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Dados Administrativos
Número do Parecer: 
83/2005, de 24.11.2005
Data do Parecer: 
24-11-2005
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Administração Interna
Relator: 
MÁRIO SERRANO
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DIREITO DE REUNIÃO
DIREITO DE MANIFESTAÇÃO
VALOR DOS PARECERES DO CONSELHO CONSULTIVO
GOVERNADOR CIVIL
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA
COMPETÊNCIA
DISCRIMINAÇÃO RACIAL
ORGANIZAÇÃO QUE PERFILHE IDEOLOGIA FASCISTA
MEDIDA CAUTELAR DE POLÍCIA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
AUTORIDADE POLICIAL
DETENÇÃO
INTERRUPÇÃO
IMPEDIMENTO
USO DE ARMA
IDENTIFICAÇÃO DE SUSPEITO
REVISTA
BUSCA
AUTO DE NOTÍCIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCEDIMENTO CRIMINAL
CRIME PÚBLICO
Conclusões: 
1ª) Os direitos de reunião e de manifestação, consagrados no artigo 45º da Constituição, encontram-se regulados pelo Decreto-Lei nº 406/74, de 29 de Agosto, diploma que, genericamente, respeita o conteúdo essencial daqueles direitos;
2ª) É vedada pela Constituição a sujeição do exercício dos direitos de reunião e de manifestação a qualquer autorização prévia, seja de que entidade for, mas é conforme a essa proibição constitucional a exigência, estabelecida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/74, de uma comunicação prévia a autoridades administrativas (governadores civis e presidentes de câmaras municipais, consoante o local de aglomeração se situe ou não na capital do distrito);
3ª) As referidas autoridades administrativas podem proibir (impedir) a realização de reuniões ou manifestações cujo fim ou objecto seja contrário «à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas» ou atente contra «a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas», nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º e 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 406/74;
4ª) A prática de crimes no decurso de reuniões ou manifestações consubstancia a contrariedade à lei dos fins prosseguidos por tais eventos e integra a previsão do artigo 1º, ex vi do artigo 3º, nº 2, do citado diploma;
5ª) A aludida proibição de reunião ou manifestação contrária à lei reveste a natureza de medida de polícia, pelo que, na respectiva decisão, as autoridades administrativas competentes devem atender a critérios de necessidade, eficácia e proporcionalidade, como decorrência do disposto no artigo 272º, nº 2, da Constituição;
6ª) Em concreto, a previsão pelas autoridades administrativas da eventual prática de crime ou crimes no decurso de manifestações, como pressuposto da respectiva decisão de proibição, tem de assentar numa razoável certeza de verificação do facto típico (e não numa mera presunção), ainda em aplicação do princípio da proporcionalidade – devendo atender-se a aspectos como a maior ou menor exigência na demonstração do preenchimento do tipo legal;
7ª) Se numa concreta manifestação que não tenha sido objecto de proibição prévia, por falta de fundamento bastante, ocorrer a efectiva prática de crimes, podem as autoridades policiais de segurança (Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana) interromper a sua realização e ordenar a respectiva dispersão, ao abrigo do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 406/74, ou seja, «quando for (…) afastad[a] (…) da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no nº 2 do artigo 1º» – desde que tal medida de polícia se afigure adequada segundo um critério de proporcionalidade;
8ª) A actuação policial em relação aos participantes de manifestações, individualmente considerados, que sejam eventuais autores de crimes cometidos no seu decurso, deve pautar-se pelos seguintes parâmetros:
– a autoridade policial pode proceder à detenção do autor do crime, seja em flagrante delito (v.g., se o facto criminoso foi cometido na sua presença), seja fora de flagrante delito, desde que verificados os respectivos pressupostos (artigos 255º e 257º do Código de Processo Penal), a ser submetida à apreciação da autoridade judiciária competente; – a autoridade policial pode proceder, dentro do condicionalismo legal, à identificação do suspeito e à sua revista, se necessário (artigos 250º e 251º do CPP);
– a autoridade policial deve adoptar as medidas cautelares necessárias quanto aos meios de prova, nos termos legais (artigo 249º do CPP);
– a autoridade policial deve levantar ou mandar levantar auto de notícia, se presenciar crime de denúncia obrigatória, e remetê- -lo ao Ministério Público, valendo como denúncia [artigos 241º, 242º, nº 1, alínea a), 243º e 248º], ou comunicar ao Ministério Público denúncia (obrigatória ou facultativa) que lhe seja apresentada [artigos 241º, 242º, nº 1, alínea b), 244º e 248º].
9ª) Independentemente da descrita actuação policial durante ou após a realização de manifestações em que ocorra a prática de crimes, é sempre possível – a todo o tempo, e sem prejuízo das regras sobre queixa e acusação particular (artigos 113º a 117º do Código Penal) e sobre prescrição (artigos 118º a 121º do mesmo Código) – a instauração de procedimento criminal contra os respectivos autores, com base na aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público, seja por conhecimento próprio, seja mediante denúncia (artigo 241º).
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Ministro da Administração Interna,
Excelência:




I


Dignou-se Vossa Excelência solicitar a este corpo consultivo ([1]) parecer sobre «as competências próprias dos Governadores Civis e demais autoridades administrativas no que respeita ao exercício do direito de manifestação».

A presente consulta foi suscitada pela concreta realização de uma manifestação, em Lisboa, no dia 18 de Junho do presente ano, que os seus promotores alegaram constituir um protesto contra o aumento da criminalidade. Na comunicação apresentada por três cidadãos ao Governador Civil de Lisboa, informando acerca da manifestação, escreve--se que «a marcha de protesto intitula-se “Menos criminalidade, mais segurança” e surge como protesto aos acontecimentos verificados na praia de Carcavelos e na vila de Coruche».

A entidade consulente dá notícia de que «a mesma manifestação foi publicamente promovida na Internet por uma organização denominada “Frente Nacional”, com uma motivação claramente distinta, que indiciava visar, ou poder vir a proporcionar, a prática de crimes de discriminação racial (p.p. no artº 240º do Código Penal)» ([2]).

Neste contexto, pretende-se saber como proceder perante futuras iniciativas de carácter semelhante, para o que se apresentam a este Conselho três núcleos diferentes de questões, que passamos a enunciar.

Num primeiro núcleo, centrado nas competências dos governadores civis, pergunta-se o seguinte:

«a) Está o exercício do direito de manifestação sujeito a autorização dos Governadores Civis, ou de outras entidades, ou a competência das autoridades administrativas está limitada à verificação dos requisitos formais legalmente estabelecidos?
b) Com que fundamento pode o Governador Civil, ou outra entidade administrativa, proibir uma manifestação?
c) Em concreto, podem os Governadores Civis – ou outras entidades administrativas – proibir a realização de manifestações quando suspeitem que essas manifestações dêem lugar à prática de actos criminosos, designadamente os p.p. no artº 240º do Código Penal?
d) Caso se responda negativamente às questões anteriores, podem as autoridades judiciais adoptar providências impeditivas da realização das manifestações e, nesse caso, têm os Governadores Civis, ou outras entidades administrativas, legitimidade para as promover judicialmente?»

O segundo núcleo é apresentado do seguinte modo:

«Por outro lado, independentemente da legalidade da convocatória da manifestação, ou mesmo dos seus propósitos, pode verificar-se no seu decurso a existência de comportamentos que se podem subsumir na prática de actos tipificados como criminosos.
(…)
Das imagens e relatos desta manifestação [[3]], evidenciam-se actos que parecem, salvo melhor opinião, incitar à discriminação, ao ódio ou à violência racial ou, pelo menos, constituem difamação de grupos de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional. Ou seja, parece haver indícios da prática do crime p.p. no artº 240º, nº 1 a) e b), ou nº 2 b) do Código Penal.
Em tais circunstâncias, importa esclarecer qual a competência das autoridades policiais que presenciam tais comportamentos:
a) Podem/devem intervir para fazer cessar tal comportamento?
b) Podem/devem proceder à identificação, detenção, ou pelo menos adoptar as medidas cautelares necessárias, tendo em vista a posterior instauração do competente procedimento criminal?»

E prossegue-se, com a indicação do terceiro núcleo de questões:

«Por fim, quando se verifique à posteriori tais comportamentos:
a) Pode/deve haver lugar a procedimento criminal?
b) Em caso afirmativo, quem terá legitimidade para o promover?»

Do que se relata resulta que as questões propostas estão intimamente ligadas, pelo que se fará um tratamento geral do tema da consulta, após o que se apreciará discriminadamente cada um dos pontos em causa.

Cumpre emitir parecer.



II


A problemática suscitada envolve, genericamente, duas vertentes: por um lado, indaga-se acerca dos poderes dos governadores civis quanto à convocação de manifestações susceptíveis de propiciar a prática de crimes, designadamente de discriminação racial; por outro, pretende- -se saber como devem actuar as autoridades policiais perante manifestações em que tenha lugar a prática desses crimes.

A consulta foi motivada por uma concreta manifestação, em relação à qual se refere que «parece haver indícios» de nela ter sido cometido o crime previsto no artigo 240º do Código Penal. Possivelmente para evidenciar esse juízo sobre o conteúdo da manifestação, foram enviadas cópias de recortes de imprensa e uma cassete de vídeo a ela respeitantes.

Ora, esta circunstância justifica, desde logo, uma prevenção liminar: do ponto de vista estatutário, o Conselho Consultivo tem a sua competência confinada à matéria de legalidade [artigo 37º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público (EMP) ([4])]. Ou seja, não investiga matéria de facto, pelo que está absolutamente fora da sua esfera de actuação visionar cassetes de vídeo, designadamente para averiguar se foi ou não praticado um qualquer crime ([5]).

Em matéria criminal, a formulação relevante de juízos de facto a partir da análise de meios de prova apenas pode ter lugar num processo jurisdicionalizado, cabendo essa formulação às autoridades judiciárias para tal competentes em conformidade com a lei de processo ([6])([7]). Designadamente, incumbe ao Ministério Público, enquanto titular da direcção do inquérito [artigo 263º do Código de Processo Penal (CPP)], investigar os crimes e formular, no termo do inquérito, um juízo sobre a sua existência, que se consubstancia numa acusação ou num despacho de arquivamento (artigos 262º, 277º e 283º do mesmo Código). Mas, para o efeito, dispõe o Ministério Público de estruturas próprias adequadas a essa intervenção processual – e é perante elas que devem, em princípio, ser apresentadas as denúncias de crimes e os respectivos meios de prova (artigos 241º e seguintes do CPP) ([8]).

Afastada assim a possibilidade de este corpo consultivo se pronunciar sobre a eventual prática, in concreto, do crime de discriminação racial do artigo 240º do Código Penal, resta analisar a matéria em abstracto, fora do contexto da manifestação em referência, partindo da premissa de ser efectivamente cometido o crime no decurso de uma hipotética manifestação futura.

Delimitado deste modo o objecto do presente parecer, importa ainda salientar um outro aspecto.

É que, como veremos, o regime legal do exercício do direito de manifestação contempla a intervenção, em sede de recurso, dos tribunais. O que significa que tudo o que este Conselho sustente acerca dos poderes dos governadores civis nesta sede, não é vinculativo para os tribunais, que poderão acolher entendimentos diversos ([9]).

E o mesmo se diga quanto à opinião a perfilhar acerca dos procedimentos exigíveis às autoridades policiais perante a prática de crimes em manifestações, uma vez que – atento o monopólio estadual da administração da justiça penal – só as autoridades judiciárias competentes em sede de processo penal poderão ajuizar, em definitivo, da legalidade da actuação das autoridades policiais nos respectivos casos.

Posto isto, podemos passar a conhecer melhor o regime normativo dos direitos de reunião e de manifestação, com vista a delimitar o âmbito das prerrogativas dos governadores civis neste domínio, após o que se procederá a uma aferição das condições de actuação das autoridades policiais perante manifestações violadoras da lei penal.



III


1. Os direitos de reunião e de manifestação têm assento constitucional, sendo consagrados no artigo 45º da Constituição como direitos fundamentais, atenta a sua inserção no Título relativo aos direitos, liberdades e garantias:

«Artigo 45º
(Direito de reunião e de manifestação)

1 – Os cidadãos têm o direito de reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2 – A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.»

Trata-se, aliás, de direitos fundamentais pessoais (e não apenas de participação política), como decorre da sua integração no Capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais – o que reforça a sua ligação à liberdade de expressão, consagrada no artigo 37º da Constituição ([10]).

Estamos perante direitos de liberdade, que se inscrevem na matriz essencial do Estado de direito democrático. Como afirmou já JORGE MIRANDA ([11]), a garantia das liberdades de reunião e de manifestação «serve de índice seguro de funcionamento de um regime político pluralista». Os diferentes autores, em geral, consideram-nos elementos básicos das sociedades livres e democráticas e encontram o seu fundamento último na própria liberdade de expressão ([12]).

Por isso, encontramos alusões ao direito de reunião nos mais significativos instrumentos jurídicos internacionais. Assim, o artigo 20º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos do Homem ([13]) afirma que «[t]oda a pessoa tem direito à liberdade de reunião (…)» ([14]). Por sua vez, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos refere que «[o] direito de reunião pacífica é reconhecido (…)» ([15]). Também o artigo 11º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece que «[q]ualquer pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica (…)» ([16])([17]).

Os direitos de reunião e de manifestação são, no fundo, espécies do mesmo género. Uma reunião constitui uma aglomeração de pessoas, temporária, não institucionalizada e dirigida a fins livremente escolhidos em comum (o que a distingue, v.g., de um ajuntamento ocasional, de uma associação ou de uma assembleia, que não revestem uma ou outra dessas características) ([18]). Já a manifestação consiste numa «reunião qualificada» ([19]), que se caracteriza pela expressão de uma mensagem contra ou dirigida a terceiros, em local público e segundo uma consciência e vontade comuns a todos os participantes ([20]).

Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, os direitos de reunião e de manifestação analisam-se nas seguintes componentes: «(a) liberdade de reunião (e de manifestação), ou seja, direito de reunir-se com outrem ou de manifestar-se, sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia (nº 1, in fine); (b) direito de não ser perturbado por outrem no exercício desse direito, incluindo o direito à protecção do Estado contra ataques ou ofensas de terceiros (v.g., ataques de contramanifestantes); (c) direito à utilização de locais e vias públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos fundamentais que com aquele colidam» ([21]).

Esta conformação constitucional plena dos direitos de reunião e de manifestação não obsta, porém, ao estabelecimento de restrições por via legal – como sucede com o diploma que, ainda hoje, rege sobre esta matéria: o Decreto-Lei nº 406/74, de 29 de Agosto.

Conforme diz VIEIRA DE ANDRADE ([22]), «há preceitos constitucionais, como, por exemplo, os relativos às liberdades (…) de reunião e manifestação (art. 45º), (…) que não prevêem quaisquer restrições. Poder-se-á então invocar o nº 3 do art. 18º para considerar inconstitucional uma lei que (…) permita, às entidades policiais, impedirem ou interromperem reuniões ou manifestações que ponham em causa a ordem pública (…)?». Responde o autor que a «falta de preceitos constitucionais que autorizem a restrição pela lei pode, contudo, ser colmatada pelo recurso à Declaração Universal dos Direitos do Homem, nos termos do nº 2 do art. 16º», a qual, «no seu artigo 29º, permite que o legislador estabeleça limites aos direitos fundamentais para assegurar o reconhecimento ou o respeito dos valores aí enunciados: “direitos e liberdades de outrem”, “justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar geral numa sociedade democrática”» ([23]). E prossegue: «Isto significa que o nº 3 do artigo 18º deve ser interpretado como proibição de uma relativização absoluta dos direitos fundamentais, ao consagrar o princípio da excepcionalidade da restrição, que só deverá ser admitida quando se trate de salvaguardar um outro valor ou interesse constitucionalmente protegido». Exclui, assim, a possibilidade de o legislador restringir ilimitadamente os direitos fundamentais: como decorre dos nos 2 e 3 do artigo 18º da Constituição, as restrições têm de constar de leis gerais, abstractas e não retroactivas, e têm de limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, não podendo em caso algum diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

Ora, no caso dos direitos de reunião e de manifestação, vamos encontrar algumas restrições no regime legal ínsito no aludido Decreto-Lei nº 406/74.

Trata-se de um diploma anterior à Constituição, que foi aprovado para cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas [B, nº 5, alínea b)]. Será, assim, diploma mantido em vigor pela cláusula de recepção constante do nº 2 do artigo 290º da Constituição ([24]), que salvaguarda o «direito ordinário anterior à entrada em vigor da Constituição», «desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados». É certo que chegou a ser discutido na jurisprudência dos tribunais comuns se o Decreto-Lei nº 406/74 teria caducado por efeito da entrada em vigor da Constituição, mas acabou por prevalecer, nos tribunais de recurso, o entendimento de que o diploma não ofendia o direito fundamental de reunião, sendo conforme à Constituição, pelo que se manteria vigente ([25]).

Aliás, este mesmo Conselho tomou posição sobre a questão, no Parecer nº 96/83 ([26]), ao considerar que os direitos de reunião e de manifestação, tal como regulamentados no Decreto-Lei nº 406/74, «vieram a ser consagrados no artigo 45º da Constituição, que, não contendo princípios contrários aos daquele diploma, o manteve, por isso, em vigor, como se dispõe no artigo 293º do nosso diploma fundamental». E também o Parecer nº 40/89 ([27]) corroborou essa posição, reafirmando que «[o] Decreto-Lei nº 406/74, de 29 de Agosto, ao regulamentar o direito de reunião e manifestação não afecta o conteúdo essencial deste, pelo que se apresenta conforme à Constituição da República» ([28]).

Vejamos agora mais em detalhe o referido diploma.


2. Para melhor contextualização, passa-se a transcrever os artigos do Decreto-Lei nº 406/74 que mais relevam na economia do presente parecer:


«Artigo 1º

1 – A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas.
2 – Sem prejuízo do direito à crítica, serão interditas as reuniões que pelo seu objecto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas.»

«Art. 2º

1 – As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito.
2 – O aviso deverá ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respectivas direcções.
3 – A entidade que receber o aviso passará recibo comprovativo da sua recepção.»

«Art. 3º

1 – O aviso a que alude o artigo anterior deverá ainda conter a indicação da hora, do local e do objecto da reunião e, quando se trate de manifestações ou desfiles, a indicação do trajecto a seguir.
2 – As autoridades competentes só poderão impedir as reuniões cujo objecto ou fim contrarie o disposto no artigo 1º, entendendo-se que não são levantadas quaisquer objecções, nos termos dos artigos 1º, 6º, 9º e 13º, se estas não forem entregues por escrito nas moradas indicadas pelos promotores no prazo de vinte e quatro horas.»

«Art. 5º

1 – As autoridades só poderão interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público quando forem afastados da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no nº 2 do artigo 1º.
2 – Em tal caso, deverão as autoridades competentes lavrar auto em que descreverão “os fundamentos” da ordem de interrupção, entregando cópia desse auto aos promotores.»



«Art. 6º

1 – As autoridades poderão, se tal for indispensável ao bom ordenamento do trânsito de pessoas e de veículos nas vias públicas, alterar os trajectos programados ou determinar que os desfiles ou cortejos se façam só por uma das metades das faixas de rodagem.
2 – A ordem de alteração dos trajectos será dada por escrito aos promotores.»

«Art. 7º

As autoridades deverão tomar as necessárias providências para que as reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos decorram sem a interferência de contramanifestações que possam perturbar o livre exercício dos direitos dos participantes, podendo, para tanto, ordenar a comparência de representantes ou agentes seus nos locais respectivos.»

«Art. 9º

As autoridades referidas no artigo 2º deverão reservar para a realização de reuniões ou comícios determinados lugares públicos devidamente identificados e delimitados.»

«Art. 13º

As autoridades referidas no nº 1 do artigo 2º, solicitando quando necessário ou conveniente o parecer das autoridades militares ou outras entidades, poderão, por razões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos.»

«Art. 14º

1 – Das decisões das autoridades tomadas com violação do disposto neste diploma cabe recurso para os tribunais ordinários, a interpor no prazo de quinze dias, a contar da data da decisão impugnada.
2 – O recurso só poderá ser interposto pelos promotores.»

«Art. 15º

1 – As autoridades que impeçam ou tentem impedir, fora do condicionalismo legal, o livre exercício do direito de reunião incorrerão na pena do artigo 291º do Código Penal e ficarão sujeitas a procedimento disciplinar.
2 – Os contramanifestantes que interfiram nas reuniões, comícios, manifestações ou desfiles e impedindo ou tentando impedir o livre exercício do direito de reunião incorrerão nas sanções do artigo 329º do Código Penal.
3 – Aqueles que realizarem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles contrariamente ao disposto neste diploma incorrerão no crime da desobediência qualificada.»


Pela leitura genérica destes preceitos torna-se evidente a sujeição dos direitos de reunião e de manifestação a alguns condicionamentos. Recorde-se, porém, que a Constituição apenas estabelece duas restrições básicas: a não dependência de autorização prévia; e a exigência de carácter pacífico e sem armas. O que significa que os demais condicionamentos legais devem ser interpretados de acordo com o artigo 29º, nº 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem – ou seja, apenas se devem entender na perspectiva da defesa de outros direitos e interesses constitucionalmente relevantes, sob pena de as respectivas disposições legais terem de sofrer uma «redução por inconstitucionalidade» ([29]).

Neste contexto, deve ainda salientar-se que se torna razoável que as manifestações estejam sujeitas a condicionamentos mais estreitos que as reuniões stricto sensu, na medida em que aquelas podem colidir com um conjunto mais vasto de direitos merecedores de tutela, como sejam a liberdade de circulação, o direito ao ambiente ou o direito de manifestação de outras pessoas, bem como com a ordem e tranquilidade públicas ([30]).

De todo o modo, as restrições existentes não devem, em caso algum, comprimir intoleravelmente os direitos de reunião e de manifestação ([31]).

Analisemos agora alguns aspectos relativos aos limites às liberdades de reunião e de manifestação, com interesse para a resolução da consulta.


3. A nossa Constituição proscreveu a autorização prévia de reuniões e manifestações – o que, no entanto, não obsta à exigência de comunicação prévia por parte dos respectivos promotores às autoridades (governador civil do distrito ou presidente da câmara municipal), estabelecida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/74 ([32]). Esta justifica-se pela necessidade de garantir a componente do direito de reunião (e de manifestação) que se prende com a protecção do Estado no exercício desse direito. Trata-se de permitir que as autoridades públicas assegurem que a reunião (ou manifestação) decorra sem perturbações significativas, o que passa por aspectos devidamente acautelados no Decreto-Lei nº 406/74, como, v.g., o bom ordenamento do trânsito (artigo 6º), a prevenção de contramanifestações (artigo 7º) ou a salvaguarda da segurança quanto a entidades consideradas mais relevantes (artigo 13º).

Ou seja, o legislador constituinte afastou expressamente o primeiro modelo, certamente porque conotado com regimes autoritários, mas deixou a cargo do legislador ordinário a escolha por um dos outros modelos, o que deixou intocada a opção do Decreto-Lei nº 406/74 pelo segundo modelo.

Assim, perante os modelos de autorização prévia, de comunicação prévia ou de plena liberdade no exercício dos direitos de reunião e de manifestação ([33]), optou o nosso sistema pelo modelo intermédio, que melhor concilia as ideias de liberdade e de responsabilidade – em regra, associadas a esses direitos nos regimes democráticos.

Note-se que só esse modelo de comunicação prévia garante a intervenção das forças de segurança, seja na perspectiva da protecção dos manifestantes, seja na da defesa da ordem pública. E, ao mesmo tempo, permite censurar os riscos para a segurança e ordem pública gerados pela omissão da comunicação prévia devida pelos promotores – como sucede no regime do Decreto-Lei nº 406/74, que prevê, no seu artigo 15º, nº 3, que «[a]queles que realizarem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles contrariamente ao disposto neste diploma incorrerão no crime de desobediência qualificada».

Ora, neste ponto, tem-se suscitado a dúvida sobre se a falta dessa comunicação prévia legitima – para além da sanção criminal – a emissão de uma ordem (ou acção) de dispersão por parte das autoridades.

Afirmam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: «Duvidosa é a questão de saber se as autoridades podem ordenar a dispersão ou fazer dispersar uma reunião (ou manifestação) cuja ocorrência não tenha sido previamente comunicada; se a reunião (ou manifestação) estiver a decorrer pacificamente e dada a razão de ser da comunicação prévia, essas medidas de polícia afiguram-se ilegítimas (cfr. art. 272º-2) (…).»([34])

Também JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS parecem apontar nesse sentido quando consideram que «(…) seja por falta de cumprimento de ónus legais [[35]], seja por a reunião não [ser ([36])] ou deixar de ser pacífica, a dispersão deve fazer-se com observância do princípio da proporcionalidade (artigos 18º, nº 2, e 272º, nos 2 e 3)» ([37]).

Por sua vez, MIRANDA DE SOUSA sustenta que a manifestação se deve realizar sem impedimentos, não havendo motivos para a ordem de dispersão, em virtude de o Decreto-Lei nº 406/74 «apenas conferir às autoridades administrativas competência para dispersar uma manifestação quando for detectada a prática de actos contrários à lei ou à moral, ou perturbadores de forma grave da ordem e da tranquilidade públicas, do livre exercício dos direitos das pessoas, ou que, enfim, ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas» ([38]).

Com efeito, o artigo 1º do Decreto-Lei nº 406/74 proíbe a realização de reuniões (ou manifestações) com fins «contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas» (nº 1) e que «ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas» (nº 2). E o nº 2 do artigo 3º do diploma prevê que as autoridades competentes possam «impedir as reuniões cujo objecto ou fim contrarie o disposto no artigo 1º», enquanto o nº 1 do artigo 5º confere às autoridades o poder de «interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público quando forem afastados da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no nº 2 do artigo 1º».

Mas decorrerá destas disposições que as autoridades só podem impedir ou interromper as reuniões ou manifestações que contrariem os fins permitidos por lei – e já não quando seja omitida a devida comunicação prévia?

Sobre esta questão, pronunciou-se já o Conselho Consultivo, no citado Parecer nº 40/89, nos seguintes termos:

«O pré-aviso destina-se a possibilitar o desenvolvimento normal do acto com o mínimo de condicionamentos para os bens e interesses em eventual conflito, concedendo às autoridades tempo para o estudo e a adopção das medidas requeridas.
A reunião, o desfile, o comício, a manifestação sem aviso prévio mostram-se tendencialmente aptos a provocar perturbações na ordem e tranquilidade públicas precisamente porque as autoridades competentes, por os desconhecerem, não puderam oportunamente adoptar a atitude preventiva adequada.
A exigência de aviso prévio assume assim uma dimensão muito próxima de todas as restantes exigências destinadas a salva­guardar a ordem e a tranquilidade públicas e o livre exercício dos direitos das pessoas.
O aviso prévio apresentar-se-á como uma condição para o exercício do direito de reunião em lugar público ou aberto ao público.
A falta de aviso prévio ferirá a reunião de ilegalidade, transformando-a em acto, de per si, contrário à lei: a reunião, o comício, a manifestação, o desfile, sem aviso prévio, são, em si mesmos, contrários à lei, ofendem a legalidade estabelecida por se realiza­rem à margem das exigências legais (-).
Para a remoção desta ilegalidade, a autoridade policial está legitimada para intervir, no exercício de funções constitucionalmente definidas.
(…)
Sublinhe-se que a intervenção policial deve pautar-se pelo estritamente necessário para a reposição da legalidade violada; na ponderação dos diversos interesses em jogo e dos custos do conflito, adoptar-se-ão as medidas que se mostrarem necessárias, adequadas e proporcionais.»

Este entendimento foi levado às conclusões do parecer nos seguintes termos:

«4ª – A falta do aviso prévio a que alude o artigo 2º do Decreto- -Lei nº 406/74 torna a reunião ilegal, sendo, por isso, legítima a intervenção policial.
5ª – A autoridade policial, ao decidir intervir perante uma reunião ilegal, deve ponderar os interesses em jogo, tendo em conta critérios de necessidade, eficácia e proporcionalidade.»

Atente-se que uma tal intervenção integra o conceito de medidas de polícia, que – nos termos do artigo 272º, nº 2, da Constituição – «são as previstas na lei, não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário», o que explica o apelo ao princípio da proporcionalidade.

MARCELLO CAETANO definia polícia como «o modo de actuar da autoridade administrativa que consiste em intervir no exercício das actividades individuais susceptíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objecto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os danos sociais que as leis procuram prevenir» ([39]). O autor apresentava, como modalidades de polícia, a polícia administrativa propriamente dita e a polícia judiciária, incluindo na primeira a polícia geral (que integrava a polícia de segurança) e as polícias especiais (como a polícia sanitária ou a polícia do trabalho).

Actualmente, podemos distinguir – com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – entre polícia administrativa em sentido estrito, polícia de segurança e polícia judiciária ([40]). E entre os órgãos do Estado titulares da função de polícia vamos encontrar, quer órgãos com outras funções principais ou acessórias, como os governadores civis ou os presidentes de câmara municipal ([41]) – que cabem na polícia administrativa propriamente dita –, quer autoridades especificamente policiais, como a Polícia de Segurança Pública (PSP) ou a Guarda Nacional Republicana (GNR) – que se inscrevem no conceito de polícia de segurança.

Na verdade, quanto a estas autoridades policiais, recorde-se que ambas são definidas como forças de segurança e que a elas estão cometidas funções de manutenção da ordem e segurança públicas, como decorre dos artigos 1º, nº 1, e 2º, nº 2, alínea b), da Lei de Organização e Funcionamento da Polícia de Segurança Pública, aprovada pela Lei nº 5/99, de 27 de Janeiro, e dos artigos 1º e 2º, alíneas a) e b), da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho ([42]).


4. Noutro plano, coloca-se a questão de saber como devem actuar as autoridades quando, não obstante ter havido aviso prévio, a finalidade das reuniões ou manifestações é contrária «à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas» ou atenta contra «a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas» – em suma, quando haja contrariedade à lei lato sensu.

Neste caso, como já se salientou supra, é a própria lei – nos artigos 3º, nº 2, e 5º, nº 1, do Decreto-Lei nº 406/74 – que prevê expressamente a possibilidade de se impedir ou interromper tais reuniões ou manifestações.

Estão aqui em causa duas formas diferentes de actuação das autoridades: o impedimento e a interrupção. Atendendo ao significado comum desses conceitos, no primeiro estará em causa a proibição prévia da reunião ou manifestação e no segundo a sua cessação depois da mesma iniciada.

Quanto às autoridades competentes para o efeito, refira-se que o impedimento surge associado, no texto do nº 2 do artigo 3º, àquelas entidades que podem suscitar «objecções, nos termos dos artigos 1º, 6º, 9º e 13º».

Ora, nos artigos 9º e 13º – relativos à reserva de lugares públicos identificados e delimitados e à protecção de segurança de sedes de órgãos de soberania e de outras instalações sensíveis – informa-se textualmente que essas autoridades são as «referidas no artigo 2º» (ou «no nº 1 do artigo 2º», como diz o artigo 13º), ou seja, «o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito». Daqui decorre que serão também essas autoridades «referidas no artigo 2º» as que podem proibir reuniões ou manifestações contrárias aos fins permitidos por lei (nos termos do artigo 1º) ou que podem ordenar a alteração dos trajectos de desfiles ou cortejos (nos termos do artigo 6º).

Já quanto à interrupção de reuniões ou manifestações em curso, com base em desvio relativo aos fins, o legislador não declara expressamente que entidade pode dar a respectiva ordem de interrupção (ou de consequente dispersão de manifestação) ([43]), mas afigura-se líquido que a mesma só pode ser concretizada por autoridades que as acompanhem no local – e que, por isso, podem «lavrar auto em que descreverão “os fundamentos” da ordem de interrupção, entregando cópia desse auto aos promotores», nos termos do nº 2 do artigo 5º. Do que se infere que essa interrupção estará a cargo de autoridades policiais de segurança (PSP, GNR), ou seja, as que têm, como vimos, funções de manutenção da ordem e segurança públicas.

Esta leitura dos preceitos legais que prevêem as figuras do impedimento e da interrupção foi, aliás, já sustentada por este corpo consultivo, ainda no Parecer nº 40/89, da forma seguinte:

«A economia do diploma em análise distingue claramente dois tipos de actuação: o impedimento e a interrupção.
O impedimento, ou seja, a proibição prévia da reunião, apenas é possível nos termos dos artigos 3º, nº 2 (…), e 13º (…).
O governador civil, como o presidente da câmara, deve proibir as reuniões para fins contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas, à ordem e tranquilidade pública ou que ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas e poderão proibir que as reuniões se realizem a menos de 100 metros das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de represen­tações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos.
Feito o aviso prévio, nos termos do artigo 2º do diploma, ao governador civil ou ao presidente da câmara, conforme o local de aglomeração se situe ou não na capital do distrito, estas autorida­des devem analisar o objecto e o local de reunião e decidir se a situação desenhada obriga a impedir ou condicionar, entendendo-se que não são levantadas quaisquer objecções se elas não forem entregues por escrito nas moradas indicadas pelos promotores no prazo de vinte e quatro horas.
Se a reunião não foi proibida, ela poderá ser interrompida nos termos do artigo 5º, por se ter desviado da finalidade ou, nos termos do artigo 11º, se se prolongar para além das 0.30 horas.
Nestas hipóteses, como nos casos de reunião proibida pelo governador civil ou presidente da câmara, a que devem ser equiparadas as reuniões celebradas sem aviso prévio, competirá às autoridades policiais evitar que a situação de ilegalidade perma­neça, dando a ordem de interrupção e de dispersão.
Saber quais são os órgãos encarregados da actividade de polícia excede a economia deste parecer (-); como já reconhecia Marcello Caetano (-), são em grande número os órgãos administrativos com funções de autoridade policial.
Sublinhe-se apenas que a ordem de interrupção e dispersão competirá à autoridade policial que tiver a responsabilidade de assegurar a defesa da legalidade democrática e de garantir a segu­rança interna e os direitos dos cidadãos no quadro circunstancial de tempo e lugar onde o acto se desenrole.
Como regra, essa ordem será emanada do comandante da força policial destacada para o local da reunião e, se não for acatada, será executada pelos elementos sob as suas ordens.
(…)
Das normas estatutárias da Polícia de Segurança Pública (-) e da Guarda Nacional Republicana (-) deduz-se que estas instituições estão especialmente vocacionadas para, e através dos seus órgãos próprios, agirem neste contexto (…).»

Assente a possibilidade de as autoridades administrativas proibirem reuniões ou manifestações, nas condições supra referidas, forçoso é concluir que essas entidades não são meras receptoras da notícia dos respectivos eventos, consubstanciada na comunicação prévia, não lhes cabendo apenas um mero controlo formal dos seus requisitos.

Antes têm um poder efectivo de proibir ou permitir reuniões ou manifestações, dentro dos parâmetros legais definidos nos artigos 3º, nº 2, e 13º do Decreto-Lei nº 406/74 – o que exige a formulação de um juízo sobre a contrariedade à lei lato sensu dos fins por aquelas prosseguidos (no caso do artigo 3º, nº 2) ou sobre as necessidades de segurança que obstem à sua realização na proximidade de sedes de órgãos de soberania e de outras instalações sensíveis (na hipótese do artigo 13º).

Note-se, porém, que estas «objecções» das autoridades administrativas referidas no artigo 2º (governadores civis e presidentes de câmaras municipais) revestem ainda, à luz do já descrito conceito de polícia, a natureza de medidas de polícia (integradas na modalidade de polícia administrativa em sentido estrito), pelo que também o exercício do aludido poder de proibir ou permitir reuniões ou manifestações deve atender a um critério de proporcionalidade.

Isso mesmo se reconheceu no já mencionado Parecer nº 40/89:

«A intervenção das autoridades competentes, admitida pelo Decreto-Lei nº 406/74, compreende-se quando teleologicamente orientada para a harmonização e maximização do exercício de direitos eventualmente conflituantes.
Deseja-se que o exercício do direito de reunião se desenvolva com o mínimo de compressão, mesmo que isso acarrete algum sacrifício de outros “bens” ou interesses igualmente protegidos (-).
Mas a defesa destes outros bens e interesses – a lei, a moral, os direitos das pessoas singulares ou colectivas, a ordem e a tranquilidade públicas – poderá exigir, outrossim, a constrição do direito de reunião.
Estudando essa eventual conflitualidade, a autoridade que recebe o aviso deve reagir, providenciando para que o exercício dos direitos concorrentes se venha a fazer com equilíbrio e com sacrifício tendencialmente proporcional.
O diploma em questão previne, aliás, exemplificativamente algumas dessas hipóteses, permitindo a intervenção das autoridades para repor esse equilíbrio e minimizar a perturbação causada com o exercício do direito de reunião: desde o nível máximo da interdição de reuniões contrárias à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas ou que ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas (artigo 1º), e da interrupção daquelas que forem afastadas da sua finalidade (artigo 5º, nº 1), passando pela alteração dos trajectos programados (artigo 6º), até à fixação das horas dos cortejos, desfiles e reuniões (artigos 4º e 11º).
(…)
Elementar será que as “objecções” e “condicionamentos” se fundem na salvaguarda do equilíbrio dos interesses em jogo.
Registe-se, aliás, que estas decisões das autoridades podem ser impugnadas, em recurso para os tribunais ordinários, a interpor no prazo de quinze dias – nº 1 do artigo 14º.
E a questão nuclear que em sede do recurso se poderá colocar será, no fundo, saber se as medidas tomadas pela autoridade não impõem uma restrição excessiva e violam consequentemente as liberdades públicas (-).
A legalidade da medida está subordinada à sua necessidade, eficácia e proporcionalidade (…).»

Este modelo de valoração não poderá, pois, deixar de estar presente na análise das questões suscitadas.


5. Carece ainda de menção a exigência constitucional do carácter pacífico e sem armas da reunião ou manifestação.

Essa limitação repercute-se directamente no artigo 8º do Decreto--Lei nº 406/74, onde se estabelece que «[a]s pessoas que forem surpreendidas armadas em reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público incorrerão nas penalidades do crime de desobediência, independentemente de outras sanções que caibam ao caso» (nº 1), devendo os promotores «pedir as armas aos portadores delas e entregá-las às autoridades» (nº 2).

Mas o conceito de pacificidade vai para além da mera não detenção de armas.

Desde logo, não é claro o conceito de arma aqui utilizado. Segundo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA são “armas” «não apenas as abrangidas pelo conceito penal (armas de fogo, armas de arremesso), mas também outros objectos tipicamente utilizados como armas em manifestações (correntes, bastões, etc.)» ([44]). E questionam-se sobre se as armas defensivas (elmos, escudos e máscaras) integram a «cláusula de proibição», respondendo negativamente, «salvo quando isso tornar evidente a ausência de “carácter pacífico”» ([45]). Já MIRANDA DE SOUSA sustenta ser arma «todo o objecto susceptível de ser utilizado como meio de agressão física de pessoas ou bens destituído de qualquer aptidão para servir de veículo de expressão espiritual das ideias dos manifestantes» ([46]).

Por outro lado, parece seguro que poderá haver carência de pacificidade mesmo na ausência de armas.

Assim o defendem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA: «O carácter pacífico não resulta necessariamente da “ausência de armas”, pois uma reunião pode assumir carácter não pacífico mesmo quando os participantes não possuem quaisquer armas. Todavia, só se pode dar por não verificado o pressuposto constitucional da “pacificidade” quando a reunião ou manifestação assumir carácter violento e tumultuoso. Não basta, pois, a previsão ou prognose de violências ou de tumultos por parte das autoridades para legitimar a ordem de proibição de reunião. A caracterização de uma reunião como tumultuosa ou violenta deve assentar em fac­tos, ou seja, na verificação de actos violentos da maioria ou globalidade dos partici­pantes da reunião contra terceiros, ou entre a maioria dos participantes da reunião.» ([47])

Por sua vez, também MIRANDA DE SOUSA considera não pacífica a manifestação «cujos participantes, pondo de lado a forma verbal de dar expressão às suas ideias, pretendam exprimi-las adoptando comportamentos de facto, praticando acções directamente lesivas dos direitos de terceiros, sobretudo se estiver em causa a respectiva integridade física ou os seus bens patrimoniais» ([48]).

Estes considerandos doutrinários permitem ainda deduzir um outro fundamento do exercício do poder de proibir ou permitir reuniões ou manifestações, que acresce aos já identificados dos artigos 3º, nº 2, e 13º do Decreto-Lei nº 406/74 – o do carácter violento da reunião ou manifestação.

Essa possibilidade de proibição prévia (ou impedimento) encontra, aliás, apoio legal no nº 1 do artigo 1º do diploma em apreço, quando proclama que «[a] todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos» – donde, a contrario, poderá ser proibida a reunião (ou manifestação) que assuma carácter não pacífico.

Porém, sublinhe-se – na senda de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA – que não basta a mera prognose da violência, por parte da autoridade competente, para legitimar a ordem de proibição: é preciso haver factos, ou seja, haver alguma certeza quanto à violência, o que provavelmente só se apurará já no decurso da reunião ou manifestação. Trata-se ainda, afinal, de uma concretização prática da aludida ideia de proporcionalidade: perante um direito fundamental de liberdade, como é o direito de reunião (e de manifestação), as restrições ao seu exercício devem ter lugar segundo um justo equilíbrio de valores.

E acrescente-se: também não basta a mera prognose da prática de crimes para fundar o impedimento. Desde logo porque, pelo mesmo critério de proporcionalidade já enunciado, sempre seria necessária uma razoável segurança quanto à verificação desses crimes.

Mas, independentemente disso, tenha-se presente que a noção de violência surge aqui em sentido corrente, associada à lesão da integridade física ou de bens patrimoniais – o que não abrange todo o espectro de crimes passíveis de serem cometidos durante uma reunião ou manifestação. A prática dos crimes que escapem a essa noção não permite fundamentar o impedimento por via do pressuposto constitucional e legal da pacificidade, sem prejuízo da responsabilidade criminal que no caso couber. Como dizem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «não existe qualquer privilégio ou imunidade de reunião ou de manifestação, pelo que as infracções ocorridas durante ou no decurso delas (v.g., danos, injúrias, etc.) ficam sujeitas à competente responsabilidade. O que não podem é, só por si, determinar a dispersão da reunião ou manifestação pela força» ([49]).

Em todo o caso, não se pode olvidar a possibilidade de proibição conferida pelo nº 2 do artigo 3º do Decreto-Lei nº 406/74, e fundada na contrariedade à lei dos fins prosseguidos pelas reuniões ou manifestações que estiverem em causa. Com efeito, surge como evidente que a prática de um crime constitui acto contrário à lei – pelo que uma reunião ou manifestação que tenha como finalidade inequívoca o cometimento de um crime apresenta claramente um «objecto ou fim [que] contrari[a] o disposto no artigo 1º», ou seja, que se mostra, designadamente, «contrário (…) à lei». Tanto basta para atribuir às autoridades competentes o poder de impedir as respectivas reuniões ou manifestações.


6. Posto isto, e munidos dos elementos normativos, doutrinais e interpretativos que fomos coligindo, cabe passar à concreta apreciação das questões apresentadas na consulta.



IV


1. As quatro perguntas do primeiro núcleo de questões prendem- -se com a averiguação dos poderes dos governadores civis quanto ao exercício do direito de manifestação. Na primeira quer-se saber se esse exercício depende de autorização dos governadores civis (ou de outras entidades) ou se estes apenas fazem um mero controlo formal dos respectivos requisitos. Na segunda indaga-se sobre se os governadores civis (ou outras entidades) podem proibir uma manifestação e com que fundamentos. Na terceira trata-se de apurar se a provável prática do crime do artigo 240º do Código Penal serve de fundamento a essa proibição. A quarta questão só carecerá de averiguação se as respostas às anteriores forem negativas – e procura apurar se será possível uma intervenção judicial em caso de uma eventual carência de poderes dos governadores civis em matéria de proibição de manifestações.

No segundo núcleo de questões, surge ainda uma primeira pergunta que decorre das anteriores – e que tem a ver com a possibilidade de intervenção policial sobre a própria manifestação que não tenha sido proibida, mas em que se verifique a prática de crimes. Essa questão será tratada em conexão com as quatro primeiras.

As restantes questões formam um segundo feixe de perguntas, mais ligadas à actuação das autoridades policiais sobre os próprios participantes de manifestações em que tenha lugar a prática de crimes, individualmente considerados, com vista à sua responsabilização criminal.

Comecemos pelo primeiro feixe de questões.


2. Como vimos, é absolutamente vedada pela Constituição a existência de uma autorização prévia concedida por qualquer entidade relativamente ao exercício do direito de reunião ou de manifestação – pelo que à parte inicial da primeira questão se responderá, liminarmente, em sentido negativo.

Existe, no entanto, a necessidade de uma comunicação prévia por parte dos promotores de reuniões e manifestações às autoridades competentes (governador civil do distrito ou presidente da câmara municipal), imposta pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/74, e que não contende, já o dissemos, com a proibição constitucional de autorização prévia.

Ora, essa comunicação prévia – que deve «conter a indicação da hora, do local e do objecto da reunião e, quando se trate de manifestações ou desfiles, a indicação do trajecto a seguir» (artigo 3º, nº 1) – permite àquelas entidades exercer os poderes de controlo conferidos por lei, entre os quais o poder de proibir ou permitir reuniões ou manifestações, dentro dos parâmetros legais definidos nos artigos 3º, nº 2, e 13º do Decreto-Lei nº 406/74.

Atenhamo-nos à actuação, neste domínio, dos governadores civis – aos quais se reporta directamente a consulta.

2.1. Importa aqui atender ao actual estatuto dos governadores civis, com vista a um melhor enquadramento desta vertente da sua esfera de acção.

Segundo o artigo 291º da Constituição, «[e]nquanto as regiões administrativas não estiverem concretamente instituídas, subsistirá a divisão distrital no espaço por elas não abrangido» (nº 1), pelo que continuará, nessa medida, a existir a figura do governador civil, a quem compete «representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito» (nº 3). Quanto ao actual estatuto dos governadores civis, rege o Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro ([50]), que «[d]efine o estatuto e a competência dos governadores civis e aprova o regime dos órgãos e serviços que deles dependem» ([51]).

Nos termos do artigo 4º desse diploma, o governador civil exerce competências nos domínios de: «a) Representação do Governo; b) Aproximação entre o cidadão e a Administração; c) Segurança pública; d) Protecção civil». Sobre as «[c]ompetências no exercício de funções de segurança e de polícia» dispõe o artigo 4º-D, como resulta da respectiva epígrafe. Dele salienta-se o seu nº 3, que se refere aos poderes relativos à «manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas», entre os quais se destacam os de: «a) Requisitar, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandos da PSP e da GNR, instaladas no distrito»; e «c) Aplicar as medidas de polícia e as sanções contra-ordenacionais previstas na lei».

Consequentemente, no exercício dessas funções de polícia, podem os governadores civis requisitar, se necessário, a intervenção das forças de segurança (PSP, GNR).

Sobre o estatuto dos governadores civis pronunciou-se já este Conselho Consultivo, em diferentes ocasiões, particularmente nos Pareceres nos 162/2003 e 31/2005 ([52]), a que passamos a recorrer.

No primeiro afirma-se, designadamente, que a aplicação pelo governador civil de medidas de polícia constitui «competência co-natural ao respectivo estatuto jurídico, reafirmada nas recentes alterações ao Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, cujo artigo 4º-D, nº 3, alínea c) (-), atribui ao governador civil, no exercício de funções de segurança e de polícia, competência para providenciar pela manutenção ou reposição da ordem, da segurança e tranquilidade públicas, podendo, para o efeito, aplicar as medidas de polícia e as sanções contra-ordenacionais previstas na lei». E remata assim: «Ponto é que seja respeitado o condicionalismo legalmente previsto para a sua aplicação, maxime o princípio da proibição do excesso, nas suas vertentes de necessidade, exigibilidade e proporcionalidade.»

Esta perspectiva foi vertida na conclusão 4ª do parecer nos seguintes termos: «A adopção pelo governador civil de medidas de polícia está subordinada aos pressupostos e limites que condicionam a actividade de polícia administrativa, com relevo para o princípio da proibição do excesso».

Já no segundo parecer salienta-se a condição de magistrado administrativo do governador civil, fazendo notar que, «[n]o nosso Direito Administrativo, dá-se tradicionalmente a designação honorífica de magistrados administrativos aos delegados do Governo nas circunscrições administrativas, que actuam como órgãos locais da administração geral e comum do Estado», ao mesmo tempo que se estabelece uma ligação necessária dessa condição ao exercício de atribuições policiais.

O que permitiu formular a conclusão 5ª do parecer deste modo: «Enquanto não forem instituídas as regiões administrativas, o governador civil é, no território do continente, um magistrado administrativo, o único órgão local da administração geral e comum do Estado, exercendo na circunscrição distrital funções de representação do Governo, aproximação entre o cidadão e a Administração, segurança pública e protecção civil».

Recorde-se que no Código Administrativo de 1940 – que regia anteriormente, através dos artigos 404º a 415º, acerca do estatuto dos governadores civis, até à sua revogação operada pelo Decreto-Lei nº 252/92 (artigo 29º) ([53]) – se definia expressamente o governador civil como magistrado administrativo (artigo 404º), distinguindo uma esfera de competência como magistrado administrativo propriamente dito (artigo 407º) e outra como autoridade policial (artigo 408º). E entre as suas competências como autoridade policial do distrito figurava a de «[e]xercer, quanto a reuniões públicas, as atribuições que lhe forem conferidas por lei» (nº 3º do corpo do artigo 408º) ([54]).

Apesar das alterações relevantes que sofreu o estatuto dos governadores civis na vigência da actual ordem constitucional e com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 252/92 (e alterações posteriores), esse modelo anterior do cargo não se modificou radicalmente, podendo continuar a afirmar-se a respectiva condição de magistrado administrativo e a inerência de funções de segurança e de polícia ([55]) – nas quais é possível inscrever os poderes conferidos, quanto a reuniões e manifestações, pelo Decreto-Lei nº 406/74.

É certo que o Decreto-Lei nº 252/92 já não faz menção expressa ao exercício de atribuições relativas a «reuniões públicas», contrariamente ao que sucedia com o Código Administrativo, mas essas atribuições integram naturalmente a referência do artigo 4º-D, nº 3, alínea c), à aplicação de «medidas de polícia (…) previstas na lei».

2.2. Enquadrado o exercício dos poderes conferidos pelo Decreto--Lei nº 406/74, designadamente aos governadores civis, nos conceitos de polícia administrativa e de medidas de polícia, cumpre precisar melhor o conteúdo desses poderes.

Já vimos que as «autoridades competentes» referidas no artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/74 não se limitam a um mero controlo formal dos requisitos das reuniões ou manifestações, antes lhes cabendo um poder efectivo de as proibir ou permitir, dentro dos parâmetros legais definidos nos artigos 3º, nº 2, e 13º do Decreto-Lei nº 406/74 – e com isto estamos já no âmbito da segunda questão da consulta.

Das disposições legais citadas resulta que os governadores civis podem impedir a realização de reuniões ou manifestações que tenham fins contrários «à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas» ou que «ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas» (artigo 1º, nos 1 e 2, ex vi do artigo 3º, nº 2), bem como as que se pretenda realizar «em lugares públicos situados a menos de 100 m das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acampamentos militares ou de forças militarizadas, dos estabelecimentos prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e das sedes de partidos políticos» (artigo 13º) ([56]). Estes, pois, os fundamentos que podem ser invocados pelos governadores civis na formulação da respectiva proibição.

Mas, como se salientou, tal implica a formulação pelos governadores civis de um juízo sobre a contrariedade à lei lato sensu dos fins prosseguidos pelas reuniões ou manifestações (artigo 3º, nº 2) ou sobre as necessidades de segurança que obstem à sua realização na proximidade de sedes de órgãos de soberania e de outras instalações sensíveis (artigo 13º). Em todo o caso, a formulação desse juízo – enquanto dirigido à produção de uma ordem de proibição, que reveste a natureza de medida de polícia – deve atender a critérios de necessidade, eficácia e proporcionalidade.

2.3. Em concreto, coloca-se a questão de saber se é suficiente, para a proibição, a mera previsão de que numa manifestação virá a ocorrer a prática do crime do artigo 240º do Código Penal – o que essencialmente se inquire na terceira pergunta.

2.3.1. Está aqui em causa um tipo legal de crime que se integra no Título III da Parte Especial do Código Penal, com a epígrafe «Dos crimes contra a paz e a humanidade», cabendo ao respectivo preceito legal a epígrafe «Discriminação racial ou religiosa» e o seguinte teor ([57]):

«Artigo 240º
(Discriminação racial ou religiosa)

1 – Quem:
a) Fundar ou constituir organização ou desenvolver actividades de propaganda organizada que incitem à discriminação, ao ódio ou à violência raciais ou religiosas, ou que a encorajem; ou
b) Participar na organização ou nas actividades referidas na alínea anterior ou lhes prestar assistência, incluindo o seu financiamento;
é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 – Quem, em reunião pública, por escrito destinado a divulgação ou através de qualquer meio de comunicação social:
a) Provocar actos de violência contra pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião; ou
b) Difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião, nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade;
com intenção de incitar à discriminação racial ou religiosa ou de a encorajar, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.»

O presente tipo legal partilha das características assinaladas na doutrina para os crimes do Título referido. Trata-se de crime «contra a comunidade internacional, a qual é verdadeiramente o bem jurídico cuja tutela se pretende», estando incluído na categoria dos «crimes internacionais em sentido estrito», que, ao ser previsto no Código Penal, assim foi integrado no direito interno ([58]). Mais especificamente, o bem jurídico tutelado no preceito é «a igualdade entre todos os cidadãos do mundo, independentemente da raça, da cor, da origem étnica ou nacional ou religião» ([59]).

Independentemente disso, a prática desse crime no decurso de uma manifestação apenas será concebível nas hipóteses delineadas no nº 2 do artigo 240º, enquanto se refere a uma actuação desenvolvida «em reunião pública» (e com eventual divulgação na comunicação social), que consistirá, em regra, na verbalização de uma mensagem discriminatória, através da difamação ou injúria de pessoa ou pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião [alínea b)] ([60]). Mas não bastará essa mera exteriorização de difamações ou injúrias (i.e., com dolo), já que, ao nível do tipo subjectivo de ilícito, «estamos perante um crime de intenção específica, uma vez que se exige que o agente actue com intenção de incitar à discriminação racial ou religiosa ou de a encorajar (dolo específico)» ([61]) – o que suscita especiais exigências em matéria de prova, no plano subjectivo ([62]).

2.3.2. Relembre-se que a prática de um crime constitui acto contrário à lei, pelo que se torna possível à autoridade competente (designadamente, ao governador civil) proibir uma reunião ou manifestação com fundamento em esta apresentar um objecto contrário à lei, ao abrigo do artigo 1º, ex vi do artigo 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 406/74.

Mas, como vimos, afigura-se indispensável que essa previsão quanto à prática do crime assente numa considerável certeza de verificação do facto típico. Assim decorre do critério de proporcionalidade que se impõe neste domínio: não é razoável limitar o exercício de um direito basilar do Estado de direito democrático, como é o direito de reunião ou manifestação, apenas com base numa mera presunção de ocorrência de um crime no decurso do evento.

Em todo o caso, a formulação desse juízo de prognose e da (eventual) decisão de proibição cabe, em rigor, à autoridade competente (designadamente, ao governador civil) – sem prejuízo do direito de recurso dos promotores, ao abrigo do artigo 14º do Decreto-Lei nº 406/74.

Refira-se, no entanto, que uma previsão segura de verificação de um crime, se poderá ser possível com alguns tipos legais de subsunção mais linear, vem a mostrar-se mais improvável quando esteja em causa a eventual prática do crime do artigo 240º do Código Penal, atenta a aludida dificuldade na demonstração do preenchimento do tipo legal, no plano subjectivo ([63]).

Nesse caso, a falibilidade da prognose poderia, ainda assim, ser colmatada se da indicação do objecto da manifestação constante da comunicação prévia resultasse, inequivocamente, a disposição, por parte dos manifestantes, de virem a praticar aquele crime – embora não seja crível que os promotores o anunciem no próprio aviso prévio ([64]).

Concede-se, porém, que essa razoável certeza poderá ainda basear-se num quadro indiciário relevante, desde que objectivamente fundado, como será o do resultado de anteriores manifestações convocadas pelos mesmos promotores (v.g., se nestas houve já efectiva prática do crime em apreço) ou o da filiação ideológica dos promotores (v.g., se perfilham ideologia assente na apologia do racismo ou da violência).

Quanto a este último ponto, assinale-se a existência de uma proibição constitucional, no quadro do direito de associação, de organizações que perfilhem a ideologia fascista (artigo 46º, nº 4) ([65]), complementada por um regime legal ínsito na Lei nº 64/78, de 6 de Outubro, cujo artigo 3º procura definir o que seja uma organização fascista nos seguintes termos:

«Artigo 3º

1 – Para o efeito do disposto no presente decreto, considera-se que perfilham a ideologia fascista as organizações que, pelos seus estatutos, pelos seus manifestos e comunicados, pelas declarações dos seus dirigentes ou responsáveis ou pela sua actuação, mostrem adoptar, defender, pretender difundir ou difundir efectivamente os valores, os princípios, os expoentes, as instituições e os métodos característicos dos regimes fascistas que a História regista, nomeadamente o belicismo, a violência como forma de luta política, o colonialismo, o racismo, o corporativismo ou a exaltação das personalidades mais representativas daqueles regimes.
2 – Considera-se, nomeadamente, que perfilham a ideologia fascista as organizações que combatam por meios antidemocráticos, nomeadamente com recurso à violência, a ordem constitucional, as instituições democráticas e os símbolos da soberania, bem como aquelas que perfilhem ou difundam ideias ou adoptem formas de luta contrária à unidade nacional.» ([66])

Porém, não pode extrapolar-se dessa proibição de organizações fascistas para uma directa proibição de reuniões ou manifestações de inspiração ideológica fascista. Como afirmam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, «a Constituição proíbe as organizações fascistas, mas não legitima a criação de qualquer delito de opinião» – ou seja, como decorrência da liberdade de expressão consagrada no artigo 37º da Constituição, «[p]odem defender-se ideias fascistas; o que não se pode é fundar organizações fascistas» ([67]).

Donde, a proibição desse tipo de reuniões ou manifestações terá sempre de encontrar o seu fundamento numa presunção segura de que a sua inspiração ideológica fascista redundará na prática de crimes no seu decurso (v.g., contra a integridade física ou de discriminação racial).

2.4. Respondida afirmativamente, ainda que de forma condicionada, a terceira questão do primeiro núcleo, fica prejudicada a quarta pergunta, que pressupunha respostas negativas às anteriores questões.

Aí se indagava da possibilidade de intervenção judicial (eventualmente por iniciativa dos governadores civis) em matéria de proibição de manifestações em relação às quais se previsse fundadamente a ocorrência da prática de crimes.

Ora, já vimos como esse poder de proibir radica em autoridades administrativas. A intervenção judicial apenas se encontra prevista, no regime legal do direito de reunião e de manifestação, em sede de recurso, ao abrigo do artigo 14º do Decreto-Lei nº 406/74.

A este propósito, resta simplesmente salientar – como já foi feito no Parecer nº 40/89 – que «a questão nuclear que em sede do recurso se poderá colocar será, no fundo, saber se as medidas tomadas pela autoridade não impõem uma restrição excessiva e violam consequentemente as liberdades públicas», à luz de critérios de necessidade, eficácia e proporcionalidade.

2.5. Cumpre agora equacionar quais os procedimentos possíveis perante manifestações que, por falta de fundamento bastante, não tenham sido objecto de proibição prévia, mas nas quais ocorra a efectiva prática de crimes – o que nos remete para a primeira das questões do segundo núcleo formulado na consulta.

Ora, já assinalámos supra que as autoridades policiais (PSP, GNR) podem interromper a realização de tais manifestações e ordenar a sua dispersão, ao abrigo do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 406/74, ou seja, «quando forem afastados da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no nº 2 do artigo 1º» – desde que tal medida de polícia se afigure adequada segundo um critério de proporcionalidade.

Nessa ponderação é relevante, por exemplo, o índice de comunicabilidade da conduta criminal ao conjunto dos manifestantes. Não será razoável a dispersão de uma manifestação quando a conduta criminal se restringe a um grupo limitado de manifestantes ([68]).

E na execução da ordem de dispersão também devem ser usadas determinadas cautelas na relação com os manifestantes, de modo a evitar que a manifestação degenere em motim ou na prática de outros crimes graves – de novo como decorrência do princípio da proporcionalidade ([69]).


3. Esgotado o primeiro feixe de questões, cumpre transitar para as três últimas perguntas que têm a ver com a actuação das autoridades policiais perante os manifestantes, enquanto eventuais autores, no decurso de manifestação, de crimes como o do artigo 240º do Código Penal. Trata-se, afinal, de apurar os poderes-deveres que assistem às autoridades policiais nesse contexto.

Pretende-se, em síntese, saber se, em relação a esses eventuais autores, se pode identificar, deter, adoptar medidas cautelares e instaurar procedimento criminal (de imediato ou posteriormente; pelas autoridades policiais ou outras).

3.1. Neste ponto, há, desde logo, que relembrar as já citadas palavras de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, no sentido de que «não existe qualquer privilégio ou imunidade de reunião ou de manifestação, pelo que as infracções ocorridas durante ou no decurso delas (…) ficam sujeitas à competente responsabilidade» ([70]).

Isto significa que não existem quaisquer especialidades relativamente ao cometimento de um crime no âmbito de uma manifestação e, designadamente, na presença das autoridades policiais. Em particular, quanto ao crime do artigo 240º do Código Penal, haverá apenas que atender, por um lado, à sua natureza de crime público [i.e., que não depende de queixa ou de acusação particular ([71])] e, por outro, às exigências típicas para o seu preenchimento já supra assinaladas (que o tornam um crime de mais difícil ocorrência).

Os agentes policiais devem, pois, actuar tal como fazem (ou devem fazer) em relação a qualquer crime que presenciem – ou seja, simplesmente cumprirem a lei.

Perante isto, a resposta ao conjunto das questões formuladas só pode ser genericamente afirmativa ([72]). É óbvio que as autoridades policiais podem identificar, deter, adoptar medidas cautelares e instaurar procedimento criminal – desde que o façam dentro dos parâmetros legais concernentes.

Seria fastidioso enunciar todas as regras do processo penal aplicáveis aos procedimentos devidos pelas autoridades policiais diante da prática de um crime, mas a benefício do objecto da consulta sempre se destacará um elenco dos preceitos legais mais relevantes, a par de alguns excertos de anteriores pareceres deste Conselho ([73]) que, de uma forma ou de outra, procederam a uma descrição mais alargada do actual regime processual penal ([74]), com especial incidência nos temas da notícia do crime (artigos 241º a 247º do CPP), das medidas cautelares e de polícia (artigos 248º a 253º) e da detenção (artigos 254º a 261º).

3.2. O actual Código de Processo Penal ([75]) estabelece um quadro mais ou menos preciso das relações entre as autoridades judiciárias e as autoridades policiais [designadas no diploma como órgãos de polícia criminal ([76])], que nos permite fazer luz sobre a forma como as autoridades policiais devem actuar em relação aos participantes de manifestações que cometam crimes no seu decurso.

Passemos a conhecer os seus preceitos com mais interesse para a percepção das questões ainda em aberto.

3.2.1. Em matéria de notícia do crime, atente-se nas seguintes disposições do CPP:

«Artigo 241º
(Aquisição da notícia do crime)

O Ministério Público adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia, nos termos dos artigos seguintes.»

«Artigo 242º
(Denúncia obrigatória)

1 – A denúncia é obrigatória, ainda que os agentes do crime não sejam conhecidos:
a) Para as entidades policiais, quanto a todos os crimes de que tomarem conhecimento;
b) Para os funcionários, na acepção do artigo 386º do Código Penal, quanto a crimes de que tomarem conhecimento no exercício das suas funções e por causa delas.
2 – (…)
3 – O disposto nos números anteriores não prejudica o regime dos crimes cujo procedimento depende de queixa ou de acusação particular.»



«Artigo 243º
(Auto de notícia)

1 – Sempre que uma autoridade judiciária, um órgão de polícia criminal ou outra entidade policial presenciarem qualquer crime de denúncia obrigatória, levantam ou mandam levantar auto de notícia, onde se mencionem:
a) Os factos que constituem o crime;
b) O dia, a hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido; e
c) Tudo o que puderem averiguar acerca da identificação dos agentes e dos ofendidos, bem como os meios de prova conhecidos, nomeadamente as testemunhas que puderem depor sobre os factos.
2 – O auto de notícia é assinado pela entidade que o levantou e pela que o mandou levantar.
3 – O auto de notícia é obrigatoriamente remetido ao Ministério Público no mais curto prazo e vale como denúncia.
4 – (…)»

«Artigo 244º
(Denúncia facultativa)

Qualquer pessoa que tiver notícia de um crime pode denunciá-lo ao Ministério Público, a outra autoridade judiciária ou aos órgãos de polícia criminal, salvo se o procedimento respectivo depender de queixa ou de acusação particular.»

A disciplina das medidas cautelares e de polícia, na parte que ora releva, assenta, essencialmente, nos preceitos que se passa a citar:

«Artigo 248º
(Comunicação da notícia do crime)

1 – Os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime, por conhecimento próprio ou mediante denúncia, transmitem-na ao Ministério Público no mais curto prazo.
2 – (…)»

«Artigo 249º
(Providências cautelares quanto aos meios de prova)

1 – Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2 – Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no artigo 171º, nº 2, e no artigo 173º, assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares;
b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;
c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos.
3 – (…)»

«Artigo 250º
(Identificação de suspeito e pedido de informações)

1 – Os órgãos de polícia criminal podem proceder à identificação de qualquer pessoa encontrada em lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial, sempre que sobre ela recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes, da pendência de processo de extradição ou de expulsão, de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou de haver contra si mandado de detenção.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
5 – (…)
6 – Na impossibilidade de identificação nos termos dos nos 3, 4 e 5, os órgãos de polícia criminal podem conduzir o suspeito ao posto policial mais próximo e compeli-lo a permanecer ali pelo tempo estritamente indispensável à identificação, em caso algum superior a seis horas, realizando, em caso de necessidade, provas dactiloscópicas, fotográficas ou de natureza análoga e convidando o identificando a indicar residência onde possa ser encontrado e receber comunicações.
7 – (…)
8 – (…)
9– (…)»

«Artigo 251º
(Revistas e buscas)

1 – Para além dos casos previstos no artigo 174º, nº 4, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:
a) À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que de outra forma poderiam perder- -se;
b) (…)
2 – (…)»

Sobre a detenção, rege, com especial significado para o tema da consulta, a seguinte normação:

«Artigo 254º
(Finalidades)

1 – A detenção a que se referem os artigos seguintes é efectuada:
a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; (…)
b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual.
2 – (…)»

«Artigo 255º
(Detenção em flagrante delito)

1 – Em caso de flagrante delito, por crime punível com pena de prisão:
a) Qualquer autoridade judiciária ou entidade policial procede à detenção;
b) (…)
2 – (…)
3 – Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de queixa, a detenção só se mantém quando, em acto a ela seguido, o titular do direito respectivo o exercer. Neste caso, a autoridade judiciária ou a entidade policial levantam ou mandam levantar auto em que a queixa fique registada.
4 – Tratando-se de crime cujo procedimento dependa de acusação particular, não há lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor.»

«Artigo 257º
(Detenção fora de flagrante delito)

1 – Fora de flagrante delito, a detenção só pode ser efectuada por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público.
2 – As autoridades de polícia criminal podem também ordenar a detenção fora de flagrante delito, por iniciativa própria, quando:
a) Se tratar de caso em que é admissível a prisão preventiva;
b) Existirem elementos que tornem fundado o receio de fuga; e
c) Não for possível, dada a situação de urgência e de perigo na demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária.»

«Artigo 259º
(Dever de comunicação)

Sempre que qualquer entidade policial proceder a uma detenção, comunica-a de imediato:
a) Ao juiz do qual dimanar o mandado de detenção, se esta tiver a finalidade referida na alínea b) do artigo 254º;
b) Ao Ministério Público, nos casos restantes.»

3.2.2. Caracterizando as supra aludidas relações entre as autoridades judiciárias (em particular, o Ministério Público) e as autoridades policiais, exprime-se assim o Parecer nº 63/91:

«Compete especialmente ao Ministério Público exercer a acção penal, dirigir a investigação criminal, ainda quando realizada por outras entidades, promover e cooperar em acções de prevenção criminal e fiscalizar a actividade processual dos órgãos de polícia criminal (…).
(…)
A direcção do inquérito – que compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas – cabe ao Ministério Público, que pratica os actos e assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades do inquérito (artigos 262º, nº 1, 263º e 267º do CPP).
O facto de a direcção do inquérito pertencer ao Ministério Público não significa que a investigação criminal seja por ele directa e materialmente realizada, até porque esta actividade exige “o domínio de técnicas, o conhecimento de variáveis estratégicas e a disponibilidade de recursos logísticos que são geralmente atributo dos órgãos de polícia criminal” (x).
Por isso, o Ministério Público é assistido pelos órgãos de polícia criminal, que actuam sob a sua directa orientação e na sua dependência funcional (artigos 55º, nº 1, 56º e 263º).
(…)
O referido poder de direcção significa que o Ministério Público deve poder intervir e controlar todos os actos de investigação relativos às infracções penais que são objecto de inquérito ainda que, em concreto, sejam realizadas pelos órgãos de polícia criminal (x1).
(…)
Os órgãos de polícia criminal intervêm no processo naturalmente em razão da sua organização e capacidade técnica, como “auxiliares processuais” ou “sujeitos processuais acessórios” (x2).
Compete-lhes, em geral, coadjuvar as autoridades judiciárias com vista à realização das finalidades do processo e, em especial, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova (artigo 55º, nos 1 e 2).
Como diz Figueiredo Dias (x3), a polícia criminal tem competência para actos próprios, de iniciativa própria (artigo 55º, nº 2), dispondo, para tanto, dos respectivos poderes – as chamadas medidas cautelares e de polícia (-).
(…) Medidas que são próprias do processo penal e que o Código prevê no capítulo II do Título I do Livro VI (artigos 248º a 252º) (…).»

Mais adiante, o mesmo parecer esclarece a relação entre o Ministério Público e as autoridades policiais, no âmbito da notícia do crime:

«(…) o Ministério Público adquire notícia do crime por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia criminal ou mediante denúncia, nos termos dos artigos 242º e seguintes (artigo 241º) (-).
(…) a actividade processual penal começa exactamente com a notícia do crime: desde que a notícia sobre a existência de uma infracção criminal seja idónea à formulação de um juízo de suspeita, as diligências que visam investigar aquela existência situam-se já na área do processo penal, devendo ser objecto de inquérito (artigo 262º).
Ou seja: a fase processual de inquérito inicia-se logo que se adquira notícia de um crime, e com a abertura dessa fase inicia-se o processo penal (comum) (-).»

Também no Parecer nº 86/91 se formulou idêntica opinião sobre a forma de actuar das autoridades policiais quando, no desenvolvimento da sua actividade preventiva, constatam a prática de crimes:

«É possível, porém, e mesmo frequente, que no desenrolar dessa actividade preventiva, os agentes fiscalizadores venham a constatar a existência (ou fundada suspeita de existência) de infracções. Compete-lhes, então, elaborar o competente auto de notícia, que passará a constituir o primeiro elemento do processo tendente à punição dos responsáveis, inserido já no âmbito da actividade de investigação criminal orientada para repressão das infracções.»

Já quanto ao tema da detenção, discorre o Parecer nº 111/90 sobre a possibilidade de essa detenção ser ordenada por autoridades policiais, tanto em flagrante delito como fora de flagrante delito, nas condições mencionadas nos citados artigos 255º e 257º do CPP, sublinhando o cuidado que deve ser posto por essas entidades na verificação das referidas condições, nos seguintes termos:

«As autoridades de polícia criminal e judiciária estão sujeitas, por mais cautelosas que sejam no cumprimento dos seus deveres, e por maior que seja a sua experiência profissional ou formação técnico-jurídica, a certo risco de erro. É que se está perante uma realidade onde obviamente não valem juízos de ordem matemática ou de certeza absoluta. Na interpretação do sentido prevalente da realidade fáctica observada e das normas jurídicas apenas é consentida a certeza relativa ou a razoável probabilidade que é própria das ciências do espírito, como é o Direito.
Na interpretação fáctico-jurídica que opera nesta sede, há, por um lado, o risco e, numa outra perspectiva, a garantia dos cidadãos, da não coincidência entre os juízos formulados pelas entidades que têm o poder-dever de se pronunciar sobre ela.
(…)
É neste quadro de interdisciplinaridade que deve ser encarada a intervenção judicial para validação ou não validação da detenção. Se o juiz entender que se não verificaram, aquando da detenção, os respectivos pressupostos, cabe-lhe declarar a ilegalidade da detenção e soltar o detido ou, se for caso disso, fixar-lhe medida de coacção diversa da prisão preventiva, ou esta, se nenhuma das medidas não privativas de liberdade se revelar suficiente, nos termos do artigo 202º do CPP.»

E, noutro passo, conclui-se:

«Se qualquer das referidas autoridades de polícia criminal proceder à detenção, fora da situação de flagrante delito, sem que se verifique qualquer um dos três requisitos previstos no artigo 257º, nº 2, do CPP ou à margem dos pressupostos a que se reportam os artigos 254º e 258º daquele diploma, não se configura o quadro da incompetência funcional, mas da ilegalidade do acto de detenção.
É ao juiz, a quem a lei atribui, especialmente, a função de controlar a verificação ou a inverificação dos pressupostos da privação da liberdade individual naquelas circunstâncias, o que é decisivo para limitar as possibilidades de violação dos direitos individuais, que compete pronunciar-se, em definitivo, sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de detenção.»

3.2.3. De todo o exposto, é possível extrair um conjunto de parâmetros que se impõem na avaliação de uma eventual intervenção policial relativamente a participantes em manifestações que sejam autores de factos criminosos cometidos no seu decurso.

Alinhemos alguns tópicos sucintos sobre o quadro da actuação policial perante a prática (cabalmente indiciada) de crimes no âmbito de uma manifestação:

– a autoridade policial pode proceder à detenção do autor do crime, seja em flagrante delito (v.g., se o facto criminoso foi cometido na sua presença), seja fora de flagrante delito, desde que verificados os respectivos pressupostos [artigos 255º e 257º ([77])], a ser submetida à apreciação da autoridade judiciária competente;

– a autoridade policial pode proceder, dentro do condicionalismo legal, à identificação do suspeito e à sua revista, se necessário [artigos 250º ([78]) e 251º];

– a autoridade policial deve adoptar as medidas cautelares necessárias quanto aos meios de prova, nos termos legais (artigo 249º);

– a autoridade policial deve levantar ou mandar levantar auto de notícia, se presenciar crime de denúncia obrigatória, e remetê-lo ao Ministério Público, valendo como denúncia [artigos 241º, 242º, nº 1, alínea a), 243º e 248º], ou comunicar ao Ministério Público denúncia [obrigatória ou facultativa ([79])] que lhe seja apresentada [artigos 241º, 242º, nº 1, alínea b), 244º e 248º].

Independentemente da actuação policial durante ou após a realização das manifestações em que ocorra a prática de crimes, sempre será possível – a todo o tempo, e sem prejuízo das regras sobre queixa e acusação particular (artigos 113º a 117º do CP) e sobre prescrição (artigos 118º a 121º do CP) – a instauração de procedimento criminal contra os respectivos autores, com base na aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público, seja por conhecimento próprio, seja mediante denúncia (artigo 241º).



V


Em face do exposto, formulam-se as seguintes conclusões:

1ª) Os direitos de reunião e de manifestação, consagrados no artigo 45º da Constituição, encontram-se regulados pelo Decreto-Lei nº 406/74, de 29 de Agosto, diploma que, genericamente, respeita o conteúdo essencial daqueles direitos;

2ª) É vedada pela Constituição a sujeição do exercício dos direitos de reunião e de manifestação a qualquer autorização prévia, seja de que entidade for, mas é conforme a essa proibição constitucional a exigência, estabelecida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/74, de uma comunicação prévia a autoridades administrativas (governadores civis e presidentes de câmaras municipais, consoante o local de aglomeração se situe ou não na capital do distrito);

3ª) As referidas autoridades administrativas podem proibir (impedir) a realização de reuniões ou manifestações cujo fim ou objecto seja contrário «à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas» ou atente contra «a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas», nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º e 3º, nº 2, do Decreto-Lei nº 406/74;

4ª) A prática de crimes no decurso de reuniões ou manifestações consubstancia a contrariedade à lei dos fins prosseguidos por tais eventos e integra a previsão do artigo 1º, ex vi do artigo 3º, nº 2, do citado diploma;

5ª) A aludida proibição de reunião ou manifestação contrária à lei reveste a natureza de medida de polícia, pelo que, na respectiva decisão, as autoridades administrativas competentes devem atender a critérios de necessidade, eficácia e proporcionalidade, como decorrência do disposto no artigo 272º, nº 2, da Constituição;

6ª) Em concreto, a previsão pelas autoridades administrativas da eventual prática de crime ou crimes no decurso de manifestações, como pressuposto da respectiva decisão de proibição, tem de assentar numa razoável certeza de verificação do facto típico (e não numa mera presunção), ainda em aplicação do princípio da proporcionalidade – devendo atender-se a aspectos como a maior ou menor exigência na demonstração do preenchimento do tipo legal;

7ª) Se numa concreta manifestação que não tenha sido objecto de proibição prévia, por falta de fundamento bastante, ocorrer a efectiva prática de crimes, podem as autoridades policiais de segurança (Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana) interromper a sua realização e ordenar a respectiva dispersão, ao abrigo do nº 2 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 406/74, ou seja, «quando for (…) afastad[a] (…) da sua finalidade pela prática de actos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efectivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no nº 2 do artigo 1º» – desde que tal medida de polícia se afigure adequada segundo um critério de proporcionalidade;

8ª) A actuação policial em relação aos participantes de manifestações, individualmente considerados, que sejam eventuais autores de crimes cometidos no seu decurso, deve pautar-se pelos seguintes parâmetros:

– a autoridade policial pode proceder à detenção do autor do crime, seja em flagrante delito (v.g., se o facto criminoso foi cometido na sua presença), seja fora de flagrante delito, desde que verificados os respectivos pressupostos (artigos 255º e 257º do Código de Processo Penal), a ser submetida à apreciação da autoridade judiciária competente;
– a autoridade policial pode proceder, dentro do condicionalismo legal, à identificação do suspeito e à sua revista, se necessário (artigos 250º e 251º do CPP);
– a autoridade policial deve adoptar as medidas cautelares necessárias quanto aos meios de prova, nos termos legais (artigo 249º do CPP);
– a autoridade policial deve levantar ou mandar levantar auto de notícia, se presenciar crime de denúncia obrigatória, e remetê- -lo ao Ministério Público, valendo como denúncia [artigos 241º, 242º, nº 1, alínea a), 243º e 248º], ou comunicar ao Ministério Público denúncia (obrigatória ou facultativa) que lhe seja apresentada [artigos 241º, 242º, nº 1, alínea b), 244º e 248º].

9ª) Independentemente da descrita actuação policial durante ou após a realização de manifestações em que ocorra a prática de crimes, é sempre possível – a todo o tempo, e sem prejuízo das regras sobre queixa e acusação particular (artigos 113º a 117º do Código Penal) e sobre prescrição (artigos 118º a 121º do mesmo Código) – a instauração de procedimento criminal contra os respectivos autores, com base na aquisição da notícia do crime pelo Ministério Público, seja por conhecimento próprio, seja mediante denúncia (artigo 241º).




([1]) Através de ofício datado de 1 de Julho de 2005, com registo de entrada na Procuradoria-Geral da República no dia 11 subsequente.
([2]) O ofício da entidade consulente é feito acompanhar de cópias de vários artigos da imprensa escrita sobre a manifestação, em que se destacam referências do seguinte teor: «Saudações nazis e palavras de ordem contra imigrantes pautaram “Marcha contra a criminalidade”. Corpo de Intervenção da PSP impediu desacatos entre manifestantes e contestatários» («Público»); «Polícia obrigada a intervir para impedir confrontos. PSP teve que realizar uma carga para proteger um cidadão marroquino. Fotógrafo ferido à bastonada» («Jornal de Notícias»); «Manifestação nacionalista de ontem serviu como acção de pré-campanha para as eleições do Partido Nacional Renovador» («A Capital»); «Tensão na maior manif xenófoba de sempre. Convocada pela Frente Nacional, organização de extrema-direita, como forma de protesto contra a “criminalidade crescente”, a manifestação de ontem à tarde reuniu algumas centenas de pessoas que marcharam entre o Martim Moniz e o Rossio. Ali os ânimos exaltaram-se, mas a polícia evitou confrontos e os manifestantes dispersaram» e «Marcha contra imigrantes envolveu algumas centenas de manifestantes» («Diário de Notícias»).
Envia-se ainda uma cassete VHS, contendo, como se informa, «reportagens vídeo (…) sobre a referida manifestação».
([3]) Está-se aqui a aludir aos recortes de imprensa e à cassete de vídeo enviados.
([4]) Lei nº 47/86, de 15 de Outubro, alterada pelas Leis nºs 2/90, de 20 de Janeiro, 23/92, de 20 de Agosto, 10/94, de 5 de Maio, 33-A/96, de 26 de Agosto, 60/98, de 27 de Agosto (que introduziu a designação de Estatuto do Ministério Público), esta rectificada pela Declaração de Rectificação nº 20/98, de 2 de Novembro, e 143/99, de 21 de Agosto.
([5]) E, como é óbvio, não servem relatos jornalísticos para conformar uma descrição de factos consistente.
([6]) Nesta síntese vai implicada uma alusão a princípios elementares do nosso processo penal, como são os do monopólio estadual da função jurisdicional e da oficialidade, que assentam na concepção de que ao Estado cabe exclusivamente a administração e realização da justiça penal (sobre esta matéria, cfr. FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, pp. 25 ss., 55 e 115 ss.).
([7]) Embora, em tese, este Conselho pudesse ser chamado a proceder a operações de subsunção jurídico-penal de factos: para tanto bastaria que na consulta se apresentasse já uma descrição precisa de factos, como produto final duma prévia averiguação. É esta distinção entre um juízo sobre os meios de prova e um juízo sobre a matéria de facto assente que permite definir a linha divisória entre um juízo de facto e um juízo de direito. Porém, uma opinião do Conselho Consultivo em tal domínio teria um interesse pouco mais do que académico, já que o respectivo parecer não dispensaria a intervenção das entidades com poder decisório na matéria – ou seja, os tribunais, que não estão vinculados aos pareceres deste corpo consultivo e aos quais caberia, em última instância, decidir sobre se os factos descritos integrariam ou não um determinado tipo de crime.
([8]) Por exemplo, para a investigação de crimes cometidos na área da comarca da capital, será competente o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa (artigos 70º e 73º do EMP e Portaria nº 754/99, de 27 de Agosto). Se se pretendesse que a junção ao presente processo de uma cassete de vídeo visava exprimir a apresentação da denúncia de um crime – o que, no entanto, não parece ser o caso –, então dir-se-ia que deveria ser a mesma encaminhada para aquele DIAP (nos termos do artigo 245º do CPP). De todo o modo, sempre se colocaria a questão da falta de um auto de notícia formal (artigo 243º do CPP) – sendo certo que uma mera cassete de vídeo não pode valer como auto de notícia. Aliás, nesta hipótese, ainda se suscitariam fundadas dúvidas sobre o valor probatório dessas imagens, sem prejuízo do disposto na Lei nº 1/2005, de 10 de Janeiro, quanto à captação de imagens por forças de segurança em locais públicos. Sobre este tópico, cfr., em geral, MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 1992, e, em particular, AMADEU GUERRA, «A utilização de sistemas de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos – Reflexões sobre a Lei 1/2005, de 10 de Janeiro», Revista do Ministério Público, ano 26º (2005), nº 103, pp. 39 ss.
([9]) Note-se que igual advertência teve já lugar no Parecer nº 40/89, de 7 de Dezembro de 1989 [in Diário da República (DR), II Série, de 28 de Março de 1990], no qual estava em causa a obtenção de «normas específicas de procedimento» para as autoridades policiais, perante «profundas divergências observadas na jurisprudência dos tribunais (…) quanto à interpretação do Decreto-Lei nº 406/74» – precisamente o que rege sobre os direitos de reunião e de manifestação –, e em que se lia o seguinte: «(…) os resultados da interpretação a obter, eventualmente divergentes das decisões dos tribunais, continuarão a deixar estas intocadas».
([10]) Nesta linha, v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, p. 253.
([11]) Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 2ª edição, 1993, p. 428.
([12]) Cfr., por todos, IGNÁCIO TORRES MURO, El Derecho de Reunión y Manifestación, Editorial Civitas, S.A., Madrid, 1991, pp. 19-21, com citações convergentes de vários autores de diferentes nacionalidades, e ALAIN BOYER, «La liberté de manifestation en droit constitutionnel français», in Revue Française de Droit Constitutionnel, nº 44 (2000), pp. 675 ss.
([13]) Que, note-se, a Constituição recebeu na ordem jurídica interna, não só por via do artigo 8º, nº 1 (enquanto contém normas de direito internacional) – ao mencionar «as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum» –, mas também por via do artigo 16º, nº 2 – na medida em que impõe a Declaração Universal dos Direitos do Homem como critério de interpretação constitucional em matéria de direitos fundamentais.
([14]) Mas atente-se no artigo 29º, nº 2, da Declaração, que admite restrições aos direitos e liberdades consagrados no texto: «No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.»
([15]) E continua o preceito: «O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições impostas em conformidade com a lei e que sejam necessárias numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança pública, da ordem pública ou para proteger a saúde e a moralidade públicas ou os direitos e as liberdades de outrem.»
([16]) De igual modo, o nº 2 dessa disposição rege assim: «O exercício deste direito só pode ser objecto de restrições que, sendo previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiro.»
([17]) Refira-se ainda que dessa liberdade de reunião tem o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem deduzido a liberdade de manifestação, apesar de não expressamente consagrada (cfr. decisão da Comissão, de 16 de Julho de 1980, no caso «Christians against Racism and Fascism c/ Reino Unido», in Décisions et Rapports, vol. 21, p. 138). Sobre este ponto, v. NICOLAS VALTICOS, in LOUIS-EDMOND PETTITI, EMMANUEL DECAUX e PIERRE-HENRI IMBERT (dir.), La Convention Européenne des Droits de l'Homme – Commentaire article par article, Paris, Economica, 1995, p. 422 (em comentário ao artigo 11º).
([18]) Neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, Tomo IV, 3ª edição, 2003, pp. 482-483, e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pp. 463-464.
([19]) Idem, ibidem.
([20]) Assim, JORGE MIRANDA, Manual…, cit., 3ª ed., p. 484, e JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição…, cit., p. 464. Assinale-se, neste ponto, que JORGE MIRANDA considera que «[a] manifestação é sempre colectiva» (Manual…, cit., 3ª ed., p. 486), enquanto GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA admitem que «pode haver manifestações individuais» (ob. cit., p. 253) – no entanto, aquele primeiro autor sustenta que a «manifestação de uma só pessoa na praça pública reconduz-se à liberdade de expressão» (idem, ibidem). Nesta senda, v. tb. JOÃO PAULO MIRANDA DE SOUSA, «O Direito de Manifestação», in Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), nº 375 (Abril/1988), pp. 5 ss.
([21]) Ob. cit., pp. 253-254.
([22]) Em Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2001, p. 230.
([23]) Ob. cit., pp. 231-232. Cfr. nota 14.
([24]) Artigo 293º, nº 1, na redacção originária.
([25]) Dando conta desta controvérsia, v. o citado Parecer nº 40/89 deste Conselho, com a identificação de alguns arestos sobre a matéria.
([26]) De 28 de Abril de 1983 (DR, II, de 4 de Agosto de 1983, e BMJ, nº 331, pp. 244 ss.).
([27]) Cfr. nota 9.
([28]) Teor da sua conclusão 2ª.
([29]) Assim, JORGE MIRANDA, Manual…, cit., 3ª ed., p. 488.
([30]) Neste sentido, JORGE MIRANDA, Manual…, cit., 3ª ed., p. 492.
([31]) Com esta concepção compagina-se o entendimento que percorre a doutrina espanhola, segundo o qual deve prevalecer nesta matéria um critério de interpretação favor libertatis, como condição de salvaguarda do núcleo essencial dos direitos de reunião e de manifestação (neste sentido, cfr. IGNÁCIO TORRES MURO, ob. cit., pp. 99 e 136, e DOMINGO PEREZ CASTAÑO, Regímen Jurídico del Derecho de Reunión y Manifestación, Ministério del Interior, Madrid, 1997, p. 270). Segundo DOMINGO PEREZ CASTAÑO, «a Administração está obrigada a apreciar de forma restritiva a cláusula de ordem pública, favorecendo o livre exercício do direito de reunião e manifestação, em aplicação do princípio favor libertatis, não se podendo limitar arbitrariamente o exercício desse direito, como tem vindo a assinalar em reiterada jurisprudência o nosso Tribunal Constitucional».
([32]) Nesta linha, v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, ob. cit., p. 254.
([33]) Sobre esses diferentes modelos e sua projecção, em termos de direito comparado, v. IGNÁCIO TORRES MURO, ob. cit., pp. 55-60.
([34]) Ob. cit., p. 254.
([35]) Em que se incluirá, certamente, a obrigação de comunicar previamente a reunião ou manifestação ao governador civil ou ao presidente da câmara municipal, nos termos do artigo 2º do Decreto-Lei nº 406/74.
([36]) Rectifica-se aqui o lapso de escrita do texto original, em que surge a palavra “for” em vez de “ser”.
([37]) Ob. cit., p. 466.
([38]) Ob. cit., pp. 17-18.
([39]) Manual de Direito Administrativo, Tomo II, 9ª ed. (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1980, p. 1150.
([40]) Ob. cit., p. 955.
([41]) Como se evidenciará infra, em particular quanto aos governadores civis.
([42]) Quanto à PSP, reza assim o citado artigo 1º, nº 1: «A Polícia de Segurança Pública (…) é uma força de segurança com a natureza de serviço público dotado de autonomia administrativa, que tem por funções defender a legalidade democrática, garantir a segurança interna e os direitos dos cidadãos, nos termos do disposto na Constituição e na lei.» E o artigo 2º, nº 2, alínea b), traça como um dos «objectivos fundamentais da PSP» o de «[g]arantir a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas».
No que concerne à GNR, o citado artigo 1º é do seguinte teor: «A Guarda Nacional Republicana (…) é uma força de segurança constituída por militares organizados num corpo especial de tropas.» E no artigo 2º define-se, como «missão geral» da GNR, «[g]arantir, no âmbito da sua responsabilidade, a manutenção da ordem pública, assegurando o exercício dos direitos, liberdades e garantias [alínea a)] e «[m]anter e restabelecer a segurança dos cidadãos e da propriedade pública, privada e cooperativa, prevenindo ou reprimindo os actos ilícitos contra eles cometido [alínea b)].
([43]) O que leva MIRANDA DE SOUSA a defender que o artigo 5º do Decreto-Lei nº 406/74 atenta contra o princípio da reserva de lei «pela circunstância de não referir com precisão as autoridades competentes para ordenar a dispersão dos manifestantes» (ob. cit., p. 22). Mas tal não sucederá, se o preceito for interpretado como se propõe seguidamente no corpo do parecer.
([44]) Ob. cit., p. 254.
([45]) Idem, ibidem.
([46]) Ob. cit., p. 10.
([47]) Ob. cit., pp. 254-255.
([48]) Ob. cit., p. 10.
([49]) Ob. cit., p. 255.
([50]) Alterado pelos Decretos-Leis nos 316/95, de 28 de Novembro, 213/2001, de 2 de Agosto, e 264/2002, de 25 de Novembro.
([51]) Do sumário oficial do diploma.
([52]) Respectivamente, de 18 de Dezembro de 2003 (DR, II, de 27 de Março de 2004) e de 30 de Junho de 2005. Já anteriormente se tratara do tema, com relevância, no Parecer nº 52/93, de 2 de Dezembro de 1993 (DR, II, de 19 de Maio de 1994).
([53]) O artigo 29º do Decreto-Lei nº 252/92 apenas declarou revogar os artigos 404º, 406º a 411º e 413º a 415º, na medida em que os artigos 405º e 412º já haviam sido anteriormente revogados – o primeiro pelo artigo 8º do Decreto-Lei nº 399-B/84, de 28 de Dezembro, e o segundo pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 74/75, de 21 de Fevereiro.
([54]) Importa ter presente o que, na vigência desse regime, se afirmou no mencionado Parecer nº 96/83: «O acto do Governador Civil que nega a possibilidade de uma reunião ou manifestação se realizar num determinado local é um acto de polícia, e, portanto, limitado só pela competência de quem o pratica, pela sua necessidade, adaptação e proporcionalidade, e pela finalidade de evitar um dano social, que são os limites dentro dos quais devem ser praticados os actos ou medidas de polícia, como resulta do artigo 272º da Constituição (…).»
([55]) O que permitiu proclamar, na conclusão 1ª do citado Parecer nº 52/93, que «[o] governador civil é uma autoridade administrativa com funções de polícia».
([56]) Essas duas diferentes hipóteses de impedimento (fundadas nos artigos 3º, nº 2, e 13º) são designadas, respectivamente, de impedimento total e de impedimento parcial por JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA (A Manutenção da Ordem Pública em Portugal, 1ª edição, Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna, Lisboa, 2000, p. 138).
([57]) Depois da redacção conferida ao preceito pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei nº 65/98, de 2 de Setembro.
([58]) Assim, MARIA JOÃO ANTUNES, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, Coimbra, 1999, p. 559, em «Nótula antes do art. 236º». Sobre o crime em referência, cfr. tb. FRANCISCA VAN DUNEM, «A Discriminação em Função da Raça na Lei Penal», in Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pp. 948 ss. e PATRÍCIA JERÓNIMO, «Notas sobre a Discriminação Racial e o seu lugar entre os Crimes contra a Humanidade», in Estudos em Comemoração do 10º Aniversário da Licenciatura em Direito da Universidade do Minho, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 783 ss. Esta última autora sustenta que só integram o tipo «aqueles comportamentos que, pela sua potencial repercussão, façam perigar a subsistência da comunidade internacional», afastando do seu «âmbito de protecção» actos de discriminação racial «que não possuem a “índole internacional” requerida para a específica categoria de crimes em que esta norma se integra» (ob. cit., p. 810).
([59]) Idem, p. 576, em anotação ao artigo 240º.
([60]) Embora seja de admitir que essa verbalização possa degenerar em actos de violência contra pessoa ou pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião – caso em que se preencherá o elemento objectivo do tipo previsto na alínea a) do artigo 240º.
([61]) Idem, p. 577.
([62]) Referindo-se à imposição desse «elemento subjectivo pessoal da ilicitude» como «o principal motivo das dificuldades verificadas na condenação pela prática do crime de discriminação racial», v. PATRÍCIA JERÓNIMO, ob. cit., p. 807. A autora, no entanto, reconhece que essa exigência se deve a «uma justa salvaguarda da liberdade de expressão» (idem, ibidem).
([63]) E, para alguns autores, mesmo no plano objectivo, nos termos supra referidos.
([64]) Note-se que na situação concreta relatada na consulta os promotores indicaram, no aviso prévio da manifestação, que «a marcha de protesto intitula-se “Menos criminalidade, mais segurança” e surge como protesto aos acontecimentos verificados na praia de Carcavelos e na vila de Coruche» – o que, só por si, não chega para formular qualquer juízo consistente sobre a possibilidade da prática do crime do artigo 240º.
([65]) Reza assim esse preceito da Constituição: «Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.»
([66]) Essas organizações devem ser declaradas extintas por decisão judicial (artigo 4º, nº 1, do diploma), cabendo actualmente ao Tribunal Constitucional a competência para o efeito (artigo 10º da normalmente designada «Lei do Tribunal Constitucional» – Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). Este Tribunal foi já chamado a pronunciar-se neste domínio, a propósito da pretendida extinção do «Movimento de Acção Nacional – M.A.N.», através do Acórdão nº 17/94, de 18 de Janeiro de 1994 (DR, II, de 31 de Março de 1994).
([67]) Ob. cit., p. 259. Também este Conselho tomou posição em linha próxima desta no Parecer nº 103/76, de 21 de Julho de 1976, como se evidencia da sua conclusão 1ª: «A disposição do nº 4 do artigo 46º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual “Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”, consagra uma limitação ao direito de associação, que não é directamente aplicável aos direitos de expressão e informação.»
([68]) Este entendimento aflora também em GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA quando, acerca da ocorrência de actos violentos em reuniões (necessariamente com relevo criminal), afirmam que «[a] prática de actos violentos por uma minoria dos participantes, dos quais a generalidade se afasta, pode ser motivo para o seu isolamento destes pelas autoridades policiais, mas não é fundamento da dissolução da reunião» (ob. cit., p. 255).
([69]) A propósito da execução por autoridades policiais de uma ordem de dispersão, refere JOSÉ FERREIRA DE OLIVEIRA, na linha do exposto no corpo do parecer, que «as autoridades policiais deverão providenciar para que a referida decisão (…) seja acatada pelos organizadores, através de um conjunto de medidas de carácter preventivo, que passam por diferentes modalidades de acção, nomeadamente o contacto prévio dos promotores, alertando-os para a gravidade do acto [de desobediência], a ocupação do terreno onde é suposto desenrolar-se o evento e a divulgação de mensagens policiais alertando os participantes para as consequências de tal acto» (ob. cit., p. 184). Recorde-se, neste contexto, que o nº 3 do artigo 15º do Decreto-Lei nº 406/74 prevê que «[a]queles que realizarem reuniões, comícios, manifestações ou desfiles contrariamente ao disposto neste diploma incorrerão no crime de desobediência qualificada».
([70]) Ob. cit., p. 255.
([71]) Cfr. artigos 113º a 117º do CP e 48º a 51º do CPP.
([72]) Tanto mais que não são colocadas quaisquer dúvidas específicas sobre um ou outro dos preceitos aplicáveis.
([73]) Assim, por todos, os Pareceres nos 111/90, de 6 de Dezembro de 1990, 63/91, de 12 de Novembro de 1992, e 86/91, de 15 de Dezembro de 1992.
([74]) Na doutrina, e com âmbito geral, v., por todos, GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, 3 vols., 1993-1994, Verbo, Lisboa/São Paulo (e edições posteriores).
([75]) Aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, e com várias alterações subsequentes.
([76]) O artigo 1º, alínea c), do CPP considera como tal «todas as entidades e agentes policiais a quem caiba levar a cabo quaisquer actos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados por este Código». É ainda utilizado o conceito de autoridade de polícia criminal, com o significado de abranger «os directores, oficiais, inspectores e subinspectores de polícia e todos os funcionários policiais a quem as leis respectivas reconhecerem aquela qualificação» [artigo 1º, alínea d), do CPP]
(x) «JOSÉ SOUTO DE MOURA, “Inquérito e Instrução”, Jornadas de Direito Processual Penal. O Novo Código de Processo Penal, CEJ, Coimbra, 1990, pág. 102.
Cfr., também, ANABELA MIRANDA RODRIGUES, Jornadas cits., págs. 70 e segs.»
(x1) «JOSÉ SOUTO DE MOURA, ob. e loc. cits., pág. 102.»
(x2) «FIGUEIREDO DIAS, “Sobre os Sujeitos Processuais no Novo Código de Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal, CEJ, Coimbra, 1991, pág. 12.»
(x3) «Conferência proferida no 41º Aniversário da Polícia Judiciária, in Revista de Investigação Criminal, nº 21, pág. 23.»
([77]) No primeiro caso, a detenção pode ser feita por qualquer «entidade policial», enquanto na segunda hipótese a detenção só é permitida a «autoridades de polícia criminal» e exige a emissão de mandados de detenção (artigo 258º do CPP).
([78]) Sobre o âmbito de aplicação e vigência desse preceito pronunciou-se já esta instância consultiva, de forma mais específica no Parecer nº 161/2004, de 3 de Fevereiro de 2005, e incidentalmente no Parecer nº 7/2002, de 14 de Março de 2002 (DR, II, de 26 de Junho de 2002).
([79]) Quanto à denúncia facultativa, saliente-se que a mesma pode ser feita por «qualquer pessoa», seja a órgãos de polícia criminal, seja directamente ao Ministério Público (ou a outra autoridade judiciária, que a transmitirá ao Ministério Público, nos termos do artigo 245º). Entre as entidades potencialmente denunciantes, relativamente ao aludido crime de discriminação racial do artigo 240º do CP, avultam «as associações de comunidades de imigrantes, anti-racistas ou defensoras dos direitos humanos», que «podem constituir-se assistentes em processo penal, (…) salvo expressa oposição do ofendido», conforme dispõe a Lei nº 20/96, de 6 de Julho.
Anotações
Legislação: 
CP82 ART113 A 117 ART240; EMP98 ART37 A) ART70 ART73; CPP87 ART48 A51; ART241 ART243 ART245 ART262 ART263 ART277 ART283; PORT 754/99 DE 27/08; L1/2005 DE 10/01; CONST76 ART8 ART16 N2 ART18 N2 N3 ART37 ART45 ART272 N2 ART290 N2; DL406/74 DE 29/08; DL252/92, DE 19/11; DL316/95 DE 28/11; DL213/2001 DE 02/08; DL264/2002 DE 25/11; CADM36 ART404 A ART415;
DL48/95 DE 15/03; L65/98 DE 02/09; L64/78 DE 06/10 ART3; L28/82 DE 15/11
Jurisprudência: 
AC TC N17/94 DE 18/01/1994
Referências Complementares: 
DIR CONST*DIR FUND/DIR CRIM/DIR PROC PENAL*****
DUDH ART20
PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS
CEDH ART11 N1
Divulgação
Data: 
12-08-2008
Página: 
35847
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