Simp English Español

Está aqui

Dados Administrativos
Número do Parecer: 
29/1994, de 29.09.1994
Data do Parecer: 
29-09-1994
Número de sessões: 
1
Tipo de Parecer: 
Parecer
Votação: 
Unanimidade
Iniciativa: 
Governo
Entidade: 
Ministério da Defesa Nacional
Relator: 
PADRÃO GONÇALVES
Descritores e Conclusões
Descritores: 
DEFICIENTE DAS FORÇAS ARMADAS
Conclusões: 
1 - O manuseamento de granada de mão, no quartel, em serviço, tendente a colocar no lugar uma cavilha de segurança que estava solta, integra uma situação enquadrável no disposto no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76;
2 - O ex-Mar FZE NIM (...), foi vítima de acidente enquadrável em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão anterior, em 27 de Julho de 1972, de que lhe resultaram desvalorizações parciais de 35% e 2%, que, conjuntamente com a desvalorização de 10%, de um acidente ocorrido em serviço de campanha, atingem a desvalorização global de 42,67%.
Texto Integral
Texto Integral: 
Senhor Secretário de Estado da Defesa Nacional,
Excelência:

1.

(...), ex-Mar FZE, requereu em 3 de Agosto de 1992 que fosse determinada a revisão do processo de averiguações relativamente aos acidentes de que foi vítima, na Guiné, em 13 de Agosto de 1970 e 27 de Julho de 1972.

Deferido o pedido, retira-se do respectivo processo que:

- o requerente prestou serviço nas Forças Ultramarinas do Comando da Defesa Marítima da Guiné, de Outubro de 1969 a Julho de 1972;

- em 13 de Agosto de 1970, durante uma operação realizada no Cachéu - Burné, as tropas em que se integrava foram emboscadas pelo inimigo, que usava armas pesadas e ligeiras, de que resultou a morte de dois militares e vários feridos, entre os quais o requerente, que apanhou com alguns estilhaços no pé e na cabeça, passando a sentir fortes zumbidos e falta de audição que se foi agravando com o tempo;

- em 27 de Julho de 1972, no quartel de "Gampará", quando procedia à arrumação de granadas de mão, ao tentar colocar no lugar uma cavilha de segurança que estava solta, o detonador rebentou-lhe na mão direita, provocando-lhe ferimentos na barriga, olho direito e perda de dois dedos;

Por despacho de 12 de Outubro de 1993, do Vice-Almirante Superintendente dos Serviços do Pessoal da Armada, por delegação do Almirante CEMA, as doenças sofridas pelo requerente foram consideradas como ocorridas em serviço de campanha e por motivo do mesmo.

Por decisão de 19 de Novembro de 1993, da Junta de Saúde Naval, homologada superiormente, foi declarado "incapaz para todo o serviço", com a desvalorização global de 42, 67%, correspondendo 10% a "otalgia e hipoacusia bilaterais com zumbidos e surdez de percepção bilateral", 35%, a "amputação do 2º dedo, pela 2ª falange, da mão direita", e 2% a deformação em martelo do 5º dedo da mão direita".

A Direcção do Serviço do Pessoal do Ministério da Marinha entende estarem reunidas as condições necessárias para a qualificação do requerente como DFA.

Remetido o processo à consideração de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, determinou V.Exª que este corpo consultivo prestasse parecer nos termos do nº 4 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, de
20 de Janeiro.

Cumpre emitir o parecer solicitado.

2.

2.1. Embora o acidente tenha ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro, a revisão do processo é admissível nos termos daquele diploma - artigo 18º, nº 2 - e dos nºs. 1 e 3 da Portaria nº 162/76, de 24 de Março, o último número na redacção da Portaria nº 114/79, de 12 de Março.

Dispõe o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76:

"2. É considerado deficiente das Forças Armadas portuguesas o cidadão que:

No cumprimento do serviço militar e na defesa dos interesses da Pátria adquiriu uma diminuição na capacidade geral de ganho; quando em resultado de acidente ocorrido:

Em serviço de campanha ou em circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha, ou como prisioneiro de guerra;

Na manutenção da ordem pública;

Na prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública; ou

No exercício das suas funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores; vem a sofrer, mesmo a posteriori, uma diminuição permanente, causada por lesão ou doença, adquirida ou agravada, consistindo em:

Perda anatómica; ou

Prejuízo ou perda de qualquer órgão ou função; tendo sido, em consequência, declarado, nos termos da legislação em vigor:

Apto para o desempenho de cargos ou funções que dispensem plena validez; ou

Incapaz do serviço activo; ou

Incapaz de todo o serviço militar".

E acrescenta-se no artigo 2º, nº 1, alínea b):

"1. Para efeitos da definição constante do nº 2 do artigo 1º deste decreto-lei, considera-se que: a) (...) b) É fixado em 30% o grau de incapacidade geral de ganho mínimo para o efeito da definição de deficiente das forças armadas e aplicação do presente decreto-lei".

Os nºs 2, 3 e 4 do mesmo artigo 2º esclarecem:

"2. O "serviço de campanha ou campanha" tem lugar no teatro de operações onde se verifiquem operações de guerra, de guerrilha ou de contraguerrilha e envolve as acções directas do inimigo, os eventos decorrentes de actividade indirecta do inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade terrestre, naval ou aérea de natureza operacional.

"3. As "circunstâncias directamente relacionadas com o serviço de campanha" têm lugar no teatro de operações onde ocorram operações de guerra, guerrilha ou de contraguerrilha e envolvem os eventos directamente relacionados com a actividade operacional que pelas suas características implicam perigo em circunstâncias de contacto possível com o inimigo e os eventos determinados no decurso de qualquer outra actividade de natureza operacional ou em actividade directamente relacionada, que, pelas suas características próprias, possam implicar perigosidade.

"4. "O exercício de funções e deveres militares e por motivo do seu desempenho, em condições de que resulte, necessariamente, risco agravado equiparável ao definido nas situações previstas nos itens anteriores", engloba aqueles casos especiais, aí não previstos, que, pela sua índole, considerado o quadro de causalidade, circunstâncias e agentes em que se desenrole, seja identificável com o espírito desta lei (redacção rectificada no Diário da República, I Série, 2º Suplemento, de 26/6/76).

A qualificação destes casos compete ao Ministro da Defesa Nacional, após parecer da Procuradoria-Geral da República".

2.3. Dispõe o artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/88, de 8 de Fevereiro:

"Compete ao Ministro da Defesa Nacional, com faculdade de delegação, a apreciação e decisão dos processos instruídos com fundamento em qualquer dos factos previstos no nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76, de 20 de Janeiro".

3

O grau de incapacidade geral de ganho mínimo de 30% constitui condição imprescindível para a qualificação de deficiente das Forças Armadas, como prescreve a alínea b) do nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76, atrás citado.

No caso ora em apreço verifica-se que o requerente foi vítima de dois acidentes, o primeiro em 13 de Agosto de 1970, o segundo em 27 de Julho de 1972.

Confrontando os efeitos desses acidentes, tal como resulta do respectivo processo, com as desvalorizações parciais sofridas, verifica-se que do primeiro acidente resultou a desvalorização de 10%, por "otalgia e hipoacusia bilaterais com zumbidos e surdez de percepção bilateral" e, do segundo, as desvalorizações parciais de 35% e 2%, por "amputação do
2º dedo, pela falange, da mão direita", e "deformação em martelo do 5º dedo da mão direita", respectivamente.

De onde se pode concluir que o requerente, tendo em conta as desvalorizações resultantes dos acidentes sofridos, poderá vir a ser qualificado como deficiente das forças armadas por ambos os acidentes ou apenas pelo segundo, não o podendo ser apenas por efeito do primeiro.

3.2. Relativamente ao primeiro acidente, ocorrido em 13 de Agosto de 1970, verifica-se que o mesmo ocorreu, manifestamente, em "serviço de campanha ou campanha" - qualificação da competência do Ministro da Defesa Nacional (artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/88), sem prévio parecer desta Procuradoria-Geral da República -, pois ocorreu durante uma operação (em teatro de operações), na sequência de acção directa do inimigo.

A desvalorização correspondente a esse acidente, como já se disse, não basta, só por si, para a qualificação como deficiente das Forças Armada.

O presente parecer circunscrever-se-á, por isso,
à análise do segundo acidente, ocorrido em 27 de Julho de 1972, nos precisos termos do nº 4º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 43/76.

4
Este corpo consultivo tem interpretado as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº 2 e 2º, nº 4, do Decreto-Lei nº 43/76 no sentido de que o regime jurídico dos deficientes das Forças Armadas, para além das situações expressamente contempladas no primeiro preceito - de serviço de campanha ou em circunstâncias com ela relacionadas, de prisioneiro de guerra, de manutenção da ordem pública e de prática de acto humanitário ou de dedicação à causa pública -, só
é aplicável aos casos que, "pelo seu circunstancialismo, justifiquem uma equiparação, em termos objectivos, àquelas situações de facto, dado corresponderem a actividades próprias da função militar ou inerentes à defesa de altos interesses públicos, importando sujeição a um risco que excedendo significativamente o que é próprio do comum das actividades castrenses, se mostra agravado em termos de se poder equiparar ao que caracteriza aquelas situações paradigmáticas".

"Assim implica esse regime não só que o acidente tenha ocorrido em serviço, mas também que a actividade militar que o gera envolva, por sua natureza, objectiva e necessariamente, um risco agravado em termos de poder equiparar-se ao que decorre em situações de campanha ou a elas por lei igualadas" (1).

Em conformidade com o exposto, igualmente se tem ponderado que o risco agravado, superior ao risco genérico da actividade militar, é incompatível com circunstâncias meramente ocasionais e imprevisíveis, devendo entender-se em sede de objectividade.

5

5.1. Na aplicação da doutrina exposta vem esta Procuradoria-Geral da República entendendo que existe risco agravado na arrumação (2) e no manuseamento (3) de explosivos em relação de causalidade com o serviço.

Como se escreveu no parecer nº 47/85, de 16 de Maio de 1985:

"Uma primeira e importante achega consistirá, no entanto, em reafirmar a posição várias vezes defendida segundo a qual o militar que, necessária e obrigatoriamente, manuseia substâncias ou engenhos explosivos,.em actos de instrução ou exercícios com esses meios ou de qualquer modo com eles lide, se encontra, por isso, em condições objectivas de risco superior ao normal das actividades castrenses.

"Não assim quando é vítima ocasional de um desses engenhos em circunstâncias assimiláveis às que se podem verificar relativamente a qualquer pessoa que os encontre e manipula imprevista ou inadvertidamente.

"Consequentemente, este corpo consultivo pronunciou-se desfavoravelmente no caso do militar que, na área do quartel, encontra uma espoleta de granada e manuseia-a incautamente, supondo-a inerte, até a fazer explodir (parecer nº 145/77); o que é atingido pelo rebentamento ocasional de uma granada quando vazava lixo numa nitreira (parecer nº 152/77); o que encontra um objecto para si desconhecido no chão do aquartelamento e dele se apodera, provocando a sua deflagração (parecer nº 187/78); o que procedia à limpeza do alojamento dos oficiais e causa a explosão de uma granada que se encontrava no interior de um armário (parecer nº 79/80); o que não respeita as condições de segurança estabelecidas (parecer nº 186/81); o que, num pinhal, encontra um objecto que supõe de guerra e o manuseia de modo a provocar o rebentamento (parecer nº 159/82); o que, por curiosidade, retirou de uma granada a cavilha de segurança (parecer nº 107/83).

"No entanto, tem firmado carreira o entendimento inicialmente expresso no parecer nº 135/76, de 7 de Outubro de 1976, e amiudadamente citado, segundo o qual o manuseamento ou o transporte de explosivos ou engenhos destinados a deflagração implica tratar com objectos perigosos por natureza, ficando à mercê de imponderáveis que escapam ao poder de previsão expresso na observância das regras de segurança.

"É que, como aí se escreveu, "estas regras são estudadas e concebidas, como é natural, em função de certas causas típicas, geradoras de accionamento dos referidos engenhos ou dele condicionantes".

"Contudo, não eliminam outros factores, indetermináveis, mas nem por isso menos frequentes, como a experiência tem demonstrado, e conducentes aos mesmos resultados".

"No caso então em apreço, tratava-se de um soldado que transportava da arrecadação do quartel para a área da instrução um dado tipo de mina.

"Aplicando a doutrina exposta considerou-se em idêntica linha a explosão ocorrida em conferência de materiais - junto a caixotes com materiais inertes - parecer nº 278/77); manipulação de material explosivo em arrecadação (parecer nº 37/78); arrumação de material de guerra (parecer nº 45/78); levantamento de granadas de arrecadação em quartel (parecer nº 48/79); rebentamento por simpatia em operação de destruição de material explosivo deteriorado (parecer nº 23/79)".

5.2. No caso concreto, do ex-Mar FZE, (...), apurou-se que, quando em serviço, arrumava granadas de mão, no quartel, verificou que uma das granadas tinha a cavilha de segurança solta e que, quando pretendeu colocar a cavilha no lugar, o detonador lhe rebentou na mão, provocando-lhe ferimentos vários.

Não se indicia que tenha provocado intencionalmente o acidente, que tenha desrespeitado ordens expressas superiores ou desrespeitado condições de segurança determinadas pelas autoridades competentes, circunstâncias previstas no nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 43/76 que, a verificarem-se, excluem a possibilidade de qualificação como deficiente das forças armadas.

Nesta conformidade, o acidente deveu-se essencialmente a factores "indetermináveis mas nem por isso menos frequentes", como se exprimia o parecer nº 135/76, de 7 de Outubro de 1976, tipificadores de situações portadoras de risco agravado.

O que tudo consubstancia uma situação reconduzível à doutrina perfilhada na linha adoptada pelo mencionado parecer nº 135/76.

6

Termos em que se conclui:

1. O manuseamento de granada de mão, no quartel, em serviço, tendente a colocar no lugar uma cavilha de segurança que estava solta, integra uma situação enquadrável no disposto no nº 4 do artigo 2º, com referência ao nº 2 do artigo 1º, ambos do Decreto-Lei nº 43/76;

2. O ex-Mar FZE NIM (...), foi vítima de acidente enquadrável em circunstâncias subsumíveis ao quadro descrito na conclusão anterior, em 27 de Julho de 1972, de que lhe resultaram desvalorizações parciais de 35% e 2%, que, conjuntamente com a desvalorização de 10%, de um acidente ocorrido em serviço de campanha, atingem a desvalorização global de 42, 67%.
_______________________________
1) Dos pareceres nºs. 55/87, de 29.07.87, e 80/87, de 19.11.87, homologados mas não publicados e reflectindo orientação uniforme desta instância consultiva. Cfr. também o parecer nº 10/89, de 12.04.89.

2) Cfr., entre outros, os pareceres nºs. 146/77, de 21/7/77, 278/77, de 9/2/78, e 45/78, de 16/3/78.

3) Cfr., entre outros, os pareceres nºs. 255/78, de 4/1/79, 206/79, de 6/12/79, e 47/85, de 16/5/85.
Anotações
Legislação: 
DL 43/76 DE 1976/01/20 ART1 N2 ART2 N1 B N2 N3 N4.
DL 43/88 DE 1988/02/08 ART2.
PORT 162/76 DE 1976/03/24.
PORT 114/79 DE 1979/03/12.
Referências Complementares: 
DIR ADM * DEFIC FFAA.
Divulgação
14 + 3 =
Por favor indique a resposta à questão apresentada para descarregar o pdf