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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
15/2021, de 17.02.2022
Data do Parecer: 
17-02-2022
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Maioria
Número de votos vencidos: 
2
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
João Conde Correia dos Santos
Votantes / Tipo de Voto / Declaração: 
Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Eduardo André Folque da Costa Ferreira

Votou parcialmente vencidoe



João Conde Correia dos Santos

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Conde Correia dos Santos

Votou em conformidade



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria da Conceição Silva Fernandes Santos Pires Esteves

Votou em conformidade



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria de Fátima da Graça Carvalho

Votou em conformidade



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Maria Isabel Fernandes da Costa

Votou em conformidade



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



Marta Cação Rodrigues Cavaleira

Votou em conformidade



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou todas as conclusões sem reservas nem declarações



João Alberto de Figueiredo Monteiro

Votou em conformidade



Celso José das Neves Manata

Votou todas as conclusões, aderindo à declaração de outro



Celso José das Neves Manata

Votou parcialmente vencidoe

Observação: 
Autorizada a divulgação, apesar de recusada a homologação
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DIREITO DE REUNIÃO
DIREITO DE MANIFESTAÇÃO
DIREITOS FUNDAMENTAIS
RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
DIREITO À SAÚDE
DEFESA DA SAÚDE PÚBLICA
DECLARAÇÃO DO ESTADO DE EMERGÊNCIA
SUSPENSÃO DE DIREITOS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRESIDENTE DA CÂMARA
ABUSO DE PODER
AUTORIDADE POLICIAL
ATOS CONTRÁRIOS À LEI OU À MORAL
ORDEM PÚBLICA
Conclusões: 

      1.ª Os direitos de reunião e de manifestação gozam de proteção internacional (art. 20.º, n.º 1, da DUDH; art. 18.º do PIDCP; arts. 9.º, n.º 2 e 11.º da CEDH; e art. 12.º, n.º 1 da CDFUE), de tutela jurídico-constitucional (art. 45.º da CRP) e de consagração legal (Dec.-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto);

               2.ª Em ambos os casos, está em causa um direito fundamental, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas (art. 18.º, n.º 1, da CRP);

              3.ª Os direitos fundamentais, mesmo os direitos, liberdades e garantias, não são absolutos ou ilimitados, podendo ser restringidos, nos termos da lei fundamental (art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP);

              4.ª Ainda que não exista autorização legislativa expressa, os direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) podem ser restringidos, de modo a operar a sua concordância prática com outros direitos ou interesses jurídico-constitucionais;

              5.ª O direito à saúde (art. 64.º da CRP) comporta duas vertentes: uma (negativa) consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de quaisquer atos que prejudiquem a saúde; outra (positiva) consiste no direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o seu tratamento;

               6.ª A «capacidade sistémica do sistema nacional de saúde», também constitui, hoje em dia, um bem jurídico fundamental, cuja proteção cabe essencialmente ao Estado e demais entidades públicas, mas também ao cidadão;

               7.ª A defesa intransigente da saúde pública, nas dimensões acima referidas (art. 64.º da CRP) pode conflituar com outros direitos fundamentais, maxime com os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP);

               8.ª Ao nível da emergência médica existem normas, designadamente na Lei de Bases da Saúde (v.g. Base 34 da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro) e no sistema de vigilância de saúde pública (arts. 14.º, 17.º e 18.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto) que legitimam a adoção de medidas suscetíveis de conflituar com os direitos fundamentais de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP);

               9.ª O exercício dos direitos fundamentais de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) não deve coartar o direito à saúde (art. 64.º da CRP), mas este também não pode aniquilar aqueles;

              10.ª Em qualquer época histórica e em qualquer tipo de Estado podem ocorrer situações de emergência resultantes de acontecimentos humanos ou naturais excecionais, de índole interna ou externa e com maior ou menor impacto na comunidade;

               11.ª A declaração do estado de emergência (art. 19.º da CRP) modifica temporariamente (art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro) a organização dos poderes públicos e a distribuição das respetivas competências, conferindo ao Governo (art. 17.º da Lei n.º 44/86) poderes que normalmente ele não detém, de modo a superar, rapidamente, a situação que legitima a sua declaração; 

               12.ª Mesmo assim, apesar desses poderes excecionais, o estado de emergência jamais poderá afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião (art. 19.º, n.º 6, da CRP e art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86) ou, mesmo, outros direitos por estritas razões de analogia legis;

                13.ª A contrario, todos os outros direitos, incluindo os de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) podem ser suspensos, mas a sua suspensão deve, quer quanto à sua extensão, quer mesmo quanto à sua duração, quer quanto aos meios utilizados, limitar-se apenas ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional (art. 19.º, n.º 4, da CRP e art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86) e ser apenas parcial (art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 44/86);

              14.ª Com efeito, para além da opção pelo estado de emergência e respetiva declaração, também a sua execução está subordinada ao princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação (as medidas devem ser o meio adequado à prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), de necessidade (o legislador não dispõe de outros meios, menos restritivos, para alcançar o mesmo desiderato) e de justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão ser adotadas medias excessivas, que se revelem desproporcionadas aos objetivos prosseguidos); 

              15.ª Neste contexto, nas situações de normalidade constitucional, o conflito entre os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) e o direito à saúde (art. 64.º da CRP) deve ser tratado no quadro da compressão de direitos (art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP) e só nas situações de estado de emergência, se não for possível proceder de outra forma, poderá ser implementada a suspensão de direitos;

        

               16.ª O presidente da câmara tem competência legal para apreciar e decidir, do ponto de vista material, a conformidade da comunicação que lhe é feita pelo(s) promotor(es) com o exercício do direito de manifestação (arts. 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 406/74);

              17.ª Esta decisão reveste a maior delicadeza, sobretudo porque, mesmo um juízo de prognose robusto que assevere ir ocorrer infração da lei, comportamento ostensivamente imoral, lesão de direitos de terceiros e perturbações da ordem ou tranquilidade públicas, tem de obedecer a duas ordens de requisitos;

              18.ª Por um lado, se não houver indícios firmes de grave ilicitude ou de perigo, na prognose a efetuar, o órgão competente não deve proibir a reunião ou manifestação, optando, antes, pelo reforço das medidas de vigilância policial ao seu alcance ou ao alcance das forças de segurança;

              19.ª Por outro lado, os conceitos indeterminados utilizados pelo legislador para consagrar este poder devem, por regra, ser interpretados declarativa, senão mesmo, restritivamente, deve cingir-se às infrações criminais e a certas contraordenações muito graves e o conceito de «moral» deve pressupor a «suscetibilidade de indignação razoável numa sociedade pluralista»;

              20.ª Os presidentes das câmaras não se devem limitar a um mero controlo formal dos requisitos das reuniões ou manifestações, antes lhes cabendo um poder efetivo de as proibir dentro dos parâmetros legais definidos, quando elas prosseguirem objetivos que não estão incluídos no âmbito de proteção destas normas;

              21.ª O abuso do poder de proibir o livre exercício dos direitos de reunião (art. 45.º. n.º 1, da CRP) ou de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) poderá constituir crime (v.g. art. 15.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74);

              22.ª As autoridades de polícia têm competência para determinar a interrupção de uma reunião ou de uma manifestação, quando estas se afastarem das suas finalidades (art. 5.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 406/74, arts. 25.º, n.º 2, als a) e b), 26.º e 28.º, n.º 1, alª c), da Lei n.º 53/2008; arts. 2.º, n.º 2 e 3.º, da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro; arts. 1.º, n.º 2 e 3.º, n.º 2, da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto);

               23.ª O presidente da câmara nem sempre tem condições para fazer cumprir, integralmente, o disposto no Dec.-Lei n.º 406/74, designadamente para interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos, ou abertos ao público quando se afastarem da sua finalidade (art. 5.º, n.º 1), sem se coordenar com as forças de segurança sob a direção do Governo [arts. 182.º, 199.º, al.ª d) e 272.º, n.º 4, da CRP];

               24.ª O poder de interromper reuniões ou manifestações pressupõe a constatação de que se afastaram da sua finalidade, pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbam grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou que, pelo seu objeto, ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (art. 5.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74);

              25.ª Os direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) não se confundem: uma reunião (v.g. uma confraternização realizada num local público) não é, necessariamente, uma manifestação e esta não pressupõe sempre aquela (v.g. o caso paradigmático do manifestante isolado);

              

              26.ª Daí que invocar o direito de manifestação (que tem um núcleo essencial mais denso) para realizar uma reunião que, no caso concreto, seja legalmente proibida constitui um objetivo contrário à Lei (art. 1.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74), eventualmente, pelo menos do ponto de vista objetivo, subsumível no crime previsto no artigo 15.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 406/74;

              27.ª Tal «manifestação» deverá ser proibida pelo presidente da câmara ou interrompida pelas demais autoridades competentes;

               28.ª A proibição do direito de reunião sempre implicará a proibição do direito de manifestação coletiva uma vez que esta pressupõe aquela; e

               29.ª O âmbito de proteção constitucional (art. 45.º da CRP) e legal (art. 1.º do Dec.-Lei n.º 406/74) dos direitos de reunião e de manifestação não se restringe a finalidades políticas, sindicais ou religiosas, incluindo outras motivações, nomeadamente desportivas.   

Texto Integral
Texto Integral: 

      N.º 15/2021

JCC

Senhora Ministra da Administração Interna

Excelência:

Dignou-se o antecessor de Vossa Excelência solicitar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, com a legitimidade que assiste aos membros do Governo, nos termos da alínea a), do artigo 44.º, da Lei n.º 68/2019, de 27 de agosto, a emissão de parecer, relativo ao regime geral aplicável ao exercício do direito de manifestação, quanto às seguintes questões:

                                «1- Tratando-se do exercício de direito com consagração constitucional como é o direito de manifestação, deverá o mesmo ser compaginado, ou mesmo limitado, com o exercício de outros direitos, ou enquadrado num quadro legal, como o que decorre do estado de emergência?

                                 2- Uma vez comunicada a intenção de realização de uma manifestação, as Câmaras Municipais, ou os seus Presidentes, têm competência legal para apreciar e decidir, do ponto de vista material, a conformidade da comunicação que lhe é feita pelo (s) promotor (es) com o efetivo exercício do direito de manifestação?

                                3- Quais os direitos legais e as entidades competentes, relativamente à realização de reuniões e manifestações, designadamente em face de situações de manifesta desadequação do seu objeto a objetivos políticos, sindicais ou religiosos?»[1].

O referido pedido de parecer vinha instruído com a seguinte informação suplementar, que permite delimitar melhor aquelas pertinentes questões jurídicas:

    

«Neste ponto, importa começar por ter presente que o artigo 45.º da Constituição da República Portuguesa dispõe o seguinte:

“1- Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.

2- A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”.

Ora, pretendeu o legislador constitucional, aquando da elaboração do texto de 1976, regular no mesmo artigo dois direitos incindíveis.

Jorge Miranda, relativamente ao conceito de reunião, entende que se trata de uma aglomeração de pessoas, não puramente fortuita ou ocasional, e para fins livremente escolhidos em comum, nisso se distinguindo da presença num espetáculo desportivo, em que cada pessoa comparece na base de fins ou interesse individuais.

E sublinhe-se: no conceito de reunião entra o de manifestação, que é constitucionalmente garantido como já vimos.

Refira-se, todavia, que ainda que a manifestação prevista no artigo 45.º da CRP revista um cariz político, também é verdade que não poderemos fazer uma interpretação restritiva, já que, por força do princípio in dubio pro libertate, este preceito abrange a expressão coletiva de toda a espécie de opiniões e ideias, sejam elas de índole religiosa, cultural, política, sindical, etc.

Mas recorrendo novamente às sábias palavras do Prof. Jorge Miranda, o direito de reunião e de manifestação é instrumental relativamente aos fins que em cada caso levam ao seu exercício: fazem-se reuniões para fins políticos, religiosos, culturais e de trabalho.

E por isso é que este direito se encontra imbricado com outros direitos e liberdades: liberdade religiosa, liberdade política ou liberdade sindical, por exemplo.

Mas regista-se: o direito de manifestação não é absoluto.

Pode colidir com outros direitos (direito à saúde, por exemplo), e com a ordem e tranquilidade pública, e deste modo as manifestações estão sujeitas a condicionalismos especiais.

Ora, o direito a manifestação pode ser limitado no quadro do estado de emergência, nos termos do art. 19.º da Constituição, como o foi num momento pretérito a estes acontecimentos, com base na posição da Autoridade de Saúde Nacional e para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia, e no âmbito dos decretos que, na vigência daquele estado de exceção, impuseram “a limitação ou proibição de realização de reuniões ou manifestações que, pelo número de pessoas envolvidas, potenciem a transmissão do novo coronavírus”. E, com o fim do estado de emergência, o país não passou a uma situação de normalidade em questões de saúde pública, passando a vigorar a situação de calamidade, nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006 de 3 de julho.

A iniciativa promovida a 12 de maio de 2021 foi designada como manifestação, ora, a matéria do direito da manifestação é juridicamente delicada, atendendo à sua proteção jurídica, mas desde que caia, naturalmente, no âmbito do instituto do Direito de Reunião protegido pelo DL n.º 406/74, de 29 de agosto, o que nos parece que não é este o caso da alegada manifestação organizada pela Juve Leo. As comemorações desportivas não se subsumem a este regime.

As associações de adeptos, no sentido de poderem, sem quaisquer limitações, organizar uma concentração festiva de pessoas junto ao estádio, num dia de jogo da mais elevada importância e durante a situação de calamidade que vigorava, apresentaram junto da CML uma comunicação de manifestação fazendo uso do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto para se subtraírem ao regime imposto pela Resolução de Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, que proibia as aglomerações de pessoas.

Posto isto, vejamos o caso em análise:

Está provado que a Juventude Leonina remeteu por correio eletrónico para a Câmara Municipal de Lisboa, uma comunicação de realização de um evento que denominou “manifestação”, a realizar junto ao Estádio José Alvalade, das 14h00 às 22h 30, do dia 11.05.2021 com a presença de um veículo onde iriam transmitir o jogo e com música durante aquele período.

Ora, a comunicação de manifestação das associações de adeptos, destinou-se a viabilizar uma aglomeração de pessoas que de outra forma estaria impedida de ocorrer, a ocupação de espaço público por veículos, equipamentos e pessoas, a transmissão de sinais de comunicações tendo em vista a exibição televisiva do jogo na via pública, a emissão sonora de música de autor e a realização de espetáculos musicais na via pública, com intuitos de natureza associativa, mas também comercial, nomeadamente, através da venda de merchandising das associações de adeptos, escapando à obrigação de requerer licenças e pagar taxas e emolumentos às entidades licenciadoras, nomeadamente, a CML.

Ao fazê-lo, as associações de adeptos, esperaram e conseguiram colocar-se numa posição de exceção em relação às normas sanitárias em vigor, destinadas a reduzir os riscos de contágio pelo vírus SARS COVID-19.

 Porém, o sucesso da sua estratégia decorre da interpretação que a CML faz das suas competências, enquanto autoridade administrativa, em relação ao direito de manifestação.

Com efeito, o Gabinete de apoio ao presidente da Câmara reencaminhou para a PSP e para o MAI, alegando não dispor de “competência legal inequívoca nem dos meios de polícia necessários ao exercício do disposto no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto».

A CML, ao prescindir da apreciação substancial da comunicação que lhe é endereçada, apenas procedendo à gestão do espaço público nos casos de eventos coincidentes no espaço e no tempo, produz uma erosão no contorno legal intencionado pelo Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto.

Apurados os factos e uma vez feito o enquadramento jurídico, ressalta a necessidade de clarificação do regime legal aplicável ao exercício do direito de manifestação, designadamente o controlo das comunicações de manifestação.

Resulta do relatório que os promotores da denominada manifestação remeteram ao Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, ao Gabinete de apoio ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, com conhecimento à Unidade Regional de Informações Desportivas da PSP, uma comunicação de realização de um evento que denominaram manifestação e que, chamados mais tarde a esclarecerem, afirmaram que o objeto seria “uma manifestação de apoio à equipa do Sporting Club de Portugal, tendo em vista o momento atual”.

Igualmente resulta que é entendimento do Gabinete de apoio ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa que “em face das disposições conjugadas do n.º 1, do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, na redação da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, com o n.º 2, do artigo 3.º, do mesmo diploma, o Município de Lisboa não dispõe de competência legal inequívoca nem dos meios de polícia necessários ao exercício do disposto no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto”».

Com base nestes elementos jurídicos e factuais importa, pois, proferir o parecer solicitado.

I

Devem os direitos de reunião e de manifestação ser compaginados com o exercício de outros direitos ou enquadrados no Estado de emergência?

A primeira questão consiste em saber se devem os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º CRP) ser compaginados com o exercício de outros direitos ou enquadrados no Estado de emergência e pressupõe, obviamente, a prévia definição dogmática dos direitos de reunião e de manifestação (a), o estudo da possibilidade (ou não) da sua compressão (b), a identificação dos direitos ou interesses que podem ser invocados para essa operação (c) e, ainda, o funcionamento do Estado de emergência (d). Só depois disso estaremos em condições de responder, cabalmente, à referida questão.

a) Direitos de reunião e manifestação

Os direitos fundamentais de reunião e de manifestação, embora constitucionalmente autonomizados (art. 45.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), são, muitas vezes, confundidos como se se tratasse de uma realidade normativa única.

1. A liberdade de reunião e de manifestação, enquanto dimensão essencial da personalidade humana é, certamente, uma reivindicação muito antiga. Como se referiu no Parecer deste Conselho n.º 11/2021, de 10 de setembro de 2021, cuja doutrina e conclusões aqui se confirmam[2]:

               «A natureza gregária do ser humano convoca-o, recorrentemente, para a relação com os demais. Não apenas os que se encontram mais próximos, no círculo familiar, laboral ou de vizinhança, mas também aqueles cuja proximidade busca, designadamente para comunicar, para pôr em comum ideias e pensamentos (…), para praticar desporto ou divulgar e fruir a obra artística, literária ou científica, por si criada ou por terceiros (…), como, ainda, e não menos importante, cooperar em gestos de solidariedade (…) e participar na vida pública (…)»[3].

Mesmo assim, a verdade é que a sua consagração legal foi tardia: o poder político terá tido sempre muito receio no seu reconhecimento e na sua consagração expressa, uma vez que o seu exercício podia acarretar desordens, revoltas ou sedições[4]. Não obstante a sua importância capital, para o verdadeiro desenvolvimento e concretização da personalidade humana, a sua consagração nunca foi, portanto, uma verdadeira prioridade legislativa. O seu reconhecimento oficial tem pouco mais de cem anos.

A Declaração de Direitos de Delaware, de 11 de setembro de 1776, proclamava «that every man hath a right to petition the Legislature for the redress of grievances in a peaceable a n d orderly maner», sugerindo que a petição poderia ser coletiva e, presencialmente, entregue numa reunião ou num ato similar a uma manifestação[5].

Já a Constituição da Pensilvânia, de 28 de setembro do mesmo ano, era muito mais clara, estabelecendo no artigo XVI da sua declaração de direitos que «the people have the right to assemble together, to consult for their commom good, to instruct their representatives, a n d to apply to the legislature for redress of grievances, by address, petition, o r remonstrance».

 A primeira emenda (1791) à Constituição americana também consagrou este direito, em associação com o direito de petição, dispondo que: «Congress shall make no law respecting an establishment of religion, o r prohibiting the free exercise thereof; o r abridging the freedom of speech, o r of the press; o r the right of the people peaceably to assemble, a n d to petition the Government for a redress of grievances»[6].

2. No continente europeu o direito de reunião e de manifestação foi plasmado com a transição do Estado absoluto para o Estado liberal[7]. O artigo 62.º, do Decreto de 14 de dezembro de 1789, reconhecia aos cidadãos «la liberté (…) de s’ assembler paisiblement et sans armes, en satisfaisant aux lois de police»[8]. O mesmo aconteceu, depois, com as Constituições francesas de 3 de setembro de 1791 (título 1, § 2) e de 21 de junho de 1793 (art. 7.º) e, mais tarde, com muitos outros textos constitucionais europeus posteriores[9].

Com efeito:

               «no século XIX, a industrialização e o fenómeno do proletariado contribuíram decisivamente para a expansão da liberdade de reunião e de manifestação, tendo esta liberdade sido aproveitada pelos trabalhadores para denunciar as insuficiências do regime liberal e para reivindicar uma sociedade mais livre e mais justa. Por esta razão, a sociedade burguesa sempre olhou para o direito de reunião e de manifestação com “desconfiança e receio”»[10].

2.1. Entre nós, na sessão de 16 de fevereiro de 1821, durante a discussão das bases da Constituição de 1822, o deputado Henrique Xavier Baeta afirmou que:

               «todo o cidadão poderá apresentar ás Cortes reclamações, queixas, ou proposições, e ellas deverão examinarllas; e qualquer ajuntamento de Cidadãos pacíficos, huma vez que seja convocado, ou presidido por huma autoridade municipal, terá o mesmo direito. (…) Toda a sociedade particular poderá discutir sobre qualquer objecto politico, com tanto porém que não publique as suas resoluções relativas ao governo do Estado»[11].

No entanto, esta proposta não foi aprovada[12].

A carta Constitucional, de 1826, também não reconhecia o direito de manifestação[13].

A Constituição de 1838 foi, assim, a primeira Lei fundamental portuguesa a consagrar este direito[14]. Na verdade, sob a epígrafe «todos os cidadãos têm o direito de se associar na conformidade das Leis», essa Constituição dispunha que:

               «§ 1.º – São permitidas, sem dependência de autorização prévia, as reuniões feitas tranquilamente e sem armas.

               § 2.º - Quando porém se reunirem em lugar descoberto, os Cidadãos darão previamente parte à autoridade competente.

               § 3.º - A força armada não poderá ser empregada para dissolver qualquer reunião, sem preceder intimação da autoridade competente.

               § 4.º Uma lei especial regulará enquanto ao mais, o exercício deste direito» (art. 14.º).

De todo o modo, quatro anos depois, o Decreto de 10 de fevereiro de 1842 restaurou a Carta Constitucional de 1836, repondo assim a situação anterior e o Código Penal de 1852, aprovado por Decreto de 10 de dezembro de 1852, punia com prisão de um a seis meses quem dirigisse e administrasse qualquer «associação de mais de vinte pessoas, ainda mesmo dividida em secções de menor numero, que sem proceder autorização do governo, com as condições que elle julgar convenientes, se reunir para tratar de assuntos religiosos, políticos, literários ou de qualquer outra natureza[15]. Mesmo assim, apesar desta censura penal, o artigo 38.º da Carta de Lei, de 23 de novembro de 1859, veio permitir todas as reuniões, públicas ou privadas, com objetivos eleitorais, devendo apenas ser dada parte à autoridade administrativa para que esta pudesse velar pela segurança e tranquilidade pública. Ainda segundo a mesma lei, a autoridade administrativa não podia «embaraçar, perturbar ou dissolver estas reuniões públicas, senão no caso em que fosse ameaçada a segurança pública, e procedendo sempre de intimação» prévia (artigo 38.º, § 2).

Mais tarde, o Decreto ditatorial, de 15 de junho de 1870[16], garantiu «o direito de reunião em toda a sua plenitude, independentemente de licença prévia de qualquer autoridade» (art. 1.º) só podendo as reuniões públicas ser dissolvidas pela autoridade se se desviassem dos fins para que tinham sido convocadas ou se, por qualquer forma, perturbassem a ordem pública (art. 5.º).

O Ato adicional à Carta Constitucional (1885) veio estabelecer que «o direito de reunião é igualmente garantido, e o seu exercício regulado por lei especial».

No ano seguinte, o Código Penal, aprovado pelo Decreto de 1886, veio consagrar no capítulo I (reuniões criminosas, sedição e assuada), do título III (dos crimes contra a ordem e tranquilidade pública) os crimes de reuniões ilegais (art. 177.º), reunião armada (art. 178.º), sedição (art. 179.º) e assuada (art. 180.º). Segundo o primeiro: 

               «Em todo o ajuntamento ou reunião de povo, que se reunir, contravindo as condições legais de que dependa essa reunião, os promotores ou convocadores dela serão punidos como desobedientes.

               § 1.º – Na mesma responsabilidade incorrem aqueles que, ordenada competentemente a dispersão do ajuntamento, ou seja convocado ou fortuito, não se retirarem; e, se forem os promotores ou convocadores da reunião, ser-lhes-á imposta a pena de desobediência qualificada.  

               § 2.º – Em qualquer ajuntamento ou reunião de que trata este artigo e § 1.º serão isentos de responsabilidade criminal, a ele respetiva, os que, não sendo promotores nem convocadores, se retirarem voluntariamente depois da advertência da autoridade ou antes de praticado qualquer acto.

               § 3.º – Se em algum ajuntamento ou reunião incriminada neste capítulo se praticarem actos para que esteja estabelecida pena mais grave do que as cominadas para o mesmo ajuntamento ou reunião, os que os praticarem serão condenados segundo as regras gerais estabelecidas para a acumulação de crimes»[17].

Pouco tempo depois, o Decreto de 29 de março de 1890[18], satisfazendo o repto constitucional, veio manter e circunscrever as disposições do Decreto de 15 de junho de 1870 (art. 1.º). Com efeito, em vez de não carecerem de licença prévia, as reuniões públicas, as procissões cívicas e os cortejos cívicos deixaram de poder ter lugar nas ruas, praças, passeios e mais lugares públicos, sem prévia autorização escrita do governador civil nos concelhos capital de distrito e do administrador do concelho nos restantes e os promotores ou organizadores de tais reuniões não autorizadas passaram (alargando a tutela penal) a incorrer no crime de resistência e os demais participantes no crime de desobediência e, ainda, no crime de resistência, se resistissem à ordem de dispersão (art. 2.º). Acresce que as autoridades podiam exigir aos promotores que assinassem termo em que se responsabilizassem pela manutenção da ordem na reunião e pela ausência de discursos sediciosos ou outros abrangidos pela lei penal e que, sem prejuízo das penas eventualmente aplicáveis, quando na reunião se praticassem atos atentatórios da ordem pública ou fossem proferidas palavras abrangidas pela lei penal, incorreriam no pagamento de uma multa de 100$000 reis (art. 3.º, § 2). Para além disso, as reuniões podiam ser proibidas ou dissolvidas pela autoridade quando, assim, o exigissem as necessidades de ordem ou tranquilidade pública e seriam sempre dissolvidas, quando nelas se expusessem ideias tendentes a derrubar o sistema monárquico representativo fundado na carta constitucional e seus atos adicionais, se incitasse à infração da lei ou dos regulamentos, se proferissem frases injuriosas para o aludido sistema, para o Rei, a Rainha, os membros da família real, os poderes constituídos, ou para qualquer corporação, pessoa ou classe de pessoas, ou quando por qualquer outra forma se desviassem dos fins para que tinham sido convocadas (art. 3.º, § 3.º).

A Constituição de 1911, seguindo a mesma técnica legislativa, limitava-se a dizer que:

               «o direito de reunião e associação é livre. Leis especiais determinarão a forma e condições do seu exercício» (art. 3.º, n.º 14).

Mais uma vez, previu-se, assim, o direito e deixou-se a sua regulamentação ao legislador infraconstitucional, assim permitindo, afinal, a subjugação os direitos fundamentais à lei ordinária.

              A Constituição de 1933 referia, apenas, a liberdade de reunião, enquanto liberdade e garantia individual dos cidadãos (art. 8.º, n.º 14), mas o Decreto-Lei n.º 22468, de 11 de abril de 1933, concretizava, depois, que «a todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de reünião para fins não contrários à lei, à moral e ao bem público» e que «as reünões destinadas a fins de propaganda politica ou social só podem ter lugar depois de obtida autorização do governador civil ou do respetivo distrito» (artigo 1.º). O mesmo diploma acrescentava, ainda, que as reuniões não podiam realizar-se nas praças ou vias públicas nem, salvo autorização especial, iniciar-se ou prosseguir depois das vinte e quatro horas (art. 3.º) e que as reuniões públicas seriam dissolvidas quando deixassem de ser cumpridos os respetivos preceitos, quando se desviassem do fim para que tivessem sido convocadas e quando nelas se atacassem os princípios fundamentais da organização social (art. 5.º).

2.2. A revolução de 25 de abril de 1974, rompendo com o passado, não podia deixar de ter consequências ao nível de proteção dos direitos de reunião e de manifestação. Com efeito, entre as medidas a concretizar a curto prazo, enumeradas no Programa do Movimento das Forças Armadas, aprovado e divulgado pela Junta de Salvação Nacional, após a revolução, destacava-se que «tendo em atenção que as grandes reformas de fundo só poderão ser adotadas no âmbito da futura Assembleia Nacional Constituinte», o Governo provisório obrigar-se-ia «a promover imediatamente: (…) a liberdade de reunião e de associação» [B, n.º 5, al.ª b)].

Neste contexto, o II Governo Provisório aprovou o Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, que ainda está em vigor[19], garantindo a todos os cidadãos:

               «o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e tranquilidade públicas» (art. 1.º, n.º 1).

Sem prejuízo do direito de crítica, apenas serão interditas as reuniões que pelo seu objeto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (art. 1.º, n.º 2) e as autoridades só poderão impedir as reuniões cujo objeto ou fim contrarie a lei, a moral, os direitos das pessoas singulares ou coletivas, a ordem e tranquilidade públicas ou ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania ou às Forças Armadas (art. 3.º, n.º 2). As mesmas autoridades também só poderão interromper as reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público, quando forem afastados da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania ou às Forças Armadas (art. 5.º, n.º 1).

Embora não seja necessária qualquer autorização, «as pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito» (art. 2.º, n.º 1). Tal «aviso deverá ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respetivas direções» (art. 2.º, n.º 2).

O legislador não se limitou, contudo, a regular os direitos de reunião e de manifestação. Para além disso, procurou criar condições para o seu exercício efetivo, nomeadamente tomando as providências necessárias «para que as reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos decorram sem a interferência de contramanifestações que possam perturbar o livre exercício dos direitos dos participantes, podendo, para tanto, ordenar a comparência de representantes ou agentes seus nos locais respetivos» (art. 7.º, n.º 1), para que nelas ninguém seja portador de armas (art. 8.º, n.ºs 1 e 2) ou para que seja mantida a ordem dentro do respetivo recinto (art. 10.º, n.º 2)[20]. Já o bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas pode determinar a alteração dos trajetos programados ou determinar que os desfiles ou cortejos se façam só por uma das metades das faixas de rodagem (art. 9.º).

Refletindo a importância capital destes dois direitos, a possibilidade do seu abuso, mas também a possibilidade da sua restrição abusiva, o legislador não se esqueceu, igualmente, da sua tutela penal. «Aqueles que realizarem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles contrariamente ao disposto neste diploma incorrerão no crime de desobediência qualificada» (art. 15.º, n.º 3)[21]. O mesmo acontece, independentemente de outras sanções que caibam ao caso (v.g. o crime de detenção de arma proibida, previsto no artigo 86.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), com aqueles que aí forem surpreendidos armados (art. 8.º, n.º 1)[22]. Por seu turno, «as autoridades que impeçam ou tentem impedir, fora do condicionalismo legal, o livre exercício do direito de reunião incorrerão na pena do artigo 291.º do Código Penal e ficarão sujeitas a procedimento disciplinar» (art. 15.º, n.º 1)[23] e «os contramanifestantes que interfiram nas reuniões, comícios, manifestações ou desfiles e impedindo ou tentando impedir o livre exercício do direito de reunião incorrerão nas sanções do artigo 329.º do Código Penal» (art. 15.º, n.º 2)[24].

2.3. Pouco depois, a Constituição da República Portuguesa, de 2 de abril de 1976, sob a epígrafe Direito de reunião e de manifestação, veio dispor que:

               «1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.

               2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação» (art. 45.º).

Desta forma, pela primeira vez, o legislador constitucional português autonomizou estes dois direitos fundamentais. Na fórmula de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira:

               «O direito de reunião é necessariamente um direito de ação coletiva, pode ser de exercício privado ou público, não tem de supor a expressão de uma mensagem contra ou dirigida a terceiros e pode servir os mais variados propósitos e motivações (recreativos, culturais, profissionais, políticos e religiosos). O direito de manifestação não é necessariamente um direito coletivo (pode haver manifestações individuais), tem de revestir uma forma de exercício público, supõe a expressão de uma mensagem dirigida contra ou em direção a terceiros (pelo menos à “opinião pública”) e serve normalmente propósitos ou motivações políticas; uma reunião não tem que ser uma manifestação»[25].

Na verdade, conforme se refere no citado parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro de 2021:

               «Se a reunião pode visar a confraternização, o simples convívio ou a troca de ideias, a manifestação assenta no caráter unívoco de uma certa ideia ou de uma mensagem que os manifestantes querem afirmar, coletivamente e na praça pública. Independentemente das motivações pessoais dos promotores e de cada manifestante, as divergências e o pluralismo de opiniões esbatem-se diante de tal propósito comum. A manifestação pretende conferir à mensagem ou pretensão uma ressonância que a soma das expressões individuais não alcançaria».

Na definição de Jorge Miranda:

              «A manifestação é uma reunião qualificada: pela função de exibição de ideias, crenças, opiniões, posições políticas, económicas ou sociais, permanentes ou conjunturais; pelas consciência e pela vontade comum a todos os participantes de exprimirem ou explicitarem uma mensagem contra ou dirigida a terceiros, uma mensagem dirigida normalmente à “opinião pública” (…); por se conglobarem, portanto, no direito de manifestação, o direito de reunião e o direito de expressão; por se efetuar em lugar público na generalidade dos casos: pela forma (concentração, comício, desfile, passeata); por poder desenvolver-se tanto (em geral) pela permanência física das pessoas em certo local mas também por meio de cortejos de veículos das mais variadas espécies, em terra e na água (bicicletas, motociclos, automóveis, embarcações)»[26].

O legislador penal não se esqueceu destes direitos fundamentais, regulando, quer o seu abuso, quer a sua privação arbitrária. Para além dos crimes que ainda continuam previstos no Decreto-Lei n.º 406/74, não podemos esquecer: a instigação pública a um crime (art. 297.º do CP); a apologia pública de um crime (art. 298.º do CP); a participação em motim (art. 302.º do CP); a participação em motim armado (art. 303.º do CP); a desobediência à ordem de dispersão de reunião pública (art. 304.º do CP); incitamento à desobediência coletiva (art. 330.º do CP) ou a punição de quem fornecer locais para reuniões de associações criminosas (art. 299.º, n.º 2, do CP). Fora do Código Penal[27] avultam a punição da detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em reunião, manifestação, comício ou desfile, cívicos ou políticos, prevista na Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (art. 89.º)[28] ou a punição de quem, em reunião pública, recompensar ou louvar outra pessoa, grupo, organização ou associação pela prática dos factos previstos no n.º 1 do artigo 2.º, da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto (art. 8.º, n.º 4, da referida Lei)[29].

  3. Os grandes areópagos internacionais também têm dedicado ao tema particular atenção, com óbvios reflexos no nosso direito nacional (art. 8.º da CRP).

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948[30], dispõe que:

               «Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas» (art. 20.º, n.º 1).

O Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, concluído em 16 de dezembro de 1966[31], dispõe que:

            «A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas crenças só pode ser objeto de restrições que, estando previstas na lei, sejam necessárias para a proteção da segurança, da ordem, da saúde e da moral públicas, ou para a proteção dos direitos e liberdades fundamentais de outrem» (art. 18.º) e que:

             «É reconhecido o direito de reunião pacífica. O exercício deste direito só pode ser objeto de restrições, previstas na lei, necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança pública ou da ordem pública ou para proteger a saúde e a moral públicas ou os direitos e liberdades de outrem» (art. 21.º)[32].

Na mesma linha, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos[33] consagra, no artigo 11.º, sob a epígrafe «liberdade de reunião e de associação» que:

            

               «1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação, incluindo o direito de, com outrem, fundar e filiar-se em sindicatos para a defesa dos seus interesses.

               2. O exercício deste direito só pode ser objeto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros. O presente artigo não proíbe que sejam impostas restrições legítimas ao exercício destes direitos aos membros das forças armadas, da polícia ou da administração do Estado»[34].

               O artigo 9.º, n.º 2, da mesma Convenção refere também que:

               «A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem» (art. 9.º, n.º 2)[35].

Finalmente, também a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe no mesmo sentido:

             

               «Todas as pessoas têm direito à liberdade de reunião pacífica e à liberdade de associação a todos os níveis, nomeadamente nos domínios político, sindical e cívico, o que implica o direito de, com outrem, fundarem sindicatos e de neles se filiarem para a defesa dos seus interesses» (art. 12.º, n.º 1).

4. Os direitos de reunião e de manifestação estão assim plasmados na Lei fundamental e na lei ordinária (Dec.-Lei n.º 406/74) e no direito internacional, nomeadamente em Convenções, regularmente ratificadas ou aprovadas, vinculativas do Estado português (art. 8.º, n.º 2, CRP). Embora estas soluções nem sempre sejam completamente coincidentes, todas elas concorrem para uma forte proteção destes dois direitos fundamentais, maxime do direito de manifestação.

b) Restrições aos direitos de reunião e manifestação

Continuando a seguir o percurso delineado, importa, agora, discutir se estes dois direitos fundamentais são absolutos ou se, pelo contrário, podem ser restringidos ou, até, suspensos.

1. Antes de enfrentar este momentoso problema, é, todavia, necessário proceder a uma clarificação conceitual prévia. Com efeito, a restrição aos direitos fundamentais não se confunde com outras figuras constitucionais próximas, como (na categorização de Jorge Miranda e de Jorge Pereira da Silva) a demarcação do âmbito de proteção da norma, os limites ao exercício do direito, os condicionamentos, a regulamentação, a concretização legislativa, a conformação legislativa, a autorrutura constitucional, o dever fundamental e a suspensão de direitos fundamentais[36].

De facto, não se pode, desde logo, falar de restrição dos direitos fundamentais se, apenas, estiver em causa a delimitação interpretativa do âmbito de proteção da norma, maxime, neste caso, do âmbito de proteção dos direitos de reunião e de manifestação: só depois de definido o objeto em causa se pode, verdadeiramente, pensar na sua autêntica restrição. «Para que se possa falar com propriedade em restrições é necessário que, primeiro, esteja definido, com um mínimo de precisão, qual o objeto que se pretende restringir»[37]. Importa, por isso mesmo, desde logo, verificar se o comportamento ou a pretensão em causa se encontra protegida pela norma constitucional, tornando-se, assim, claro que os direitos de reunião e de manifestação não autorizam o uso de violência, nem permitem a possibilidade de reuniões armadas[38]. Os direitos fundamentais não cobrem tudo aquilo que semanticamente ainda lá poderia caber.

              Na autorizada síntese de Jorge Miranda e de Jorge Pereira da Silva:

                  «A restrição, sempre feita no confronto com outros direitos ou interesses constitucionalmente tutelados, só começa onde termina a demarcação do âmbito de proteção, o traçar das fronteiras externas do próprio direito […] tarefa essa que, sendo por vezes assumida ou iniciada pelo próprio texto constitucional (v.g., artigo 45.º, n.º 1), é essencialmente uma operação situada no plano interpretativo, mas que pode projetar-se em lei (regulamentadora, concretizadora ou conformadora, mas não restritiva)»[39].

Ou seja, continuando a reproduzir os referidos autores:

              «as restrições constituem algo de exterior aos direitos, algo que se lhes justapõe ou impõe de fora, reduzindo o seu conteúdo e o seu âmbito, e não algo que, diversamente, faça parte logo do seu próprio conteúdo, conformando-o ab initio de certa maneira»[40].

A separação entre os limites e as restrições não é tão consensual na doutrina nacional[41].

Referindo apenas alguns exemplos, uma vez que não cumpre aqui esgotar essa questão, segundo Viera de Andrade, depois de identificado o verdadeiro âmbito de proteção da norma, podem ser identificados três tipos de limites: os limites imanentes, que atingem o âmbito de proteção constitucional de um direito fundamental e, assim, excluem certas formas ou modos de exercício; os limites resultantes da colisão, ou do conflito de direitos, que originam limitações reciprocas; e os limites decorrentes da intervenção restritiva dos poderes públicos para salvaguarda de outros bens ou interesses constitucionais[42].

Joaquim Gomes Canotilho parte, igualmente, da separação entre a delimitação interpretativa do âmbito de proteção dos direitos fundamentais e a sua restrição e inclui nesta os limites constitucionais imediatos, positivados nas próprias normas, os limites estabelecidos por lei expressamente autorizada e os limites imanentes ou os limites constitucionais não escritos, destinados a garantir outros direitos ou bens constitucionais[43]

Jorge Reis Novais, relativizando a relevância jurídica desta distinção, limita-se a preconizar a distinção entre restrições expressamente autorizadas ou previstas a Constituição e restrições não expressamente autorizadas na Constituição[44].

José de Melo Alexandrino, a quem devemos, porventura, uma das maiores tentativas de clarificação conceitual, defende que «os limites são normas que excluem a proteção ou afetam as possibilidades de realização de um direito fundamental» e que as restrições são «ações normativas que afetam desfavoravelmente o conteúdo ou o efeito de proteção de um direito fundamental previamente delimitado»[45].

Finalmente, Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva consideram que a «restrição tem que ver com o direito em si, com a sua extensão material objetiva, ao passo que o limite ao exercício […] contende essencialmente com a sua manifestação, com o modo de se exteriorizar através da prática do seu titular» e podem ser absolutos (impedindo certo modo do exercício do direito) ou relativos (condicionamentos), isto é, requisitos de natureza cautelar de que se faz depender o exercício de um direito (v.g. a participação prévia para a realização de manifestações)[46].

Atenta esta profunda divergência doutrinal, não admira, por isso mesmo, que o inciso «pacificamente e sem armas», inserido no artigo 45.º, n.º 1, da Lei fundamental, seja tratado com um limite imanente[47], como um limite a considerar no procedimento de determinação do âmbito de proteção do direito[48], como uma forma de demarcar pela negativa o seu âmbito de proteção[49], como um limite específico congruente com o artigo 29.º, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem[50] ou como um limite constitucional direto, expresso e intrínseco[51]. Em todo o caso, seja qual for a justificação teórica, sempre como algo anterior à efetiva restrição dos direitos fundamentais.

Muito menos polémica será a distinção entre a restrição aos direitos fundamentais e a sua regulamentação: definir os pormenores relativos à aplicação prática das normas constitucionais referentes a um determinado direito fundamental (maxime os de reunião e de manifestação) por razões de segurança e de certeza jurídica, de clarificação, de criação de condições organizativas ou instrumentais ou, mesmo, de delimitação face a outras realidades jurídicas vizinhas, não se confunde com a restrição dos direitos fundamentais[52]. Desde que respeite o âmbito de proteção constitucional, o legislador ordinário pode regular o exercício dos direitos fundamentais[53].

A restrição aos direitos fundamentais também não se confunde com a sua concretização legislativa. Embora os preceitos relativos aos direitos, liberdades e garantias sejam diretamente aplicáveis e vinculantes para entidades públicas e privadas (art. 18.º, n.º 1, da CRP), a verdade é que, em certos casos, poderá ser necessário conferir exequibilidade prática, total ou parcial, a certos preceitos constitucionais. A mera norma constitucional pode ser insuficiente. De modo que se pode até afirmar que «restrição e concretização são conceitos opostos, uma vez que o primeiro se destina a comprimir por lei um conteúdo preexistente, com ressalva do seu núcleo essencial, ao passo que o segundo se destina a construir por lei um certo conteúdo jusfundamental, a partir de um mínimo constitucionalmente determinável»[54]. Aliás, como já vimos, as Constituições de 1838 e de 1911 remetiam para a lei infraconstitucional a regulamentação, a forma e as condições do exercício do direito de reunião[55]. Do mesmo modo, a restrição aos direitos fundamentais também não se confunde com a conformação legal. Certos direitos (v.g. direito de propriedade, direito de sufrágio) estão dependentes de uma ampla conformação legal, não podendo essa atividade ser, contudo, utilizada para coartar uma ou mais faculdades compreendidas no âmbito da proteção da norma. 

Muito diferente da restrição é a autorrutura material, ou seja, a consagração de uma exceção a uma regra constitucional geral, como, por exemplo, a incriminação retroativa dos agentes e responsáveis da PIDE-DGS (art. 292.º da CRP) ou a punição criminal, não obstante a inexistência de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nos limites da lei interna, por ação ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos (art. 29.º, n.ºs 1 e 2, da CRP). Trata-se, pois, da exceção a uma regra constitucional geral e não da restrição de um determinado direito fundamental. Os direitos constitucionais podem compreender exceções, elencadas na própria lei fundamental pelo legislador constituinte.

A restrição de direitos fundamentais também não se confunde com o dever (nomeadamente o dever de proteger a saúde: art. 64.º da CRP). Os deveres constam da própria Lei fundamental e são situações jurídicas passivas, que podem impor a obrigação de agir ou de não agir de certo modo. As restrições, pelo contrário, apesar de terem as suas raízes na Constituição, constam, fundamentalmente, da lei [56].

Finalmente, como veremos desenvolvidamente infra, a restrição também não se confunde com a suspensão de direitos[57].

2. Os direitos fundamentais, mesmo os direitos, liberdades e garantias, não são absolutos ou ilimitados, nem na sua dimensão subjetiva, nem enquanto bens ou interesses constitucionais. No primeiro caso, porque «os preceitos constitucionais não remetem para o arbítrio do titular a determinação do âmbito e do grau de satisfação do respetivo interesse, e também porque é inevitável e sistémica a conflitualidade dos direitos de cada um com os direitos dos outros». No segundo caso, porque «a comunidade não se limita a reconhecer o valor da liberdade: liga os direitos a uma ideia de responsabilidade social e integra-os no conjunto dos valores comunitários»[58].

A própria lei fundamental se encarregou, por isso, de afirmar (delimitando, como já vimos, o seu verdadeiro âmbito de proteção) que os direitos de reunião e de manifestação devem ser exercidos de forma pacífica e sem armas (art. 45.º, n.º 1)[59] e (já para além dessa delimitação interpretativa inicial) que «a lei pode estabelecer, na estrita medida das exigências próprias das respetivas funções, restrições ao exercício dos direitos de (…) reunião, manifestação (…) por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo, bem como por agentes dos serviços e das forças de segurança» (art. 270.º).

De todo o modo, apesar desta possibilidade de restringir os direitos fundamentais, a verdade é que, procurando circunscrever o arbítrio, nos termos do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, «A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» e que, para além das suprarreferidas restrições (art. 270.º), não existe qualquer outra autorização legislativa expressa para restringir os direitos de reunião e de manifestação.

2.1. Por isso mesmo, ademais daquela autorização legislativa expressa (art. 270.º), numa perspetiva jurídica absoluta, os direitos fundamentais de reunião e de manifestação não poderiam ser legalmente limitados: segundo Manuel Afonso Vaz, o artigo 18.º da Lei fundamental consagraria o «princípio da tipicidade das restrições legais aos “direitos, liberdades e garantias”, com a correlativa proibição de se “acrescentar” outras restrições, para além das “expressamente previstas na Constituição»[60]. As normas relativas aos direitos, liberdades e garantias formariam uma reserva de «competência negativa» que o julgador não poderia jamais ultrapassar[61]. De modo que:

               «Só “nos casos expressamente previstos” entendeu o constituinte “autorizar” a emanação de lei restritiva, ou seja, uma mediação legislativa para, em geral, resolver o conflito entre direitos»[62].

Na ausência de uma verdadeira autorização legislativa expressa (v.g. arts. 26.º, n.º 4, 27.º, n.ºs 2 e 3 ou 34.º, n.ºs 2, 3 e 4) o legislador não poderia estabelecer quaisquer restrições aos direitos fundamentais. Como refere José Carlos Vieira de Andrade:

               «A figura da restrição legislativa deve ser autonomizada, porque a Constituição a estabelece categoricamente no artigo 18.º e só a permite nos casos (e para os efeitos) em que esteja expressamente prevista pelos preceitos constitucionais relativos a esses direitos»[63].

Procurando superar este problema, uma vez que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem» (art. 16.º, n.º 2, da CRP) e que segundo essa Declaração[64], «no exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática», alguns autores vêm aqui uma «cláusula geral de limites»[65].

               É o caso paradigmático de Sérvulo Correia, para quem:

               «O elenco do n.º 2 do artigo 29 da DUDH aponta para condições básicas da vida em sociedade – moral, ordem pública e bem estar numa sociedade democrática – capazes de sintetizar os interesses públicos fundamentais de recorte objetivo reconhecidos na Constituição e de disciplinar como grelha de referência a inovação de elementos ponderáveis. Por outro lado, a exigência do reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades dos outros corresponde a um requisito básico da ordenação sistémica dos direitos fundamentais.

Em suma, parte-se do postulado de que, em virtude da força integrativa da DUDH, o elenco de standards do respetivo artigo 29, n.º 2, pode, através de ponderação sob os ditames da proporcionalidade, justificar a restrição legislativa do direito de manifestação»[66].

Esta conceção não é, porém, isenta de críticas. Segundo outros autores ela seria desnecessária e constituiria «uma clara ofensa ao conteúdo normativo plausível desta regra constitucional, ofendendo ainda a função e a finalidade (limitativa) que, no sistema normativo da própria Declaração Universal, sempre foram reconhecidas a esta cláusula»[67].

 Neste contexto, a generalidade da doutrina e da jurisprudência procura relativizar aquela proibição legal (art. 18.º, n.º 2, CRP), aceitando outas restrições para além das expressamente autorizadas pela Lei fundamental: ademais das restrições expressamente autorizadas, uma interpretação sistemática da Constituição da República Portuguesa, permite concluir pela existência de restrições implícitas, restrições implicitamente autorizadas ou limites constitucionais implícitos ou imanentes.           

              Como escreveu José de Melo Alexandrino:       

             «a Constituição não pode ter pretendido, nem pretende, excluir a existência de eventos verdadeiramente restritivos fora dos casos explicitamente enunciados. Não o pode pretender, porque ela própria, ao ter enunciado direitos, enunciou da mesma forma limites a esses direitos, limites que, estando implantados na sua estrutura genética, são mais tarde despertados pela dinâmica da vida social, pela interação das diversas esferas jurídicas, quando não pela própria mutação das realidades sociais e históricas subjacentes (…). Em segundo lugar, porque a restringibilidade dos direitos é requerida pelos próprios direitos: seja diretamente, seja por via do cumprimento do dever geral ou dos deveres especiais de proteção (…), seja por via do cumprimento de outros deveres de organização e procedimento (…). Em terceiro lugar – ainda que o tivesse pretendido, o que não ocorreu (…) –, o legislador constituinte não teria poderes para decretar a irrestringibilidade da generalidade dos direitos, liberdades e garantias: logo, aquilo que representava uma impossibilidade para o legislador constituinte continua a ser inacessível, como resultado interpretativo, para o intérprete»[68].

Assim, na síntese de Jorge Miranda:

            «Forçoso e natural é, pois, aceitar a existência de restrições implícitas, derivadas outrossim da necessidade de salvaguardar outros “interesses constitucionalmente protegidos”, e fundadas não em preceitos avulsos, mas sim em princípios constitucionais paralelos aos que alicerçam as restrições expressas»[69].

Esta possibilidade teórica de convocar restrições implícitas, restrições implicitamente autorizadas ou limites constitucionais implícitos ou imanentes para restringir os direitos fundamentais, mesmo sem autorização legal expressa, apesar de (como acabámos de ver) contar com apoios importantes na doutrina nacional, tem sido contestada sobretudo por Jorge Reis Novais:

              «A Constituição não prevê expressamente a possibilidade de restringir o direito de manifestação por razões de proteção da saúde pública. Então, aparentemente, uma restrição do direito de manifestação justificada nessas razões seria, à luz do artigo 18.º, n.º 2, primeira parte, da Constituição, uma violação da norma constitucional; mas, como o direito de manifestação tem os seus próprios limites imanentes, entre os quais se conta o respeito dos direitos dos outros, bastará, então, que aquela restrição seja considerada e designada como limite imanente para passar a ser constitucionalmente possível. Problema, afinal de resolução simples: basta chamar-lhe outra coisa e fica, supostamente, resolvido um problema difícil»[70].

Por isso mesmo, ainda na perspetiva deste autor:

               «a doutrina dos limites imanentes não seria mais do que um ovo de Colombo que permitiria resolver num plano meramente formal as dificuldades colocadas pelo problema das restrições aos direitos fundamentais, mas que, na prática, colocava os direitos fundamentais na inteira disponibilidade dos poderes constituídos, já que estes poderiam afetar negativamente o seu conteúdo desde que, e sem necessitarem de passar pelo crivo dos controlos próprios de Estado de Direito, camuflassem a sua atuação restritiva na forma de uma mera concretização ou revelação dos limites imanentes já inscritos no direito em causa»[71].

Assim, numa tese situada do outro lado do espectro, Jorge Reis Novais entende que a norma do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa «não pode ser interpretada como padrão normativo de limitação da margem de decisão do legislador com o sentido literal expresso no seu enunciado».[72] Em vez de uma interpretação literal absoluta e da consequente proibição de limitações não expressamente autorizadas aos direitos fundamentais, a norma deveria ser objeto de «um entendimento corretivo maleabilizador do seu sentido»[73].

Com efeito, convocando outra vez as suas próprias palavras, em causa está apenas uma:

               «mera proclamação que, como não tem correspondência na natureza das coisas, nem pode ser tomada no seu sentido literal nem deve forçar a adoção de um modelo de enquadramento dogmático das restrições aos direitos fundamentais que tenha como única justificação salvar um sentido útil para uma proibição inexequível»[74].

Em suma, segundo esta tese[75], a letra do artigo 18.º, n.º 2, da Lei fundamental não poderia ser tomada no seu sentido literal e expresso. Nesta perspetiva, os direitos fundamentais podem ser restringidos ainda que não exista autorização constitucional expressa para o efeito.

Seja como for, independentemente da posição jurídica que seja adotada, a verdade é que, excetuando a tese extrema da relevância literal e absoluta da reserva de lei restritiva, preconizada por Manuel Afonso Vaz, como já referimos, a doutrina aceita a possibilidade de limitar ou cercear os direitos fundamentais, maxime os direitos de reunião e de manifestação. Não obstante as diferentes metodologias jurídicas utilizadas, o resultado acaba por ser sempre semelhante. Como refere Joaquim Gomes Canotilho, justamente a este mesmo propósito:

               «não se compreenderia, por exemplo, que o direito de manifestação (art. 45.º, 2), embora consagrado no texto constitucional sem quaisquer restrições constitucionais diretas e sem autorização de lei restritiva, não pudesse ser restringido por lei, proibindo-se desde logo, as manifestações violentas e com armas. (…) o direito de manifestação está sujeito aos limites da “não violência” e aos limites resultantes da necessidade de proteção do conteúdo juridicamente garantido dos direitos dos outros, como, por exemplo, a liberdade de deslocação»[76].

2.2. O mesmo acontece com a jurisprudência, maxime o Tribunal Constitucional. Apesar de em algumas situações ter contornado o problema[77], o Tribunal já afirmou, por exemplo, que:

              «independentemente da questão de saber qual é, do ponto de vista dogmático, a solução preferível, a verdade é que não pode seriamente duvidar-se – e, nessa conclusão, não existe discordância – que a Constituição autoriza, tendo em vista a prossecução das finalidades próprias do processo penal e respeitadas as demais […] exigências constitucionais, a restrição dos direitos fundamentais à integridade pessoal, à liberdade geral de atuação, à reserva da vida privada ou à autodeterminação informacional».

A tese segundo a qual os direitos «para os quais a própria Constituição não prevê expressamente a possibilidade de restrições legais, seriam, pura e simplesmente, insuscetíveis de ser restringidos» é, nas suas próprias palavras, «incomportável»[78].

2.3. Finalmente, também o Conselho Consultivo tem defendido que os direitos fundamentais não são absolutos ou ilimitados, podendo ser restringidos[79]:

              «Como é sabido, os direitos fundamentais não são absolutos nem ilimitados. Além dos limites internos, que resultam do conflito entre os valores que representam as diferentes facetas da dignidade humana, os direitos fundamentais têm limites externos, uma vez que têm de conciliar as suas naturais exigências com as que são próprias da vida em sociedade: a ordem pública, a ética ou moral social, a autoridade do Estado, a segurança nacional, etc.»[80].

Não admira, por isso, que, ainda recentemente, o Conselho tenha afirmado que:

              «a licitude da reunião, embora não dependa da obtenção de um ato administrativo favorável, importa um mínimo de compatibilidade com os demais direitos e interesses constitucionalmente protegidos, cuja salvaguarda necessária habilita restrições, para além dos casos literalmente enunciados pela Constituição […]. Justificam-se, de igual modo, condicionamentos ou limites ao exercício. E é na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948 […] – a qual protege, igualmente, o direito de reunião (cf. n.º 1 do artigo 20.º) – que encontramos arrimo para limitações e condicionamentos decorrentes da moral e da ordem pública, entendidas como pressupostos gerais do gozo e exercício dos direitos fundamentais numa sociedade plural democrática»[81].

3. O regime legal das reuniões e das manifestações (Dec.-Lei n.º 406/74), mesmo sem autorização constitucional expressa, consagra várias restrições destes direitos fundamentais, que não têm sido consideradas, supervenientemente contrárias à Lei Fundamental.

É, por exemplo, a possibilidade de, por razões de segurança, impedir que se «realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos» (artigo 13.º)[82]. A segurança sobrepõe-se, neste caso, aos direitos de reunião e de manifestação, restringindo a possibilidade de escolha dos locais onde podem ser realizadas[83].

É ainda, também por exemplo, o caso, se tal for indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, da possibilidade de alterar os trajetos programados ou determinar que os desfiles ou cortejos se façam só por uma das metades das faixas de rodagem (art. 6.º). O direito de deslocação (art. 44.º da CRP) deverá ser compatibilizado com os direitos de reunião e de manifestação[84].

Para além das restrições consagradas neste regime legal (algumas das quais suscitam, de facto, na doutrina, algumas dúvidas constitucionais[85]) a doutrina tem elencando outras restrições como, mais uma vez a título de exemplo, «a interdição ou a sujeição, pelo menos, a licença, em nome da salvaguarda da natureza e do património cultural (artigos 66.º e 70.º da Constituição), de reuniões em propriedades públicas, cujo acesso seja vedado para proteção da fauna e da flora do património cultural ou da prevenção de incêndios»[86] ou «a interdição de manifestações traduzidas em bloqueios à livre circulação de mercadorias no âmbito da União Europeia»[87].  

À semelhança destas restrições que, mesmo que se entenda que não existe uma autorização constitucional expressa para o efeito, já estão consagradas na lei ou são reconhecidas pela doutrina nacional, o legislador pode criar outras restrições, com caráter geral e abstrato, que, sem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos direitos de reunião e de manifestação, sejam necessárias para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º da CRP), maxime o direito à saúde (art. 64.º CRP). Desde que respeite os ditames da Lei fundamental, nada o impede. Os direitos fundamentais de reunião e de manifestação (art. 45.º CRP) têm de se articular com outros direitos ou interesses constitucionais.

c) O direito à saúde

Ainda que se considere que não existe autorização constitucional expressa para limitar os direitos de reunião e de manifestação, a verdade é que eles podem, assim, ser comprimidos de modo a reduzir o conflito ou a tensão com outros bens jurídicos fundamentais, nomeadamente a saúde[88].

Com efeito, a saúde é, hoje em dia, reconhecidamente, seja numa perspetiva individual, seja numa perspetiva coletiva, um importante bem jurídico, consagrado, quer em termos internacionais, quer em termos nacionais[89].

1. Em termos internacionais cumpre, desde logo, reconhecer que a Declaração Universal dos Direitos Humanos refere apenas que «toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde» (art. 25.º, n.º 1) e que o Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos refere a necessidade de proteger a saúde pública como razão para a restrição de vários direitos (arts. 12.º, n.º 3, 18.º, n.º 3, 19.º, n.º 3 e 22.º, n.º 2), maxime o direito de reunião (art. 21.º). O mesmo acontece com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (arts. 8.º, n.º 2, 9.º, n.º 2, 10.º, n.º 2 e 11.º, n.º 2 e, ainda, art. 2.º, n.º 3, do Protocolo Adicional n.º 4). Já a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia dispõe que:

              «todas as pessoas têm o direito de aceder à prevenção em matéria de saúde e de beneficiar de cuidados médicos, de acordo com as legislações e práticas nacionais. Na definição e execução de todas as políticas e ações da União é assegurado um elevado nível de proteção da saúde humana» (art. 35.º).

       Especial proteção merecem, segundo este instrumento supranacional, os jovens:

              «Os jovens admitidos ao trabalho devem beneficiar de condições de trabalho adaptadas à sua idade e de proteção contra a exploração económica e contra as atividades suscetíveis de prejudicar a sua segurança, saúde ou desenvolvimento físico, moral ou social, ou ainda de pôr em causa a sua educação» (art. 32.º, § 2).

1.1. Ademais destas regras internacionais, relativas ao direito à saúde, com reflexo nacional nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, é, ainda, necessário referir o Direito Internacional da Saúde como o «conjunto de regras jurídicas aplicáveis no quadro da comunidade internacional às ações de promoção e defesa da saúde»[90] e a institucionalização de uma administração internacional da saúde, onde se destaca a Organização Mundial de Saúde[91]. Num mundo cada vez mais globalizado, as doenças não têm fronteiras, podendo (como a recente pandemia, causada pelo vírus SARS-CoV-2, demonstra) propagar-se, rapidamente, a todos os cantos do globo, de modo que a proteção da saúde, seja ela individual ou coletiva, impõe também respostas globais. O artigo 2.º do ato de constituição da OMS estabeleceu, assim, como objetivos, designadamente a organização da vigilância epidemiológica e a luta contra as grandes patologias, e o seu artigo 21.º permite-lhe que sejam adotados regulamentos relativos a medidas sanitárias e de quarentena e outros procedimentos destinados a evitar a propagação internacional de doenças[92].

Da mesma forma, também a União Europeia (como seria de esperar num espaço sem fronteiras) tem dedicado especial atenção à proteção da saúde. A União dispõe de competência partilhada com os Estados Membros relativamente a «problemas comuns de saúde em matéria de saúde pública» (art. 4.º, n.º 1, do TFUE), pode desenvolver ações destinadas a apoiar, coordenar ou completar a ação dos Estados Membros em matéria de «proteção e melhoria da saúde humana» [art. 6.º, al.ª a), do TFUE] e «na definição e execução de todas as políticas e ações da União será assegurado um elevado nível de proteção da saúde» (artigo 168.º do TFUE). Para esse efeito:

             «a ação da União, que será complementar das políticas nacionais, incidirá na melhoria da saúde pública e na prevenção das doenças e afeções humanas e na redução das causas de perigo para a saúde física e mental. Essa ação abrangerá a luta contra os grandes flagelos, fomentando a investigação sobre as respetivas causas, formas de transmissão e prevenção, bem como a informação e educação sanitária e a vigilância das ameaças graves para a saúde com dimensão transfronteiriça, o alerta em caso de tais ameaças e o combate contra as mesmas»[93].

Neste contexto, em 2005, foi criado o Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), com sede em Estocolmo, que tem como missão reforçar a capacidade de defesa da Europa contra as doenças infeciosas.

2. Em termos nacionais, a Constituição de 1822, numa perspetiva meramente assistencialista[94], estabelecia que: «as Cortes e o Governo terão particular cuidado da fundação, conservação, e aumento de casas de misericórdia e de hospitais civis e militares, especialmente daqueles que são destinados para os soldados e marinheiros inválidos; e bem assim de rodas de expostos, montes pios, civilização dos Índios, e de quaisquer outros estabelecimentos de caridade» (art. 240.º)[95]. De modo que, apenas com a Lei n.º 2048, de 11 de junho de 1951, foi Consagrado na Lei fundamental (Constituição de 1933) uma verdadeira obrigação de defender a saúde pública[96].

Com a revolução de 25 de abril de 1974, a defesa da saúde foi elevada à categoria de tarefa fundamental do Estado [art. 9.º, al.ª d)], consagrada como direito subjetivo («todos têm direito à proteção da saúde») e, ainda, como objetivo programático (criação do sistema nacional de saúde)[97], no artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa de 1976[98]. O seu artigo 59.º, n.º 1, alª c), protege também o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde e o seu artigo 60.º, n.º 1, o direito dos consumidores à proteção da saúde[99].

A saúde é, portanto, entre nós, «um bem fundamental, que pressupõe obrigações de respeito, de proteção e de promoção»[100]. Em causa está «o direito de todas as pessoas gozarem do melhor estado de saúde físico, mental e social» devendo para o efeito ser criadas e desenvolvidas «condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam níveis suficientes e saudáveis de vida, de trabalho e de lazer». Este direito «constitui uma responsabilidade conjunta das pessoas, da sociedade e do Estado e compreende o acesso, ao longo da vida, à promoção, prevenção, tratamento e reabilitação da saúde, a cuidados continuados e a cuidados paliativos», tendo a sociedade «o dever de contribuir para a proteção da saúde em todas as políticas e setores de atividade» e o Estado o dever de a promover e garantir «através do Serviço Nacional de Saúde (SNS), dos Serviços Regionais de Saúde e de outras instituições públicas, centrais, regionais e locais»[101].

2.1. O direito fundamental à proteção da saúde (art. 64.º da CRP) pressupõe, numa vertente positiva, o direito a prestações estaduais e, numa vertente negativa, o direito a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico saúde[102].

Na límpida formulação de Gomes Canotilho e de Vital Moreira:

               «Tal como muitos outros “direitos económicos, sociais e culturais”, também o direito à proteção da saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas. No primeiro caso, está-se no domínio dos direitos de defesa tradicionais, compartilhando das correspondentes características e regime jurídico; no segundo caso, trata-se de um direito social propriamente dito, revestindo a correspondente configuração constitucional»[103].

 Como refere o Tribunal Constitucional:

               «Em abstrato, o direito à proteção da saúde […], tal como a generalidade dos restantes “direitos sociais” em cuja categoria genérica se integra, comporta, entre o mais, duas componentes distintas, a saber:

               a) Uma, que se pode designar por vertente negativa, consiste em dar ao seu titular (os cidadãos em geral) o direito de exigir que ninguém (desde logo e em particular o Estado) atue ou tome qualquer medida lesiva da saúde do cidadão ou dos cidadãos em geral;

               b) Outra, a que se poderá chamar vertente positiva, consiste em conferir ao cidadão direito a exigir do Estado a atividade e as prestações necessárias para salvaguardar a saúde e tratar as doenças»[104].

Assim, o direito à saúde (art. 64.º da CRP), na sua vertente negativa, que procura impedir que o Estado ou terceiros a prejudiquem, poderá entrar em conflito com os direitos fundamentais de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP). O exercício pleno de ambos poderá ser incompatível, uma vez que o exercício do direito de reunião e manifestação pode aniquilar ou, pelo menos, prejudicar gravemente o direito à saúde e vice-versa a integral proteção deste poderá contender com aqueles, porventura diminuindo a extensão e o alcance do seu conteúdo essencial (art. 18.º, n.º 3, da CRP).

2.2. Para além desta dupla vertente do direito à saúde também não podemos omitir a importância da «capacidade sistémica do sistema nacional de saúde», enquanto interesse público, elevado à dignidade de bem jurídico fundamental, cuja proteção cabe essencialmente ao Estado e demais entidades públicas, mas também ao cidadão. Com efeito, «cabe ao Estado, no quadro dos seus deveres de prestação, assegurar a capacidade de resposta da infraestrutura (no caso, em termos de saúde pública), dotando-a de recursos humanos e materiais, mas também evitando uma sobrecarga do sistema»[105]. A saúde pública também se defende do lado da procura, implementado políticas de saúde suscetíveis de a reduzir a limites compatíveis com os escassos meios, materiais e humanos, disponíveis.

Nesta nova conceção[106], está em causa a saúde pública, não a saúde individual:

              «o Estado impõe ao cidadão a obrigação de, por força da sua inserção na comunidade, tudo fazer para preservar o bom estado sanitário geral, mas não lhe impõe a obrigação de se manter, a si próprio, de boa saúde.

              Esta conclusão firma-se no princípio de liberdade que enforma a matéria dos direitos, liberdades e garantias, e decorre diretamente do princípio do respeito pela pessoa humana, pela salvaguarda da sua capacidade essencial de autodeterminação. O Estado defende o direito à saúde de cada um apenas negativamente, não positivamente, impondo-lhe um comportamento ativo de preservação da sua saúde […]. Num Estado de Direito, o indivíduo - pelo menos aquele que estiver na plena posse das suas faculdades - não pode deixar de ser dono de si próprio, assumindo, em liberdade, as responsabilidades da vida comunitária.

               Só na medida em que o mau estado de saúde de alguém possa refletir-se no estado sanitário comunitário é que o Estado pode intervir, impondo determinados comportamentos (ou abstenção deles) ao cidadão doente. Admitir o contrário seria desvirtuar o fundamento primeiro do nosso ordenamento jurídico constitucional, despojando o indivíduo, em nome de paternalismos […] que facilmente degeneram em autoritarismo, da sua mais elementar concretização de liberdade: o direito de opção»[107].

2.3. Deste modo, a consagração jurídico-constitucional destes deveres fundamentais de defender (negativamente) e de promover (positivamente) a saúde configura-se no claro dizer de Rui Medeiros:

              «como norma habilitadora da introdução de normas proibitivas ou precetivas de caráter injuntivo em vista à defesa da saúde pública. Sem dúvida que o referido dever fundamental deve ser conjugado com outras direitos fundamentais, não se podendo obliterar, na sua concretização legislativa, os limites constitucionais às restrições de direitos, liberdades e garantias. Todavia, numa tal ponderação, não está excluído que, mesmo na ausência de autorização expressa para a imposição de restrições a direitos (artigo 18.º, n.º 2, 1.ª parte), razões ponderosas, numa situação concreta conflitual, possam justificar a adoção de medidas restritivas […]. Assim, não obstante o silêncio do artigo 27.º, n.º 2, da Constituição, que apenas admite o internamento em estabelecimento terapêutico adequado de portador de anomalia psíquica [alínea h)], não é necessariamente inconstitucional a imposição temporária de internamentos em estabelecimento hospitalar em caso de doença gravemente contagiosa»[108].

Nesta mesma linha de pensamento, o Tribunal Constitucional também já afirmou que:

               «mesmo a submissão juridicamente obrigatória a exames ou testes clínicos – constituindo uma intromissão na vida privada, na medida em que aqueles se destinam a recolher dados relativos à saúde, os quais integram necessariamente dados relativos à vida privada […] – pode, em certos casos e condições, ser tida como admissível, tendo em conta a necessidade de harmonização do direito à intimidade da vida privada com outros direitos ou interesses legítimos constitucionalmente reconhecidos (v.g., a proteção da saúde pública ou a realização da justiça)»[109].

             E que:

              «no âmbito das relações laborais, tem-se por certo que o direito à proteção da saúde, a todos reconhecido no artigo 64.º,  n.º 1 da Constituição, bem como o dever de defender e promover a saúde, consignado no mesmo preceito constitucional, não podem deixar de credenciar suficientemente a obrigação para o trabalhador de se sujeitar, desde logo, aos exames médicos necessários e adequados para assegurar – tendo em conta a natureza e o modo de prestação do trabalho e sempre dentro de critérios de razoabilidade – que ele não representa um risco para terceiros: por exemplo, para minimizar os riscos de acidentes de trabalho de que outros trabalhadores ou o público possam vir a ser vítimas, em função de deficiente prestação por motivo de doença no exercício de uma atividade perigosa; ou para evitar situações de contágio para os restantes trabalhadores ou para terceiros, propiciadas pelo exercício da atividade profissional do trabalhador»[110].

3. Na nossa lei ordinária encontramos vários exemplos da grande importância do bem jurídico saúde e da correspetiva limitação de outros direitos individuais. O exemplo, porventura, mais paradigmático consta da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto[111], que consagrou normas para a proteção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo. Na verdade, este regime legal estabeleceu, para além do mais, «limitações ao consumo de tabaco em recintos fechados destinados a utilização coletiva de forma a garantir a proteção da exposição ao fumo ambiental do tabaco» deste modo proibindo o fumo em determinados locais (art. 4.º) e sancionando a violação dessa proibição com pesadas contraordenações (art. 25.º)[112].

3.1. A importância da saúde é, de igual modo, bem evidente noutras normas de caráter geral, algumas delas especialmente construídas para a defender.

É, desde logo, o caso singular da própria segurança interna (enquanto atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática), que compreende a proteção da vida e da integridade das pessoas, a paz pública e, sobretudo, a preservação da saúde pública[113]. Não admira por isso que as medidas de polícia possam, em certos casos, ser utilizadas para restringir os direitos fundamentais de reunião ou de manifestação[114].

Por exemplo, um manifestante, portador de uma doença altamente transmissível, como o ébola, a tuberculose ou a meningite, deve ser impedido de aceder ao local onde a manifestação se vai realizar [art. 28.º, n.º 1, alª b), da Lei n.º 53/2008]. Só dessa forma será possível proteger os demais participantes no evento e, mesmo, preservar a saúde pública. Da mesma forma, uma reunião ou uma manifestação, convocada com o propósito de provocar a rápida contaminação dos comparticipantes com uma qualquer doença contagiosa (para além de ser eticamente censurável) deverá ser proibida e, se não o for (porque, por exemplo, foi invocado outro pretexto), deverá ser rapidamente interrompida. Aliás, em bom rigor, como já iremos ver, em ambos os casos, essas condutas poderão consubstanciar o crime de propagação de doença, previsto no artigo 283.º do Código Penal[115], devendo desencadear as adequadas medidas repressivas.

A Lei de Bases da Proteção Civil (enquanto atividade desenvolvida pelo Estado, regiões autónomas e autarquias locais, pelos cidadãos e por todas as entidades públicas e privadas com a finalidade de prevenir riscos coletivos inerentes a situações de acidente grave ou catástrofe, de atenuar os seus efeitos e proteger e socorrer as pessoas e bens em perigo quando aquelas situações ocorram[116]), também contém medidas que podem contender com os direitos de reunião ou de manifestação. A possibilidade de estabelecer limites ou condicionamentos à circulação ou permanência de pessoas ou veículos e, sobretudo, a fixação de cercas sanitárias [art. 21.º, n.º 2, als. b) e c)] são, talvez, os exemplos mais flagrantes. De modo que a realização de reuniões ou de manifestações em locais afetados por acidentes graves ou catástrofes poderá ser condicionada ou mesmo impedida. Em causa poderá estar a prossecução de interesses de proteção civil, mas também de defesa de direitos (como a vida, a integridade física, a saúde). Seria, porventura, o caso da realização de uma manifestação contra a utilização da energia nuclear junto de uma central onde acabou de acontecer um incidente grave num reator, com libertação de matéria radioativa. Para proteção dos próprios manifestantes, mas também para permitir o regular desenvolvimento das operações de socorro e tratamento, esta manifestação deverá ser interrompida. 

Ao nível da emergência médica, como não podia deixar de ser, existem, igualmente, normas cuja implementação é suscetível de conflituar com os restantes direitos individuais, maxime os direitos de reunião e de manifestação. De modo que podemos até dizer que estes são os casos flagrantes de compressão de direitos fundamentais em benefício da saúde pública.

O Decreto-Lei n.º 82/2009, de 2 de abril[117], veio estabelecer o regime jurídico da designação, competência e funcionamento das entidades que exercem o poder de autoridades de saúde, ou seja, das autoridades a quem «compete a decisão de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, na prevenção da doença e na promoção e proteção da saúde, bem como no controlo dos fatores de risco e das situações suscetíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde dos cidadãos ou dos aglomerados populacionais» (art. 2.º, n.º 1)[118].

Nos termos da Lei de Bases da Saúde, para defesa da saúde pública, compete, em especial, a estas autoridades: i) ordenar a suspensão de atividades ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública e privada, quando funcionem em condições de risco para a saúde pública; ii) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública; iii) Exercer a vigilância sanitária do território nacional e fiscalizar o cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional ou de outros instrumentos internacionais correspondentes, articulando-se com entidades nacionais e internacionais no âmbito da preparação para resposta a ameaças, deteção precoce, avaliação e comunicação de risco e da coordenação da resposta a ameaças (Base 34, n.º 2)[119]. Deste modo, as autoridades de saúde pública podem, em certas situações e cumpridos determinados requisitos legais, determinar a execução das medidas aí especificadas, algumas das quais podem (repetimos de novo) afrontar direitos fundamentais, tais como os de reunião e de manifestação. Seria o caso, por exemplo, da interdição de realizar reuniões ou manifestações em locais, de tal forma perigosos, poluídos ou infetados, que a saúde dos participantes poderá estar em causa: Uma manifestação contra as vacinas, realizada numa localidade onde foi declarado um surto de uma grave doença infetocontagiosa (v.g. ébola) deverá ser proibida.

Por seu turno a Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto[120], estabeleceu «um sistema de vigilância em saúde pública, através da organização de um conjunto de entidades dos sectores público, privado e social desenvolvendo atividades de saúde pública, conforme as respetivas leis orgânicas e atribuições estatutárias, aplicando medidas de prevenção, alerta, controlo e resposta, relativamente a doenças transmissíveis, em especial as infectocontagiosas, a outros riscos para a saúde pública, com vista a garantir o direito dos cidadãos à defesa e proteção da saúde» (art. 1.º, n.º 1).

Reiterando o disposto na Lei de Bases da Saúde, as entidades que integram este sistema devem, perante uma emergência, conforme orientações do Diretor-Geral da Saúde determinar, inter alia, rapidamente as medidas de controlo necessárias com vista a prevenir a propagação (art. 14.º, al.ª a), podendo impor as medidas de exceção indispensáveis», nomeadamente o internamento de pessoas que constituam perigo para a saúde pública, o encerramento de atividades, a separação de pessoas que não estejam doentes, meios de transporte ou mercadorias, que tenham sido expostos, de modo a evitar a eventual disseminação da doença[121].

Nos casos mais graves, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode tomar medidas de exceção indispensáveis em caso de emergência em saúde pública e pode, sob proposta do Diretor-Geral da Saúde, como autoridade de saúde nacional, emitir orientações e normas regulamentares, com força executiva imediata, com a finalidade de tornar exequíveis as normas de contingência para as epidemias ou de outras medidas consideradas indispensáveis cuja eficácia dependa da celeridade na sua implementação (art. 17.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 81/2009). Estas medidas são, em ambos os casos, se necessário, coordenadas, com o membro do Governo responsável pelas áreas da segurança interna e proteção civil, nomeadamente no que respeita à mobilização e à prontidão dos dispositivos de segurança interna e de proteção e socorro, devendo ser comunicadas à Assembleia da República (art. 17.º, n.º 4 da Lei n.º 81/2009). O seu potencial de agressão aos direitos fundamentais é tanto que se impõe o seu controlo pela Assembleia da República.

Finalmente, ainda nos termos da referida Lei n.º 81/2009, em situação de verdadeira calamidade pública, nos casos em que a gravidade da situação o justifique e tendo em conta os mecanismos preventivos e de reação previstos na Lei de Bases de Proteção Civil, o Governo apresenta, após proposta do Conselho Nacional de Saúde Pública, baseada em relatório da Comissão Coordenadora de Emergência, ao Presidente da República, documento com vista à declaração do estado de emergência, por calamidade pública, nos termos da Constituição (art. 19.º). Como iremos ver, de seguida, estaremos, então, em situação emergência; o que pressupõe formas de organização e atuação excecionais.

3.2. A importância conferida à saúde (tanto do ponto de vista constitucional, como do ponto de vista infraconstitucional) tem, depois, ressonância no direito penal. Para além do direito à vida (arts. 131.º e ss. do CP) e do direito à integridade física (arts. 143.º e ss. do CP), enquanto bens jurídicos centrais do nosso Código Penal, como a sua própria sistematização demonstra, não podemos esquecer o crime de propagação de doença, previsto no artigo 283.º do Código Penal.

De facto, nos termos desta disposição legal:

               «1 - Quem:

               a) Propagar doença contagiosa;

                b) Como médico ou seu empregado, enfermeiro ou empregado de laboratório, ou pessoa legalmente autorizada a elaborar exame ou registo auxiliar de diagnóstico ou tratamento médico ou cirúrgico, fornecer dados ou resultados inexatos; ou

                c) Como farmacêutico ou empregado de farmácia fornecer substâncias medicinais em desacordo com o prescrito em receita médica;

                e criar deste modo perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física de outrem é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

                2 - Se o perigo referido no número anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.

                3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa».

Conforme refere J.M. Damião da Cunha[122]:

               «[d]oença contagiosa, nos termos do presente artigo, significa necessariamente uma doença contagiosa grave, para que seja suscetível de provocar o perigo referido no crime. A definição do que seja doença contagiosa e, sobretudo, do grau da sua gravidade é algo que causa alguns problemas. Com efeito, o critério para afirmar a gravidade potencial de uma doença pode depender de muitas circunstâncias, até porque os peritos médicos que, eventualmente, poderiam ajudar na determinação dos limites da punibilidade, apenas podem trabalhar com dados estatísticos. […]. Isto significa que a doença contagiosa em causa no presente crime tem de ser adequada a produzir o perigo nele referido, pelo que dependerá do caso concreto».

3.3. Para além destas medidas avulsas, regressando, finalmente, ao próprio regime de exercício dos direitos de reunião e de manifestação, atenta a necessidade de salvaguardar a saúde, Sérvulo Correia entende que as limitações horárias constantes do Decreto-Lei n.º 406/74 (nos termos do art. 11.º: «as reuniões de outros ajuntamentos objetos deste diploma não poderão prolongar-se para além das 0,30 horas») obedecem «ao fim de tutela do direito de proteção da saúde» (art. 64.º CRP)[123].

É certo que a generalidade da doutrina não identifica esta compressão aos direitos de reunião e de manifestação com a defesa da saúde: estará antes em causa o direito ao repouso[124]. No entanto, mesmo assim, não deixa de ser um exemplo da necessidade e da possibilidade de compatibilizar ou harmonizar estes direitos constitucionais. Os direitos de reunião e de manifestação não podem (repetimos) aniquilar a saúde, quer na sua vertente individual, quer na sua vertente pública, mas esta também não pode aniquilar aqueles direitos.

Como refere Carla Amado Gomes:

              «a salvaguarda da autonomia individual, da privacidade, da liberdade, como se preferir, deve procurar-se, mas não a qualquer custo. Nomeadamente, não a custo do sacrifício da própria ideia de vida social, que implica a defesa e realização do interesse coletivo, nas suas várias facetas. A dignidade do ser humano não pode traduzir-se numa exigência incessante de direitos sem quaisquer contrapartidas, sem responsabilidades sociais […]. A felicidade do indivíduo socialmente integrado tem um preço: a solidariedade, no sentido de assunção dos deveres que lhe advêm da sua integração social […].

              Essencial é, por isso, a ponderação equilibrada dos interesses em jogo, não fazendo, nem do individuo um instrumento do Estado, nem imolando o Estado no altar dos direitos individuais. Esta ponderação cabe, em primeiro lugar, ao Estado, na sua atividade legiferante. Mas, no plano seguinte, o da execução do Direito, e em áreas como a da saúde pública, em que os aspetos técnicos avultam e as situações assumem muitas cambiantes, à Administração deve ser concedida uma margem de livre decisão a utilizar com a máxima razoabilidade - ou proporcionalidade – possível»[125].

As reuniões e as manifestações não devem, insistimos, aniquilar o direito de proteção da saúde, pelo que podem ser aqui inseridas certas limitações, como, por exemplo, proibição de bloqueio de vias de acesso aos hospitais ou a interdição de locais onde a saúde daqueles que se reúnem ou manifestam possa ser posta em causa (v.g. festas realizadas com o objetivo de gerar infeções generalizadas). Desde que sejam cumpridos os requisitos de que depende a legitimidade constitucional da compressão destes direitos fundamentais nada (mormente a sua consagração na Lei fundamental) a parece impedir.

Como referiu o Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas no Comentário Geral nº 37 (2020) sobre o direito de reunião pacífica (artigo 21.º):

              «A proteção da “saúde pública” pode permitir excecionalmente a imposição de restrições (ao direito de reunião pacífica), por exemplo caso exista um surto de doença infeciosa e os encontros sejam perigosos. Em casos extremos, isto pode também ser aplicável caso a situação sanitária durante uma reunião apresente um risco importante para a saúde do público em geral ou dos próprios participantes» [126].

d) O Estado de emergência

Em qualquer época histórica e em qualquer tipo de Estado podem ocorrer situações de emergência resultantes de acontecimentos humanos ou naturais excecionais, de índole interna ou externa e com maior ou menor impacto na comunidade. Atenta a sua excecionalidade, são, então, admissíveis formas de atuação e de organização também excecionais, como o Riot Act inglês de 1714, o état de siège da revolução francesa ou o Notrecht da Constituição de Weimar[127].

As Constituições portuguesas, ainda que utilizando diferentes soluções e logrando diferentes resultados, cedo contemplaram situações excecionais: a Constituição de 1822 suspendia algumas das formalidades relativas à prisão de delinquentes (art. 211.º); a Carta Constitucional dispensava algumas das formalidades que garantiam a liberdade individual (art. 145.º, § 34); a Constituição de 1838 suspendia as garantias individuais (art. 32.º); a Constituição de 1911 consagrava o estado de sítio (art. 26.º, n.º 16) e a Constituição de 1933 manteve essa consagração (art. 91.º, n.º 8) e alargou-a, com a sua revisão de 1971, criando restrições das liberdades individuais em situações de subversão (art. 109.º, § 6)[128]. A Constituição da República Portuguesa de 1976, utilizou a mesma técnica, consagrando no artigo 19.º a «suspensão do exercício de direitos», nos seguintes termos:

              «1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.

              2. O estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados, no todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efetiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.

              3. O estado de emergência é declarado quando os pressupostos referidos no número anterior se revistam de menor gravidade e apenas pode determinar a suspensão de alguns dos direitos, liberdades e garantias suscetíveis de serem suspensos.

              4. A opção pelo estado de sítio ou pelo estado de emergência, bem como as respetivas declaração e execução, devem respeitar o princípio da proporcionalidade e limitar-se, nomeadamente quanto às suas extensão e duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

               5. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência é adequadamente fundamentada e contém a especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso, não podendo o estado declarado ter duração superior a quinze dias, ou à duração fixada por lei quando em consequência de declaração de guerra, sem prejuízo de eventuais renovações, com salvaguarda dos mesmos limites.

              6. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.

               7. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na Constituição e na lei, não podendo nomeadamente afetar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e de governo próprio das regiões autónomas ou os direitos e imunidades dos respetivos titulares.

               8. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional».

Para além da Constituição da República Portuguesa (art. 19.º), também a Lei n.º 44/86, de 30 de setembro[129], veio, depois, estabelecer o regime do estado de sítio e do estado de emergência: dessa forma o legislador desenvolveu aquele regime constitucional, pormenorizando os procedimentos e as fases do estado de exceção e estabelecendo a sua fiscalização político-parlamentar.

Este regime legal permite (com base naquela norma constitucional) que seja, total ou parcialmente, declarado o estado de emergência, quando se verifique um caso de calamidade pública (como, por exemplo, a resultante de uma grave pandemia), possibilitando a suspensão de alguns direitos, liberdades e garantias (maxime os direitos de reunião e de manifestação) e conferindo às autoridades designadas para executar a referida declaração competência para tomar as medidas necessárias e adequadas ao restabelecimento da normalidade constitucional. 

Desta forma, a declaração do estado de emergência modifica temporariamente (art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86) a organização dos poderes públicos e a distribuição das respetivas competências, conferindo ao Governo (art. 17.º da Lei n.º 44/86) poderes que normalmente ele não detém, de modo a superar rapidamente a situação que legitima a sua declaração.  

Mesmo assim, apesar desses poderes excecionais, o estado de emergência jamais poderá afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião (art. 19.º, n.º 6, da CRP e art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86)[130] e, segundo alguma doutrina, mesmo, outros por estritas razões de analogia legis[131]. A contrario todos os outros direitos podem ser suspensos, mas a sua suspensão deve, quer quanto à sua extensão, quer mesmo quanto à sua duração, quer quanto aos meios utilizados, limitar-se apenas ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional (art. 19.º, n.º 4, da CRP e art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86) e ser apenas parcial (art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 44/86). 

Com efeito, para além da opção pelo estado de emergência e respetiva declaração, também a sua execução está subordinada ao princípio da proporcionalidade[132], nas suas vertentes de adequação (as medidas devem ser o meio adequado à prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), de necessidade (o legislador não dispõe de outros meios, menos restritivos, para alcançar o mesmo desiderato) e de justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão ser adotadas medidas excessivas, que se revelem desproporcionadas aos objetivos prosseguidos). Por isso mesmo, a opção, a declaração e a execução do estado de emergência serão contrárias à Constituição se essa opção, essa declaração e as medidas que a consubstanciam forem consideradas inadequadas, isto é, forem inócuas, indiferentes ou até contrariarem os objetivos pretendidos; se existirem outros meios alternativos menos onerosos para alcançar aqueles objetivos; se os custos para os direitos fundamentais atingidos não forem compensados pelos benefícios assim obtidos[133].   

Reunidos todos os seus pressupostos materiais e processuais, nada impede, portanto, a supressão temporária e parcial do exercício dos direitos de reunião e de manifestação. Necessário será que, em cada caso concreto, seja encontrado o justo equilíbrio entre todos estes interesses, eventualmente, antagónicos.

1. Como já referimos supra[134], o Estado de emergência não se confunde com outros mecanismos de compressão dos direitos fundamentais, nomeadamente a sua restrição[135]. Com efeito, a restrição de direitos fundamentais:

              «consiste na diminuição do alcance permissivo das normas constitucionais que os garantem, de um modo permanente, em determinadas situações – restrições objetivas – ou para certas categorias de pessoas - restrições subjetivas. Partindo da ideia de que os direitos fundamentais não são ilimitados, ela justifica-se por força da conveniência de proteger outros valores igualmente relevantes no plano constitucional. Em todo o caso, a restrição assume uma feição parcial, não atingindo a totalidade do direito fundamental alvo do respetivo efeito»[136].

Em vez da suspensão temporária de determinados direitos, destinada a enfrentar uma emergência localizada no espaço e no tempo e, rapidamente, repor a normalidade constitucional, está em causa uma verdadeira compressão dos direitos fundamentais válida, enquanto durar o regime legal que a consubstancia.

A comparação dos efeitos materiais destas duas figuras constitucionais permite compreender facilmente as suas diferenças substanciais. O estado de emergência, implicando o reforço dos poderes estaduais, modifica a sua organização e modus de atuação, enquanto as restrições são a forma normal do legislador resolver eventuais colisões de bens ou direitos constitucionais. Por outro lado, do ponto de vista funcional, o estado de emergência vale apenas para um determinado período, temporalmente delimitado, ao passo que as restrições têm, repetimos, caráter permanente. Na síntese de Jorge Bacelar Gouveia:

              «A restrição é, por definição, um efeito ablativo definitivo e não transitório, como é o efeito da exceção: a restrição ainda que só atinja alguém durante um certo período, é do ponto de vista legislativo uma situação permanente, isso não acontecendo com a suspensão dos direitos fundamentais que se incorpora numa parcela dos efeitos excecionais»[137].

Na base destas diferenças materiais e funcionais estão sobretudo as finalidades destes dois mecanismos constitucionais. Retomando o pensamento de Jorge Bacelar Gouveia:

              «a restrição assenta em motivações muito variadas, desde as preocupações do foro processual penal até à necessidade de evitar conflitos entre direitos fundamentais; já a suspensão dos direitos fundamentais, inserta no estado de exceção, apenas se alinha numa motivação específica de perturbação da ordem constitucional, com uma causalidade marcadamente mais restrita»[138].

Mesmo assim, apesar destas diferenças, uma vez que «na declaração do estado de emergência apenas pode ser determinada a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias» (art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 44/86), na prática, ressalvada a eficácia temporal, os efeitos da sua declaração acabam (neste caso) por ser muito semelhantes aos alcançados com uma mera compressão de direitos fundamentais[139].

2. Na vida quotidiana podem, como já referimos[140], ocorrer situações que, apesar de não corresponderem ao normal e de exigirem medidas mais intensas ou musculadas do ponto de vista da ingerência nos direitos fundamentais, não pressupõem, todavia, a sua suspensão[141]. A necessidade de salvaguardar a saúde individual ou mesmo a saúde pública pode exigir a concretização de medidas restritivas dos direitos individuais, mas não se torna necessário a sua suspensão generalizada. As autoridades de saúde pública e, mesmo, as entidades policiais, estão dotadas de mecanismos desenhados para articular os interesses em conflito.

É certo que estas medidas não têm recebido o beneplácito do Tribunal Constitucional[142] e da generalidade da doutrina[143]. Recentemente, Jorge Miranda escreveu que:

               «o Governo, invocando legislação de proteção civil e de saúde pública, tem adotado medidas próprias do estado de emergência, designadamente condicionantes à liberdade de deslocação ou à abertura de escolas, de estabelecimentos comerciais e industriais. Ora a calamidade pública justifica estado de emergência (de novo, artigo 19.º, n.º 2, da Constituição). O que não existe é estado de calamidade ou estado de emergência administrativo»[144].

Mesmo assim, independentemente dessas medidas concretas, cuja legitimidade constitucional não cumpre aqui analisar, a verdade é que em termos abstratos:

              «a declaração de estado de exceção, no caso com fundamento em calamidade pública, assenta num princípio de subsidiariedade, numa ideia de ultima ratio. Em regra, não será necessário convocar uma figura tão gravosa. Ideia que também vale em relação às situações tipificadas no quadro do “direito de necessidade simples” (einfaches Notstandsrechet), isto é, para a escolha da situação (de alerta, de contingência e de calamidade)[145].

Sempre que seja possível, deverá ser escolhida uma solução menos agressiva do que a suspensão generalizada dos direitos.

3. Todo este percurso argumentativo permite-nos concluir que os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) podem ser comprimidos a fim de os compaginar com outros direitos, maxime o direito à saúde (art. 64.º da CRP), na sua vertente negativa de abstenção de condutas que a prejudiquem e que a sua suspensão, em sede de estado de emergência (art. 19.º da CRP), deverá ser a ultima ratio: apenas quando não for possível lograr o mesmo resultado com outros meios menos onerosos poderá ser utilizado o estado de exceção. Tudo deverá, portanto, depender das necessidades de proteção da saúde no caso concreto[146]. Os casos normais de conflito destes direitos devem ser tratados no quadro da compressão de direitos; os casos excecionais, graves e complexos, que põem em causa o regular funcionamento do próprio Estado, poderão, se não for possível proceder de outra forma, ser tratados no quadro da suspensão de direitos. É para esses casos que pode ser alterada a normalidade constitucional. Decretado o estado de emergência, reunidos todos os pressupostos constitucionais, podem ser suspensos os direitos de reunião e de manifestação. Em síntese, nas situações de normalidade constitucional, o conflito entre os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) e o direito à saúde (art. 64.º da CRP) deve ser tratado no quadro da compressão de direitos (art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP) e só nas situações de estado de emergência, se não for possível proceder de outra forma, poderá ser implementada a suspensão de direitos.

A compressão dos direitos fundamentais, maxime dos direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) deverá, no entanto, limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (art. 18.º, n.º 2, da CRP) e não pode diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos direitos constitucionais afetados (art. 18.º, n.º 3, da CRP)[147]. A saúde não poderá, jamais, sobrepor-se completamente aos direitos de reunião e de manifestação, impedindo, por exemplo, manifestações online, dentro de carros ou à janela ou onde o uso de máscara e de distanciamento social é obrigatório e que, como tal, são insuscetíveis de provocar danos à saúde. Em todo o caso, sempre se dirá que, atenta a sua conjugação com as finalidades políticas, que muitas vezes lhe estão subjacentes, o núcleo essencial do direito de manifestação parece apresentar maior densidade, tornando a sua compressão mais difícil.

O legislador dispõe, assim, de uma considerável margem de liberdade, podendo desenhar e implementar sistemas legais graduais que respondam adequadamente a todas as necessidades do quotidiano, desde as mais simples e triviais, até às mais graves e complexas.

II

As Câmaras Municipais, ou os seus Presidentes, têm competência legal para apreciar e decidir, do ponto de vista material, a conformidade da comunicação que lhe é feita pelo(s) promotor(es) com o efetivo exercício do direito de manifestação?

                         

O artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 406/74 dispõe que:

              «As autoridades competentes só poderão impedir as reuniões cujo objeto ou fim contrarie o disposto no artigo 1.º, entendendo-se que não são levantadas quaisquer objeções, nos termos dos artigos 1.º, 6.º, 9.º e 13.º, se estas não forem entregues por escrito nas moradas indicadas pelos promotores no prazo de vinte e quatro horas».

Atentas as questões colocadas, o primeiro problema que esta norma suscita é o de saber quem são, afinal, as autoridades competentes para impedir previamente as reuniões com fins contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas ou que, sem prejuízo do direito à crítica, pelo seu objeto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas. O legislador refere que as autoridades competentes as poderão impedir, mas não indica quem são, afinal, essas autoridades competentes.

1. À data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 406/74 competia, inter alia, ao presidente da câmara «tomar as providências necessárias para que se cumpram as leis e regulamentos de polícia geral, distrital e municipal, urbana e rural, zelando pela manutenção da ordem e tranquilidade pública e protegendo a liberdade, propriedade e segurança dos habitantes do concelho», «impedir e reprimir quaisquer atos contrários à ordem, à moral e à decência pública», «prestar às autoridades sanitárias todo o auxílio que lhe for solicitado e exercer as atribuições que sobre polícia sanitária lhe sejam conferidas nas leis e regulamentos» e, ainda, «exercer a polícia sobre reuniões públicas e solenidades religiosas, nos termos da lei»[148].

Dai que as competências que lhe eram expressamente outorgadas em matéria de reuniões e de manifestações (v.g. arts. 2.º, n.º 1, 9.º e 13.º, do Dec.-Lei n.º 406/74) estivessem devidamente alinhadas com as suas competências gerais e com os poderes indispensáveis ao seu integral cumprimento.

A verdade é, todavia, que não obstante os relevantes poderes de que dispõe nesta matéria, o presidente da câmara municipal tem hoje «reduzidos poderes de polícia da ordem pública, ou melhor dizendo, de manutenção da ordem pública contra desacatos, tumultos, assuadas, motins e demais fenómenos de perturbação violenta da tranquilidade na via pública»[149]. Com efeito, a atual legislação autárquica, sejam as atribuições municipais[150], sejam as competências próprias do presidente da câmara municipal[151], omite qualquer referência às competências decorrentes da receção do aviso prévio pelos promotores de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público, previsto no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 406/74.

Mesmo assim, atento o teor do referido Decreto-Lei, parece claro que o presidente de câmara conserva hoje em dia competência para proibir a realização de uma reunião ou de uma manifestação que, ab initio, se realizada, se perfila como um perigo concreto para outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos[152]. A manifesta desadequação do seu objeto a objetivos compreendidos no âmbito de proteção jurídico-constitucional dos direitos de reunião e de manifestação deverá desencadear a prévia proibição do evento.

Como se referiu no Parecer n.º 11/2021, de 7 de outubro de 2021:

              «A competência para praticar tal ato é, em nosso entender, também, do presidente da câmara municipal.

              Em primeiro lugar, porque a competência para admitir o aviso prévio confere-lhe uma posição de exclusividade no conhecimento oficial dos factos.

               O presidente da câmara municipal é, com efeito, o único órgão da Administração Pública que, de modo necessário, conhece o teor do aviso prévio. Por isso, só ele está, de modo necessário, em condições de proibir a manifestação ou reunião que se anteveja notoriamente ilícita ou tumultuosa, em termos tais, que não reste alternativa, senão impedi-la ou adiá-la.

              Se o legislador lhe confiou ser destinatário do aviso prévio, não foi, decerto, para que se limitasse a passar quitação, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º, e a encaminhar o seu teor para as autoridades que seriam, a final, competentes».

Sem o conhecimento prévio da intenção de realizar uma reunião ou uma manifestação será impossível desencadear os procedimentos necessários à proibição de um evento contrário ao disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 406/74 (ou, como se diz no pedido de parecer, «manifestamente desadequado aos seus objetivos políticos, sindicais ou religiosos»), bem como os procedimentos burocráticos indispensáveis ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e veículos (art. 6.º, n.º 1), a evitar a interferência de contramanifestantes (art. 7.º) ou a impedir que o evento ocorra a menos de 100 metros de certos locais (art. 13.º). Retomando a recente doutrina deste conselho, que o pouco tempo entretanto decorrido não permite, sequer, que se cogite a necessidade de reponderação ou alteração:

               «A titularidade da competência revela-se, assim, por exclusão de partes: nada garante, à partida, que outro órgão do município, do Estado ou da Região Autónoma tenha conhecimento oficial do aviso prévio e do seu conteúdo. Só o presidente da câmara municipal está em condições de proibir uma manifestação.

               A não ser deste modo, a competência do presidente da câmara municipal para receber o aviso prévio perderia sentido útil. O legislador teria, antes, determinado que o aviso prévio fosse remetido a determinado membro do Governo ou às forças de segurança que, por sua vez, e para os devidos efeitos, dariam conhecimento aos órgãos municipais (v.g. facilidades de instalação de equipamentos, apoio a condicionamentos no trânsito automóvel, cooperação da polícia municipal).

               Ora, a lei — sobretudo a Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro — ao reverter a competência do governador civil a favor do presidente da câmara municipal territorialmente competente sobre a capital de distrito, generalizou a todo o território nacional a competência deste órgão para ser destinatário do aviso prévio e adotar, em primeira mão, as providências necessárias»[153].

             

O estabelecimento de um curto prazo legal (24 horas), para que sejam levantadas objeções à realização de uma reunião pública ou de uma manifestação, é mais um argumento neste sentido. Se, em lugar do presidente da câmara devesse atuar outra qualquer autoridade, o legislador deveria ter dotado a lei com um prazo suficientemente longo para permitir a realização das diligências burocráticas que tal atuação certamente pressupõe. Vinte e quatro horas não são suficientes para o efeito[154].

Em suma, recuperando duas conclusões do citado parecer, homologado por despacho de sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública:

              «9.ª – Nos termos do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, são competências próprias do presidente da câmara municipal (i) passar comprovativo da receção do aviso prévio (cf. n.º 3 do artigo 2.º), (ii) opor objeções ao plano dos promotores (cf. n.º 2 do artigo 3.º), em razão da ilicitude dos fins ou dos meios (cf. artigo 1.º), (iii) ordenar alterações ao trajeto das manifestações e redução a metade do uso das faixas de rodagem por cortejos e desfiles (cf. n.º 1 do artigo 6.º), (iv) reservar para a realização de reuniões ou comícios determinados lugares públicos devidamente identificados e delimitados, estatuindo critérios objetivos de repartição entre vários interessados (cf. artigo 9.º) e (v) impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos (cf. artigo 13.º).

              10.ª – Compete-lhe, ainda, em casos extremos, proibir determinada reunião, manifestação, comício, desfile ou cortejo, dentro dos pressupostos e requisitos muito estritos que se encontram no n.º 2 do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 406/74, relevando, aqui, sobremaneira, a proibição de contramanifestações em local e horário que coincidam (cf. artigo 7.º)».

Estas competências não são, todavia, exclusivas. Convocando, outra vez, o referido parecer:

               «não é de excluir, todavia, que também o Ministro da Administração Interna, uma vez informado oficialmente, possa impedir determinada reunião ou manifestação, dentro dos pressupostos e requisitos fixados […]. Isto, em atenção ao disposto no artigo 2.º da lei orgânica do Ministério da Administração Interna […], ao enunciar, em especial, as atribuições de garantia e manutenção da ordem e tranquilidade públicas (cf. alínea a]) e assegurar a proteção da liberdade e da segurança das pessoas e seus bens, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de Direito (cf. alínea b])»[155].

2. Quer isto dizer, nos termos desta norma (art. 3.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 406/74), que os presidentes das câmaras municipais, uma vez recebido o aviso da intenção de realizar uma reunião em local público ou aberto ao público ou uma manifestação, poderão, desde logo, impedir a realização daquelas que tenham fins contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidades públicas (art. 1.º, n.º 1) ou que, sem prejuízo do direito à crítica, pelo seu objeto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (art. 1.º, n.º 2)[156], alterar os trajetos programados ou determinar que os desfiles ou cortejos se façam só por uma das metades das faixas de rodagem (art. 6.º, n.º 1), reservar para a sua realização determinados lugares públicos devidamente identificados e delimitados (art. 9.º) e impedir que elas se realizem em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos (art. 13.º). 

Embora os direitos de reunião e de manifestação não careçam de autorização prévia (art. 45.º, n.º 1, da CRP), a verdade é que a comunicação antecipada às autoridades permite-lhes tomar as providências preventivas necessárias de modo a reduzir ou a minimizar eventuais perturbações na ordem e na tranquilidade pública ou noutros direitos fundamentais, se necessário, mediante a proibição da própria reunião ou da manifestação[157]: «a defesa destes outros bens e interesses – a lei, a moral, os direitos das pessoas singulares ou coletivas, a ordem e a tranquilidade públicas – poderá exigir, outrossim, a constrição do direito de reunião»[158]. No fundo, os presidentes de câmara têm competência para apreciar se aquilo que se anuncia é uma reunião ou uma manifestação compreendida no âmbito de proteção destes direitos constitucionais (art. 45.º) ou se, pelo contrário, está em causa a mera invocação fraudulenta desses direitos para fins que não são, por eles, tutelados e, logo, de um evento que não goza da sua proteção jurídica.

2.1. No entanto, como se referiu no Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, esta proibição, apesar de possível:

              «reveste a maior delicadeza, sobretudo porque, mesmo um juízo de prognose robusto que assevere ir ocorrer infração da lei, comportamento ostensivamente imoral, lesão de direitos de terceiros e perturbações da ordem ou tranquilidade públicas tem de obedecer a duas ordens de requisitos».

Na verdade, nos termos do referido preceito, a proibição só se justifica em casos extremos, como, retomando os claros exemplos do citado Parecer, uma «manifestação que importe a travessia de ponte em mau estado de conservação», um «comício cuja convocatória incite ao uso de armas», uma contramanifestação e «os seus promotores recusarem um local ou percurso alternativos, elevando intoleravelmente o risco de confrontos entre manifestantes e contramanifestantes, movidos, uns e outros, por reivindicações, pelo menos, divergentes» ou, ainda, «manifestações, comícios ou outras reuniões que impliquem o ingresso abusivo em edifícios públicos ou particulares». O mesmo se poderá dizer nos casos em que a reunião ou a manifestação tem como fito a preparação ou, mesmo, a execução de crimes. Em causa deverá estar, assim, um «grave e concreto perigo para outros direitos ou bens fundamentais» de tal forma que «nenhuma outra medida menos gravosa se mostre adequada»[159]. Como refere a própria Constituição da República Portuguesa, prevenindo excessos desnecessários e perniciosos, «as medidas de polícia são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário» (art. 272.º, n.º 2)[160]. Em suma, na síntese do mesmo Parecer:

              «Sem haver indícios firmes de grave ilicitude ou de perigo, na prognose a efetuar, o órgão competente não deve proibir a reunião ou manifestação, optando, antes, pelo reforço das medidas de vigilância policial ao seu alcance ou ao alcance das forças de segurança».

Como bem se concluiu no Parecer n.º 83/2005, de 24 de novembro de 2005:

              «Em concreto, a previsão pelas autoridades administrativas da eventual prática de crime ou crimes no decurso de manifestações, como pressuposto da respetiva decisão de proibição, tem de assentar numa razoável certeza de verificação do facto típico (e não numa mera presunção), ainda em aplicação do princípio da proporcionalidade – devendo atender-se a aspetos como a maior ou menor exigência na demonstração do preenchimento do tipo legal»[161].

Por outro lado, uma vez que os conceitos indeterminados utilizados pelo legislador para consagrar poderes de livre apreciação administrativa «devem, por regra, ser interpretados declarativa, senão mesmo, restritivamente», o conceito de «reuniões cujo objeto ou fim contrarie o disposto no artigo 1.º», subjacente à «proibição de reuniões e manifestações, deve cingir-se às infrações criminais[162] — e nem a todas (v.g. crimes particulares) — e a certas contraordenações muito graves» e o conceito de «moral» deve pressupor a «suscetibilidade de indignação razoável numa sociedade pluralista». No limite, devem valer «os padrões socialmente adequados à proteção de crianças e jovens contra atos de conduta exibicionista que importunem ou provoquem deliberadamente», mas valem, também, «as justas exigências da democracia ética»[163].

A proibição destas reuniões, pressupondo um prognóstico robusto, é congruente com o regime constitucional dos direitos envolvidos. Em bom rigor, na generalidade destas situações, poderemos até questionar se ainda estamos perante o legítimo exercício dos direitos de reunião ou de manifestação, designadamente se as condutas, por exemplo, consubstanciando a prática de um crime, ainda estão abrangidas pelo âmbito de proteção das respetivas normas constitucionais[164]. É que «se num caso hipotético ou concreto se põe em causa o conteúdo essencial de outro direito, se se atingem intoleravelmente valores comunitários básicos ou princípios fundamentais da ordem constitucional, deverá resultar para o intérprete a convicção de que a proteção constitucional do direito não quis ir tão longe»[165]. A Constituição não protege esses modos radicais de exercício dos direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1) e de manifestação (art. 45.º, n.º 2), nomeadamente quando eles são suscetíveis de integrar um ilícito jurídico-criminal.

3. Se é certo que o presidente da câmara pode intervir, proibindo, ab initio, uma reunião ou uma manifestação, também é certo que o abuso desse poder poderá constituir crime. Nos termos da própria lei: «as autoridades que impeçam ou tentem impedir, fora do condicionalismo legal, o livre exercício do direito de reunião» incorrem em responsabilidade criminal e disciplinar (art.15.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74)[166]. Para além da tutela constitucional, os direitos de reunião e de manifestação gozam de tutela penal, podendo a sua violação provocar a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança. As autoridades administrativas movem-se, portanto, numa linha muito ténue e estreita, que medeia entre o abuso dos direitos de reunião e de manifestação (também ele é crime[167]) e o abuso, inverso, do poder da sua proibição. Não podemos cair em nenhum destes dois extremos, perniciosos e indesejáveis num Estado de direito.

4. Os presidentes das câmaras «não se limitam a um mero controlo formal dos requisitos das reuniões ou manifestações, antes lhes cabendo um poder efetivo de as proibir ou permitir, dentro dos parâmetros legais definidos»[168]. A comunicação prévia de uma reunião em local púbico ou aberto ao público ou de uma manifestação deve ser devidamente ponderada e examinada por forma a verificar se estão ou não preenchidos os pressupostos para a sua realização. Não podemos esquecer que, embora os direitos de reunião e de manifestação sejam dimensões essenciais da personalidade humana, o seu exercício pode (como já vimos) conflituar com outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, designadamente a lei, a moral, os direitos das pessoas singulares ou coletivas e a ordem e a tranquilidade públicas (art. 1.º, n.º 1) ou, sem prejuízo do direito à crítica, com a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (art. 1.º, n.º 2). Numa palavra, o presidente da câmara, tem, competência legal para apreciar e decidir, do ponto de vista material, a conformidade da comunicação que lhe é feita pelo(s) promotor(es) com o efetivo exercício do direito de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) ou de manifestação (art. 45.º, n.º 2, CRP). Tudo aquilo que, manifestamente, não corresponda ao exercício desses direitos deverá ser proibido.

III

Quais os poderes e as entidades competentes, relativamente à realização de reuniões e manifestações em manifesta desadequação a objetivos políticos, sindicais ou religiosos?

As competências necessárias para o cabal exercício dos poderes referidos no Decreto-Lei n.º 406/74 são atribuídas ao presidente da câmara municipal (ou, na sua versão original, quando a aglomeração se situasse na capital do distrito ao governador civil) e, em termos genéricos, às autoridades. Ao primeiro são, como acabamos de ver, expressamente atribuídas competências específicas para: receber a comunicação da realização de uma reunião ou manifestação (art. 2.º, n.ºs 1 e 3); mas também para reservar para a realização de reuniões ou comícios determinados lugares públicos devidamente identificados e delimitados (art. 9.º); e para, solicitando quando necessário ou conveniente o parecer das autoridades militares ou outras entidades, por razões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos (art. 13.º)[169]. Às segundas são reconhecidas competências para impedir reuniões (art. 3.º, n.º 2), para interromper reuniões (art. 5.º, n.º 1), para alterar os trajetos ou determinar que os desfiles ou cortejos se façam só por uma das metades das faixas de rodagem (art. 6.º, n.º 1), para tomar as providências necessárias para que as reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos decorram sem a interferência de contramanifestações que possam perturbar o livre exercício dos direitos dos participantes (art. 7.º), para receber armas que lhes sejam entregues pelos promotores (art. 8.º, n.º 2).

O legislador optou, assim, por um sistema híbrido: por um lado define o órgão com competência para a prática de determinados atos (presidente da câmara municipal); por outro lado admite expressamente a intervenção de outras autoridades, eventualmente em concorrência com aquele. Importa, por isso, determinar quem são essas autoridades e quais os poderes que se encontram ao seu dispor no contexto de reuniões ou de manifestações.

1. A identificação das autoridades com competência para impedir uma reunião pública ou uma manifestação é problemática. O legislador limita-se, agora, a prescrever que as autoridades só podem determinara a interrupção da reunião pública ou da manifestação, quando forem afastadas da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade pública, o livre exercício dos direitos das pessoas ou ofendam a honra e considerações devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas, mas não indica quais as autoridades competentes para o efeito (art. 5.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74). A resposta para este problema terá, pois, que se encontrada noutro local.

1.1. Nos termos da Lei n.º 53/2008, têm competência para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, para proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática, entre outras, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública (art. 25.º, n.º 2, als a) e b), da Lei n.º 53/2008).

Os respetivos estatutos confirmam, depois, estas competências.

Com efeito, a Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro[170], prescreve que «a Guarda tem por missão, no âmbito dos sistemas nacionais de segurança e proteção, assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, bem como colaborar na execução da política de defesa nacional, nos termos da Constituição e da lei» (art. 2.º, n.º 2) e que, entre outras, são atribuições da GNR: a) garantir as condições de segurança que permitam o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias dos cidadãos, bem como o pleno funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de direito; b) garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas e dos bens; c) prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança; d) prevenir a prática dos demais atos contrários à lei e aos regulamentos (art. 3.º, n.º 1).

Por seu turno, a Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto[171], refere que «a PSP tem por missão assegurar a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos da Constituição e da lei» (art. 1.º, n.º 2) e que, entre outras, são, igualmente, atribuições da PSP: a) garantir as condições de segurança que permitam o exercício dos direitos e liberdades e o respeito pelas garantias dos cidadãos, bem como o pleno funcionamento das instituições democráticas, no respeito pela legalidade e pelos princípios do Estado de direito; b) garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a proteção das pessoas e dos bens; c) prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança; d) prevenir a prática dos demais atos contrários à lei e aos regulamentos (art. 3.º, n.º 2).

Estas disposições legais genéricas são, depois, complementadas com a possibilidade de determinar: «a evacuação ou abandono temporários de locais ou meios de transporte» [art. 28.º, n.º 1, alª c), da Lei n.º 53/2008]. Como já referiu este Conselho Consultivo:

               «Não encontrámos na Lei de Segurança Interna (LSI), tão-pouco nos regimes orgânicos das duas principais forças de segurança, a previsão de tal medida, mas encontrámos, isso, sim, a medida consequente ao incumprimento ou desobediência à ordem de interrupção.

              Referimo-nos à ordem de dispersão dos participantes em manifestação, comício, desfile ou simples reunião em lugar público ou aberto ao público (…): mais, concretamente, à ordem de evacuação ou abandono imediato de um certo local (cf. alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º da LSI).

              Se a ordem de dispersão é da exclusiva competência das autoridades de polícia (cf. n.º 1 do artigo 32.º da LSI), a ordem de interrupção — que a precede — deve estar ao alcance das mesmas autoridades (…) e, excecionalmente, «em casos de urgência e de perigo na demora», deve ser emanada pelo agente mais graduado das forças ou dos serviços de segurança, presente no local ou dele próximo, comunicando-a, de imediato, à cadeia de comando, a fim de obter a sua confirmação (cf. n.º 2 do artigo 32.º)[172].

É, portanto, claro que quer a GRN, quer a PSP têm competência para determinar a interrupção de uma reunião pública ou de uma manifestação, quando estas se afastarem das suas finalidades pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou ofendam a honra e consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas.

Citando a conclusão 13.ª do homologado Parecer n.º 11/2021:

               (…) a interrupção de manifestações, cortejos, desfiles, comícios e outras reuniões em lugares públicos, prevista no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, compete exclusivamente às autoridades de polícia, como tal qualificadas pela Lei de Segurança Interna (cf. artigo 26.º), porquanto só estas podem impor a dispersão de ajuntamentos e assegurar, destarte, a obediência sem tumultos nem motins (cf. artigo 28.º, n.º 1, alínea c))».

Embora a GNR e a PSP sejam, de facto, as autoridades que, normalmente (conforme a sua competência territorial), terão competência para impedir a realização de uma reunião ou de uma manifestação[173], também a Polícia Judiciária, no âmbito das suas atribuições, em casos excecionais, poderá interromper reuniões, onde sejam praticados crimes da sua competência de investigação reservada[174].

Para além destas entidades, poderá questionar-se se o presidente da câmara também tem o poder de interromper «a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público quando forem afastados da sua finalidade (art. 5.º, n.º 1). De nada lhe valeria o poder prévio de proibir reuniões e manifestações (art. 3.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 406/74) se depois não tivesse o poder subsequente de controlar o modus do seu exercício: bastaria que os promotores alterassem livremente o fim do evento para que todos os limites consagrados no artigo 1.º pudessem ser colocados em causa, assim sobrepondo os direitos de reunião e de manifestação a tudo o mais.

De todo o modo, apesar destes argumentos, a verdade é que o presidente da câmara não dispõe, de meios adequados para o efeito, ficando dependente das forças de segurança territorialmente competentes. Por isso mesmo, já concluímos que «o município não tem condições para fazer cumprir integralmente o disposto no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, sem se coordenar com as forças de segurança sob a direção do Governo (cf. artigo 182.º, alínea d) do artigo 199.º e n.º 4 do artigo 272.º da Constituição)»[175].

Neste contexto, voltando a convocar anterior Parecer deste Conselho:

              

             «Julgamos, assim, não competir ao presidente da câmara municipal determinar a interrupção prevista no n.º 1 do artigo 5.º (…). Não porque, de modo inelutável, lhe faltem os elementos necessários a uma apreciação das circunstâncias e a uma ponderação adequada, mas por lhe faltarem poderes que assegurem a execução do ato, visto não poder dar ordens aos agentes das forças de segurança.

               Com efeito, a execução, antes de passar ao emprego de meios coercivos, tem de passar por uma ordem de dispersão, sendo que esta compete, em exclusivo, às forças de segurança, de acordo com o referido preceito da LSI»[176].

Da mesma forma também as polícias municipais, embora tenham relevantes funções no âmbito dos direitos de reunião e de manifestação[177], que não cumpre aqui tratar, não têm poderes suficientes para determinar a sua interrupção.

2. Ao contrário da proibição antecipada da realização de uma reunião ou de uma manifestação, que, como já vimos[178], depende de apertado juízo de prognose, o poder de as interromper apenas pressupõe a constatação de que o evento se afastou da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou que pelo seu objeto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas. O Decreto-Lei n.º 406/74 refere, expressamente, que «as autoridades só poderão interromper» a sua realização nas situações aí descritas (art. 5.º, n.º 1)[179].

Na verdade, a legislação nacional, baseia-se, historicamente, em dois momentos estruturais diversos: um momento inicial de proibição preventiva do evento anunciado (art. 3.º, n.º 2); e um momento subsequente de proibição de desvios às suas finalidades (art. 5.º, n.º 1)[180]. Por isso mesmo, numa interpretação literal poderíamos concluir que quem não levantou objeções à realização de uma determinada reunião em local público ou aberto ao público ou à realização de uma manifestação, depois só a poderá interromper se ela se desviar das finalidades inicialmente declaradas. Nesta lógica linear, os promotores de um evento que não foi proibido não deveriam ser surpreendidos com objeções posteriores. Tanto mais que a realização destes eventos não carece de qualquer autorização, podendo as autoridades apenas opor-se ou interrompê-los, nos termos acima referidos e que só é lícito realizar reuniões ou manifestações que não contrariem o disposto no Decreto-Lei n.º 406/74 (art. 15.º, n.º 3) ou seja, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas, à ordem e à tranquilidade públicas, à honra e à consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas.

Esta exegese, apesar da sua aparente correspondência com a letra da lei, não é, porém, a mais adequada, não correspondendo nem ao elemento histórico, nem ao elemento teleológico. Na verdade, do ponto de vista histórico, o legislador manteve este sistema dual, mesmo quando as reuniões ou manifestações não dependiam de licença prévia de qualquer autoridade[181]; do ponto de vista teleológico, porque importa impedir abusos dos direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e de manifestação (art. 45.º, n.º 1, da CRP): a apreciação liminar pode não ser suficiente para o efeito.

Uma reunião pública ou uma manifestação afastam-se das suas finalidades quando divirjam do seu objeto declarado (art. 3.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74) ou quando se afastem dos objetivos pretendidos pelo legislador, com a consagração destes dois direitos fundamentais (art. 45.º da CRP). Não está só em causa a divergência entre o anunciado e o realizado: estão também em causa os desvios aos próprios direitos fundamentais de reunião e de manifestação. Como já referiu este mesmo Conselho:

               «Se numa concreta manifestação que não tenha sido objeto de proibição prévia, por falta de fundamento bastante, ocorrer a efetiva prática de crimes, podem as autoridades policiais de segurança (Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana) interromper a sua realização e ordenar a respetiva dispersão, ao abrigo do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 406/74, ou seja, «quando for (…) afastad[a] (…) da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no nº 2 do artigo 1º» – desde que tal medida de polícia se afigure adequada segundo um critério de proporcionalidade»[182].

A falta de aviso escrito atempado da iniciativa (art. 2.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74) é suficiente para que se possa reputar o evento como contrário à lei. O aviso prévio é um ato constitutivo do direito[183] e a sua falta torna a reunião ilegal, legitimando a intervenção policial[184]. É certo que existem reuniões e, sobretudo, manifestações espontâneas, geralmente reações imediatas a um determinado acontecimento, sem qualquer convocação ou preparação, em particular aviso prévio (art. 2.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74). Mesmo assim, desde que – segundo Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira – se trate de uma «demonstração pacífica e sem armas, beneficia da proteção constitucional do direito de manifestação, sendo discutíveis apenas as consequências jurídicas relativas à falta de pré-aviso»[185].

Nessas situações, exige-se, porém, uma ponderação acrescida sobre a necessidade de impedir ou de reprimir o evento: «A autoridade policial, ao decidir intervir perante uma reunião ilegal, deve ponderar os interesses em jogo, tendo em conta critérios de necessidade, eficácia e proporcionalidade»[186]. Como muito bem refere Eduardo Maia Costa «as medidas de polícia, não o esqueçamos, não devem ser utilizadas para além do estritamente necessário (art. 272.º, n.º 2, da Constituição). Seria, certamente, absurdo (e desnecessário) dispensar, em nome da ordem, uma manifestação ordeira…»[187]. Tanto mais que a falta de aviso prévio poderá, nalguns casos «eventualmente, amparar-se num direito de necessidade ou de ação direta, como acontecerá, por exemplo, com o «repúdio imediato de um ato de terrorismo ou celebrar um acontecimento desportivo de ampla ressonância»[188].  

O mesmo tratamento merecem aqueles casos (porventura mais académicos do que reais) em que, não obstante o aviso já anunciar, por exemplo, a prática de crimes, a reunião ou manifestação não sejam proibidas pelo presidente da câmara. Aqueles que anunciam a realização de uma manifestação com armas ou a realização de uma reunião no âmbito de uma qualquer associação criminosa não podem contar com a tutela do direito. Invocar a tutela destes direitos fundamentais (art. 45.º da CRP) não é suficiente para impedir a atuação destas autoridades, mesmo que não tenha sido levantada qualquer objeção ao aviso prévio[189]. Quem age contra o direito não pode reclamar a sua tutela. Os direitos fundamentais de reunião e de manifestação não foram outorgados para isso. Não se compreenderia, sequer, que, apesar da prática de crimes, devido a uma má avaliação inicial, a reunião ou manifestação não pudessem ser interrompidas.

Na prática não será expectável que aqueles que se pretendem reunir ou manifestar comuniquem antecipadamente intenções contrárias à lei, suscetíveis de impedir a realização do próprio evento[190]. Pelo contrário, no limite, podem, mesmo, ser utilizadas formulações equívocas, suscetíveis de induzir o presidente da câmara em erro. Anunciar uma manifestação contra a «moralidade sexual vigente» tanto pode contestar as regras atuais, por entender que são demasiado permissivas, como, pelo contrário, por defender que são demasiado restritivas. Nesses casos, a prática, durante a manifestação de atos de caráter exibicionista ainda se poderá, por exemplo, incluir no objeto da manifestação e, todavia, poderá integrar o crime de importunação sexual[191], pelo que aquela deverá ser interrompida.

A leitura integral do Dec.-Lei n.º 406/74 parece confirmar esta interpretação, uma vez que, embora isso seja aconselhável, não previu qualquer obrigação de comunicação do aviso prévio às autoridades competentes para interromper a reunião, de modo a que estes possam controlar o desvio aos objetivos aí enunciados. Se estivesse em causa essa simples divergência, o legislador teria imposto uma qualquer forma de comunicação entre as entidades envolvidas.

E não se diga que esta interpretação poderá provocar divergências indesejáveis entre duas entidades oficiais, decidindo uma não levantar objeções à reunião pública ou à manifestação anunciada e a outra impedindo, depois, a sua realização. Com efeito, não estão em causa decisões contraditórias, mas sim decisões tomadas em contextos diferentes: uma baseada num mero juízo de prognose inicial; outra baseada num determinado quadro de facto. Aquilo que, inicialmente, era uma mera suspeita e, como tal, insuficiente para proibir o evento (in dubio pro libertate) pode revelar-se, mais tarde, impeditivo do mesmo. Depois, já noutro ângulo de análise, porque estamos perante entidades distintas, que não se devem, respetivamente, obediência. Embora ambas sejam formas de organização da comunidade, não há entre elas nenhum vínculo hierárquico. Devem apenas coordenar e conjugar esforços para a prossecução do bem comum.

3. A interrupção de uma reunião ou de uma manifestação contrárias ao Decreto-Lei n.º 406/74 consubstancia-se, normalmente, na ordem de dispersão, que deverá incluir a advertência de que a desobediência constitui crime. Com efeito, nos termos do artigo 304.º («desobediência a ordem de dispersão de reunião pública)»

               «1 - Quem não obedecer a ordem legítima de se retirar de ajuntamento ou reunião pública, dada por autoridade competente, com advertência de que a desobediência constitui crime, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

               2 - Se o desobediente for promotor da reunião ou ajuntamento, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias»[192].

4. O controlo prévio da admissibilidade da reunião em local público ou da manifestação é, como já vimos, da competência do presidente da câmara[193], só podendo ele impedir a realização desses eventos se o seu objeto for contrário à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas, à ordem e à tranquilidade públicas ou se, sem prejuízo do direito à crítica, ofender a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (art. 3.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 406/74).

A interrupção posterior de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público, só tem lugar quando estes eventos se afastarem da sua finalidade, pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre e exercício dos direitos das pessoas ou, sem prejuízo do direito á crítica, ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas.

A manifesta desadequação do seu objeto a objetivos políticos, sindicais ou religiosos, é para esse efeito, em ambos os casos, irrelevante, exceto se, per si, também consubstanciar uma daquelas razões para impedir/interromper a sua realização.

O âmbito de proteção constitucional (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e legal (art. 1.º do Dec.-Lei n.º 406/74) do direito de reunião pode abranger, por exemplo, motivos familiares (v.g. a comemoração de um casamento em local público ou aberto ao público), de solidariedade (v.g. homenagem às vítimas de uma catástrofe), artísticos ou culturais (v.g. uma performance), científicos (v.g. um congresso que decorre ao ar livre) ou festivos (v.g. celebração de um determinado acontecimento positivo)[194], não se restringindo a finalidades políticas, sindicais ou religiosas. Já o direito de manifestação, apesar de servir, normalmente, propósitos ou motivações políticas, também não excluí outras finalidades.  Desde que, como é óbvio, seja exprimida uma mensagem contra ou em direção a terceiros[195]. Seria o caso, por exemplo, do protesto contra uma decisão judicial, contra certos atos de gestão de um determinado empresário ou contra o presidente de um determinado clube de futebol.

4.1. Embora sejam contíguos, estes direitos não se confundem: uma reunião (v.g. uma confraternização realizada num local público) não é, necessariamente, uma manifestação e esta não pressupõe sempre aquela (v.g. o caso paradigmático do manifestante isolado). O intérprete não pode unificar aquilo que o legislador constitucional separou. A um diferente âmbito de aplicação, à diversidade dos interesses jurídicos tutelados, podem corresponder diferentes requisitos legais. Daí que invocar o direito de manifestação (que tem um núcleo essencial mais denso) para realizar uma reunião que nesse caso concreto seja legitimamente proibida[196] constitui um objetivo contrário à Lei (art. 1.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74), eventualmente, pelo menos do ponto de vista objetivo, subsumível no crime previsto no artigo 15.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 406/74. Tal «manifestação» deverá ser proibida pelo presidente da câmara e interrompida pelas demais autoridades competentes.

De todo o modo, em geral, a proibição do direito de reunião sempre implicará a proibição do direito de manifestação coletiva uma vez que esta pressupõe aquela.

IV

Conclusões

              Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

              1.ª Os direitos de reunião e de manifestação gozam de proteção internacional (art. 20.º, n.º 1, da DUDH; art. 18.º do PIDCP; arts. 9.º, n.º 2 e 11.º da CEDH; e art. 12.º, n.º 1 da CDFUE), de tutela jurídico-constitucional (art. 45.º da CRP) e de consagração legal (Dec.-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto);

               2.ª Em ambos os casos, está em causa um direito fundamental, diretamente aplicável e vinculante para entidades públicas e privadas (art. 18.º, n.º 1, da CRP);

              3.ª Os direitos fundamentais, mesmo os direitos, liberdades e garantias, não são absolutos ou ilimitados, podendo ser restringidos, nos termos da lei fundamental (art. 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP);

              4.ª Ainda que não exista autorização legislativa expressa, os direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) podem ser restringidos, de modo a operar a sua concordância prática com outros direitos ou interesses jurídico-constitucionais;

              5.ª O direito à saúde (art. 64.º da CRP) comporta duas vertentes: uma (negativa) consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de quaisquer atos que prejudiquem a saúde; outra (positiva) consiste no direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o seu tratamento;

               6.ª A «capacidade sistémica do sistema nacional de saúde», também constitui, hoje em dia, um bem jurídico fundamental, cuja proteção cabe essencialmente ao Estado e demais entidades públicas, mas também ao cidadão;

               7.ª A defesa intransigente da saúde pública, nas dimensões acima referidas (art. 64.º da CRP) pode conflituar com outros direitos fundamentais, maxime com os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP);

               8.ª Ao nível da emergência médica existem normas, designadamente na Lei de Bases da Saúde (v.g. Base 34 da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro) e no sistema de vigilância de saúde pública (arts. 14.º, 17.º e 18.º da Lei n.º 81/2009, de 21 de agosto) que legitimam a adoção de medidas suscetíveis de conflituar com os direitos fundamentais de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP);

               9.ª O exercício dos direitos fundamentais de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) não deve coartar o direito à saúde (art. 64.º da CRP), mas este também não pode aniquilar aqueles;

              10.ª Em qualquer época histórica e em qualquer tipo de Estado podem ocorrer situações de emergência resultantes de acontecimentos humanos ou naturais excecionais, de índole interna ou externa e com maior ou menor impacto na comunidade;

               11.ª A declaração do estado de emergência (art. 19.º da CRP) modifica temporariamente (art. 5.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86, de 30 de setembro) a organização dos poderes públicos e a distribuição das respetivas competências, conferindo ao Governo (art. 17.º da Lei n.º 44/86) poderes que normalmente ele não detém, de modo a superar, rapidamente, a situação que legitima a sua declaração; 

               12.ª Mesmo assim, apesar desses poderes excecionais, o estado de emergência jamais poderá afetar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião (art. 19.º, n.º 6, da CRP e art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86) ou, mesmo, outros direitos por estritas razões de analogia legis;

                13.ª A contrario, todos os outros direitos, incluindo os de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) podem ser suspensos, mas a sua suspensão deve, quer quanto à sua extensão, quer mesmo quanto à sua duração, quer quanto aos meios utilizados, limitar-se apenas ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional (art. 19.º, n.º 4, da CRP e art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 44/86) e ser apenas parcial (art. 9.º, n.º 2, da Lei n.º 44/86);

              14.ª Com efeito, para além da opção pelo estado de emergência e respetiva declaração, também a sua execução está subordinada ao princípio da proporcionalidade, nas suas vertentes de adequação (as medidas devem ser o meio adequado à prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos), de necessidade (o legislador não dispõe de outros meios, menos restritivos, para alcançar o mesmo desiderato) e de justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão ser adotadas medias excessivas, que se revelem desproporcionadas aos objetivos prosseguidos); 

              15.ª Neste contexto, nas situações de normalidade constitucional, o conflito entre os direitos de reunião e de manifestação (art. 45.º da CRP) e o direito à saúde (art. 64.º da CRP) deve ser tratado no quadro da compressão de direitos (art. 18.º, n.ºs 2 e 3 da CRP) e só nas situações de estado de emergência, se não for possível proceder de outra forma, poderá ser implementada a suspensão de direitos;

        

               16.ª O presidente da câmara tem competência legal para apreciar e decidir, do ponto de vista material, a conformidade da comunicação que lhe é feita pelo(s) promotor(es) com o exercício do direito de manifestação (arts. 2.º, n.º 1 e 3.º, n.º 2 do Dec.-Lei n.º 406/74);

              17.ª Esta decisão reveste a maior delicadeza, sobretudo porque, mesmo um juízo de prognose robusto que assevere ir ocorrer infração da lei, comportamento ostensivamente imoral, lesão de direitos de terceiros e perturbações da ordem ou tranquilidade públicas, tem de obedecer a duas ordens de requisitos;

              18.ª Por um lado, se não houver indícios firmes de grave ilicitude ou de perigo, na prognose a efetuar, o órgão competente não deve proibir a reunião ou manifestação, optando, antes, pelo reforço das medidas de vigilância policial ao seu alcance ou ao alcance das forças de segurança;

              19.ª Por outro lado, os conceitos indeterminados utilizados pelo legislador para consagrar este poder devem, por regra, ser interpretados declarativa, senão mesmo, restritivamente, deve cingir-se às infrações criminais e a certas contraordenações muito graves e o conceito de «moral» deve pressupor a «suscetibilidade de indignação razoável numa sociedade pluralista»;

              20.ª Os presidentes das câmaras não se devem limitar a um mero controlo formal dos requisitos das reuniões ou manifestações, antes lhes cabendo um poder efetivo de as proibir dentro dos parâmetros legais definidos, quando elas prosseguirem objetivos que não estão incluídos no âmbito de proteção destas normas;

              21.ª O abuso do poder de proibir o livre exercício dos direitos de reunião (art. 45.º. n.º 1, da CRP) ou de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) poderá constituir crime (v.g. art. 15.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74);

              22.ª As autoridades de polícia têm competência para determinar a interrupção de uma reunião ou de uma manifestação, quando estas se afastarem das suas finalidades (art. 5.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 406/74, arts. 25.º, n.º 2, als a) e b), 26.º e 28.º, n.º 1, alª c), da Lei n.º 53/2008; arts. 2.º, n.º 2 e 3.º, da Lei n.º 63/2007, de 6 de novembro; arts. 1.º, n.º 2 e 3.º, n.º 2, da Lei n.º 53/2007, de 31 de agosto);

               23.ª O presidente da câmara nem sempre tem condições para fazer cumprir, integralmente, o disposto no Dec.-Lei n.º 406/74, designadamente para interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos, ou abertos ao público quando se afastarem da sua finalidade (art. 5.º, n.º 1), sem se coordenar com as forças de segurança sob a direção do Governo [arts. 182.º, 199.º, al.ª d) e 272.º, n.º 4, da CRP];

               24.ª O poder de interromper reuniões ou manifestações pressupõe a constatação de que se afastaram da sua finalidade, pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbam grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou que, pelo seu objeto, ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (art. 5.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74);

              25.ª Os direitos de reunião (art. 45.º, n.º 1, da CRP) e de manifestação (art. 45.º, n.º 2, da CRP) não se confundem: uma reunião (v.g. uma confraternização realizada num local público) não é, necessariamente, uma manifestação e esta não pressupõe sempre aquela (v.g. o caso paradigmático do manifestante isolado);

              

              26.ª Daí que invocar o direito de manifestação (que tem um núcleo essencial mais denso) para realizar uma reunião que, no caso concreto, seja legalmente proibida constitui um objetivo contrário à Lei (art. 1.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 406/74), eventualmente, pelo menos do ponto de vista objetivo, subsumível no crime previsto no artigo 15.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 406/74;

              27.ª Tal «manifestação» deverá ser proibida pelo presidente da câmara ou interrompida pelas demais autoridades competentes;

               28.ª A proibição do direito de reunião sempre implicará a proibição do direito de manifestação coletiva uma vez que esta pressupõe aquela; e

               29.ª O âmbito de proteção constitucional (art. 45.º da CRP) e legal (art. 1.º do Dec.-Lei n.º 406/74) dos direitos de reunião e de manifestação não se restringe a finalidades políticas, sindicais ou religiosas, incluindo outras motivações, nomeadamente desportivas.   

VOTO DE VENCIDO

(EDUARDO ANDRÉ FOLQUE DA COSTA FERREIRA)

1. O parecer que acaba de ser votado deixa por considerar os factos descritos na nota que acompanha o pedido de consulta.

É certo que o Conselho Consultivo pronuncia-se, estritamente, sobre questões de direito e não toma posição sobre factos que possam ser descritos ou aludidos nos pedidos de parecer, mas não deve ignorar a descrição de pressupostos fácticos que o órgão consulente descreve, intencionalmente, a título ilustrativo da razão de ser das perguntas formuladas.

Se o Conselho Consultivo nada deve alvitrar quanto á prova, deve, em meu entender, tomar os factos como hipótese de raciocínio jurídico, em especial quando o enunciado das questões se presta a ambiguidades sintáticas.

2. O órgão consulente descreve a leitura que faz dos acontecimentos vividos em Lisboa, na noite de 12 de maio de 2021, como resultado de uma iniciativa comunicada ao Senhor Presidente da Câmara Municipal, a título de aviso prévio de certa concentração de adeptos desportivos e que, com maior ou menor responsabilidade dos promotores, alastrou das imediações do Estádio José Alvalade para o centro da cidade, convergindo na Praça Marquês de Pombal e congregando largos milhares de adeptos do Sporting Clube de Portugal, em comemoração da vitória obtida na partida de futebol que disputava e que lhe permitiu obter o primeiro lugar no campeonato da I Liga.

Encontrava-se em vigor a Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril, que, na sequência da crise epidemiológica da COVID‑19, declarava até às 23:59 horas do dia 16 de maio de 2021, a situação de calamidade em todo o território nacional continental.

Dela resultavam severas limitações ao acesso, circulação ou permanência de pessoas em espaços frequentados pelo público, bem como a dispersão das concentrações superiores a 10 pessoas, salvo se pertencentes ao mesmo agregado familiar, coabitando entre si.

Deveria, por conseguinte, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ter oposto tal limitação aos promotores, pouco interessando a qualificação atribuída pelos mesmos ao ajuntamento: reunião ou manifestação.

3. Todas as manifestações são, materialmente, reuniões e, por isso, a legitimidade das restrições impostas ao direito de reunião, a título duradouro ou transitório, valem, de igual modo, para o direito de manifestação.

As manifestações são reuniões em movimento e que pretendem veicular de modo unívoco uma mesma mensagem, a fim de cativar no espaço público a exaltação do propósito e, se não a adesão de terceiros, pelo menos, causar uma impressão ou demonstração de vigor.

De resto, o parecer confronta-se com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e com as convenções internacionais que cita, onde não se efetua qualquer distinção entre reuniões estáticas e reuniões itinerantes, entre concentrações e manifestações, sendo que estas podem configurar cortejos, desfiles ou paradas, como podem outrossim limitar-se ao fluxo de pessoas com um destino comum. 

O indivíduo que circula, sozinho, pela via pública, ostentando um cartaz que denota ou conota certo pensamento, não exerce mais do que a sua liberdade de expressão, tal como ela decorre do artigo 37.º, n.º 1, da Constituição. Se porventura outros transeuntes o seguirem, então, sim, ocorre uma manifestação, cujo aviso prévio haveria de ter sido feito chegar ao presidente da câmara municipal com a antecedência fixada pelo Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto.

Entre o direito de reunião e o direito de manifestação divisa-se, pois, uma relação de especialidade.

Como tal, sendo a proteção constitucional do direito de reunião restrita às reuniões pacíficas e sem armas (cf. artigo 45.º, n.º 1, da Constituição), também o âmbito de proteção do direito de manifestação, apesar de nenhuma expressa delimitação análoga ter sido traçada pelo legislador constituinte, é da mesma envergadura.

4. A dispersão de ajuntamentos ilícitos só pode ser ordenada por quem se encontre investido nas funções de autoridade de polícia, segundo o disposto no artigo 28.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Segurança Interna.

Contudo, a montante desta medida de polícia situa-se o poder de o presidente da câmara municipal proibir certa reunião ou manifestação, alertando as forças de segurança — PSP ou GNR, consoante o local — para o risco de incumprimento que for razoável prognosticar.

Uma vez que a declaração do estado de calamidade era acompanhada da proibição inequívoca de concentrações populares na via pública, o poder do referido órgão convolava-se num dever.

Num dever de dissuadir e impedir a concentração manifestamente apta a difundir o contágio e que podia ter sido ordenada como cortejo automóvel com muito menor efeito de propagação.

5. Pode discutir-se se a declaração do estado de calamidade, ao conter a suspensão parcial de direitos, liberdades e garantias, não estaria a usurpar as funções, o procedimento e as garantias associadas à declaração do estado de sítio. E pode até discutir-se se um presidente de uma câmara municipal não pode desaplicar normas que violem ostensivamente direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos, ainda que assumindo o risco de, alheando-se dos pressupostos do estado de necessidade, contribuir para a propagação acelerada da doença causada pelo coronavírus identificado, pela primeira vez, em 2019, na República Popular da China.

A verdade, porém, é que, segundo o pedido de parecer, o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa terá objetado, simplesmente, não dispor de competência inequívoca nem dos meios de polícia necessários a fazer cumprir o Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto.

6. Os presidentes das câmaras municipais dispõem de competências várias que exercem em coordenação com as forças de segurança na hipótese de as reuniões e manifestações não poderem ser ordenadas ou contidas pelas polícias municipais.

Só a dispersão de manifestantes se encontra fora do seu alcance, mas, ainda assim, porque o presidente da câmara municipal é o único órgão público com conhecimento oficial do aviso prévio, deve adotar todas as providências ao seu alcance para impedir manifestações ilícitas.

Até à entrada em vigor da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro, o governador civil, nas capitais de distrito, combinava, em si, a dupla veste de órgão competente para proibir manifestações ilícitas e de autoridade de polícia, em estreita coordenação com as forças de segurança na dependência hierárquica do Ministro da Administração Interna.

As alterações introduzidas no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, poderiam ter cuidado dos efeitos reflexos que a transferência dos poderes do governador civil produziria se não fosse acompanhada de medidas que restituíssem aos presidentes das câmaras municipais o estatuto de autoridades de polícia de que a Lei n.º 79/77, de 25 de outubro os privou. Tal não sucedeu.

Contudo, em Lisboa e no Porto, as polícias municipais obedecem a um regime especial: o Decreto-Lei n.º 13/2017, de 26 de janeiro.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 2 a n.º 4, ocorre uma ligação intrínseca das polícias municipais de Lisboa e Porto à Polícia de Segurança Pública.

Determina-se no artigo 5.º, n.º 1, que a cooperação com a PSP é assegurada pelos presidentes das duas câmaras municipais junto do Diretor Nacional da PSP, prevendo-se, inclusivamente, um contrato interadministrativo que regulamente tal relação interadministrativa (cf. n.º 3).

Mais ainda. Um dos domínios de cooperação expressamente previstos é o das reuniões e manifestações que recaiam na previsão da alínea h), do n.º 2: «eventos de natureza social, cultural e desportiva».

O Diretor Nacional da PSP pode reforçar a capacidade operacional local por requisição dos efetivos das polícias municipais de Lisboa e Porto (cf. artigo 5.º, n.º 1) que, destarte, passam para a estar sob direção dos comandantes metropolitanos da PSP de Lisboa e do Porto (cf. n.º 2).

Assim se compreende que os efetivos das polícias municipais de Lisboa e Porto exerçam as suas funções armados e com uniforme semelhante ao adotado para a PSP (cf. artigo 16.º, n.º 1 e n.º 2).

7. Entendo, por outro lado, que o parecer não devia ter tergiversado em conservar a conceção que, uniforme e reiteradamente, o Conselho Consultivo vem praticando de uma conceção ajustada do âmbito de proteção das normas de direitos fundamentais, reconhecendo, sem hesitações, que muitas das providências enunciadas no Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, correspondem a simples limitações ou condicionamentos, cujo crivo principal se encontra no artigo 29.º, n.º 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O parecer acaba por acenar com o apego a tal linha de entendimento, mas, por uma ou outra vez, soçobra, qualificando como restrições, medidas que o não são verdadeiramente por não privarem os titulares do exercício livre e razoável dos seus direitos.

As distinções a que o relator se propôs entre restrições e figuras afins nem sempre deram fruto. De modo particular, a distinção em face das limitações e dos condicionamentos atinentes ao modo de exercer um determinado direito ou de fruir certa liberdade.

8. Por último, não se encontrando declarado, em 12 de maio de 2021, o estado de sítio nem o estado de emergência, mas impostas, no entanto, medidas parcialmente suspensivas do exercício dos direitos de reunião e de manifestação, justificava-se, ainda, uma ponderação mais aturada entre os direitos consignados no artigo 45.º da Constituição e o dever fundamental que sobre todos recai, individualmente, de defenderem e promoverem a saúde pública (cf. artigo 64.º, n.º 1).

Mais do que a norma programática em cujo enunciado se contém o direito a medidas de saúde pública a adotar pelo Estado (cf. artigo 64.º, n.º 2 a n.º 4), importaria afirmar, de modo muito claro, que sobre os promotores de uma manifestação de apoio à vitória do Sporting Clube de Portugal impendia, concorrentemente, mas prevalecendo, o dever de impedirem o contágio epidémico da COVID-19, o que passava, de modo inexorável, pelo cumprimento da Resolução do Conselho de Ministros n.º 54-C/2021, de 30 de abril, sem margem alguma para invocarem, em abono da sua pretensão, a aplicação direta dos preceitos constitucionais a que se refere o artigo 18.º, n.º 1, da Constituição, muito menos, o direito de resistência (cf. artigo 21.º).

        

 

[1] Por ofício de 11 de outubro de 2021, registado na Procuradoria-Geral da República em 14 de outubro de 2021.

[2] Na verdade, este parecer (homologado por despacho de 14 de outubro de 2021, de sua Excelência a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, publicado no Diário da República, 2.ª série de 28 de outubro de 2021), apesar de referente a questões diversas, constitui a base dogmática da generalidade da fundamentação e das conclusões aqui consignadas, pelo que ambos devem ser lidos conjuntamente.

[3] As notas de rodapé constantes do original foram, por nós, eliminadas.

[4] Domingo Perez Castaño, Regimen Juridico del Derecho de Reu n i o n y Manifestacion, Ministério del interior, 1997, p. 69.

[5] Eduardo Correia Batista, Os direitos de reunião e de manifestação no Direito Português, Coimbra, Almedina, 2006, p. 24.

[6] Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 24.

[7] António Francisco de Sousa, «Liberdade de reunião e de associação», in Paulo Pinto de Albuquerque (org.), Comentário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e dos Protocolos Adicionais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2019, 2, p. 1800. 

[8] Ivo Miguel Barroso, «A descontinuidade da positivação da liberdade de reunião no direito francês (1789-1868)», in AA.VV. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, Coimbra, Coimbra Editora, 2006, 1, p. 552; Domingo Perez Castaño, Regimen jurídico…, p. 69; Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 24.

[9] Domingo Perez Castaño, Regimen Juridico…, p. 69. Para este desenvolvimento, Danielle Tartakowsky, «Quand la rue fait l'histoire», Revue Française d' Études Constitutionnelles et Politiques, Paris, 2006, 116, pp.19 e ss.

[10] António Francisco de Sousa, Liberdade de reunião…, p. 1800.

[11] Diário das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portugueza, de 18 de fevereiro de 1821, n.º 17, p. 110.

[12] Ivo Miguel Barroso, «A ausência geral de positivação das liberdades de reunião e de associação no direito português entre 1820 e 1870» in Jorge Miranda/Luís de Lima Pinheiro/Dário Moura Vicente (coordenadores), Estudos em memória ao Doutor António Marques dos Santos, Coimbra, Almedina, 2005, p. 178. Para uma análise sumária desta Constituição, com outras indicações, veja-se, por exemplo, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1986, pp. 208 e ss.

[13] Ivo Miguel Barroso, A ausência …, pp. 176 e ss.

[14] Quanto às principais linhas desta Constituição, veja-se, outra vez, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito…, pp. 232 e ss.

[15] Artigo 282.º. De todo o modo, Lopes Praça (Direito Constitucional Português: Estudos Sobre a Carta Constitucional de 1826 e Acto Adicional de 1832, Coimbra, Imprensa Literária, 1876, pp. 79 e ss.) deduzia o direito de reunião do direito de associação.

[16] Diário do Governo n.º 133, de 17 de junho.

         [17] A norma tinha, na explicação de Cristina Líbano Monteiro [in Jorge de Figueiredo Dias (dirigido por), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, II, p. 1205], «o mérito de fazer compreender desde o início que é a própria reunião ou ajuntamento a perturbar a ordem e a tranquilidade públicas, uma vez que se realiza contrariando as condições impostas por lei, condições essas que visam precisamente conciliar o direito de reunião com a paz pública».

         [18] Publicado no Diário do Governo n.º 76, de 7 de abril.

[19] Entretanto, alterado pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro. Assim, apesar das profundas alterações sociais e culturais que, entretanto, ocorreram, este diploma demonstra uma grande longevidade, que contrasta com o usual frenesim do legislador português.

         [20] Em causa está a dimensão positiva dos direitos fundamentais J. J. GOMES CANOTILHO/ VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, 1, p. 261; Sérvulo Correia, O Direito de Manifestação: âmbito de proteção e restrições, Coimbra, Almedina, 2006, p. 53; Parecer deste Conselho n.º 11/2021, de 10 de setembro de 2021; em sentido diverso Eduardo Correia Batista (Os direitos…, p. 71 e 91 e ss.) defende que está em causa um direito à segurança.

                [21] Atualmente prevista no artigo 348.º, n.º 2 do Código Penal. Sobre a manutenção desta incriminação, Cristina Líbano Monteiro, Comentário…, II, p. 1207.

         [22] Esta incriminação foi entretanto, substituída pelo art. 89.º (Locais onde é proibida a detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, segundo o qual, «Quem, sem estar especificamente autorizado por legítimo motivo de serviço ou pela autoridade legalmente competente, transportar, detiver, usar, distribuir ou for portador, em (…) locais onde decorram reunião, manifestação, comício ou desfile, cívicos ou políticos (…) qualquer das armas previstas no n.º 1 do artigo 2.º, ou quaisquer munições, engenhos, instrumentos, mecanismos, produtos, artigos ou substâncias referidos no artigo 86.º, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

[23] O legislador continua a remeter para o artigo 291.º do Código Penal de 1886, que sob a epígrafe «abuso de autoridade» dispunha que: «Será punido com a pena de prisão de três meses a dois anos, podendo agravar-se com a multa correspondente, segundo as circunstâncias:

1.º Qualquer empregado público que prender por sua ordem alguma pessoa, sem que poder tenha para prender;

2.º O que, tendo este poder, o exercer fora dos casos determinados na lei ou contra alguma pessoa, cuja prisão for da excessiva atribuição de outra autoridade;

3.º O que retiver preso o que dever ser posto em liberdade, em virtude da lei ou de sentença passada em julgado, cujo cumprimento lhe competir, ou por ordem do superior competente;

4.º O que ordenar ou prolongar ilegalmente a incomunicabilidade do preso, ou que ocultar um preso que deva apresentar;

5.º O juiz que recusar dar conhecimento, ao que se achar preso à sua ordem, dos motivos da prisão, do acusador e das testemunhas, depois que para isso for requerido.

§ 1.º Por prisão se entende também qualquer detenção ou custódia.

§ 2.º Se o juiz deixar de dar, no prazo legal, ao preso à sua ordem o conhecimento de que trata o n.º 5.º deste artigo, somente por negligência, incorrerá na pena de censura, salva a indemnização do prejuízo que por esta negligência possa ter causado». Contudo, de acordo com o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que aprovou o Código Penal, «Consideram-se feitas para as correspondentes disposições do Código Penal todas as remissões para normas do Código anterior contidas em leis penais avulsas». Atualmente estará em causa o crime de abuso de poder (Cristina Líbano Monteiro, Comentário…, II, p. 1207). Eduardo Correia Batista (Os direitos…, pp. 388 e ss.) defende, todavia, que se aplica o crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto no artigo 369.º do Código Penal.

[24] Sob a epígrafe «coação física», era a seguinte a redação do referido artigo do Código Penal: «Todo o indivíduo particular que, sem estar legitimamente autorizado, empregar atos de ofensa corporal para obrigar outrem a que faça alguma coisa, ou impedir que a faça, será condenado a pena de um mês a um ano, podendo também ser condenado na multa correspondente». Atualmente, pelas razões referidas na nota anterior, estará em causa o crime de coação, previsto no artigo 154.º do Código Penal; neste sentido Eduardo Correia Batista, Os direitos…, pp. 388 e ss.

[25]  Constituição da República …, 1984, 1, p. 260.

[26] Jorge Miranda, «Artigo 45.º», in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, 1, 685.

         [27] As leis eleitorais também contêm normas específicas como o crime de violação da liberdade de reunião eleitoral [arts. 124.º do Decreto-Lei n.º 319-A/76, de 3 de maio (Lei Eleitoral do Presidente da República) e 135.º da Lei n.º 14/79, de 16 de maio (Lei eleitoral para a Assembleia da República)] ou o crime de promoção de reuniões, comícios, desfiles ou cortejos ilegais (arts. 125.º e 136.º, respetivamente).

         [28] Foi, entretanto, alterada pelas: Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro; Lei n.º 17/2009, de 6 de maio; Lei n.º 26/2010, de 30 de agosto; Lei n.º 12/2011, de 27 de abril; Lei n.º 50/2013, de 24 de julho; Lei n.º 50/2019, de 24 de julho.

         [29] Este regime legal (combate ao terrorismo) foi, entretanto, alterado pelos seguintes diplomas: Rectif. n.º 16/2003, de 29 de outubro; Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro; Lei n.º 25/2008, de 5 de junho; Lei n.º 17/2011, de 3 de maio; Lei n.º 60/2015, de 24 de junho; Lei n.º 16/2019, de 14 de fevereiro; Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro.

[30] Resolução 217A (III) de 10 de dezembro de 1948. Foi publicada no Diário da República, I Série, n.º 57/78, de 9 de março de 1978, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

[31] Aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78, de 12 de junho, publicada no Diário da República I, n.º 133, de 12 de junho de 1978 (retificada mediante retificação publicada no Diário da República n.º 153/78, de 6 de julho).

[32] Para uma análise deste direito, cfr. o Comentário Geral nº 37 (2020) sobre o direito de reunião pacífica (artigo 21.º), do Comité dos Direitos Humanos das Nações Unidas, de 17 de setembro de 2020 (CCPR/C/GC/R.37).

                [33] Aprovada para ratificação pela Lei n.º 65/78, de 15 de junho e promulgada em 11 de setembro de 1978 (publicada no Diário da República I, n.º 236, de 13 de março de 1978 e objeto de retificação publicada no DR n.º 286, de 14 de dezembro de 1978).

[34] No artigo 16.º, a Convenção refere, depois, que esta disposição não pode ser considerada como proibição às Altas Partes Contratantes de imporem restrições à atividade política dos estrangeiros e no artigo 18.º que «as restrições feitas nos termos da presente Convenção aos referidos direitos e liberdades só podem ser aplicadas para os fins que foram previstas».

[35] Na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, cfr. o caso Cisse c. França (n.º 51346/99), §§ 47 e ss., de 9 abril de 2002.

                [36] «Artigo 18.º», in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, UCE, 2017, pp. 255 e ss. 

                [37] Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º …, p. 255.

                [38]  Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo18.º …, p. 255.

                [39]  Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º …, p. 255.

                [40] Idem, p. 267.

                [41] Para um resumo das várias teses existentes, Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pp. 255 e ss.; José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos, liberdades e garantias na Constituição Portuguesa, Coimbra, Almedina, 2006, 2, pp. 431 e ss.

[42] Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, Almedina, 2001, pp. 275 e ss.

                [43] Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2002, pp. 1257 e ss.

                [44] As restrições…, p. 285.

                [45] A estruturação do sistema de direitos …, pp. 467 e 470, respetivamente.

                [46] Artigo 18.º …, p. 255.

                [47] José Carlos Viera de Andrade, Os direitos fundamentais…, p. 284.

                [48] J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria…, 2002, p. 1258.

                [49] Sérvulo Correia, O Direito de Manifestação …, p. 43.

                [50] Jorge Miranda, Artigo 45.º…, p. 687.          

                [51] José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos…, p. 468.

                [52] Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º …, p. 256.

                [53] Destaca-se, aqui, o Parecer do Conselho Consultivo n.º 40/1989, de 7 de dezembro, onde se defendeu, precisamente, que o Dec.-Lei n.º 406/74, regulamentou o direito de reunião e manifestação consagrado constitucionalmente, sem afetar o seu conteúdo essencial. Com efeito, ao interditar «as reuniões contrárias à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas a lei responde à exigência constitucional de proteção e harmonização de outros valores, dentro do princípio da concordância prática, respeitando um critério proporcional na distribuição dos custos do conflito. Com essa interdição concretizam-se apenas os preceitos constitucionais. Não se lhes acrescenta ou tira nada, limitando-se a explicar os conceitos, interpretando-os e repetindo mais claramente o seu conteúdo (…). Na terminologia que expusemos, diríamos que o legislador não faz mais do que declarar (aclarar) os limites imanentes de um direito fundamental (…). Esta intervenção do legislador, porque não restritiva, não precisa de ser expressamente permitida pela Constituição, exercendo o legislador, nessa medida, um poder próprio que resulta da distribuição constitucional dos poderes (…). As restantes normas (…) pretendem organizar e adaptar à vida real o direito de reunião e manifestação, introduzindo medidas concretas que desenvolvendo a norma constitucional, disciplinam o uso e previnem o conflito ou proíbem o abuso e a violação dos direitos».

                [54] Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º…, p. 256.

                [55] Arts. 14.º, § 4 e 3.º, n.º 14, respetivamente; infra I, a), 2.1.

                [56] Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º …, p. 257; no parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro, considerou-se que entre as restrições expressamente fixadas em norma constitucional devem contar-se as que decorrem dos deveres fundamentais (v.g. o de defender e promover a saúde: art 64.º, n.º 1, da CRP).

                [57] I, d), 1.

                [58] José Carlos Viera de Andrade, Os direitos fundamentais…, p. 275.

[59] Segundo Sérvulo Correia (O Direito de Manifestação…, p. 35) embora apenas no artigo 45.º, n.º 1, se estabeleça o limite do «pacificamente e sem armas», «dada, no entanto, a maior perigosidade da manifestação em relação às reuniões em espaço fechado ou meramente aberto ao público, existe sem qualquer dúvida maioria de razão para concluir que, na lógica da Lei Fundamental, o mesmo “pressuposto negativo” se aplica no âmbito do n.º 2 do artigo 45.º. Assim sendo, porém, há que extrair a ilação de que a Constituição considera a manifestação como uma espécie de reunião: só esse motivo explica a ausência da repetida formulação do limite». Na mesma linha, Jorge Reis Novais (As restrições aos direitos…, p. 590), afirma que é «evidente que a limitação constitucionalmente imposta ao direito de reunião, isto é, a exigência do seu caráter pacífico, se aplica indiferentemente ao direito de manifestação»; ver ainda a síntese de Jorge Miranda, Artigo 45.º…, p. 687: «a necessidade de as reuniões (e, portanto, as manifestações) serem pacíficas e sem armas».

[60] Lei e Reserva de Lei: a causa da lei na Constituição Portuguesa de 1976, Porto, Universidade Católica, 1996, p. 323.

                [61] Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva…, p. 324.

                [62] Manuel Afonso Vaz, Lei e Reserva…, p. 324.

[63] Os direitos Fundamentais…, p. 281. Para a crítica a esta tese literal, cfr. José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos …, p. 448 e ss., cuja arrumação tipológica das diversas teses existentes tomámos em consideração no desenvolvimento que se segue.

[64] Para além deste artigo 16.º, a DUDH sempre teria a força infraconstitucional (aqui, obviamente, irrelevante) que lhe é conferida pelo art. 8.º da Lei fundamental.

[65] Sérvulo Correia, O Direito de Manifestação…, p. 63; José Carlos Viera de Andrade, Os direitos fundamentais…, pp. 290 e ss; Paulo Otero, «Declaração Universal dos Direitos do Homem e Constituição: Inconstitucionalidade de Normas Constitucionais?», O Direito, 1990, 122, pp. 610 e ss.; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, IV, pp. 299 e ss. Idem, Direitos Fundamentais, Coimbra, Almedina, 2017, p. 462; na jurisprudência cfr. o ac. do Tribunal Constitucional n.º 6/84, de 18 de janeiro; já o acórdão n.º 6/87 não será muito claro (José Casalta Nabais, «Os direitos fundamenais na jurisprudência do Tribunal Constitucional», BFDUC, 1989, LXV, pp. 78 e ss.).

[66] O Direito de Manifestação…, pp. 63/4. Jorge Miranda, utiliza, igualmente, como já referimos, este mesmo preceito para justificar «a necessidade de as reuniões (e, portanto, as manifestações serem pacificas e sem armas», o que qualifica como um limite específico (Artigo 45.º…, p. 687).

                [67] José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos …, p. 481; desenvolvidamente, Jorge Reis Novais, As restrições…, pp. 520 e ss.

[68] José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direito …, p. 455; as notas de rodapé do original foram, por nós, suprimidas.

                [69] Direitos Fundamentais…, p. 457.

[70] Limites dos Direitos Fundamentais: fundamento, justificação e controlo, Coimbra, Almedina, 2021, p. 21.

[71] Limites dos Direitos Fundamentais…, p. 25.

[72] As restrições…, p. 582.

[73] Jorge Reis Novais, As restrições…, pp. 588/9.

[74] Jorge Reis Novais, As restrições…, p. 587.

[75] Para uma crítica desta argumentação, José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direitos…, p. 451 e ss.

[76] Direito Constitucional e Teoria…, 2003, pp. 450/1.

[77] Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º…, p. 272.

[78] Ac. TC n.º 155/2007, de 2 de março; esta jurisprudência tem sido confirmada em inúmeras decisões: por exemplo, no que respeita a outras limitações ao direito de propriedade, cfr. Ana Luísa Pinto, «As restrições ao direito de propriedade não expressamente previstas na Constituição», in Maria Lúcia Amaral (organização), Estudos em Homenagem ao Conselheiro Presidente Rui Moura Ramos, Coimbra, Almedina, 2016, 1, pp. 16 e ss.; em geral, com outras decisões, José Casalta Nabais, Os direitos fundamenais na jurisprudência…, pp. 78 e ss.

[79] Parecer n.º 40/1989, de 7 de dezembro, como já vimos, justamente relativo aos direitos de reunião e de manifestação.

[80] Parecer n.º 1/89, de 11 de maio de 1989; este problema foi, entre outros, enfrentado no parecer complementar n.º 17/1994, de 17 de agosto de 1995; no parecer n.º 28/1995, de 31 de outubro de 1996; no parecer n.º 82/2008, de 16 de janeiro de 2009; no parecer n.º 43/2010, de 15 de setembro de 2011 ou, mais recentemente, no parecer n.º 32/2017, de 19 de janeiro de 2018.

[81] Parecer n.º 11/2021, de 7 de outubro de 2021; o recurso àquela norma internacional para legitimar a compressão de direitos fundamentais já tinha sido efetuado pelo parecer complementar n.º 17/1994, de 17 de agosto de 1995 ou pelo parecer n.º 28/1995, de 31 de outubro de 1996.

[82] Parecer do Conselho Consultivo n.º 40/1989, de 7 de dezembro.

[83] Segundo o Parecer do Conselho Consultivo n.º 40/1989, de 7 de dezembro, esta indicação não será taxativa, uma vez que para os fins visados (segurança de determinadas instalações) deverá estar em causa «qualquer instalação destinada ao exercício de funções oficiais, à prática de atos de governação, desde que se apresente com um mínimo de conteúdo institucional, de estabilidade, de organização e de permanência»; no mesmo sentido Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 222.

[84] Eduardo Correia Batista, Os direitos…, pp. 214 e ss.; ou Sérvulo Correia, O Direito de Manifestação…, p. 65.

[85] Jorge Miranda, Artigo 45.º…, p. 684; Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 209.

[86] Jorge Miranda, Artigo 45.º…, p. 688; Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 48.

[87] Jorge Miranda, Artigo 45.º…, p. 689; Sérvulo Correia O Direito de Manifestação…, pp. 27 e ss.

[88] No parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro, considerou-se, justamente, que «entre as restrições expressamente fixadas em norma constitucional (v.g. a proibição de reuniões com armas no n.º 1 do artigo 45.º; a interdição aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efetivo de se reunirem e manifestarem, no artigo 270.º) devem contar-se as que decorrem dos deveres fundamentais (v.g. o de defender e promover a saúde – n.º 1 do artigo 64.º […]».

[89] Nesta parte seguimos de perto o Parecer do Conselho Consultivo n.º 1/2021, votado em 18 de janeiro de 2022.

[90] J. M. SÉRVULO CORREIA, «Introdução ao Direito da Saúde», in AA.VV. Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, Edições Lex, 1991, p. 51.

[91] Cláudia Monge, «Introdução à emergência da crise sanitária», in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro (coordenação de), Direito Administrativo de necessidade e exceção, Lisboa, AEFDL, 2020, pp. 222/3.

[92] Cláudia Monge, Introdução à emergência…, pp. 223/4.

[93] Para uma primeira aproximação a esta norma, António Correia de Campos, in Manuel Lopes Porto/Gonçalo Anastácio (coordenadores), Tratado de Lisboa anotado e comentado, Coimbra, Almedina, 2012, pp. 710 e ss.

         [94] Segundo Carla Amado Gomes, «só com o advento do Estado Social, principalmente no pós II Guerra, se pode falar em saúde pública como valor objetivo, como riqueza coletiva, cujas proteção e promoção são assumidas como missões do Estado». Antes disso, o individualismo do século XIX era incompatível com a criação de um bem jurídico coletivo (saúde). O Estado não podia diminuir o poder de cada um dispor do seu próprio corpo, de forma que a saúde era apenas uma preocupação pública supletiva, quando o indivíduo fosse incapaz de se autodefender (Defesa da saúde pública vs. liberdade individual: casos da vida de um médico de saúde pública, Lisboa, AAFDL, 1999, pp. 3 e ss.).

[95] Na mesma linha, embora de forma não tão evidente do ponto de vista literal, seguiam o artigo 145.º, § 29 da Constituição de 1826; o artigo 28.º, III, da Constituição de 1838 e o artigo 3.º, n.º 29 da Constituição de 1911.

[96] Artigo 6.º, n.º 4, cuja redação era a seguinte: «Incumbe ao Estado:

(…)

4.º Defender a saúde pública» (interpolado nosso).

[97] Neste sentido, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República…, 1984, p. 343; Carla Amado Gomes, Defesa da saúde pública…, p. 5.

[98] É a seguinte a redação atual desta norma:

«1. Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.

 2. O direito à proteção da saúde é realizado:

 a) Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;

 b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a proteção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

3. Para assegurar o direito à proteção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

b) Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e unidades de saúde;

c) Orientar a sua ação para a socialização dos custos dos cuidados médicos e medicamentosos;

 d) Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;

 e) Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico;

 f) Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência.

 4. O serviço nacional de saúde tem gestão descentralizada e participada».

[99] Sobre estes direitos, por exemplo, o ac. TC n.º 47/2019, de 23 de janeiro de 2019.

[100] João Carlos Loureiro, «Direito à (Proteção da) Saúde», AA.VV. Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no centenário do seu nascimento, Coimbra, Almedina, 2006, 1, p. 666; Carla Amado Gomes, Defesa da saúde pública…, p. 8; J. M. Sérvulo Correia, Introdução ao Direito…, p. 48.

[101] Base I da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro.

[102] Rui Medeiros, «Artigo 64.º», in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, 1, p. 946; Jorge Pereira da Silva, Dever de Legislar e Proteção Jurisdicional contra Omissões Legislativas: contributo para uma teoria da inconstitucionalidade por omissão, Lisboa, UCE, 2003, p. 40.

                [103] Constituição da República…, 2007, p. 825.

[104] Ac. n.º 39/84, de 11 de abril.

[105] João Carlos Loureiro, «Liberdades e direitos em tempo de confinamento», BFDUC, 2020, 1, p. 434.

[106] Em termos constitucionais esta segunda vertente é particularmente visível no dever de «disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde, por forma a assegurar, nas instituições de saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade», no dever de «disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico» ou no dever de «estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência» [art. 64.º, n.º 3, als. e) d) e f), da CRP].

[107] Carla Amado Gomes, Defesa da saúde pública…, pp. 10/11; Rui Medeiros, Artigo 64.º…, pp. 953/4; no mesmo sentido ac. TC n.º 368/2002, de 25 de setembro.

[108] Rui Medeiros, Artigo 64.º…, p. 954.

[109] Ac. n.º 368/2002, de 25 de setembro de 2002.

[110] Ac. n.º 306/2003, de 25 de junho de 2002; no ac. n.º 423/2008, de 4 de agosto de 2008, o Tribunal Constitucional também não questionou a bondade das normas destinadas a reduzir o consumo do tabaco. Do mesmo modo, a Comissão dos Direitos do Homem considerou, há muito, admissíveis os exames obrigatórios de despistagem da tuberculose, como a prova da tuberculina e as radiografias ao tórax, por razões de saúde pública [Roger Acmanne e outros contra a Bélgica (n.º 10435/83, de 10 de dezembro de 1984)].

[111] Entretanto alterada pela Lei n.º 109/2015, de 26 de agosto, pela Lei n.º 63/2017, de 3 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro. Como é evidente, não importa, aqui, discutir se estamos perante uma verdadeira restrição (como se parece dizer no parecer n.º 11/2021, de 7 de outubro) ou antes perante o mero adimplemento de um dever fundamental, tal como parecem apontar Jorge Miranda e Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º…, p. 257.   

[112] De tal forma que o Tribunal Constitucional acabou por julgar inconstitucionais alguns desses limites, por violação do princípio da proporcionalidade (ac. n.º 47/2019, de 23 de janeiro de 2019; ac. n.º 150/2020, de 4 de março de 2020; em sentido oposto, o ac. Tribunal Constitucional n.º 118/2020, de 19 de fevereiro de 2020).

[113] Artigo 1.º da Lei n.º 53/2008, de 29 de agosto (na versão da Rect. n.º 66-A/2008, de 28 de outubro); foi alterada pela Lei n.º 59/2015, de 24 de junho; pelo Decreto-Lei n.º 49/2017, de 24 de maio; pela Lei n.º 21/2019, de 25 de fevereiro; e pelo Decreto-Lei n.º 122/2021, de 30 de dezembro; para os objetivos da lei, João Raposo, «As medidas de polícia», in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro (coordenação de), Direito Administrativo de necessidade e exceção, Lisboa, AEFDL, 2020, p. 775.

                [114] É o caso, reunidos os demais pressupostos legais, da «interdição temporária de acesso e circulação de pessoas e meios de transporte a local, via terrestre, fluvial, marítima ou aérea» ou da «evacuação ou abandono temporários de locais ou meios de transporte», previstas no artigo 28.º, n.º 1, alªs b) e c), da referida lei.

[115] Para este ilícito, J.M. Damião da Cunha, in Jorge de Figueiredo Dias (dirigido por), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte especial, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, II, pp. 1006 e ss.

[116] Lei n.º 27/2006, de 3 de julho (na versão da Rectif. n.º 46/2006, de 7 de agosto); alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro; e pela Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto; para uma primeira aproximação a esta Lei, por exemplo, Carla Amado Gomes, «Legalidade em tempos atípicos: notas sobre as medidas de polícia sanitária no âmbito da pandemia», RMP, 2020, n.º especial Covid-19, pp. 68 e ss., onde se defende que esta lei não foi desenhada para fazer face a situações epidémicas (pp. 69 e 72).

[117] Entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 135/2013, de 4 de outubro.

[118] A Base 34, n.º 1, da Lei n.º 95/2019, de 4 de setembro (Lei de Bases da Saúde) tem uma redação relativamente semelhante: «à autoridade de saúde compete a decisão de intervenção do Estado na defesa da saúde pública, nas situações suscetíveis de causarem ou acentuarem prejuízos graves à saúde dos cidadãos ou das comunidades, e na vigilância de saúde no âmbito territorial nacional que derive da circulação de pessoas e bens no tráfego internacional».

[119] É a seguinte a redação completa do preceito:

«2- Para defesa da saúde pública, cabe, em especial, à autoridade de saúde:

a) Ordenar a suspensão de atividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e locais de utilização pública e privada, quando funcionem em condições de risco para a saúde pública;

b) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação compulsiva de cuidados de saúde a pessoas que, de outro modo, constituam perigo para a saúde pública;

c) Exercer a vigilância sanitária do território nacional e fiscalizar o cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional ou de outros instrumentos internacionais correspondentes, articulando-se com entidades nacionais e internacionais no âmbito da preparação para resposta a ameaças, deteção precoce, avaliação e comunicação de risco e da coordenação da resposta a ameaças;

d) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de epidemias graves e outras situações semelhantes».

[120] Institui um sistema de vigilância em saúde pública, que identifica situações de risco, recolhe, atualiza, analisa e divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública, bem como prepara planos de contingência face a situações de emergência ou tão graves como de calamidade pública.

[121] João Raposo, As medidas…, p. 779.

[122] Comentário …, II, p. 1008.

[123] O Direito de Manifestação…, p. 65.

[124] Jorge Miranda, Artigo 45.º…, p 688 ou Eduardo Correia Batista, Os direitos…, pp. 227 e ss. Segundo este autor apenas se poderá considerar violador do direito à saúde a poluição sonora (resultante de uma reunião ou manifestação) que se prolongue por dias e seja grave.

[125] Defesa da saúde pública…, pp. 23/4.

                [126] CCPR/C/GC/R.37, § 45; interpolado nosso.

[127] Jorge Miranda, «Artigo 19.º», in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, 1, p. 298; para o enquadramento político-filosófico do Estado de exceção na teoria do direito público, cfr. Catarina Santos Botelho, «Os Estados de Exceção Constitucional: Estado de Sítio e Estado de Emergência», in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro (coordenação de), Direito Administrativo de necessidade e exceção, Lisboa, AEFDL, 2020, pp. 47 e ss.

[128] Para esta evolução, cfr. Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção no Direito Constitucional: entre a eficiência e a normatividade das estruturas de defesa extraordinária da Constituição, Coimbra, Almedina, 1998, I, pp. 305 e ss.

[129] Alterada pela Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro e pela Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de maio. Para os antecedentes e as principais linhas deste regime, cfr. Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção…, I, pp. 622 e ss.

[130] Na base desta cláusula de intangibilidade parece estar o art. 4.º, n.º 2, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos que interdita (mesmo em situações e excecionais de perigo para a nação), a suspensão dos direitos previstos nos artigos 6.º, 7.º, 8.º (parágrafos 1 e 2), 11.º, 15.º, 16.º e 18.º; neste sentido, Catarina Santos Botelho, Os Estados de Exceção…, p. 63.

[131] Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção no direito constitucional, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 182 e ss. Deste modo, segundo este autor, por exemplo, o direito à vida impõe que seja também insuscetível de suspensão a garantia de não extradição no caso de ser previsível a aplicação da pena de morte pelo Estado requerente.

[132] Catarina Santos Botelho, Os Estados de Exceção…, p. 67.

[133] Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção no direito constitucional, …, pp. 166 e ss.

                [134] I, b), 1.

[135] Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção…, II, p. 1356; Catarina Santos Botelho, Os Estados de Exceção…, p. 67; José de Melo Alexandrino, A estruturação do sistema de direito …, pp. 435/6; Jorge Reis Novais, As restrições…, p. 193; Jorge Miranda/Jorge Pereira da Silva, Artigo 18.º…, p. 257.

[136] Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção…, II, p. 1357.

[137] O Estado de Exceção…, II, p. 1362.

[138] O Estado de Exceção…, II, p. 1362.

[139] De modo que José Carlos Viera de Andrade (Os direitos fundamentais…, p. 327) duvida «em face do regime estabelecido, que se trate de uma verdadeira “suspensão” dos direitos, pois que, se tanto a declaração como a execução dos estados de necessidade devem limitar-se ao estritamente necessário para o restabelecimento da normalidade, parece que os direitos não ficam propriamente suspensos, mas antes “enfraquecidos” perante a possibilidade de as autoridades administrativas (militares) tomarem medidas concretas que os restrinjam ou comprimam, na medida do necessário e em termos proporcionais (uma suspensão abstrata e total seria desproporcional e, por isso, contrária à Constituição). 

                [140] I, c), 3.1.

[141] João Carlos Loureiro, Liberdades e direitos …, p. 428.

[142] Acórdãos n.ºs 90/2022, 89/2022 ou 88/2022, todos de 1 de fevereiro.

[143] João Carlos Loureiro, Liberdades e direitos …, p. 427; Jorge Bacelar Gouveia, O Estado de Exceção…, I, pp. 736 e ss.; Manuel da Silva Gomes, «As declarações situacionais na lei de bases de proteção civil: alerta, contingências e calamidade» in Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro (coordenação de), Direito Administrativo de necessidade e exceção, Lisboa, AEFDL, 2020, pp. 104-106; Carla amado Gomes, Legalidade em tempos atípicos, …, pp. 45 e 46; Miguel Nogueira de Brito; «Anotação ao Acórdão do STJ, 1.ª Secção, de 10 de setembro de 2020, proferido no Processo n.º 088/20.8BALSB», Revista de Direito Administrativo, Revista de Direito Administrativo, n.º 10 (Janeiro-Abril 2021), pp.129 e ss.

[144] Direitos Fundamentais, Coimbra, Almedina, 2020, p. 515.

[145] João Carlos Loureiro, Liberdades e direitos …, p. 428.

                [146] Como referimos logo no início, quer o artigo 9.º, n.º 2, da CEDH, quer o artigo 18.º do PIDCP indicam a saúde como razão para a compressão destes direitos.

[147] Justamente contra a recente compressão sem precedentes dos diretos de reunião e de manifestação, cfr. Nessa Zimmermann, «La-liberté-de réu n i o n -pacifique, garante d’un espace civique menacé: commentaire en marge de l’observation générale n° 37 du Comité des droits de l’homme», Revue Trimestrelle des Droits de L’Homme,2021, 128, 32, pp. 829 e ss., em especial 846/7.

[148] Artigo 80.º, n.ºs 1, 2, 3 e 8, do Código Administrativo. Nos concelhos sede de distrito tais competências pertenciam ao comandante distrital da Polícia de Segurança Pública e nos concelhos em que houvesse secção de polícia de segurança pública ao respetivo comandante (§ 1, n.ºs 1 e 2 do mesmo art. 80.º).

                [149] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro, que, aqui, mais uma vez, seguimos de perto.

                [150] Nos termos do artigo 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro (estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico) são as seguintes as atribuições do município:

                «1 - Constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias.

                2 - Os municípios dispõem de atribuições, designadamente, nos seguintes domínios:

                a) Equipamento rural e urbano;

                b) Energia;

                c) Transportes e comunicações;

                d) Educação, ensino e formação profissional;

                e) Património, cultura e ciência;

                f) Tempos livres e desporto;

                g) Saúde;

                h) Ação social;

                i) Habitação;

                j) Proteção civil;

                k) Ambiente e saneamento básico;

                l) Defesa do consumidor;

                m) Promoção do desenvolvimento;

                n) Ordenamento do território e urbanismo;

                o) Polícia municipal;

                p) Cooperação externa». A referida Lei foi, entretanto, alterada pela Retificação n.º 46-C/2013, de 1 de novembro; pela Retificação n.º 50-A/2013, de 11 de novembro; pela Lei n.º 25/2015, de 30 de março; pela Lei n.º 69/2015, de 16 de julho; pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março; pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro; pela Lei n.º 50/2018, de 16 de agosto; e pela Lei n.º 66/2020, de 4 de novembro.

[151]  Consagradas no artigo 35.º da Lei n.º 75/2013.

         [152] O artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de novembro eliminou a referência que a lei anteriormente fazia, também, aos Governadores-Civis, de modo que hoje, apenas, são referidos os presidentes da câmara.

[153] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro. No mesmo sentido já se tinha concluído no Parecer n.º 83/2005: «as referidas autoridades administrativas (ou seja, o governador civil e o presidente da câmara municipal) podem proibir (impedir) a realização de reuniões ou manifestações cujo fim ou objeto seja contrário “à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas” ou atente contra “a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas”, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.º e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 406/74» (primeiro interpolado nosso).

[154] Tudo isto sem prejuízo, é claro, do dever de dar conhecimento atempado da intenção de realização da reunião ou da manifestação às autoridades competentes para efeitos das providências necessárias à sua efetiva realização em condições de segurança, de salubridade ou de trânsito adequadas.

[155] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro.

[156] Como já referimos, não importa abordar aqui a legitimidade constitucional de todas estas limitações.

[157] Neste sentido, por exemplos, os Pareceres deste Conselho Consultivo n.ºs 40/1989, de 7 de dezembro de 1989; 83/2005, de 24 de novembro de 2005; e 11/2021, de 7 de outubro.

[158] Parecer do Conselho Consultivo n.º 40/1989, de 7 de dezembro de 1989.

[159] Sérvulo Correia O Direito de Manifestação…, p. 74.

                [160] O artigo 30.º da Lei n.º 53/2008, reflete estes requisitos ao nível infraconstitucional, prescrevendo que: «Com exceção do caso previsto no n.º 2 do artigo 28.º, as medidas de polícia só são aplicáveis nos termos e condições previstos na Constituição e na lei, sempre que tal se revele necessário, pelo período de tempo estritamente indispensável para garantir a segurança e a proteção de pessoas e bens e desde que haja indícios fundados de preparação de atividade criminosa ou de perturbação séria ou violenta da ordem pública».

[161] Conclusão 6.º.

[162] Será, por exemplo, o caso de reuniões que incitem à prática de crimes (art. 297.º, n.º 1, do CP), que se destinem a recompensar ou louvar outra pessoa por ter praticado um crime, de forma adequada a criar perigo da prática de outro crime da mesma espécie (art. 298.º, n.º 1, do CP; art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 52/2003), que, com intenção de destruir, alterar ou subverter pela violência o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, incitem à desobediência coletiva de leis de ordem pública (art. 330.º, n.º 1, do CP) ou que se destinem a planear a atividade de uma associação criminosa (art. 299.º, n.º 2, do CP).

[163] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro.

                [164] Como refere José Carlos Viera de Andrade (Os direitos fundamentais…, p. 287, nota 27): «é provável que um comportamento que integre as circunstâncias de facto típicas de um tipo legal de crime não esteja incluído na hipótese normativa do direito fundamental». A Constituição não pode ir tão longe. Não se pode utilizar a inviolabilidade do domicílio (art. 34.º CRP) para, a seu coberto, matar (art. 131.º do CP) ou violar (art. 164.º do CP) outrem. Da mesma forma, também não se pode invocar o direito de reunião ou de manifestação para cometer um atentado terrorista (v.g. art. 4.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto).

[165] José Carlos Viera de Andrade, Os direitos fundamentais…, p. 287.

[166] Sobre esta punição, supra, nota 23.

                [167] Supra, I, a), 2.2. e 2.3. Para além de outros ilícitos, como, por exemplo, o crime de participação em motim (neste sentido Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 370 e ss.), poderá estar em causa o crime de desobediência qualificada, previsto no artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal (art. 15.º, n.º 3, do Dec.-Lei n.º 406/74).

                [168] Parecer do Conselho Consultivo n.º 85/2005, de 24 de novembro. Segundo o parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro «Tais poderes devem ser exercidos em coordenação com as forças de segurança territorialmente competentes, e, sendo caso disso, com os órgãos do Sistema de Segurança Interna — o Primeiro-ministro, o Ministro da Administração Interna, o Secretário-geral, designadamente —, com a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e com as autoridades de saúde, sem prejuízo de os próprios serviços municipais, cujo órgão superior é, justamente, o presidente da câmara municipal, empreenderem esforços convergentes» (conclusão 13.ª).

                [169] Como já vimos, segundo este Conselho Consultivo, esta indicação não será taxativa, podendo as autoridades impedir reuniões ou manifestações para salvaguardar outras instalações (Parecer n.º 40/1989, de 7 de dezembro; no mesmo sentido Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 222). Para além destas competências expressis verbis atribuídas ao presidente da câmara, enquanto «autoridade», ele tem, como já vimos, outras competências no âmbito deste diploma legal.

                [170] Lei Orgânica da GNR, que foi objeto da Rect. n.º 1-A/2008, de 4 de janeiro.

                [171] Lei Orgânica da PSP.

          [172] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro (as notas de rodapé foram, por nós, suprimidas).

         [173] No Parecer n.º 40/1989, de 7 de dezembro de 1989, escreveu-se que «das normas estatutária da Polícia de Segurança Pública (…) e da G.N.R. (…) deduz-se que estas instituições estão especialmente vocacionadas, para através dos seus órgãos próprios, agirem neste contexto». Na mesma linha, João Paulo Miranda de Sousa, escreve que: a omissão de concretização das autoridades competentes «tem sido na prática colmatada pelo entendimento de que tal competência pertence aos comandos da Polícia de Segurança Pública ou Guarda Nacional Republicana responsáveis pela manutenção da ordem pública da área onde decorre a manifestação» («Direito de Manifestação», BMJ, 1988, 375, p. 21; a fls. 22 refere, todavia, que esta solução atenta contra o princípio da reserva de lei).

[174] Artigo 7.º, n.º 2, da Lei de Organização da Investigação Criminal (Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 34/2013, de 16 de maio, pela Lei n.º 38/2015, de 11 de maio, e pela Lei n.º 57/2015, de 23 de junho) e art. 2.º do Decreto-Lei n.º 137/2019, de 13 de setembro, que aprova a nova estrutura organizacional da Polícia Judiciária (foi objeto da Retificação n.º 55/2019, de 23 de outubro, e alterado pela Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro).

[175] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro.

[176] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro (as notas de rodapé foram, por nós, suprimidas).

[177] Devidamente analisadas no parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro.

                [178] Supra, II, 2.

         [179] O que, nas palavras certeiras de Cristina Líbano Monteiro (Comentário…, II, p. 1208) significa «que não há ordem de dispersão legítima – suscetível, portanto, de fundamentar uma desobediência punível nos termos do art. 304.º (do CP) – sem que o ajuntamento ou reunião se mostrem lesivos da paz pública (se podemos – e não vemos razão para o negar – resumir deste modo a descrição legal citada)»; o primeiro interpolado foi, por nós, introduzido.  

[180] Para outras manifestações deste sistema dualista, cfr. I, a), 2.1.

         [181] Supra, I, a), 2.1. É o caso do art. 5.º do Decreto ditatorial de 15 de junho de 1870.

                [182] Parecer do Conselho Consultivo n.º 83/2005, de 24 de novembro de 2005 (conclusão 7.ª).

         [183] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro de 2021; contra J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República…, 2007, p. 640; Eduardo Maia Costa, «Crime de desobediência: conceitos de reunião e de manifestação, direito de resistência», RMP, 1990, 43, pp. 136/7.

         [184] Pareceres do Conselho Consultivo n.ºs 40/89, de 7 de dezembro de 1989 (conclusão n.º 4) e n.º 11/2021, de 7 de outubro de 2021.

         [185] Constituição da República…, 1984, p. 262.

         [186] Idem (conclusão n.º 5).

         [187] Crime de desobediência…, p. 137.

         [188] Parecer do Conselho Consultivo n.º 11/2021, de 7 de outubro de 2021.

[189] A conduta omissiva desse presidente de câmara poderá, mesmo, ser suscetível de integrar o crime de denegação de justiça e prevaricação, previsto no artigo 369.º do Código Penal.

                [190] A consagração da possibilidade de interromper uma reunião ou manifestação, que se desviasse do fim para o qual tinha sido convocada, tem larga tradição no direito nacional, constando já, como se referiu logo no início, do Decreto ditatorial de 15 de junho de 1870 (art. 5.º) ou do Decreto de 29 de março de 1890 (art. 3.º, § 3).

[191] Artigo 170.º do Código Penal. É a seguinte a redação da referida norma: «Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

         [192] Parecer do Conselho Consultivo n.º 40/89, de 7 de dezembro (conclusão 8.ª); Cristina Líbano Monteiro, Comentário…, II, p. 1209; Eduardo Correia Batista, Os direitos…, p. 384.

[193] Supra, II.

                [194] No que concerne ao direito de reunião, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira (Constituição da República…, 1984, p. 260) falam de objetivos recreativos, culturais, profissionais, políticos e religiosos, mas outros, desde que não proibidos, podem, obviamente, ser incluídos.

[195] J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República…, 1984, p. 260.

         [196] Ao tempo da situação que deu origem a este parecer, sem cuidarmos aqui de discutir a legitimidade constitucional destas medidas, a Resolução de Conselho de Ministros n.º 45-C/2021, de 30 de abril (publicada no 1.º Suplemento ao Diário da República, série I, n.º 84/2021, de 30 de abril de 2021), conforme os casos, impedia, por exemplo, a aglomeração de pessoas nos funerais (art. 22.º, n.º 1), a realização de eventos, seja no interior, seja no exterior, sem diminuição de lotação e de acordo com as orientações específicas da DGS [art. 28.º, n.º 2, alª c) e 3], a pática de exercício ao ar livre em grupos de mais de 6 pessoas [art. 42.º, n.º 1, alª c)], a circulação e a permanência na via pública [art. 50.º, al.ª b)]. Estando proibidas as reuniões, também se deveria concluir que estavam proibidas as manifestações suscetíveis de provocar uma «reunião» de pessoas superior ao admitido.

Anotações
Legislação: 
CRP ART 18, N 2 E N 3, ART 19, ART 45; ART 64, ART 182, ART 199, AL D), ART 270, ART 272, N 4; DL 406/74, DE 1974/08/29 ART 2, N 1 E N 3, ART 3, ART 5, N 1, ART 15 N 3; L 95/2019, DE 2019/09/04, BASE 34; L 81/2009, DE 2009/08/21 ART 14, ART 17, ART 18; L 44/86, DE1986/09/30 ART 2, N 1, ART 5, N 1, ART 9, N 2, ART 15, N 1; LO 1/2011, DE 2011/11/30; LO 1/2012, DE 2012/05/11; L 53/2008, DE 2008/08/29, ART 25, N 2, ALS A) E B), ART 26, ART 28, N 1, AL C), RECT. 66-A/2008, DE 2008/10/28; L 59/2015, DE 2015/06/24; DL 49/2017, DE 2017/05/24; L 21/2019, DE 2019/02/25; DL 122/2021, DE 2021/12/30; L 63/2007, DE 2007/11/06 ART 2, N 2 E N 3; L 53/2007, 2007/08/31 ART 1, N 2 E N 3; CP ART 283, ART 348 N2; L 52/2003, DE 2003/08/22 ART 2 N 1, ART 8 N4, RECTIF. 16/2003, DE 2003/10/29, L 59/2007, DE 2007/09/4, L 25/2008, DE 2008/06/5, L 17/2011, DE 2011/05/03, L 60/2015, DE 2015/06/24; L 16/2019, DE 2019/02/14, L 79/2021, DE 2021/11/24; L 37/2007, DE 2007/08/14 ART 4, ART 25; L 109/2015, DE 2015/08/26; L 63/2017, DE 2017/08/03; DL 9/2021, DE 2021/0129; DL 82/2009, DE 2009/04/02; DL 135/2013, DE 2013/10/04; L 63/2007, DE 2007/11/06; L 49/2008, DE 2008/08/27 ART 7, N 2; L 34/2013, DE 2013/05/16; L 38/2015, DE 2015/05/11; L 57/2015, DE 2015/06/23; DL 137/2019, DE 2019/09/13; RETIFICAÇÃO 55/2019, DE 2019/10/23; L 79/2021, DE 2021/11/24
 
Jurisprudência: 
AC TC n.º 155/2007, de 2 de março; AC TC n.º 47/2019, de 23 de janeiro de 2019; AC TC n.º 368/2002, de 25 de setembro de 2002; AC TC n.º 306/2003, de 25 de junho de 2002; AC TC 423/2008, de 4 de agosto de 2008; AC TC 47/2019, de 23 de janeiro de 2019; AC TC 150/2020, de 4 de março de 2020; AC TC 118/2020, de 19 de fevereiro de 2020
 
Referências Complementares: 
DUDH ART 20, N 1; PIDCP ART 18; CEDH ART 9, N 2, ART 11; CDFUE ART 12, N.º 1
 
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