera com o Decreto-Lei nº 11O-A/81, ao abrigo do nº1 do artigo 201º da Constituição.

Só que à data da sua publicação já estava em vigor o texto da alínea u) do artigo 168º da Constituição, saído da revisão constitucional de 1982. Ora, tal disposição apenas reserva para a Assembleia da República a competência para legislar sobre as "bases do regime e âmbito da função pública". Ou seja, o Decreto-Lei nº 20-A/86, que manteve em vigor o Decreto-Lei nº 110-A/81 (incluindo o seu artigo 32º) podia ser, como foi, editado ao abrigo da competência legislativa ordinária do Governo, sem o perigo de ser arguido de inconstitucionalidade orgânica.

Poderá, assim, sustentar-se que a matéria regulada pelo Decreto Regulamentar teria deixado de figurar na esfera da competência reservada da Assembleia da República.

5.2.5 - No entanto, e por outra via , se conclui necessariamente acerca da inconstitucionalidade do Decreto Regulamentar nº 48/86.

Antes de mais porque, mesmo nos casos em que a Assembleia da República se limita a regular as bases do regime jurídico, ainda assim, o seu desenvolvimento terá de ser operado por um diploma legislativo, um decreto-lei de desenvolvimento (artigo 201º, nº1, alínea c)), e não mediante regulamento. Com o princípio da reserva de lei limitada às bases gerais desejou-se, por um lado, assegurar a intervenção legislativa primária da Assembleia da República, e, por outro, permitir ao Governo, mesmo sem autorização legislativa, legislar sobre a mesma matéria, uma vez fixadas as bases gerais através de lei do parlamento. Sob um ponto de vista material, as leis de bases constituem directivas e limites dos decretos-lei de desenvolvimento: directivas, porque definem os parâmetros materiais, isto é, os princípios e critérios a que o Governo deve sujeitar-se no desenvolvimento das referidas leis; limites, porque o desenvolvimento pelo Governo das leis de bases deve manter-se dentro das normas fixadas nas bases da Assembleia da República (22) .

5.2.6 - De resto, adiante se apresentarão outras diferentes ordens de razões que apontam para a conclusão que, desde já, se avança, quanto à inconstitucionalidade das normas do Decreto Regulamentar nº 48/86.

Independentemente, pois, de se saber se o Decreto Regulamentar nº 48/86 é ou não totalmente conforme com os Decretos-lei nºs 110-A/81 e 100/84, a verdade é que ele contém normas que não podiam ser criadas por regulamento, mas apenas por decreto-lei, tendo, assim, invadido o espaço legislativo. Acontece, porém, que o decreto regulamentar nem sequer é totalmente conforme com o Decreto-Lei nº 110-A/81, ou seja, o diploma à luz do qual viria a ser editado - cfr. supra, ponto 2.4. -, sendo inovador em algumas disposições.

Acresce ainda, e por fim, a circunstância de, no que respeita à adopção do regime de trabalho por turnos (artigo 17º do Decreto Regulamentar) inexistir qualquer disposição habilitante (23).

Ou seja: constata-se que: a) o Decreto-Lei nº 110-A/81 não podia credenciar o Decreto Regulamentar para disciplinar as matérias que constituem o seu objecto; b) ocorrem desconformidades entre o Decreto Regulamentar e o diploma credenciador; c) inexiste, pura e simplesmente, norma habilitadora no que se refere à adopção do regime de trabalho por turnos.

5.3 - Passemos agora à apreciação da eventual violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República por infracção do disposto na alínea r) do nº1 do artigo 168º, ou seja, da matéria relativa ao "estatuto das autarquias locais".

5.3.1 O estatuto das autarquias locais abrange (além do regime das finanças locais), "a sua organização, as suas atribuições e a competência dos seus órgãos e a estrutura dos seus serviços, o regime dos seus funcionários (24) etc., ou seja, a generalidade das matérias tradicionalmente incluídas no chamado "Código Administrativo" (25). Na redacção originária do texto constitucional, a matéria incluída na esfera da reserva relativa da Assembleia da República era a "organização das autarquias locais" (alínea h) do artigo 167º do texto constitucional de 76). No entanto, já então se defendia que o conceito “organização” deveria ser interpretado "em termos amplos, abrangendo não só o regime dos órgãos autárquicos, mas também as atribuições das autarquias e a competência dos seus órgãos, isto é, todo o estatuto das autarquias locais" (26) .

0 "estatuto das autarquias locais" está distribuído e disperso por vários diplomas que versam as matérias já referidas, cumprindo destacar, entre outros, o citado Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, que, regula a estrutura, funcionamento e competência dos órgãos das autarquias existentes (freguesias e municípios) , para além do Código Administrativo, que, no que se refere às atribuições, continua fundamentalmente em vigor, com as correcções impostas pela Constituição.

5.3.2 - Já se viu que nos termos da alínea a) do artigo 13º do Decreto Regulamentar nº 48/86, "a autorização de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados deve ser fundamentada e préviamente autorizada" pelo "órgão executivo dos municípios e freguesias".

Por sua vez, o artigo 15º, nº2, do mesmo diploma estabelece que "as referências contidas nos diplomas referidos no número anterior (27) aos membros do Governo devem considerar-se feitas aos órgãos mencionados no artigo 13º do presente decreto regulamentar". Finalmente, o artigo 17º dispõe que "na administração local compete aos órgãos referidos no artigo 13º do presente diploma a aprovação e a organização do trabalho por turnos previstas, respectivamente, nos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 308/85, de 30 de Julho".

Como bem se pondera na informação/parecer a que supra se faz referência no ponto 1, in fine, a definição da entidade competente na administração local para a autorização da prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados, de acumulação de lugares ou cargos públicos e de trabalho por turnos, constante dos citados preceitos do Decreto Regulamentar nº 48/86, faz parte do chamado estatuto das autarquias locais.

Ora, atento o disposto na alínea r ) do nº1 do artigo 168º da Constituição, só a Assembleia da República, através de lei, ou o Governo, mediante decreto-lei autorizado, podem legislar sobre esta matéria.

No caso concreto, o Governo, sem qualquer credencial parlamentar, legislou, através de decreto regulamentar, sobre o estatuto das autarquias locais.

Mesmo que tivesse obtido a necessária autorização legislativa - o que não aconteceu -, a mesma só podia ser utilizada pelo Governo mediante o exercício do poder legislativo, e não de outro, designadamente o poder regulamentar. Obtida uma autorização, o Governo, se quiser utilizá-la, deve fazê-lo mediante decreto-lei.

Como escrevem G. CANOTILHO e V. MOREIRA, "o Governo não pode transferir o poder legislativo da Assembleia da República - que esta lhe permitiu exercer - para o seu próprio poder regulamentar" (28).

Esclarecendo a matéria, ponderam os citados autores que a transferência para o poder regulamentar seria sempre, aliás, uma fraude à autorização legislativa em vários aspectos: quanto ao prazo (visto que o Governo ficaria livre quanto ao momento de emitir o regulamento); quanto ao controlo da utilização da autorização pela Assembleia da República (visto que os regulamentos não estão sujeitos à apreciação parlamentar nos termos do artigo 172º); quanto ao controlo da constitucionalidade, visto que os regulamentos não estão sujeitos a controlo preventivo (cfr. artigo 2789, n2 1).

Sendo o estatuto das autarquias locais matéria do domínio da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, não pode ser objecto de regulamento (editado ao abrigo de uma norma contida num decreto-lei não autorizado).

0 que significa que os artigos 13º, 15º, nº2, e 17º do Decreto Regulamentar nº 48/86, de 1 de Outubro, violam o artigo 168º, nº1, alínea r), da Constituição e estão feridos de inconstitucionalidade orgânica e formal, por não emanarem do órgão constitucionalmente competente para os emitir nem revestirem a forma constitucionalmente imposta.

6.

Resta-nos proceder à análise da questão da eventual infracção do disposto no nº5 do artigo 115º da Constituição - cfr. supra, ponto 3.3, alínea c).

6.1 - Como é salientado por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o artigo 115º concretiza em primeiro lugar alguns dos princípios fundamentais inerentes ao princípio do Estado de direito democrático: o princípio da hierarquia das fontes, o princípio da tipicidade das leis e o princípio da legalidade da administração.

São duas as categorias de actos normativos aqui contemplados: os actos legislativos (nºs 1, 2, 3, 4 e 5) e os actos regulamentares (nºs 6 e 7). A primeira categoria comporta três espécies -lei, decreto-lei e decreto legislativo regional - (nº1); a segunda integra várias modalidades, nomeando o preceito tão-somente o decreto regulamentar (nº6).

Anotando o preceito constitucional que ora nos ocupa, ponderam os citados constitucionalistas que "a Constituição não fornece qualquer critério de definição da fronteira material entre o domínio legislativo e o domínio regulamentar. Teoricamente, em cada área normativa deveria haver uma parte legislativa e uma parte regulamentar. Mas a proporção em que isso acontece depende essencialmente da lei. Ela tanto pode esgotar a regulamentação da matéria, consumindo o regulamento (pois não existe reserva de regulamento), como pode limitar-se a deferir para regulamento de certa entidade a tarefa de regulamentação material do assunto (o que não pode haver é uma área normativa preenchida apenas por via regulamentar, sem qualquer lei prévia). Entre esses dois extremos, existem múltiplas possibilidades. Há, porém, certos limites constitucionais, pois, nas áreas de reserva de competência legislativa, a lei deve ela mesma preencher, pelo menos num primeiro nível, toda a área, só deixando para regulamento a execução das suas normas (regulamentos puramente executivos (29)).

6.2 - Duas foram as razões básicas que nortearam a apresentação do preceito que viria a originar o artigo 115º, disposição sem correspondência no texto original da Constituição, sendo, por assim dizer, uma criação da Lei Constitucional nº 1/82.

A esse respeito referiu JORGE MIRANDA:

"Em primeiro lugar, uma razão de condensação constitucional: a matéria de actos legislativos aparece esparsa, hoje, por alguns preceitos constitucionais.[...] Em segundo lugar, tentar meter um pouco de ordem num domínio em que, de há longos anos a esta parte, se verifica, quase diria, um verdadeiro caos no sistema jurídico português" (30).

6.2.1. De decisiva importância para a análise da questão submetida à nossa apreciação se revela o nº5 do artigo em apreço.

Justifica-se, portanto, que se recorde o seu conteúdo.

Dispõe o seguinte:

"Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos".

Não se revela fácil a tarefa de determinar a interpretação de tal norma, mormente no que se refere à captação do sentido e alcance da segunda parte do preceito (31).

0 objectivo da proibição constitucional aí vertida consiste em impedir que a lei confira a actos não legislativos o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos.

Ou seja, pretendeu-se, em primeiro lugar, proibir a interpretação (ou integração) autêntica de leis através de actos normativos não legislativos (v. g., os regulamentos), ou de actos administrativos (v. g., despachos, directivas, etc.). Por outro lado, da parte final da norma em apreço resulta clara e expressamente a proibição de regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis. Trata-se, aliás, de um corolário lógico dos princípios da preeminência e tipicidade dos actos legislativos.

Quer isto dizer que as leis não podem autorizar que a sua própria interpretação, integração, modificação, suspensão ou revogação sejam determinadas por outro acto que não seja uma outra lei. Salvo os casos expressamente previstos na Constituição (cfr. artigo 172º), uma lei só pode ser afectada na sua existência, eficácia ou alcance por efeito de uma outra lei. (32)

Os "actos de outra natureza" a que o preceito se refere abrangem, para além dos actos administrativos e dos actos jurisdicionais, os actos normativos (designadamente os regulamentos).

6.2.2 A lei, vimo-lo, tem absoluta prioridade sobre os regulamentos, proibindo-se expressamente, no nº5 do artigo 115º, os regulamentos modificativos, suspensivos ou revogatórios das leis. "Isto significa a inadmissibilidade no direito constitucional vigente, de "regulamentos delegados" ou "autónomos" em qualquer das suas manifestações típicas (33) .

Como se concluiu no parecer nº 34/84, já citado, "o nº5 do artigo 115º estabelece a proibição dos regulamentos delegados ou autorizados, nas suas manifestações de regulamentos modificativos, suspensivos, revogatórios e derrogatórios" (conclusão III).

RODRIGUES QUEIRÓ, extraindo consequências da introdução, pela Lei nº 1/82, de 30 de Setembro, do nº5 do artigo 115º, reconhece que "até à revisão constitucional de 1982, entendia-se que o Parlamento ou o Executivo Legislador deslegalizasse certas matérias que não devessem assumir necessariamente a forma de lei. Teríamos assim a legitimidade de regulamentos delegados ou autorizados "praeter" ou “contra-legem”. Mas, no seu actual artigo 115º, nº5 [...], a Constituição parece ter eliminado a legitimidade de tais regulamentos" (34).

Justificando as razões por que, hoje, a figura dos regulamentos "autorizados" é inequivocamente inconstitucional, pode ler-se, no referido parecer nº 34/84, o seguinte:

“Esses regulamentos implicam, em qualquer das manifestações atrás referidas, a violação dos princípios da preeminência e tipicidade dos actos legislativos e da hierarquia normativa;

A força e valor de lei não estão na disponibilidade do legislador (é a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa);

A Constituição (artigo 168º, nº2) admite apenas Decretos-Lei autorizados e não regulamentos” (35) .

6.2.3 Segundo EDUARDO GARCIA DE ENTERRIA , chama-se deslegalização à operação realizada por uma lei que, sem entrar na regulação substancial de uma matéria, até então regulada por lei anterior, abre essa matéria à disponibilidade do poder regulamentar da Administração (36). Ou seja, a lei de deslegalização é uma lei sem conteúdo normativo material, limitando-se a operar uma degradação do grau de regulação material anterior (37). A lei de deslegalização opera como “contrarius actus” da lei anterior de regulação material, não para inovar directamente, mas para degradar formalmente o grau da mesma, de modo que possa ser disciplinada, para o futuro, por simples regulamentos.

Como sustenta um autor, uma matéria regulada por lei poderá vir a ficar na disponibilidade do poder regulamentar da administração quando se verificar o fenómeno da deslegalização. A lei deslegalizadora cumpre, assim, duas funções: função de abaixamento de grau hierárquico, pois sem a sua existência tornam-se inconstitucionais os actos regulamentares com disciplina inovadora e função autorizante, dado a lei deslegalizante ser simultaneamente uma lei autorizante da disciplina material através dos regulamentos (38) e (39).

Em qualquer caso, dúvidas não há de que a deslegalização encontra limites constitucionais nas matérias constitucionalmente reservadas à lei. Sempre que exista uma reserva material de lei, a lei ou o Decreto-Lei (no caso de autorização legislativa) não poderão limitar-se a entregar aos regulamentos a disciplina jurídica da matéria constitucionalmente reservada à lei (40) .

6.2.4 - Vimos já que na proibição estabelecida no nº5 do artigo 115º se compreendem os reenvios normativos que se traduzem nos chamados regulamentos delegados ou autorizados (proibição dos regulamentos modificativos, derrogatórios, suspensivos ou revogatórios das leis (41) .

A proibição dos regulamentos delegados em qualquer das suas modalidades não constitui apenas um limite negativo do poder regulamentar; é também um limite do poder legislativo, dado que a norma constitucional pretende também subtrair à disponibilidade do legislador a determinação da força e valor da lei.

É a Constituição e não a lei que estabelece a hierarquia normativa. São, por isso, inconstitucionais as normas legais que infrinjam a proibição de delegação, sendo-o, derivadamente, os regulamentos que porventura sejam emitidos ao abrigo dessa delegação (42) .

6.3 – É tempo de nos aproximarmos da norma cuja conformidade com o disposto no nº5 do artigo 115º da Constituição é objecto do nosso esforço de pesquisa.

6.3.1 Relembre-se o disposto pelo artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81:

"0 disposto nos Capítulos III e IV do presente diploma será aplicável, com as necessárias adaptações, à administração local mediante decreto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e do Plano e da Reforma Administrativa".

Trata-se de uma norma de reenvio, através da qual a lei autoriza que um regulamento adapte o disposto em dois dos seus capítulos à administração local. Quer dizer que a lei confere a um regulamento o poder de adequar e harmonizar a disciplina dos seus Capítulos III e IV, ajustando-a à administração local. Assim, o artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81 autoriza que um regulamento modifique os seus capítulos relativos a trabalho extraordinário e nocturno, em dias de descanso e feriados (Capítulo III) e a acumulações (Capítulo IV).

Assim sendo, o artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81 viola o artigo 115º, nº5, da Constituição, por conferir a um regulamento o poder de modificar as disposições de dois dos seus capítulos.

6.3.2 - Pode, no entanto, observar-se que, à data da publicação do Decreto-Lei nº 110-A/81 não estava ainda em vigor a disposição do nº5 do artigo 115º da Constituição.

Todavia, por um lado, como já se referiu, a deslegalização ou o reenvio normativo (para regulamento) estão sempre excluídos nas matérias sujeitas ao princípio da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, sendo inconstitucionais quaisquer fenómenos de deslegalização incidentes sobre matérias reservadas aos órgãos legislativos (43). Ora, já se verificou ser esse o caso da matéria presente na consulta.

Mas, por outro, é sempre possível defender a tese da inconstitucional idade superveniente da norma, com efeitos a partir da revisão constitucional de 1982 (44), tanto mais quanto é certo que a utilização do reenvio foi feita posteriormente à vigência da lei da revisão constitucional, ou seja, depois da entrada em vigor do actual artigo 115º, nº5.

Com efeito, o Decreto Regulamentar nº 48/86, de 1 de Outubro, veio adaptar, para efeitos de aplicação à administração local, os referidos Capítulos III e IV do Decreto-Lei nº 110-A/81, de 14 de Maio (e até, como já se disse, o regime de trabalho por turnos, previsto no Decreto-Lei nº 308/85, de 30 de Julho, sem que, para tal, estivesse autorizado pelo artigo 32º do primeiro dos referidos Decretos-Lei).

Assim, e uma vez que o Decreto Regulamentar nº 48/86 modificou o Decreto-Lei nº 110-A/81, com o fim de ajustar a disciplina dos capítulos indicados (e não só) à administração local, violou o disposto no nº5 do artigo 115º da Constituição. Igualmente se deverá concluir que o artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81 é supervenientemente inconstitucional, com efeitos a partir da entrada em vigor da revisão constitucional de 1982, por ter autorizado um regulamento a modificar as suas próprias disposições. Já se viu, porém (45) , que o Decreto-Lei nº 110-A/81 tinha sido mantido em vigor, à data da publicação do Decreto Regulamentar, pelo Decreto-Lei nº 20-A/86, de 13 de Fevereiro, pelo que se impõe concluir que a norma à luz da qual foi efectuado o reenvio constitucionalmente interdito foi o já referido nº2 do artigo 12º do citado diploma, na parte em que manteve em vigor o artigo 32º do Decreto-Lei nº 116-A/81.

Logo, se é inconstitucional autorizar, não pode deixar de o ser o uso, a utilização dessa autorização, feitos, no caso da consulta, pelo Decreto Regulamentar nº 48/86.

7.

Pelo exposto e em conclusão:

1º - 0 princípio da autonomia do poder local traduz-se no facto de as autarquias terem atribuições próprias, serem dotadas de órgãos representativos, possuírem meios financeiros e humanos e de estar garantida a não ingerência por parte do poder central, sem prejuízo do regime de tutela;

2º - Os artigos 13º, 15º, nº2, e 17º do Decreto Regulamentar nº 48/86, de 1 de Outubro, não infringem o princípio constitucional da autonomia das autarquias locais, pelo que não são, nessa medida, materialmente inconstitucionais;

3º - 0 "regime e âmbito da função pública", que, na redacção originária da Constituição, constituía matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República (artigo 167º, alínea m)), contemplava o sistema geral de categorias integrantes dos quadros do funcionalismo público, abrangendo a organização das suas carreiras, as condições de acesso e de recrutamento e o complexo de direitos e de deveres funcionais, válidos para todos os funcionários públicos;

4º - Nessa medida toda e qualquer disciplina normativa do regime e âmbito da função pública só poderia constar da lei da Assembleia da República ou de decreto-lei autorizado.

5º - Nos termos da alínea u) do nº1 do artigo 168º da Constituição (na redacção posterior à revisão constitucional de 1982), apenas pertence à esfera da reserva da competência legislativa da Assembleia da República a matéria relativa às "bases do regime e âmbito da função pública”;

6º - Mesmo nos casos em que a Assembleia da República se limita a regular as bases do regime jurídico, o respectivo desenvolvimento terá de ser operado por um diploma legislativo, um decreto-lei de desenvolvimento (artigo 201º, nº1, alínea c));

7º - Atento o conteúdo das conclusões precedentes (3ª a 6ª), o Decreto Regulamentar nº 48/86 é formal e organicamente inconstitucional;

8º - 0 "estatuto das autarquias locais" abrange, além do regime das finanças locais, a sua organização, as suas atribuições e a competência dos seus órgãos, a estrutura dos seus serviços e o regime dos respectivos funcionários;

9º - A definição da entidade competente, no âmbito da administração local, para a autorização da prestação de trabalho extraordinário, nocturno e em dias de descanso ou feriados, de acumulação de lugares ou cargos públicos e de trabalho por turnos, constante dos artigos 13º, 15º, nº2, e 17º do Decreto Regulamentar nº 48/86, faz parte do “estatuto das autarquias locais";

10º - Atento o disposto na alínea r) do nº1 do artigo 168º da Constituição, só a Assembleia da República, através de lei, ou o Governo, mediante decreto-lei editado no exercício da prévia autorização legislativa, podem legislar sobre o estatuto das autarquias locais;

11º - Atento o que se refere nas conclusões 8ª a 10ª, os artigos 13º, 15º, nº2, e 17º do Decreto Regulamentar nº 48/86 violam o artigo 168º, nº1, alínea r), da Constituição, pelo que estão, também por esse motivo, feridos de inconstitucionalidade;

12º - O nº5 do artigo 115º da Constituição estabelece a proibição dos regulamentos delegados ou autorizados nas suas manifestações de regulamentos modificativos, suspensivos, revogatórios e derrogatórios;

13º - 0 artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81 é uma norma de reenvio, através da qual a lei autoriza que um regulamento adapte, modificando-o, o disposto em dois dos seus capítulos (III e IV) à administração local;

14º - 0 Decreto Regulamentar nº 48/86 adaptou, para efeitos da sua aplicação à administração local, os referidos capítulos do Decreto-Lei nº 110-A/81 e, bem assim, o regime de trabalho por turnos, previsto no Decreto-Lei nº 308/85, de 30 de Julho;

15º - 0 artigo 12º, nº2, do Decreto-Lei nº 20-A/86, de 13 de Fevereiro, na parte em que manteve em vigor o artigo 32º do Decreto-Lei nº 1lO-A/81, de 14 de Maio, é, assim, inconstitucional;

16º - Derivadamente, também o Decreto Regulamentar nº 48/86, de 1 de Outubro, ao exercer os referidos poderes de modificação, é inconstitucional, por violação do nº5 do artigo 115º da Constituição.




(1) - Sublinhado nosso.

(2) - Com efeito, apenas se lobriga a equivalência do nº2 do artigo 5º e do nº2 do artigo 6º do Decreto Regulamentar em relação ao nº3 e ao nº4 (respectivamente) do artigo 11º do Decreto-Lei nº 110-A/81.

(3) - Retomaremos esta questão, atendendo à ênfase que lhe é dada pela Câmara Municipal de Fafe - cfr. infra, ponto 4.2..

(4) - Quanto ao pessoal dirigente - cfr. artigo 24º do decreto-lei nº 110-A/81, e artigo 9º do Decreto-Lei nº 191-F/79, diploma que não contém qualquer norma de reenvio equivalente ao já referido artigo 32º do Decreto-Lei nº 110-A/81.

(5) - Tal como resultam da informação do Director do Departamento Administrativo Municipal, de 7 de Novembro de 1986, constante do processo.

(6) - Afirma-se ter havido uma usurpação de poder, "dado que a entidade que está na base da elaboração do presente Decreto Regulamentar foi para além daquilo que lhe é legítimo".

(7) - Nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 51º compete à câmara municipal, no âmbito da organização e funcionamento dos seus serviços, bem como no da gestão corrente "superintender na gestão e direcção do pessoal ao serviço do município". No entanto, por força do nº1 do artigo 52º, tal competência considera-se tacitamente delegada no presidente da câmara, ao qual compete, nos termos do artigo 55º, coordenar os serviços municipais no sentido de desenvolver a sua eficácia e assegurar o seu pleno aproveitamento.

(8) - Acompanhamos de perto, neste ponto, o parecer nº 65/84, de 10 de Outubro de 1985, ainda inédito.

(9) - Cfr. "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª edição, 1º volume, Coimbra, 1984, págs. 86 e segs..

(10) - Vejam-se, a propósito das especificidades do regime jurídico do funcionalismo autárquico, os pareceres nºs 151/83, de 14 de Março de 1985, publicado no “Diário da República", II Série, nº 135, de 15-6-1985, pág. 5 492, e 147/85, de 30 de Janeiro de 1986, publicado no "Diário da República”, II Série, nº 91, de 19 de Abril de 1986, pág. 3 709.

(11) GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", 3ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 313.

(12) Acerca da acção tutelar exercida sobre a Administração Local, cfr., V. g., os pareceres n2s 210/79, de 6-3-80, e 90/82, de 28-10-82, publicados, respectivamente, na II Série do "Diário da República”, de 6-11-80 e de 30-6-83 e no Boletim do Ministério da Justiça, nºs 301, pág. 197, e 327, pág. 379.

(13) - Cfr. BAPTISTA MACHADO, "Participação e Descentralização”, Coimbra, 1978, págs. 15 e 17; parecer nº 93/80, de 23-10-80, na II Série da folha oficial de 10-3-81 e no Boletim do Ministério da Justiça, nº 305, pág. 134.

(14) - 0 Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, foi publicado com o objectivo confessado de rever a Lei nº 79/77, de 25 de Outubro, tendo presente que "a consagração constitucional do princípio de autonomia das autarquias locais e da descentralização da Administração Pública [...] impõe que seja dada a devida relevância aos aspectos relativos à definição das atribuições das autarquias locais e à competência dos respectivos órgãos" (do preâmbulo).

(15) - Cfr. , v. g, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 452/87, publicado no Diário do Governo, I Série, de 2 de Janeiro de 1988, no âmbito do qual é apreciada a problemática da violação do princípio constitucional da autonomia das autarquias locais.

(16) - Sobre este ponto, cfr., v. g., JORGE MIRANDA, "A competência do Governo na Constituição de 1976", in Estudos sobre a Constituição, 3º vol. , Lisboa, 1979, págs. 633 e segs. ; J. G. CANOTILHO/VITAL MOREIRA, obra citada, 1ª edição, Coimbra, 1978, págs. 387 e segs. ; J. G. CANOTILHO, "Direito Constitucional", 3ª edição, 1983, págs. 562 a 575, 624 a 644 e 653 a 666.

(17) - "Constituição da República Portuguesa Anotada", 2ª edição, 2º volume, nota IV ao artigo 168º, pág. 197.

(18) - Cfr. Acórdão nº 266/87 (Processo nº 78/86), de 8 de Julho de 1987, publicado no "Diário da República", I Série, nº 197, de 28-8-1987, págs. 3 333 e seg..

(19) - In "Pareceres", volume 9º, pág. 48.

(20) - Cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 78/84, publicado no "Diário da República", II Série, de 11 de Janeiro de 1985.

(21) - Normas de semelhante conteúdo vinham sendo incluídas nos diplomas de actualização anual dos vencimentos da função pública - cfr., v. g., o artigo 10º do Decreto-Lei nº 15-B/82, de 20 de Janeiro, o artigo 19º, nº2, do Decreto-Lei nº 57-C/84, de 20 de Fevereiro e o artigo 17º, nº2, do Decreto-Lei nº 40-A/85, de 11 de Fevereiro. Já no corrente ano, veja-se o Decreto-Lei nº 26/88, de 30 de Janeiro, artigo 11º, nº2.

(22) - Cfr. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", 4ª edição, pág. 625.

(23) - Cfr. supra, a afirmação constante do ponto 2.l., in fine, segundo a qual o Decreto-Lei nº 308/85 não contém norma equivalente ao artigo 32º do Decreto-lei nº 110-A/81.

(24) - 0 regime dos seus funcionários deve ser entendido com referência ao disposto na alínea u) do referido nº1 do artigo 168º, ou seja, no sentido das "bases do regime da função pública", com o alcance já oportunamente definido - cfr. supra, 5.2.1. a 5.2.4., pelo que, nessa parte, se remete para o que oportunamente se escreveu a propósito do tratamento desta questão.

(25) - GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, loc. cit. na nota (17), anotação XIX ao artigo 168º, pág. 202.

(26) - GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978, anotação IV ao artigo 167º, pág. 334.

(27) - Decretos-Lei nºs 110-A/81, de 14 de Maio, e 191-F/79, de 26 de Junho.

(28) - In loc. cit. anotação XXXI ao artigo 168º , págs. 206 e 207.

(29) - Obra e volume citados, anotação III ao artigo 115º, pág. 55.

(30) - "Diário da Assembleia da República", II Série, Suplemento ao nº 19, de 25 de Novembro de 1981, pág. 432-(24).

(31) - Cfr. os trabalhos parlamentares de revisão constitucional, onde se colhem elementos de pouca valia, nos "Diários da Assembleia da República", II Série, Suplemento ao nº 19, de 25-11-1981, págs. 432-(24) a 432-(26); 1ª Série, nº 115, de 8-7-1982, pág. 4 775.


(32) - Cfr. parecer nº 34/84, de 20 de Julho de 1984, publicado no Diário da República, II Série, nº 230, de 3-10-1984 e no "Boletim", nº341, págs. 96 e segs. (ponto III. 3.2) e os abundantes elementos de doutrina aí citados. Como se observa no citado parecer "a interpretação através de regulamento jamais pode ter força e valor de lei".

(33) - Cfr. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", Almedina, Coimbra, 4ª edição, págs. 673 e segs.. Sobre a classificação dos regulamentos, podem ver-se MARCELLO CAETANO, "Manual de Direito Administrativo”, 10ª edição, Tomo I, págs. 98 e segs., AFONSO RODRIGUES QUEIRÓ, "Lições de Direito Administrativo", Vol. I, págs. 416 e segs., e "Teoria dos Regulamentos", in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs 1-2-3-4, págs. 5 e segs., JORGE MANUEL COUTINHO DE ABREU, "Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade", Almedina, Coimbra, págs. 47 e segs. e MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA, "Direito Administrativo", Vol. I, págs. 109 e segs..

(34) - "Teoria dos Regulamentos", in loc. cit. na nota anterior, pág. 11. 0 autor acrescenta, porém, em nota: "0 preceito diz entretanto mais do que parece ter querido dizer porque a letra eliminaria mesmo a legitimidade dos regulamentos executivos que, com eficácia externa, interpretam e integram os actos legislativos. Impõe-se entretanto uma interpretação restritiva, ante o que se prescreve no artigo 202º, alínea c)".

(35) – Veja-se sobre este assunto o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 201/85 (Processo nº 30/84), publicado no Diário da República, II Série, nº 32, de 7-2-1986.

(36) - "Legislación Delegada, Potestad Reglamentaria y Control Judicia1” 1970 168

(37) - A deslegalização não se confunde, por isso, com a chamada remissão normativa ou reenvio normativo, que, no ensinamento de GARCIA DE ENTERRIA, se verifica "quando uma lei remete para uma normação ulterior, a cargo da Administração, a determinação de certos elementos normativos que complementam a ordenação que apropria lei reenviante (remitente ou delegante) estabelece" - obra citada, págs. 149 e segs.. A lei de remissão é uma lei de regulação material, só que é uma lei incompleta, que apenas consubstancia a totalidade da regulação material, uma vez completada mediante a norma remetida; a lei remitente contém, pois, regras materiais, dando-se entre essas regras e o regulamento uma inserção sistemática inter-normativa - cfr. parecer nº 34/84, ponto IV.3..

(38) - Cfr. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", 3ª edição, pág. 677.

(39) - Cfr. os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 15/84, publicado na II Série do Diário da República, nº 109, de 11-5-1984 e no "Boletim", nº342, pág. 172, 120/84, publicado na II Série do "Diário da República", nº 53, de 5-3-1985 e 201/85, publicado na II Série do "Diário da República", nº32, de 7-2-1986, apontando para a inconstitucionalidade superveniente, com efeitos a partir da revisão constitucional de 1982. Vejam-se também os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 354/86, 19/87 e 387/87 sobre o artigo 3º do Decreto-Lei nº 39/81, de 7 de Março, supervenientemente inconstitucional. Para melhor compreensão, veja-se GUILHERME DA FONSECA, “Delegalização - Constitucionalidade do Despacho Normativo nº 180/81, de 21 de Julho, e do artigo 3º do Decreto-Lei nº 39/81, de 7 de Março", in Revista do Ministério Público, nº 26, págs. 139 e segs..

(40) - Cfr. GOMES CANOTILHO, "Direito Constitucional", 4ª edição, pág. 677.

(41) - Dessa proibição excluem-se os reenvios ou remissões normativas mediante os quais a lei remete para a Administração a edição de normas regulamentares executivas ou complementares da disciplina por ela estabelecida.

(42) - GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, obra e local citados, anotação XV ao artigo 115º, pág. 63.

(43) - Cfr. RODRIGUES QUEIRÓ, Lições citadas, págs. 427 a 431 e GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, local citado, pág. 64 (anotação XVI ao artigo 115º).

(44) - Veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 201/85 (Processo nº 30/84), já indicado na nota (35). Confronte-se também o acolhimento expresso no Acórdão nº 189/85 (Processo nº 52/84), de 29 de Outubro, publicado na II Série do Diário da República, nº 293, de 20-12-1985, concluindo-se que: "Até à revisão constitucional de 1982 poderia entender-se que o Parlamento ou o Executivo legislador pudessem deslegalizar certas matérias que não devessem assumir necessariamente a forma de lei. Teríamos, assim, a legitimidade de regulamentos delegados autorizados, praeter ou até contra legem. Mas, no seu actual artigo 115º, nº5, aditado pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro, a Constituição eliminou a legitimidade de tais regulamentos (vide QUEIRÓ, "Teoria dos Regulamentos", in Revista de Direito e Estudos Sociais, Ano XXVII, nºs 1, 2, 3 e 4, pág. 1)”.

(45) - Cfr. supra, 5.2.4..
Anotações
Legislação: 
CONST76 NA REDACÇÃO ORIGINARIA ART167 M.
CONST76 ART115 N5 ART168 N1 R U ART201.
DL 110-A/81 DE 1981/05/14 ART32.
DRGU 48/86 DE 1986/10/01 ART13 ART15 N2 ART17.
DL 308/85 DE 1985/07/30 ART2 ART3.
DL 20-A/86 DE 1986/02/13 ART12 N2.
DL 100/84 DE 1984/03/29 ART51 N1 B ART52 N1 ART55.
Jurisprudência: 
AC TC 452/87 IN DR IS DE 1988/01/02.
AC TC 266/87 DE 1987/07/08 IN DR IS DE 1987/08/28 PAG3333.
P CC 22/79 IN PCC VOL9 PAG48.
AC TC 78/84 IN DR IIS DE 1985/01/11.
Referências Complementares: 
DIR CONST.
Divulgação
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